I
Escrito por
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Se é por falta de lembranças natalinas mais plausíveis ou um senso do absurdo em plena meia idade, ou ainda por falta do que sempre procurei sucessiva e vorazmente, mas não encontrei, não sei dizer. Talvez seja as três alternativas de uma só vez.
O fato que me vem à mente é de quando eu tinha lá meus 17, quase 18 anos. Era véspera do natal de 2008.
Em casa, isso significava reunir a família toda, Santos e Bentes rodeando uma mesa com dez cadeiras, sob um véu de sacramento que influência exterior nenhuma poderia quebrar, tal era o evento, aguardado por poderes acima de nós, como queria nos fazer crer o meu avô, José.
Pois bem, outra ceia se aproximava e os Bentes novamente dariam o ar da sua graça: tia Lupita, tio Sérgio, prima Rita e o primo Noel vieram do Mato Grosso para o Rio.
Chegaram pouco antes do natal e só voltariam depois do ano novo. Lembro da mãe falando com o pai sobre gastar, sobre segurarem as contas uns dias antes deles chegarem. Eu mesmo lembro que cheguei a pensar com preocupação, olhando para os colchões de solteiro escorados no meu quarto, que, por umas duas semanas, pelo menos, aquele cubículo teria que abrigar a mim e aos meus primos.
Logo que chegaram, não lembro bem da ocasião, fui tomado por uma inconsciente sensação de superioridade em relação aos meus primos, sobretudo o primo Noel.
Ele tinha um jeito lento e meio bronco de menino do campo. Não necessariamente "do campo", apesar de que era mesmo, mas me parecia apenas que estava sempre deslocado no Rio, na nossa casa. Tudo que ele olhava parecia ser uma novidade. Já olhava com aquele brilho nos olhos.
A prima Rita também tinha aquele jeitinho meigo de quem não queria atrapalhar ou incomodar, mesmo que estivesse fazendo os dois. E eu não percebi na época — era muito moleque para autocrítica —, mas foi ligeiro para eu sacar que, naquele trio, eu era o descolado da cidade grande; eles, os visitantes deslumbrados.
No fim das contas, só o primo Noel ficou comigo no meu quarto. A prima Rita chegou a dormir com a gente umas duas ou três noites, mas depois foi pra sala onde os tios estavam. Durante o dia, ela ficava mais com a mãe e com a tia Lupita, por isso não guardei grande lembrança dela. Já o primo Noel, eu o chamava para jogar videogame na sala e ficávamos até tarde nisso. Ele até era bom, mas quase nunca me vencia em nada. Nem no Super Mario. Eu sorria por dentro.
E por um tempo, o meu ego se fartou dele como se fosse um aquecimento para a ceia. Era eu me alimentando da ingenuidade como se, de repente, eu fosse o detentor da inteligência descolada. A mãe nem podia desconfiar dessas coisas (ninguém, na verdade, desconfiava), mas no fundo, aqui dentro, eu ria toda vez que o primo Noel perdia para mim no videogame, toda vez que ele falava com aquele sotaque engraçado do interior. Ria do nome dele: Noel. Eu ria porque ele era ele, e ele só me fazia bem porque eu era o parâmetro da comparação.
Até que chegou a véspera, o dia 24.
Lembro que a casa estava cheia e, conforme a noite foi chegando, mais gente aparecia: amigos do trabalho do meu pai, os parentes da minha mãe, a nossa vizinha. Meu quarto virou uma zona. Eu lembro perfeitamente que estava no quintal, apertado, quando corri para o banheiro. Não pensei, só fui e abri a porta. Levei um susto quando vi o primo lá. Ele tomava banho.
Na hora, a minha cabeça bolou sozinha a primeira mentira que calhou: pedi desculpas, disse que não sabia que tinha gente e só precisava pegar minha escova de dentes. Saí constrangido e fui mijar no banheiro do quarto da minha mãe. Depois de lavar as mãos, fiquei um segundo me olhando no espelho, me interrogando sobre o que tinha visto.
Então, fui direto para o meu quarto e me amontoei sobre a cama. De propósito. É que o primo Noel, quando saísse do banho, viria se trocar. Eu estava nervoso, como se prestes a cometer um crime. Como se não fosse para eu estar ali, espiando; como se todo mundo fosse acabar desconfiando disso.
Pois quando eu levantei da cama, frustrado, mas disposto a relevar aquilo, o Noel entrou rápido no quarto e fechou a porta. Ele usava apenas a toalha atada na cintura.
Eu fiquei tão nervoso e sem ação que tentei ao máximo não olhar o vulto na sua toalha branca. Fracassei, imagino. E imagino não só pelo que lembro de mim, mas também por conta de uma risadinha que ele deu quando me viu no quarto. Toda vez que me peguei tentando decifrá-la, fiquei perdido no caminho. Ele riu da situação de estar ali, pelado comigo? Riu de vergonha? Riu porque saiu rápido do banheiro, devido a casa cheia? Ou riu porque me pegou olhando um instante para a sua toalha?
Mistério.
Mas foi um mistério em que eu não pensei na hora. Ele podia ser lento e meio bronco, mas era menos ingênuo do que eu pensava. Não fez cerimônia alguma por eu estar ali com ele. Andou até sua mala, deixou a toalha escorrer aos pés e tratou de fuça-la na caça de uma cueca. Ele estava de costas para mim quando eu o olhei de esguelha, o coração a mil no peito.
De repente, eu não sabia mais para onde olhar. Ou sabia, mas não devia. Um tipo de espírito da lucidez desceu sobre a minha mente enquanto eu o assistia completamente nu. Lembrei das palavras do vô José sobre os poderes acima de nós e uma confusa sensação de vigilância. Então, meu peito foi batendo mais forte ao mesmo tempo em que o Noel pareceu ter encontrado a cueca e foi se virando de frente para mim.
