Capítulo 13: Um Cupido chamado mãe
Esmeralda
O resto da semana foi estranho. Não houve mais beijos de boa noite e ontem quando Gustavo veio buscar Aurora, ele me disse que seus pais vão voltar a ficar com ela. Aparentemente, a mãe dele trocou o gesso por um menor e, embora ainda esteja de repouso, ela está precisando menos do pai dele.
Hoje é domingo e é meu último dia cuidando de Aurora. Estou meio nostálgica. O que me torna uma grande manteiga derretida porque foram apenas vinte dias sendo sua babá.
— Você ainda vai ser minha amiga?
Ela pergunta e aparentemente está com os mesmos sentimentos que os meus.
— Claro, querida! Você é minha melhor amiga aqui na ilha.
— Você é minha melhor amiga adulta!
Ela me responde com inocência e eu acho graça. Estou levando Aurora para a casa dos avós. Gustavo me mandou uma mensagem dizendo que teve um imprevisto e depois de pedir milhões de desculpas, me pediu para trazê-la aqui porque ele não conseguiria ir até minha casa.
Eu me pergunto se isso tem a ver com meu passeio de amanhã. Tenho repassado minha conversa com Yasmim no ano novo e talvez Gustavo esteja achando que é uma viagem romântica. Eu devo dizer que não? Quer dizer, ele não me perguntou nada sobre isso. Como eu começaria o assunto assim? "Ei, você parou de me beijar porque acha que estou com seu irmão que você odeia?"
— Nós chegamos!! - Aurora comemora.
Assim que eu estaciono o carro, o pai de Gustavo aparece no portão. Eu tenho que descer para tirar o assento de Aurora.
— Oi, vovô! - Ela diz feliz.
— Oi, querida! Pronta para dormir tarde e dizer pro seu pai que foi cedo?
— Siiim!!
Ela responde e nós rimos. Aurora desce do carro e dá as mãos para seu avô. Eu vou me despedir, mas…
— Ei, Esmeralda. Será que você pode entrar? A Marta quer te dar um oi.
Eu estranho porque não imagino o que ela possa querer comigo, mas sempre que não encontramos, ela foi agradável, então…
— Claro!
Quando entramos, ela está na sala, sentada em uma poltrona com os pés em cima de um puff. O gesso é, de fato, menor do que o dia em que se machucou. A decoração da sala é simples e aconchegante. Há fotos espalhadas por todo o lugar. Percebo que Alex e Gustavo só aparecem juntos nas que eles são crianças.
— Oi, dona Marta, como está se sentindo?
— Só Marta, querida. Estou bem melhor, sem dores. Senta um pouco!
Eu sorrio e me sento.
— Faz tempo que não nos vemos, falei para o Daniel te chamar porque assim podemos colocar o papo em dia.
Fico aliviada porque aparentemente, ela não quer falar nada em específico. Ela pede para. Daniel preparar um café, Aurora vai até o quarto que ela tem ali para brincar.
Nós duas começamos a conversar sobre minha infância e eu me surpreendo por ela se lembrar de mim e de meus pais. Ela também me conta sobre as lendas da ilha e esse assunto me fascina. Não vejo a hora passar, fico admirada em como ela parece acreditar que coisas boas vão chegar apenas porque todos os dias do verão irá chover.
— Mas a minha história favorita não é a da chuva. - Ela diz.
— Qual é?
— A da flor de cerejeira.
— E como é a história?
— Não é uma árvore nativa. Certo dia um homem chamado Vicente apareceu com uma muda, ele se apaixonou por uma moradora daqui, a Estrela. Os dois se apaixonaram, e Vicente decidiu permanecer na ilha, plantando a muda de cerejeira no topo de uma colina, como símbolo do amor deles.
Eu deixo de lado o fato de que o nome da personagem é o mesmo nome da ilha e me entrego à narrativa. Marta continua:
— Durante o primeiro ano, a árvore não cresceu. As condições da ilha eram diferentes, o calor do sol era implacável, e a terra parecia não acolher a cerejeira. Mesmo assim, Vicente e Estrela cuidavam da planta todos os dias, regando-a com as águas frescas do mar e conversando com ela, acreditando que o amor deles seria forte o suficiente para fazê-la florescer. Mas um dia, Vicente precisou partir porque sua mãe ficou muito doente. Ele disse que voltaria antes da árvore florescer, mas os meses se passaram e isso não aconteceu. Estrela no fundo, imaginava que ele havia sofrido algum acidente no mar porque eles se amavam tanto e ela tinha certeza que ele só isso o impediria de voltar.
— Ele nunca voltou?
