Uma coisa leva a outra
Noble estava começando a se sentir melhor desde o sumiço de Kaira. Estar com Leon, Bravery, Luck e outros jovens Espécies o acalmava. Gostava muito de os ensinar, mostrando tudo o que havia aprendido com seu pai quando era mais novo.
Fazer aquilo tampava o buraco de solidão em seu coração.
— Eu queria ver uma baleia — Luck respondeu na sua vez. — Uma baleia-assassina.
— Por que chamam ela de assassina, irmão? — Bravery perguntou.
— Na verdade, ela é uma Orca, não baleia.
Luck o olhou de soslaio.
— E qual a diferença?
— Orcas tem dentes como os golfinhos — Noble explicou. — As baleias tem cer—
— Cerdas bucais — Leon terminou. — Sabia que a minha mãe queria fazer uma especialização em animais marinhos antes de conhecer meu pai? Ela sabe tudo sobre.
Luck se aproximou de Leon.
— Então explica por quê as chamam de assassinas.
— Creio que é porquê elas matam baleias e também porque tem um método de caça extremamente eficaz — Leon dizia sério, surpreendendo Noble. Ele não fazia ideia de que Leon gostava daquelas coisas. — Na lista de principais predadores do reino animal, a Orca está em segundo lugar, perdendo apenas para o Tubarão branco.
Bravery olhava para Leon com expectativa.
— E os outros predadores, Leon?
— Hmm... Leão em terceiro lugar, Sucuri em quarto, Crocodilo em quinto, Urso Polar em sexto e—
— Pensei que Urso Polar fosse legal — Bravery interrompeu com uma careta. — Como no comercial da Coca-Cola.
Noble riu e balançou o cabelo do irmão.
— Bom, creio que ele não seja muito sorridente, irmãozinho.
— Então o comercial é mentira!
— Sim — Noble riu mais alto e os outros dois meninos o acompanharam. — Eu sinto muito.
— Espera... — Luck desceu do galho onde estava e pulou no chão, ao lado de Leon. — E os primatas?
— Chimpanzés, Orangotangos e Gorilas são perigosos, assim como inteligentes e ágeis, mas não são predadores em potencial... Embora exista uma teoria de que são assassinos natos.
Os olhos avermelhados de Luck, iguais ao de Jericho, brilharam maliciosamente.
— Óbvio que são. Vocês, felinos — olhou-os de forma brincalhona — podem ser rápidos e fortes, mas nós, primatas, temos um diferencial.
— Serem temperamentais demais? — Leon provocou e Luck balançou a cabeça, negando. — O que então?
— Podemos comer chocolate!
Noble gargalhou alto, espantando os pássaros.
— Você tem um ponto, Luck!
Um som na floresta interrompeu a risada de que Noble que, instintivamente, virou-se e se colocou entre quem se aproximava e os meninos.
Os passos rápidos de uma corrida se tornaram apenas uma caminhada conforme ficava mais próximo, até que Hunter surgiu no meio da mata. O Espécie usava apenas calça e andava descalço, com sua pele negra reluzindo ao sol.
Noble não fazia ideia do que se passava pela mente de Hunter, já que ele estava sempre com a feição séria, como se nada o fizesse sorrir ou rir.
Mas já vira Hunter abrir um breve sorriso para uma pessoa. Kaira.
— Noble — ele acenou com a cabeça. — Kismet estava procurando por você. Ele disse que ligou, mas você não atende.
— Não vejo meu celular há muito tempo — Noble relaxou a postura. — Mas se ele quer tanto me ver, pode vir para a Zona Selvagem.
Hunter olhou para as crianças e pareceu pensar.
— Tem algo que você precisa saber.
— Diga.
Os olhos escuros deslizaram para os mais jovens de novo.
— Tem certeza?
Noble não tinha nada para esconder de ninguém.
— Pode falar — cruzou os braços. — Vá em frente.
— Muito bem... Kismet veio falar comigo ontem e o que me disse fez com que eu questionasse os neurônios dele.
Noble sorriu lentamente. Hunter estava fazendo uma piada?
— O que ele disse?
— Algo sobre tomar o controle da Reserva, Zona Selvagem e colocar Justice contra a parede... creio eu que seja esse o modo de falar — Hunter divagou por alguns instante. — Algumas gírias ainda me dão dor de cabeça, por isto prefiro a Zona Selvagem a Reserva. Os Espécies de lá são tão... mansinhos.
— Com colocar Justice contra a parede você quer dizer que eles pretendem tirar o poder dele? — perguntou surpreso e Hunter concordou. — Tem certeza de que foi isso que ele disse?
Hunter o olhou com estranheza.
— Por que eu mentiria? Ele pediu para eu fazer parte dessa rebelião, mas neguei. Justice foi muito prestativo comigo e meu pai quando nos trouxe para a América e nos deu um novo lar — Hunter suspirou. — Eu sinto que se for para escolher um lado, ficarei com Justice, mesmo que isso doa profundamente em meu coração.
Aquilo só podia ser uma piada de mal gosto da parte de Kismet.
