Capítulo 2 - Olhos tristes
Esmeralda
Eu arregalei meus olhos. Não esperava a hostilidade na voz dele. Que pessoa em sã consciência ficaria ensopada assim de propósito?
- Desculpe?
Eu pergunto porque talvez eu apenas tenha entendido errado essa hostilidade. Ele olha para os lados e talvez esteja ponderando se vai destratar uma mulher na frente dos clientes. Eu fico com raiva.
- Eu não acho que seu chefe gostaria de saber que você foi grosso com uma cliente. - Digo porque eu posso estar de coração partido, molhada e com pouco dinheiro, mas não vou deixar esse homem ser grosseiro por algo que não é minha culpa.
- Meu chefe? - Ele me pergunta.
- Sim. Obviamente que não tomei chuva de propósito e obviamente que não molhei seu bar de propósito também. Além disso, a poça de água que está se formando aqui agora é só porque você está falando comigo ao invés de me indicar onde é o banheiro.
Ele não responde, mas vejo seus olhos se fecharem levemente, como se quisesse controlar a raiva. Eu gostaria de saber se ele agiria assim se eu fosse alta, loira, magra e com uma camiseta branca. Algo me diz que não, o tratamento seria outro. Um que com certeza, a garota estranha de cabelo verde não mereceria. Ele aponta para a minha esquerda.
- Ele fica pra lá.
Eu olho e vejo o enorme letreiro em neon escrito "elas". Não me deixo abater e sem agradecer vou para lá. Que raios! Hoje não parece ser meu dia. Essa não é minha semana. Na verdade, não é o meu mês.
Entro no banheiro e pego um pouco de papel toalha para tentar me secar, é em vão. Eu evito olhar pro espelho, mas vejo de relance que sou um desastre maior que o habitual. Não sei como vou sair dessa. Acho que terei que ficar molhada aqui até a chuva passar e ir embora. Talvez Estrela do Mar não me ame tanto quanto eu me lembro.
- Aqui, isso pode te ajudar.
Eu me viro e vejo uma garota com uma toalha. Eu a olho sem graça, mas pego. Não sei de onde ela saiu e porque tem uma toalha aqui, mas não estou em condições de negar ajuda.
- Obrigada.
- Não me agradeça. Gustavo mandou.
Ela diz como se eu soubesse quem é Gustavo. Acho que ela percebe.
- O cara super gentil que estava atrás do balcão. - Ela diz em tom de brincadeira e eu não consigo deixar de sorrir.
- Por que vocês têm uma toalha de banho?
Eu já trabalhei em um restaurante e não me lembro de pessoas tomando banho lá.
- Tem um quarto na parte de cima do bar.
Então, ela parece pensar em algo.
- Você devia subir e ir tomar um banho quente lá em cima.
- Não precisa, assim que a chuva passar, vou embora.
- Você precisa comer e beber algo para se esquentar. Sou Yasmim, a propósito. Trabalho aqui.
Ela diz com simpatia e eu sorrio.
- Esmeralda.
- Que nome bonito.
Ela diz e parece sincera.
- Minha mãe é fã de novelas mexicanas.
- Preciso conhecer sua mãe, eu também sou. Bom, vou deixar você se secar. Você não quer mesmo subir?
- Não precisa, obrigada.
Ela afirma com a cabeça e sai. Eu tento ao máximo me secar, mas é um pouco inútil com as roupas ensopadas. Então, saio do banheiro mesmo assim. O gostoso grosseiro está agora fora do balcão e me olha intrigado. Ele se aproxima de mim.
- Acho que você devia subir e trocar de roupa. Não tem roupas de mulheres, mas deve ter algum moletom e camisa de malha.
Agora que ele está fora do balcão, percebo que ele é bem mais alto que eu. Isso me deixa um pouco tímida.
- Eu não vou mais molhar o bar, apenas vou ficar em uma mesa afastada até a chuva passar.
Ele suspira um pouco irritado.
- Eu não estava preocupado com isso.
- Não foi o que pareceu antes.
- Estou falando de agora. A chuva não vai parar tão cedo, acredite em mim. Vamos, eu te acompanho.
Apesar do verão, estou com um pouco de frio, então acabo cedendo. Ele aponta para uma pequena escada que fica ao lado da cozinha. Eu vou em direção a ela e ele vai atrás de mim. A escada dá para um pequeno corredor com uma porta no fim, ele passa em minha frente e a abre. É um quarto simples, apenas uma cama, uma tv, uma mesinha ao lado de uma cômoda e a porta do banheiro.