Hoje sei que dizer que ele tinha corpo de menino do interior é um tipo de eufemismo; e eufemismo por eufemismo, prefiro dizer que ele era, em toda a sua forma, a personificação do David, de Michelangelo. Mas tão somente logo de início.
Assim, estávamos lá, nós dois. Eu, semipresente, amontoado. Ele, meio consciente (inclusive do que eu pretendia, suponho). Demorou a vestir a cueca, decretou a minha perdição. Se ele não tinha pressa, eu seria relógio quebrado.
Comecei por cima.
Cabelos encaracolados, quase enxutos. Rosto quadrado, as sobrancelhas caídas nos cílios e olhos de quem sabia um pouco mais que o necessário para toda a vida. Pescoço grosso, o pomo de Adão protuberante. Homem já feito em cima de ombros largos, mas não inflexíveis, de braços torneados por alguma prática exercida lá pelos campos. Mãos grandes de dedos longos, dedos que tornavam a cueca minúscula. Tórax, cada parte pedindo para ser admirada, as linhas fundas de ligacão dos músculos por onde as últimas gotas ainda escorriam. Pente, o caminho de pelos enroscados, escuros, perfeitos que descia, descia, descia até o...
O seu pau, obra-prima da renascença.
Mole, mas parte importante da escultura. As bolas contraídas, resquício do frio do banho.
— É errado — Noel disse, do nada. — É perversão, sabia?
Eu gelei. As borboletas da barriga, todas se calaram de súbito me trazendo de volta à realidade. Balancei a cabeça, pedi desculpas e saí.
Não adiantou tentar esquecer o que tinha visto. Mesmo que conseguisse, por um curto espaço de tempo, a todo momento a presença do primo em casa me faria relembrar. O seu corpo molhado, malhado da brabeza do interior. O seu pau me olhando, me julgando, balançando, sorrindo. Esquecer era tolice. Já estava em mim.
Hoje, acho curioso como a nossa mente funciona, como ela pode ser inventiva. Depois desse ocorrido, eu tinha certeza que a relação com o primo mudaria, fiquei desconfiado, mas diferente de mim, ele seguiu me tratando normalmente. Ainda sorria e brincava comigo com o mesmo jeito de antes, sem ressalvas ou ressaibos no trato. Para ele, eu ter ficado manjando o seu pau não era nada (embora, para mim, fosse).
E toda vez que o via na sala, sentado, ou em pé conversando com o pai, minha mente inventava. Ele ali, vítima dos meus olhos, indiferente a mim e aos meus pensamentos, ao passo que eu o estava admirando por baixo da roupa. Admirava a sua barriga torneada escondida sob a camiseta, as suas pernas cabeludas abraçadas pelo calção. Tremia com a imagem do seu pau mole acomodado na cueca.
Ele assaltou a minha mente.
E ela era toda dele agora.
No começo, eu me senti sim acuado, intimidado. Me senti inferior até — finalmente o primo me ultrapassava, e em tudo —, mas também me senti tentado cada vez mais a cruzar essa parede de proibição. Queria vê-lo de novo. Vê-lo pelado. Molhado, quem sabe. Satisfazer a necessidade da visão era uma ideia fixa que não saía dos meus planos.
Tive a oportunidade, e no mesmo dia.
Eu fiquei bolando um jeito de pegá-lo pelado de novo. Fiquei na espreita: a qualquer momento, ele poderia ir tomar outro banho, trocar uma camisa, sei lá. Só lembro bem que, pelo resto daquele dia, eu grudei nele, ansioso de minhas esperanças acontecerem, embora também nervoso com aquilo tudo que acontecia comigo por dentro.
Lembro que, logo depois do almoço, ele foi ao banheiro e, um instante depois, saiu de lá. Foi mijar, era quase certo. Eu fiquei uma pilha comigo mesmo. Não tinha feito nada. Não tinha pensado em nada a tempo. Só tinha visto a oportunidade ali, ao alcance da mão, e deixado ela ir embora.
Entrei no banheiro em seguida, ergui a tampa do vaso e lá estava. A água amarela de urina me confirmando o fracasso. Quando se é jovem, e jovem como eu fui — dos que sempre tinham tudo o que queriam —, a frustração é um negócio que faz o peito arder de raiva. Lembro bem dessa sensação. Fiquei imaginando ele ali, fazendo mira, uma mão na cintura, o jato amarelo alvejando a cerâmica do vaso, respingando na água. A cabeça leve, relaxada. Talvez, até tivesse assobiado.
Saí ainda mais decidido a pegar o primo Noel com o pinto na mão da próxima vez.
Foi lá pela tarde, algumas pessoas já tinham ido embora para voltarem mais à noite para a ceia, a casa então mais vazia, que decidi o que ia fazer. Fiquei de olho nele desde então, e quando ele fez menção de entrar em casa, eu o segui pedindo a toda divindade possível para o meu plano dar certo.
Deu.
Na sala, a prima Rita o chamou um instante e ele foi dar atenção a ela. Foi a minha deixa. Entrei no banheiro e, de dentro, com a porta entreaberta, fiquei espiando ele lá fora. Pensei rápido: tirei a roupa num segundo, ficando só de cueca, e voltei a espia-lo. Algo me dizia que ele entraria no banheiro. Eu tinha quase certeza de que ele tinha entrado em casa para vir ao banheiro. E, daquela vez, eu não ia perder mais nenhuma oportunidade.
Fiquei esperando. Quando ouvi ele terminar com a prima Rita, corri para dentro do box. Assim que ele abriu a porta, eu liguei o chuveiro.
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