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Última Ceia - parte 2

      "Ferrou"! Era um pássaro na armadilha de uma raposa. 

       Mas aquela mulher felina ainda ia brincar comigo. 

        A madame se levantou com seu prato na mão, minha respiração estava mesmo engasgada. Puxando a cadeira, ela sentou ao meu lado. 

— Perdão, senhora. Não foi minha intenção. Eu... — "merda, que se dane meu orgulho. Estou mesmo lascado". — Não quis desagradá-la... Perdão se não desempenhei minha função... Queria culpar a fumaça da lareira pelo olhar embaçado. Como outros haviam feito com mais dignidade. Sempre em vão. Era um homem feito e na vida já era, em muito, versado. Versos bons e ruins, era verdade. "Fechar os olhos para o passado era necessário", o barão me falou ao atravessar o canal em sua companhia. Mas quando não se sabe se vai comer na manhã seguinte, é difícil ignorar o peso do futuro. 

— Eu...eu ... — Ergui as mãos para o alto. Desistia. — Não tenho para onde ir.

      A baronesa apertou os lábios, trêmulos. Mas não conteve a gargalhada escaldante. 

— Desculpa — falou ela, mordendo o riso. Já estava vermelha. — Perdão... Seu sotaque apareceu e... é muito engraçado! — A mão no colo mal continha sua diversão, quase chorava. E isso me deixou irritado. — Meu marido disse que fazia cena, mas nunca tinha visto como os franceses são dramáticos. Aí, obrigada por isso... Senhor, ao menos em Applehall, eu decido o que é certo. E obtuso.

        Pisquei, confuso. Ainda leve, ela explicou: 

— Esse jantar de fato é um agradecimento, e despedida, pelo seus serviços como mordomo. — Como se apanhasse depressa algo que deixou cair, a baronesa envergou o rosto sério na face esculpida em alabastro. — É francamente patética sua posição de mordomo nesta casa. Do meu marido foi valete. E ele confiava apenas em você para essa função. 

        Demorei um pouco para captar o significado de suas palavras. 

"... Uma promoção? Sinto cheiro de golpe". 

         Nada vinha de bom grado da nobreza inglesa. 

         Killian Florentine era lento para um ex-batedor de carteira. "Mas, que me livre da confusão" e isso bastava. Imagino que não podia ser muito ágil para se deixar capturar pelo falecido barão. "Que seja. Que seja". Um homem feito e maduro como o verão, acolhido aos serviços do meu marido bem antes que sonhasse em chegar àquela porção da ilha inglesa.

— Era o valete de confiança do meu marido. Não faria a desfeita de demiti-lo — Uma pausa me fez refletir. — Por hora. Contudo, é um desperdício sem tamanho tê-lo como mordomo. Conhecia o barão tão bem que imagino, poderia citar suas cartas. Conhece a propriedade e os negócios dele. Então diga-me e por favor, sem reservas, aceitaria assumir novamente, para mim desta vez? Há muito para me pôr a par de seus negócios e conheço pouco e ainda menos deles.

        Não era verdade, mas esperava não me culpar mais tarde.

— Uma promoção? Como valete?! Esse era o propósito deste jantar? — Suas sobrancelhas de tão franzidas formavam um S. Assenti com um sorriso sem dentes. — Não imagino o real motivo dessa oferta, senhora.

         Suspirei, triste pela desconfiança. E meu cinismo não era velado.

— Quando crescia na Ilha de Skye, pensava que era sozinha — falei, voltando a remexer o prato. — Mas não consigo imaginar solidão maior que ser indiferente para a multidão. — Killian se remexeu na cadeira e soube que tinha atenção. — Não sei o que veio primeiro, mas certamente ajudou na posição de ladrão. Ah, espere, não me entenda mal, não o julgo! Conheço a fome, não o julgo. Já fiquei doente de tanto comer manteiga.

         Ofertei uma história esperando sua consideração, mas em vez disso o homem se levantou. Não era conhecida por minha paciência. Nem era boa com tecendo fios para tanta enrolação:

— Eloise e Loras Marchell — falei, por cima do desinteresse pela comida já fria. Ainda assim, carne e molho eram tão gostosos.

         Killian Florentine afagou o queixo, novamente desconcertado.

— Estão vindo para cá, apenas posso supor o motivo, então, como curador do meu marido durante sua doença, se existe alguma prova que esses garotos são filhos dele, preciso tê-la.

         O mordomo se empertigou, ofendido. "Arg, a moral dos pobres! Como não podem contar com o resto, só lhes resta isso".

— Posso ser um criado. Mas, Willian MacGyver era como um irmão para mim! — exclamou ele.

        Ergui a taça. E o embargo em minha garganta não foi ironia.

— Contudo, você não está no testamento. — Bebi sentindo algo corrosivo em meu estômago, ácido em meus pensamentos. — E se reclamarem suas posses, eu também não.     

       O gole seguinte de vinho foi apenas para engolir que poderia ser o último. 

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