63 - Um final necessário
Gael estava mudando de um canal para o outro. Em todos a notícia era a mesma: a gigantesca tempestade de semanas atrás no Triangulo das Bermudas, estranhamente atraída pelo sol.
Ele suspirou, frustrado.
— Vamos dar uma volta. — falou sério. — Preciso de ar.
A lua estava tranquila no céu, mas o silêncio do chão era agitado.
— Vai me contar o que está te incomodando? — perguntei.
— Estive pensando. — respondeu sem olhar para mim. — Você... eu.
— E tem alguma coisa errada com isso?!
O parque estava praticamente deserto àquela hora.
— É claro que tem. Tenho medo de nunca parar de arrastar você para problemas, Alma. — ele se debruçou no parapeito da ponte de madeira, olhando o reflexo na água turva do lago lá em baixo.
— Não estou gostando dessa conversa. — o tambor martelava, pulsando com vigor contra as minhas costelas.
— Não tem medo? — um olhar profundo e cheio de pesar. — De estar presa a mim?
Não estou gostando dessa conversa.
— A minha vida era perfeita. Aí você apareceu, um estranho lindo, um anjo de humor volátil, fez uma bagunça imensa e me ensinou que o amor é uma prisão feita de liberdade. Escolhi a bagunça, Gael. Não estou presa a você. Eu escolhi você.
Ele escrutinou o ambiente, talvez buscando uma rota de fuga.
— Você não tem senso de autopreservação. Depois de tudo, não sei como ainda não entendeu que estaria melhor sem mim. — um misto de tristeza e felicidade. — Não quero que se machuque.
— Então não me deixe.
Ele franziu a testa com surpresa.
— Eu amo você. — Gael se virou de frente para mim. — Amo você, Alma Ferraz, de todas as formas possíveis. Não é à toa que o seu símbolo seja uma rosa dos ventos, você é a minha bússola. Você é o meu norte, a minha direção, a luz que aclara a escuridão que habita em mim. A minha razão, a minha lucidez, a minha loucura e a minha sanidade. Você é a minha alma, carissimi. — fez um trocadilho com o meu nome.
E eu vi o 'mas' escrito em letras garrafais na doçura daquela voz.
— Mas não podemos continuar com isso. — aí está ele, o grande e gigantesco mas!
— Isso só pode ser brincadeira. Depois de olhar na minha cara e dizer que me ama vai embora?! Já sei! Vai fazer isso porque é o melhor para mim. Tudo pelo meu bem. Vai me deixar porque você me ama! Mais ridículo do que isso não podia ser!
— Não precisa ficar nervosa.
— Como eu deveria ficar?! Tranquila e satisfeita?!
— Eu só queria que você fosse racional e me ouvisse.
— Por que não diz na minha cara que se arrependeu?! — acusei. — Falta coragem?!
Senti os olhos ardendo. É isso? Um final necessário?!
— Já me arrependi de quase tudo, menos de você. — ele assumiu uma postura meio que de ofendido. — Isso é óbvio! Chega a ser um ultraje que você duvide. — ele estava mesmo ofendido!
Alguém me fala se eu tenho a obrigação de suportar essa postura de ofensa!
— Atravessei o inferno para ter você comigo e você vai jogar tudo fora!
— Não estou jogando absolutamente nada fora. É o correto. Você vai acabar entendendo que eu tenho razão.
Virei as costas para ele. Precisava de um segundo para recuperar o meu autocontrole. Como ele podia fazer isso comigo?!
O caçador soprou no meu ouvido e o calor daquela respiração espirrou na minha pele.
— Por que é que você sempre pensa o pior de mim? — um riso indecente. — Pulchram.
Me virei com tudo. O miserável tinha na cara aquela boca torta cheia de provocação.
— Precisa parar de fazer isso, bela dama. Sempre esperando que eu vá dar no pé! Que coisa mais feia da sua parte.
— Mas... — alguém pode me explicar?! — Pensei que fosse...
— Deixá-la?! — puro desdém. — Ridículo!
— Mas você disse...
— Eu não disse nada, você disse! — ele me interrompeu.
— Você disse, sim! — rebati.
— Não disse, não! A senhorita faz muitas suposições. E logo se apressou em colocar na minha boca palavras que jamais irei dizer. Vai ter que me pedir para ir, porque eu não vou escolher isso sozinho. Sou egoísta, quantas vezes preciso repetir para que acredite?
— Ai, seu miserável! — o jovem se esquivou com muita graça do tapa.
— Não é culpa minha que cultive esse mau hábito de tirar conclusões precipitadas e sofrer por antecipação. Eu aqui, me esforçando para dar o melhor de mim e você aí, sempre esperando o meu pior. Já disse: sou egoísta!
— Já te contaram que isso não é uma qualidade?
— Ora! Essa é a minha maior virtude!
— Você não presta, Gael! — me afastei rindo.
— Essa é a minha segunda maior virtude! — um ronronar cheio de maldade.
Um arrepio me percorreu. Acho melhor não continuarmos com essa lista!
— Já que você não vai embora, amenos que seja enxotado, o que estava fazendo?
— Bom... — Gael voltou a ficar tenso e nervoso. — Eu sei que você ainda é muito nova, tem outras prioridades e vou realmente entender se a resposta for um não, então...
Uma caixinha de veludo deixou o esconderijo de um bolso.
— Alma Ferraz — parei de respirar —, quer se casar comigo?
Uma aliança feita de diamante negro e ouro branco reluziu na noite. Só tenho dezoito anos... Fiquei sem reação, Gael continuou parado, me analisando. As coisas não estavam boas do jeito que estavam?
— Então, o que me diz, bela dama? Tradicionalmente exige-se uma resposta.
Comecei a tremer. Um final necessário para outro começo.
— É claro que eu quero!
O anel deslizou com suavidade para o meu dedo. Tradicionalmente tinha um beijo depois dessa parte, certo? Agarrei-o sem nenhum pudor!
Ciumento e agressivo. Gentil e cortês. Ele era um riso na madrugada, adorável cavalheiro, um pedaço de felicidade, um jogo divertido, um lar.
— Quase achei que fosse dizer não.
— Quase achei que fosse ficar segurando aquela caixa a vida inteira. — caçoei.
— Não se pode quebrar a tradição, carissimi, você tinha que aceitar.
— E por falar em tradição — olhei o brilho negro da joia —, você não tinha que se ajoelhar para fazer isso?
O caçador olhou de si mesmo para o chão.
— Nesse chão sujo? Onde todo mundo pisa? — me encarou com uma sobrancelha erguida. — A minha calça é branca!
Dei uma grande risada. Ele não tinha um mínimo de vergonha na cara!
— E aquela conversa de segurança e autopreservação?! — provoquei — Vai ficar de castigo!
— Você é tão mentirosa, pulchram. — ele me puxou para bem perto. — Eu tenho medo. Mas sou egoísta. Quero protegê-la. Mas já me dei conta que você é forte o suficiente para fazer isso por si mesma. O risco ainda existe, mas ao que parece, você é apaixonada por ele.
O coração do caçador sempre travaria essa batalha entre a culpa e o desejo.
— A vida seria muito sem graça sem ele.
A noite se tornou um palco de dança improvisado. E juro que pude ouvir thinking out loud tocando ali apenas para nós dois.
— Quando estivermos bem velhinhos, a sua boca ainda se lembrará do gosto do meu amor?
— Todos os dias. — sorri.
— Esse não é o fim. — uma voz que me enfeitiçava, escura e macia, profunda e sombria. —, Estamos apenas começando.
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