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II

Os três biólogos saíram do jipe mal Skylar imobilizou a viatura e desligou o motor. O sol tinha passado o seu zénite há algumas horas, mas ainda era possível sentir resquícios do calor incomodativo que tinha predominado durante todo o dia quando o vento não soprava.

Bienvenidas a Ruby — disse Gus com uma terrível imitação do sotaque mexicano, esticando os braços para abarcar a paisagem. 

Olhando em volta, nada mais se via que gramíneas acastanhadas, árvores escuras e espinhosas de pequeno porte e casas de ar velho e abandonado espalhadas por entre o mato alto.

— Provavelmente devíamos continuar até à clareira de campismo e preparar tudo para trabalhar. — Sky ajeitou o boné que lhe protegia a cabeça rapada e rodou sobre os calcanhares. — Q, tens o mapa deste sítio, certo?

— Yup! — respondeu a negra, aproximando-se da colega para apontar para o pedaço de papel. — A entrada da mina que o Michael disse que vamos usar não está no desenho para os turistas, mas ele marcou-a aqui e temos as coordenadas no verso.

A silhueta roliça de Gus foi projetada ao lado das suas no chão quando o mesmo se aproximou.

— Até que viemos cedo. Que tal aproveitar para turistar?

— És tão preguiçoso! —  acusou Quinn. 

— Os morcegos só saem ao crepúsculo, mas ainda temos coisas para fazer entretanto. — Sky entrou no jipe atrás do volante. — Podes vir passear noutra altura, Gus.

Quinn e Angus entraram no jipe e Skylar seguiu caminho, conduzindo devagar enquanto, tal como os amigos, apreciava a bizarria daquela cidade desértica.

— Isto é brutal —  murmurou Gus, com a cabeça fora da janela aberta. —  O meu cunhado ia-se passar se aqui estivesse!

Quinn ficou em alerta, olhando para o homem colado à porta atrás do condutor. 

— Porque é que dizes isso?

Sky olhou pelo retrovisor central, mas não conseguiu ver o sorriso malicioso que o homem lançou à negra.

— Porque ele me contou tudo sobre Ruby quando soube que eu vinha.

— Ah, não! —  exclamou Quinn, escudando os ouvidos com as mãos. — Não, nem pensar! Agora é que eu não me enfio em nenhuma destas casas!

Angus riu ante a perturbação da colega. Àquele ponto, já não era segredo nenhum para as duas mulheres que o seu cunhado é um aficionado de histórias de crimes reais. E também não era segredo nenhum que a afro-americana tinha um profundo respeito, e receio, de entidades sobrenaturais. Especialmente espíritos.

— Incomodar as almas dos mortos é errado, Gus! Eu não quero profanar a casa de ninguém nem perturbar o pós-vida de seja quem for! 

O homem abriu a boca para continuar a sua explicação e a negra, ainda de mãos nos ouvidos, começou a cantar em voz alta.

— Foi na década de 20. Três duplos. Eles condenaram os culpados, mas um deles fugiu no fina-

— Fugiu!? — gritou Quinn, horrorizada com o que ouvira mesmo por cima do barulho que fizera.

Sky parou o carro sem que eles dessem conta.

— Pessoal, chegámos — disse, esperando distraí-los do tópico atual. — É melhor aproveitar as horas de sol enquanto ainda as temos. Como vamos ficar aqui um par de dias, devíamos montar as tendas primeiro antes de fazer um reconhecimento do terreno e decidir onde colocar o equipamento.

E assim fizeram.

As duas tendas ficaram montadas em poucos minutos, prontas para os receber no início da manhã do dia seguinte, quando finalmente fossem dormir. Depois, trancando o jipe com o equipamento importante lá dentro, saíram para o meio do mato em busca de evidências da passagem de morcegos.

— Acho que aquela é a loja onde ocorreram os homicídios — disse Gus, apontando para um edifício isolado no topo de uma colina.

Quinn estremeceu.

— Concentra-te, Gus. O teu doutoramento também depende destes dados! — repreendeu Sky.

As palavras tiveram o efeito desejado: apesar dos resmungos, o biólogo passou a levar o seu trabalho a sério. Uma vez que os morcegos de cauda livre são insectívoros, a equipa precisava de determinar quais os melhores locais, entorno dos lagos da propriedade, para capturar os indivíduos.

Os três estavam a debater a adequabilidade de um pequeno lago e a possibilidade de erguerem as redes ali naquela noite, quando um restolhar da folhagem os fez levantar os olhos naquela direção.

— Será o jaguar que está de volta? — perguntou Quinn, num sussurro excitado, referindo-se ao animal que tinha feito casa em Ruby há uns anos. A ideia de estar assim, na natureza, tão próxima de um grande felino, eriçava-lhe os pelos de excitação.

Angus colocou um dedo esticado sobre os lábios e pediu-lhe silencio com um "sh", afim de não assustar o que quer que fosse que estivesse a menos de 20 metros de distância. Os três encontravam-se meio dobrados sobre si próprios, expectantes. Porém, endireitaram-se, um por um, em silêncio e alerta, quando a origem do som ficou visível.

Estavam frente a frente com um par de homens de pele bronzeada e roupa vintage escura e suja. Deviam estar na casa dos 30. O da frente tinha o chapéu de cowboy velho e esfarelado. O de trás trazia algo comprido nas costas, que o mato alto ajudava a esconder.

A troca de olhares foi silenciosa e demorada. Sentia-se na pele que aquele encontro era errado, que nunca devia ter acontecido. Contudo, ninguém se atreveu a mexer ou falar, como se receassem desencadear uma reação indesejada. 

Uma rajada de vento, que arrastava consigo plantas mortas e areia, soprou na direção dos biólogos, obrigando-os a desviar a face e a fechar os olhos. Quando os abriram, os dois homens tinham desaparecido.

— Experimentemos colocar aqui a rede, hoje — disse Sky depois de se recompor, trazendo à terra os amigos ainda presos nas suas dúvidas e na estranheza do encontro. — O Michael só chega amanhã ou depois com o equipamento de segurança, mas devíamos ir espreitar a entrada da mina na mesma. Pode ser que dê para recolher alguma amostra.

Skylar virou o boné ao contrário sobre a cabeça lisa.

— Q, tens o mapa e o GPS ou é preciso voltar atrás?

A negra demorou a processar a pergunta que lhe foi dirigida.

— Tenho aqui — acabou por responder, retirando da sua pequena mochila os objetos referidos.

Com um aceno de cabeça dos colegas, Quinn tomou a dianteira, levando-os até ao seu destino.

Durante as restantes horas diurnas, a equipa completou a inspeção ao terreno e voltou ao acampamento para preparar o trabalho que se estenderia noite dentro, agindo como se nada tivesse acontecido. Mas, nos seus íntimos, as dúvidas que não tiveram coragem de verbalizar persistiam. Ruby ainda não estava aberta a visitas e aqueles dois pareciam demasiado suspeitos para serem investigadores e demasiado deslocados para alguém responsável pela manutenção.

Quem eram e o que raio faziam eles ali?

1114 palavras

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