I
O ar quente entrava pelas janelas abertas do jipe, relembrando os seus passageiros o quão desagradável era ter que passar qualquer altura do verão no meio de nenhures no Arizona.
— Gus, trouxeste as tags para marcar os morcegos? — perguntou a Quinn ao baixar o volume da música e olhar para trás. — Gus! Gus, acorda! — exclamou, atirando-lhe uma das botas que tinha descalçado na viagem por causa do calor.
O homem acordou sobressaltado.
— O que foi? Sou eu a conduzir outra vez?
Skylar, atrás do volante, riu.
— Não é preciso. Estamos quase a chegar — disse, tranquilizando-o.
— Se nós não dormimos, tu não dormes — sentenciou a negra no banco do pendura, com um dedo incriminatório esticado na sua direção. — Trouxeste as tags? Há mais do que um trabalho dependente delas e mesmo amando a natureza, eu não durmo no meio do mato mais tempo do que o necessário.
Angus encolheu os ombros.
— Sim...?
— Verifica! — cortou Quinn, endireitando-se.
O homem no banco de trás inclinou-se para a bagageira afim de verificar se tinha razão. Porém, a sua busca foi dificultada pelos solavancos que a estrada de terra batida incutia no jipe.
— Pensa positivo, Q. — Skylar desviou os olhos do caminho por uns momentos, olhando de relance a amiga que atava as tranças num coque no cimo da cabeça. — Ao menos não estamos a estudar peixes!
Quinn estremeceu com a menção de uma das experiências de vida pouco felizes que a faculdade lhe tinha trazido. As jardineiras de borracha e as galochas não tinham sido o equipamento mais confortável que usara na vida, muito menos no pico do verão numa zona com galerias ripícolas estreitas e escarpadas, oferecendo poucos locais frescos para descansar à sombra.
Vendo a sua reação, Sky e Gus, que entretanto se sentara direito, caíram na gargalhada.
— Estão ali as tags, assim como o frasco grande de café em pó — esclareceu, ajeitando os óculos.
— Ámen! — exclamou Sky. — Já não tenho idade para sobreviver a diretas sem cafeína!
— Ámen! — reforçou Quinn antes de subir o volume para cantar a plenos pulmões as músicas que tinha escolhido com os amigos para a viagem.
Ainda demoraram alguns minutos de saltos e poeira até encontrarem o desvio para Ruby. Depois de fazer a última curva recomendada pelo GPS, o jipe subiu a estrada de terra batida até encontrar um portão de ferro fechado com uma corrente e ladeado por uma vedação de madeira velha.
Angus preparava-se para sair da viatura e abrir o portão, quando um homem de ar austero apareceu no seu campo de visão.
— Não sabia que íamos ter um guarda à nossa espera debaixo da torreira do sol — comentou, atraindo a atenção das amigas para o desconhecido que se aproximava.
Ruby era uma atração turística, mas também era propriedade privada, pelo que era necessário pagar para fazer uma visita ou ter uma autorização especial para entrar.
Com o homem quase em cima da sua janela, Sky retirou os óculos de sol e prendeu-os na gola da t-shirt.
— Bom dia — cumprimentou. Pareceu-lhe que o homem retribuiu com a cabeça, mas não tinha a certeza. Pela carranca, o mais provável é que se tivesse enganado. — Skylar Kidd, Quinn Clarke e Angus Pearson, da Universidade do Arizona. Estamos aqui por causa dos morcegos — esclareceu, mantendo os detalhes curtos. De qualquer forma, a maioria das pessoas também não entendia quando explicava o seu trabalho.
A figura larga olhou-os, impassível, quase com desdém.
— Só recebemos visitas de quinta a domingo.
Sky apoiou um antebraço na janela aberta e outro no volante, inclinando-se um pouco mais para fora do carro.
— Não somos visitas. Estamos a estudar os morcegos da zona e a nossa universidade fez um acordo com os proprietários para podermos aceder à mina e ao espaço envolvente para recolher dados sobre a vossa colónia de morcegos mexicanos de cauda livre.
O homem pestanejou os olhos já de si estreitos pelo excesso de luminosidade.
— Não fui informado sobre o assunto.
Skylar lutou por esconder das suas feições o seu desagrado com aquele homem. Quinn, que tinha começado a vasculhar o porta-luvas do jipe ao primeiro sinal de complicações, deitou-se sobre o colo da branca, estendo um documento através da janela aberta.
— Está aqui uma cópia do protocolo de cooperação e da nossa autorização de entrada.
O homem passou os olhos sobre a folha e afastou-se uns passos para conversar com alguém através do rádio que tinha dentro de um dos bolsos laterais das calças. Devido ao vento que descia as colinas adiante, o conteúdo da conversa ficou inaudível.
— Tudo em ordem. Podem passar — disse ao devolver os documentos.
Ainda com a cara petrificada na mesma expressão, o segurança caminhou até ao portão, abrindo-o com o retirar da corrente.
— Que imbecil — sibilou Quinn entre dentes antes de sorrir falsamente à sua passagem.
— Estava só a fazer o seu trabalho — defendeu Gus.
— Um péssimo trabalho, digo-te desde já!
Skylar olhou pelo retrovisor central para ver o portão a ser fechado e o homem a voltar para a pouca sombra de uma árvore quase seca.
— O que importa é que entrámos. — Sky encarou os amigos antes de voltar a focar-se no caminho à sua frente. — Temos coisas mais divertidas com que nos preocupar.
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