— Não. Na manhã em que a primeira flor de cerejeira desabrochou, Estrela sentiu uma brisa suave varrer a ilha. Ao olhar para o horizonte, viu algo extraordinário: o reflexo do sol no mar parecia formar a silhueta de Vicente, como se ele estivesse voltando para ela nas águas. Depois disso, todos os anos, as cerejeiras florescem. Estrela passou o resto de sua vida cuidando da árvore, sabendo que o amor que ela e Vicente compartilhavam agora estava eternamente enraizado naquele solo sagrado. Elas só sobrevivem na colina, em nenhum outro lugar da ilha, essas árvores sobrevivem. É mágica. Então, desde então, todos os casais que trocam juras de amor no por do sol da colina das cerejeiras, vivem o amor e a felicidade eterna.
Eu sorrio emocionada, queria tanto acreditar em magia. Em amor eterno… Queria tanto acreditar que alguém faria uma planta florescer em um terreno hostil só por mim.
— É uma linda história. - Digo por fim. - Esse lugar é encantador.
— Sim, um verão é pouco para você conhecer toda nossa riqueza.
Sorrio novamente e me despeço. Acabei ficando mais que o planejado.
— Volte sempre que quiser, obrigada por trazer Aurora. - Então, ela solta um grande suspiro. - Estou tão preocupada e agoniada, queria ajudar o Gustavo, mas com esse gesso… E não posso pedir para o Daniel porque ele precisa me ajudar com a Aurora.
Um alerta soa em mim. Preocupada? Eu não aguento e pergunto:
— O que houve?
Ela faz uma cara de surpresa.
— Oh! Ele não contou?
— Não.
— Está com uma gripe enorme, quase quarenta de febre. Passou boa parte do dia no hospital. Eu estava tentando falar com ele quando vocês chegaram, mas ele deve estar dormindo. Não me atendeu.
Eu me preocupo. Penso em Gustavo sozinho em sua casa. Doente. E se quando começar a chover, ele precisar de ajuda?
— Ele não quis vir pra cá?
— Eu insisti, mas ele disse que podia ser contagioso. - Outro suspiro. — Espero que se chover muito, os telefones não saiam do ar. Ele pode precisar chamar alguém.
Meu estômago revira. Eu também espero. Sei que um resfriado forte é normal, mas ninguém merece ficar doente sozinho.
— Ainda tem a diabetes. - Marta continua - A glicose dele pode ficar oscilando…
— Hum… Também espero que ele fique bem. Vou mandar uma mensagem para verificar.
— Manda sim, filha, mas ele não deve responder. Conheço meu filho, ele deve estar prostrado na cama. Sempre que ele gripa, ele tem muita dor de cabeça. Se eu estivesse com ele, faria um mingau de fubá bem forte, com bastante alho e couve. Sempre funciona com ele, é como mágica.
Eu apenas sorrio porque não tenho o que dizer e me despeço de novo. Ela chama Daniel e Aurora e nos despedimos também. Entro em meu carro e sem pensar muito, vou até a minha casa. Pego uma escova de dente, tomo um banho rápido e arrumo uma pequena trouxa de roupa. Ligo para Alex. Ele começa a reagir mal, mas eu o lembro que no Natal ele saiu para ajudar uma amiga. Eu digo que tive uma emergência - não explico que é com o irmão dele porque não quero piorar as coisas. Pergunto se preciso pagar algo do hotel, mas ele disse que há tempo para cancelar. Então, depois dessa conversa um pouco chata, vou até a casa de Gustavo.
Gustavo
Minha cabeça está latejando horrores, estou com frio e dores por cada parte do meu corpo. Mas minha mãe sempre me ensinou a ser funcional, então, mesmo doente, estou fazendo um mingau para ver se abaixo minha febre.
Falando em minha mãe, ainda estou meio ofendido. Quando senti que dirigir no meu estado seria perigoso, pedi para Esmeralda levar Aurora até a casa dos meus pais e pensei em ficar por lá essa noite. Mas minha mãe, Dona Marta que ajuda a ilha inteira, disse que eu podia estar contagioso e que só o que faltava para ela era ficar gripada agora. Pois é, minha mãe negou abrigo ao filho doente.
Minha campainha toca e eu penso em não atender. Quem viria aqui agora? Mas eu preciso, tenho uma filha pequena e sempre pode ser uma emergência. Desligo o fogo e vou até meu portão, fico surpreso ao ver Esmeralda com um vestido liso todo rosa. Não esperava que ela aparecesse aqui.
— Ei!
Eu digo e abro o portão, ela me olha preocupada. Leva suas mãos até minha testa.
— Você está quente.
Ela diz entrando como se a casa fosse dela e isso é sexy pra caralho. Como eu consigo pensar nisso, mesmo doente?
— Estou um pouco doente.
Eu tranco o portão e nós entramos.
— Um pouco? - Ela pergunta.
— Bastante. Eu não fico gripado com frequência, mas quando fico, é sempre sofrimento.
Eu me jogo no sofá porque meu corpo está horrível. Meu sensor apita. Ela franze a testa.
— Você vai explodir? - Ela brinca.