Ele não diz nada, vai até a cômoda, pega outra toalha, uma calça preta e uma camisa vermelha.
- Pega essa toalha seca.
Só então, percebo que ainda estou com a toalha que Yasmim me deu. Eu entrego para ele e pego tudo o que ele pegou. Ele não está mais hostil e isso me deixa um pouco confusa. Tento pensar se essas roupas vão me servir. Ele é bem mais alto que eu e é um homem forte, talvez sirva.
- Obrigada.
- Nada. Vou descer para você ficar mais à vontade.
Ele sai e eu observo sua costas. Ainda não sei se ele é o dono do bar ou apenas um funcionário, embora eu tenha falado como se houvesse algum dono. Vou até o banheiro e resolvo ceder à tentação. Eu tomo um banho quente.
Gustavo
Ainda estou no corredor quando escuto o barulho do chuveiro sendo ligado. Não consigo deixar de imaginar que essa mulher está agora tirando suas roupas molhadas e entrando no meu chuveiro.
Eu não sei o que deu em mim quando ela entrou no bar. Fiquei hipnotizado por aquela imagem. As roupas dela estavam grudadas em seu corpo e tudo o que eu consegui pensar foi que eu secaria cada parte do corpo dela com o meu, como uma música brega de sertanejo.
Ela estava me olhando também e achei que essa ligação estava sendo compartilhada. Não sou um homem ingênuo, eu sei quando estou sendo analisado. Até que algo no olhar dela se quebrou e, aparentemente, ela não estava feliz em me ver aqui. Em segundos senti a rejeição e deixei meu ego masculino falar mais alto. Acabei sendo grosseiro e não estou me orgulhando disso.
Termino de descer as escadas e Pedro faz sinal para mim. Vou até ele.
- O que deu em você? - Ele pergunta. - Todo mundo estranhou seu tom com aquela garota. A pobre entrou aqui parecendo um animal acuado.
Eu suspiro.
- Eu sei. Não sei o que me deu.
Eu não vou admitir para ele que era meu ego ferido falando. Eu nunca fui esse tipo de cara. Não quero admitir que em alguns segundos deixei isso sair.
- Como assim?
- Sei lá, cara, apenas saiu. Acho que fiquei surpreso, quer dizer, a garota não pensou em olhar a previsão do tempo? Todo mundo nessa cidade só fala em como ia chover forte.
- Você percebeu que essa mulher é turista, certo?
Ele diz o óbvio. E claro. Mesmo que não fôssemos uma ilha em que todo mundo conhece todo mundo, eu me lembraria se já a conhecesse. Eu não sei se já vi uma garota tão linda como ela. E pensar que agora ela está tomando banho bem em cima da minha cabeça. E minhas roupas vão tocar o corpo dela...
Pedro rindo me afasta dos meus pensamentos.
- Qual a graça?
- Você. Você gostou dela. Posso apostar que você está pensando nela trocando de roupa agora.
- Errado. Não estou.
Estou pensando nela tomando banho, no sabonete passando em seu corpo, na toalha secando sua pele. Pedro ri de novo.
- Faz tempo que não vejo essa cara em você. Aliás, acho que nunca vi.
- Não tem cara nenhuma, só estou pensando que vou dar uma bebida por conta da casa por ter sido grosseiro.
- E essa é a cara que você faz quando precisa dar algo de graça para algum cliente porque você fez cagada?
Ele provoca.
- Pelo amor de Deus, você vai vir buscar sua esposa todos os dias se tiver chuva? Eu não vou aguentar dois meses disso.
- Com certeza eu vou.
- E ainda dizem que a chuva traz coisas boas...
Ele gargalha e eu saio. Continuo atendendo meus clientes, o bar está movimentado, mas sei que a tendência é ficar mais nos próximos dias. Não consigo deixar de olhar a escada. Quando ela finalmente aparece, meu coração dá um salto. Eu finjo que estou aleatoriamente limpando o balcão e não vigiando seus passos. Vejo quando ela fica de frente para mim e inclina sobre o balcão. Droga, eu daria tudo para ela estar com aquela camiseta agora, minha camisa de malha não deixa eu ver os seios como aquele decote maravilhoso deixava.
- Deixei a toalha no banheiro e minhas roupas também estão secando lá. Será que depois você pode arrumar uma sacola para mim?
- Claro.
- Ainda quero uma mesa afastada, não estou no melhor look de verão. Quer dizer, nada contra suas roupas, mas...
- Tudo bem, eu entendi. Mas acho que mesmo assim, você não tem que se esconder.
