25 - Ardilosa e traiçoeira
— Você não está obcecado com isso?
— Você de novo?! — olhei o aprendiz que vinha se aproximando.
— Devia achar algo menos deprimente para fazer. — ele se sentou ao meu lado e encarou o horizonte tempestuoso. — Sabe que olhar a tempestade não vai fazer ela recuar, não sabe?
Eu não tinha nada para fazer, então ficava horas só observando as sutis mudanças nas nuvens negras que de mansinho vinham deixando o horizonte cada vez mais perto.
— Não tem mais ninguém para você encher o saco além de mim? — perguntei. — Cadê a sua professora? Ela não tem nada para te ensinar?
Ramon fez uma careta desgostosa.
— Selva não anda de muito bom humor ultimamente.
Isso me arrancou uma risada.
— Ultimamente?! — caçoei. — Deve ser efeito de passar tantos anos como sua tutora! — impliquei.
— Eu sou um bom aluno! — o jovem se empertigou todo. Ri mais ainda da sua cara de ofendido. — Sempre segui as instruções à risca.
— Tenho certeza que sim. — o analisei. — Incluindo roubar a magia da Alma?
— Não! — ele arregalou os olhos. — O episódio da fada foi culpa minha, já expliquei isso.
— É. O problema é que você não é ardiloso e traiçoeiro, moleque. Ela mandou você fazer aquilo? Por que?
— Não foi a minha mestra. — o aprendiz reafirmou. — Eu fiz aquilo. Foi minha ideia.
— Não foi. — rebati.
— Sim, foi! Por que acha que estou mentindo?
— Por que você é leal a ela.
Essas palavras tiveram impacto sobre o aprendiz.
— Esse é mais um motivo pelo qual você vai me odiar? — perguntou.
— Você fez a pessoa que eu amo trocar a magia dela pela minha vida, e isso quase a matou. Depois ela perdeu a memória e me trocou pelo mequetrefe. Você, Ramom, é a razão da minha desgraça. — ele ia se encolhendo com cada nova acusação. — Você me fez perder tudo. Mas não é por isso que eu te odeio.
— Não? — perguntou apreensivo.
— Eu te odeio porque você é o meu reflexo.
— O que? — o aprendiz ficou confuso.
— Eu vejo a mim mesmo quando olho para você. E é por isso que eu te odeio. Alguém que fez coisas erradas defendendo o que achava certo, sendo leal a quem não merecia. Eu te conheço, garoto, porque você sou eu mais jovem.
Ele sorriu e eu também. Nós dois olhamos o horizonte.
— Devia trazer a Alma para cá. Pode fazer a memória dela voltar.
— Para, Ramon. Para de repetir o que a Selva diz. Moleque... você é um bom garoto. Apenas sendo leal à pessoa errada.
Ele suspirou.
— A Srta. Elisa me disse a mesma coisa.
— Ela é esperta. É minha irmã. — me gabei.
— Como está a Srta. Elisa? Já faz tempo que ela não aparece aqui.
Olhei para ele de cima a baixo.
— Ela está bem. — respondi desconfiado.
— Ela gosta tanto de rosa, queria mostrar uma coisa, acho que ela ia adorar.
— Mas que merda?! — me levantei e o rapaz me seguiu. — Não fale da minha irmã! Não pense na minha irmã! E não faça truques para a minha irmã! Era só o que me faltava! Fique longe da minha irmã!
— M-mas... mas o que eu fiz de errado?! Apenas sinto saudades dela.
— Como é?! — era muito cara de pau mesmo! — Você não tem permissão para sentir nada pela minha irmã!
— N-nós somos só a-amigos!
— Amigos! — bufei. — Amigos! — repeti com desprezo. — Eu odeio essa palavra! O bailarino mequetrefe era só um amigo! E olha lá agora! Eu odeio essa palavra! Você não vai ser "amigo" com a minha irmã coisa nenhuma!
O aprendiz tentava se defender mas não tinha oportunidade.
— Vaza daqui, filhote de cobra! — comecei a enxotá-lo. — Vá encontrar alguém que esteja em paz de espírito para você atormentar! Eu já tenho assombração demais. Vaza!
Ele saiu resmungando. Era só o que me faltava! Estou com saudade dela! Mas era muito abusado mesmo!
— Eu prefiro filhote de raposa, mas... — a criatura apareceu saltitando com alegria. Eu tinha dito que o aluno dela era filhote de cobra, logo, a serpente era a própria ruiva. — Os aldeões de hoje não sabem tratar uma criatura sagrada como antigamente.
— Desculpe a falta de respeito. — dei as costas para sair. — Apenas, vá ser uma criatura sagrada não perto de mim.
— Pensou sobre o que eu disse? — ela parou à minha frente. Duas orelhas brancas saiam do meio daquele cabelo enxameado. Traiçoeira e ardilosa. — Não é tudo o que você mais quer? Recuperar as lembranças da criança híbrida? — Selva passou os braços em volta do meu pescoço. — Senti-la ao seu redor, como antes?
— Não vale a pena o risco. —desenrosquei-a de mim.
— Aquela coisa! — Selva apontou o horizonte com raiva. — Você sabe que tem alguma coisa lá dentro! E aquilo começou quando a guardiã se esqueceu de tudo. Precisa trazê-la de volta para cá!
— O que você não está me contando?! — acusei.
— Algum tipo de equilíbrio se perdeu. A guardiã precisa atravessar o portal.
— Aí a tempestade simplesmente some?! — desdenhei.
— A tempestade começou por causa dela. Elas estão conectadas. — Selva arqueou uma sobrancelha. — Eu só quero conversar com ela.
— Só seja honesta comigo! O que está escondendo?
— Traga-a para mim. Você terá as suas memórias e eu terei uma conversa com a guardiã.
— Alma não tem o sinal da rosa dos ventos.
— Empurre-a portal a dentro que ele vai aparecer em um segundo. — ela estalou os dedos.
— Ela pode morrer com a overdose de energia.
— Eu não ligo.
Fiquei estático. A raiva me percorreu todo o sangue com fervor.
— Eu ligo! — cuspi. — Ela vai desenvolver o sinal de forma segura e lenta, como da primeira vez. Depois disso, talvez você possa falar com ela. Não sei o que está planejando, mas não confio em você. Se você, Selva, quer a Alma aqui, eu tenho certeza que a quero lá.
Aqueles grandes olhos verdes se sentiram desafiados. Ela avançou um passo, eu recuei.
— Quer jogar comigo, caçador? Ok, eu vou jogar com você. A verdade é que aquela garotinha só serve para mim como guardiã, sem magia como agora, ela é descartável. Você está aqui, ela está lá, sozinha, exposta, vulnerável. Como você poderia protegê-la estando tão distante?
O frio da ameaça me atingiu.
— Eu quero a guardiã, viva. — frisou. — Traga-a para mim, caçador. Ou eu mesma vou buscar. — ela me deu as costas e acrescentou por cima do ombro: — E seja rápido. A tempestade está afetando o mundo de lá também.
Olá amores!
Hoje só fiz deixar vocês na curiosidade. O caçador precisa voltar e Isabel precisa se explicar. E Selva está tramando, óbvio. Vamos ver o que vem por aí.
Se gostou não esquece da estrelinha e semana que vem tem mais. Monte de Bjos e uma ótima semana!
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