60 - Alma
Cheguei ao topo do vulcão e olhei a cratera aberta. Alma estava suspensa sobre o olho da tempestade com os dois braços abertos absorvendo a magnitude dos relâmpagos.
Elisa, Natan e Ramon estavam ilhados num pedaço pequeno de rocha que se dissolvia sobre o rio de lava. Desci voando até o pequeno grupo. Natan estava inconsciente. Elisa nunca sorriu tanto na vida. Nada como retornar dos mortos para ver a sua irmã caçula se derramando inteira por você.
— Achei que estivesse morto, seu idiota! — ela estava tentando me estrangular, aquilo não podia ser chamado de abraço.
— Também senti sua falta, catarrenta.
— Natan não vai aguentar muito tempo. — Elisa me soltou e limpou o rosto molhado. — Ele foi atingido por uma descarga elétrica fortíssima.
— E a Alma? — olhei a garota de cabelos negros e beleza selvagem levitando com pura magia. Ela estava absorvendo os raios. — Ela conseguiu? Conseguiu enviar a noite para outro espectro?
— Não sabemos o que está acontecendo com ela. — Ramon respondeu com a testa franzida. — Ela simplesmente nos deu as costas e começou a andar. Os pés não tocavam a lava. Ela se dirigiu à tempestade... e está lá desde então. Absorve os relâmpagos como se estivesse se alimentando deles.
Um medo agudo me tomou. Não saber o que estava acontecendo com ela era desesperador. Eu precisava saber que ela estava bem, senão não consiguia raciocinar.
— Mas e a noite? E a criatura? — tinha uma pessoa faltando ali. — E o guardião?
O aprendiz me contou o que eu tinha perdido. A tempestade era a criatura, e Alma estava conectada, presa, sendo usada por ela.
— Preciso tirar ela de lá!
— Não! — Elisa me segurou com urgência. — Ela vai matar você!
— Nem vai conseguir se aproximar da atmosfera elétrica perto dela sem ser atingido. — Ramon acrescentou. — Não pode ajudá-la agora. Ela não ouve, não responde.
— Precisamos sair daqui. — Elisa falou. — Está ficando muito pequeno.
Ramon se transformou numa bolinha de pelo que cabia em qualquer lugar. Natan foi erguido do chão, sendo carregado por mim e Elisa. O corpo fraco dele foi depositado cuidadosamente do lado de fora do vulcão. O meu olhar não perdeu mais o foco depois disso. Preciso tirá-la de lá.
— Não faça nenhuma estupidez! — Elisa suplicou.
— Alma não tem consciência do que está fazendo agora. — Ramon me encarou. — Ela vai matar você sem ao menos se dar conta disso.
— Vou tomar cuidado. — garanti e ganhei o ar.
A garota continuava imóvel, de olhos fechados, completamente absorta em si mesma, vários e vários metros acima do chão. Tentei chamá-la. A minha voz se perdia no barulho dos trovões. A guardiã não estava me ouvindo. Nenhum sinal de reconhecimento. O semblante inexpressivo continuava imutável.
O que eu faço? O que eu faço? O que eu faço?
Não dava para me aproximar muito. A eletricidade era tão grande que estava formando um campo magnético. Dava para sentir as descargas elétricas quando eu tentava ultrapassar certa distância. Alma não me deixava entrar.
O magnetismo aumentou. Perdi o equilíbrio. Senti o meu corpo sendo sugado. Lutei contra a resistência do ar para conseguir sair da zona de sucção. Achei que fosse ficar completamente louco de vê-la ali naquela situação. Se acontecer com ela, bem debaixo do meu nariz, o que aconteceu com o outro guardião eu simplesmente surto. Entro em colapso.
Pedaços de rocha viravam pó ao esbarrar na barreira invisível que a protegia. Alma estava encapsulada bem no meio de uma bolha transparente de magia e eletricidade mortal. A lava que respingava sobre essa esfera arrefecia instantaneamente e dissolvia. Então começou tudo a tremer. Alma estava sugando o mundo para dentro de si. É agora? O fim? O mundo está acabando nesse momento?
E quando eu achei que as coisas só iriam piorar até tudo desaparecer... o colorido da lava se perdeu e o magma se solidificou completamente. O terremoto parou. A tempestade começou a morrer. O vento parou de chicotear com fúria. Sobrou uma brisa de calmaria.
De repente... com um clarão abrasador... uma luz branca varreu tudo ao derredor saindo da guardiã. Meus olhos doeram e lacrimejaram com a intensidade da luz. Pisquei para conseguir me adaptar... mas a mudança drástica me deixou de boca aberta.
Era dia.
Ali embaixo, a noite eterna... virou dia. Ainda tinha o fundo da nossa ilha sobre nossas cabeças no lugar do azul do céu, mas a luz do sol conseguia alcançar aquelas profundezas. Cores. Tudo ganhou cores. Cores que a noite apaga, o dia devolve.
Olhei a garota no centro da cratera estéril. Ficou tudo quieto e tranquilo. O silêncio foi perturbador depois do caos da tempestade furiosa. Alma, perfeitamente parada numa postura ereta e elegante. Me aproximei novamente, com cuidado. Eu tinha urgência em tocar nela.
A eletricidade tinha ido embora com a tempestade. Alma continuava imutavelmente imóvel no lugar. Olhos ainda fechados. Distante de mim, levitando no ar.
— Alma? — sem resposta.
O movimento das minhas asas fazia o cabelo negro e sedoso dela oscilar.
— Alma. — cílios fartos em lindos olhos fechados que se recusavam a levantar. — Carissimi, acorda. — a expressão suave e a respiração tranquila de quem dormia um sono profundo. Toquei a face quente com a palma da mão. — Fala comigo. — uma sobrancelha negra desenhada com capricho. — Por favor, acorda. — a pontinha arrebitada de um nariz fino, a curva de uma boca com sabor de felicidade. — Alma? — o cheiro perfeito de flor lavada na chuva.
O corpo dela estava duro como uma rocha sólida. Eu não conseguia tirá-la do lugar, nem física, nem emocionalmente. Ela levitava, fixa, presa por algum tipo de força invisível. E se ela ficasse ali para sempre?
— Alma! — falei com desespero. — Por favor, carissimi, volta para mim. — não posso perdê-la outra vez, por favor, outra vez não! — Me diz o que eu faço! — implorei para o ser indiferente. Eu faria qualquer coisa. — Por favor, Alma, volta para mim.
O meu coração doía. E se ela nunca mais voltasse? O que eu vou fazer? Tudo o que eu mais queria no mundo era colocá-la em segurança. Olha para ela agora. O que está acontecendo? Eu não sei o que fazer!
— Por favor, carissimi!
O cabelo dela se levantou e ondulou ao redor do rosto como se, subitamente, estivesse submersa na água. O vento começou a soprar outra vez em volta dela, formando uma espiral. Eu me afastei com o peito em desespero.
Os cílios dela tremeluziram, o vento parou, e ela despencou lá de cima.
Mergulhei no ar e a peguei antes de chegar ao chão. O peso morto derramando-se inteiramente no meu colo. Um fio carmim escorreu do nariz perfeito. O sangue manchou a face desbotada, o meu coração estremeceu e parou de bater.
Olha só quem está de volta! <3<3<3
Mas não me diga, autora, que o caçador voltou só pra ver a mocinha morrer em seus braços.
Não conto é nada!
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