Ela cora um pouco e acho isso adorável. Abaixa o olhar e pega o cardápio.
- Escolha o que quiser. - Eu digo. - É por conta da casa.
- O quê? Por quê?
- Pela forma que falei com você. Desculpe por isso, aliás.
Eu não me justifico, não posso dizer que senti raiva quando o olhar dela me rejeitou e que fui babaca o suficiente para não aceitar isso.
- Tudo bem. Você meio que compensou me dando roupas secas.
Eu estendo minha mão para ela.
- Sou Luís Gustavo, mas todos me chamam de Gustavo.
- Esmeralda.
Ela junta sua mão na minha e eu sinto a suavidade de sua pele. Eu gostaria de levar essa mão até meus lábios e beijá-la, mas não estamos em um livro bobo de romance de época.
- Verde.
Eu digo e me pergunto de onde saiu essa bobagem!
- Sim, totalmente sem criatividade para cor de cabelo. - ela diz divertida.
- Eu gosto. - Respondo e ela cora novamente. Jesus, de que cor ela ficaria se eu falasse cada pensamento que tive desde a hora que ela entrou em meu bar?
- Não é meio adolescente? - Ela pergunta tímida.
- Bom, eu coloquei alargador quando fiz trinta. - Digo porque ainda lembro de todos dizendo que era uma crise de meia idade, mas (embora seja o menor alargador possível) foi apenas algo que eu sempre quis fazer. - Não acho que tenha uma idade certa para fazer o que nos faz bem.
Ela sorri e concorda. Volta a ler o cardápio e não consigo deixar de perceber que ela tem tristeza em seu olhar. Achei que era frio ou minha hostilidade inicial, mas acho que ela está mesmo triste. Isso me incomoda um pouco.
- Vou querer um x-bacon e uma taça de vinho rosé. Não combina, mas hoje não estou querendo seguir padrões. - Ela diz.
- Certo. Eu levo para você.
- Obrigada.
Ela diz e ameaça sair, mas ela hesita.
- Posso fazer uma pergunta?
- Claro. - respondo.
- Você é o dono do bar? Antes... percebi que você achou ruim quando falei sobre seu chefe.
- Apenas fiquei surpreso. É difícil alguém falar assim por aqui.
- Eu também te devo um pedido de desculpa, certo?
- De maneira nenhuma, você só reagiu à forma que eu falei e sim... Eu sou o dono do bar.
- Hum...
- Por quê? Você não parece satisfeita com isso.
- Não é isso... Eu apenas achei que outra pessoa seria o dono do bar. Alguém que eu conheci quando vim passar as férias aqui.
- Deve ter algum tempo, faz oito anos que sou o dono.
- Sim, faz algum tempo. Na verdade, dez anos. Eu tinha quinze anos quando vim para Estrela do Mar pela última vez e por algum motivo, achei que encontraria um amigo dessa época aqui.
Então, ela veio aqui procurando por um homem? Agora faz sentido o olhar de decepção em seus olhos.
- Como ele se chama? Você sabe, não somos uma ilha grande e talvez eu possa conhecê-lo.
- Alex.
Estremeço. O mundo é bizarro demais.
- Alex?
- Você o conhece?
Penso em mentir, mas como eu disse... cidade pequena, se ela ficar aqui por mais que uma semana, com certeza saberá.
- Sim. Ele é meu irmão.
- Jura? Eu não sabia que Alex tinha um irmão.
Porque já faz muito tempo que Alex e eu não nos comportamos como irmãos. Esse é o grande desgosto da minha mãe e, mesmo que eu faça tudo por ela, me reconciliar com Alex não está nos planos.
- Você disse que faz dez anos, certo? Há dez anos eu estava morando no Rio de Janeiro. Fiz faculdade lá.
- Pode ser, mas eu vinha todos esses anos e nunca soube... talvez não seja o mesmo Alex. Você tem uma foto?
- Não.
Respondo meio seco porque não tenho mesmo e porque o empenho dela em rever meu irmão, me incomoda bastante.
- Hum... tudo bem. Obrigada mesmo assim.
E vai procurar uma mesa, observo quando ela escolhe a última que, de fato, é mesmo mais escondida.
- Ela é bonita.
Yasmim surge do meu lado e diz.
- Ela é.
Eu respondo. E a forma com que ela está sentada e os ombros encolhidos confirma minha suspeita, ela também é triste. Mas se ela é amiga do meu irmão e veio por ele, não é da minha conta.
O bar do Gustavo
Aqui o quarto que tem em cima do bar
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