— Não, é apenas minha diabetes gritando comigo.
— Gustavo… - Ela diz ele tom de preocupação e eu me arrependo.
— Relaxa. Estou bem, não é preocupante.
— Você nem ficou no bar hoje.
— Meus funcionários insistiram e eu precisava mesmo descansar. Estou fazendo um mingau.
— De fubá ? Eu faço para você. Fica aqui descansando.
— Não precisa.
— Precisa sim. Deixa eu fazer isso por você.
— Mas…
— Eu sei que você está preocupado em ser contagioso, mas eu nunca fico gripada.
— Preocupado?
— Sim, foi por isso que você não quis ficar na sua mãe, certo? Ela me disse.
Então, as peças se encaixam… Ah, minha mãe… Eu devia ter imaginado.
— Na verdade…
Ela me interrompe.
— Sério, tá tudo bem. Hoje você não vai precisar cuidar de ninguém. Eu vou cuidar de você. Posso dormir no quarto da Aurora?
— Você vai dormir aqui?
— Você se importa? É que pensei que você pode me chamar, se precisar. Aí amanhã podemos fazer vários nadas por aqui.
— Amanhã?
— Você é desses que fica lerdo quando está doente? Só me pergunta o que eu já disse.
— Não é isso, é que amanhã você não vai para o Rio?
— Eu desmarquei.
— Desmarcou?
Ela sorri.
— Viu? Lerdo. Vou fazer seu mingau, não precisa vir, fica aí descansando. Eu me viro em sua cozinha. - Ela diz, vira de costas e vai, mas para na porta e hesita. - Você não se importa, não é?
— De jeito nenhum. A casa é sua.
Ela apenas sorri para mim e vai. Eu relaxo meu corpo no sofá, tento me manter acordado para saborear todas as informações que tive agora. Minha mãe deu um jeito de mandar Esmeralda para cá. Esmeralda veio. Não só veio como desmarcou uma viagem com meu irmão. Agora ela está em minha cozinha. Não sei o que isso significa, não sei se isso significa algo, mas meu corpo parece achar que esse é o aval para eu relaxar porque em poucos minutos, eu adormeço.
Acordo um tempo depois, percebo que estou coberto por uma das mantas de princesa de Aurora. Demoro um pouco para me situar, mas Esmeralda na poltrona do lado me faz lembrar de tudo. A tv está ligada em um episódio de How I Met Your Mother.
— Ei, dorminhoco. Espero que você não se importe, liguei a tv e invadi o quarto de Aurora para pegar uma coberta.
— A casa é sua. - Digo ainda sonolento. - Dormi muito?
Ela olha o celular e me responde.
— Quase três horas.
— Nossa!
— Como você está se sentindo?
— Meu corpo ainda está horrível e minha cabeça também, mas acho que estou sem febre. Eu preciso de um banho.
Estou com o típico suor de quando o organismo se livra de uma febre.
— Por que você não toma um e eu faço mais mingau? Confesso que quando eu vi que você estava dormindo, comi e deixei para fazer um fresco para você.
Ela diz sem graça.
— Esmeralda, espero que você não tenha ficado sem graça de fuçar em minha cozinha. E comeu só mingau por isso.
— Ah, não… Eu realmente gosto de mingau. Um pouco antes do meu pai adoecer muito, ele pedia sempre. Sei que é um pouco triste porque ele já estava doente, mas são minhas últimas lembranças com ele lúcido.
— O que ele tem?
— Alzheimer.
— Eu sinto muito.
— Ele vive em uma clínica. Sei que meu emprego tem horário flexível, mas cuidar de um idoso com alzheimer é…
Eu a interrompo.
— É difícil. Em alguns casos, impossível. Eu entendo e mesmo que eu não entendesse, isso é algo que só diz respeito a vocês.
Ela sorri grata e meu peito dispara quando ela continua:
— Avançou muito rápido. Ele ficou um tempo com minha mãe e enfermeiras por 24h, mas a clínica tem atividades especializadas, fisioterapeutas… Ele às vezes se esquece como sentar, pegar em um garfo…
— Então a clínica foi o melhor lugar.
Ela assente com a cabeça e eu imagino como essa decisão deve ser difícil.
— Tenho sentido necessidade de falar com a Eduarda, acho que na semana que vem vou até lá e assim aproveito a oportunidade para ir visitá-lo.
Isso me assusta. Pensei que nós teríamos mais tempo juntos.
— Você resolveu ir antes do verão acabar?
— Não, estava pensando em ir e voltar. É uma viagem relativamente longa, mas… ainda preciso estar aqui.
Sorrio para ela e tento esconder o alívio. Então, digo que vou tomar um banho. Faço isso porque quero abraçar Esmeralda depois dessa conversa.
Entro no banheiro e ignoro totalmente o fato de que quase fiquei sem ar só de pensar que ela está indo embora.
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