— E quanto a você, Noble?
— O quê?
— De qual lado vai ficar?
Noble rosnou, impaciente.
— De nenhum.
🌡️
Kaira engoliu um comprimido atrás do outro, respirando fundo ao terminar. Depois pegou a seringa e aplicou a insulina em si mesma.
Complexo B e vitamina C faziam parte do seu estoque de remédios.
Tocou as olheiras enormes e se encarou no espelho, observando sua própria imagem pálida.
— Como eu sinto falta do sol...
Apertou o colar gelado entre seus dedos, tentando ignorar a crescente onda de sentimentos que pareciam atormentar sua mente e corpo todos os dias.
Odiava aquela incessante necessidade de ter alguém ao seu lado, como os malditos hormônios que a faziam querer estreitar laços afetivos. Era perturbador, porque não importava se iria conseguir um aliado ou não no subsolo, ainda não seria o suficiente.
Ninguém além de Noble seria capaz de fazer seu corpo, seu sangue e sua mente serem preenchidos pelas altas doses de substâncias que vinham com o amor. Ela estava viciada e agora longe da sua melhor droga.
Dá para imaginar o que acontece se retirar a pessoa da sua vida assim, de repente? O corpo fica uma bagunça, sem entender direito como funcionar sem sua dose de hormônios e neurotransmissores que dão a sensação de bem-estar.
Era uma sensação mórbida de não ser mais nada, algo que ela sentia sempre que olhava para o espelho.
Saudade.
Arrependimento.
Fracasso.
Altas doses de constante incerteza.
O radinho sobre a cabeceira da cama fez alguns ruídos, cortando seu raciocínio e Kaira o pegou.
— Oi?
— Nós vamos ter uma reunião daqui a pouco, desça para as celas onde vamos nos encontrar.
— Okay.
A comunicação foi cortada por outro ruído e Kaira enfiou o colar para dentro da roupa porque, naquele ponto do campeonato, parecia que o esconder poderia transformar ela em outra pessoa.
Na personagem que criou para estar ali.
🌡️
Noble estava logo atrás de Hunter enquanto corriam em direção a Reserva. Não estava em seu melhor humor depois de ouvir que Kismet estava armando uma espécie de trama contra Justice.
Se ele, que estava longe de sua companheira e extremamente afetado pelas mentiras dos Espécies mais velhos, não começará uma briga, quem era Kismet para dar início a uma?
Só podia estar louco.
Noble só queria chegar lá antes de uma luta começar.
— Espera! — ouviu uma voz abafada logo atrás deles e Noble parou, fazendo com que Hunter também parasse.
— Leon? — e não parava por ai, Luck e Bravery apareceram também. — Ah, não, não mesmo. Podem ir dando meia volta.
Leon parou ao lado dele e cruzou os braços.
— Qual é, eu já tenho idade para isto. Não sou criança.
— Dizer isso só prova o quanto você é uma criança, agora pega o meu irmão e volta para casa.
Leon negou com a cabeça e Noble rosnou.
— Volta agora!
O garoto encolheu os ombros de forma quase imperceptível, mas Noble notou.
— Isso é uma ordem?
— Não — respondeu honestamente. — É um pedido.
E então os olhos de Leon brilharam em desafio.
— Pois bem, pedido negado — ele sorriu exatamente como Leo. — Eu vou.
Noble fechou os olhos por um segundo. Por que não tinha um dia de paz? Parecia que todos o estavam testando o tempo todo. Ele estava quase em seu limite.
— Luck — sua voz saiu mais grossa ao abrir os olhos. — Leva Bravery para o meu pai, por favor.
O garoto olhou para ele e depois para Leon, deu de ombros e resmungou:
— Eu nem queria ir mesmo.
— Viu? — apontou o dedo para Luck e Bravery que se distanciavam. — Eles são obedientes, ainda dá tempo de ir junto.
— Acorda, Noble, você não é o meu pai.
Respirou fundo.
— Até porque se eu fosse você seria muito mais educado.
Leon retrucou, mas em tom sarcástico:
— E muito mais chato.
— Que se dane — Noble jogou as mãos para cima. — Pode vir, mas venha por conta e risco, eu não tenho tempo para proteger seu rabo.
— Tudo bem, papai.
Destinou um olhar irritado a Leon e, juntos, os três continuaram a corrida para a Reserva. Eles foram direito para o Hotel, onde Hunter disse que Kismet estaria com os outros.
Noble só queria saber quem eram os outros.
Ele ouviu o som de vozes, muitas delas, dentro do refeitório e parou na porta.
— Tem mais Espécies do que eu esperava...
— Realmente — Hunter franziu o cenho levemente. — Mas Justice não está aqui, não sinto a presença dele.
— E como sentiria? — Leon se intrometeu. — Pelo olfato? Você e Justice são tão próximos assim?
Hunter olhou para Noble como se perguntasse "o que ele está fazendo aqui mesmo?".
— Justice é o alfa, está mais para uma sensação logo embaixo da minha pele. Um efeito calmante.
Noble não tivera muitos encontros com Justice, mas sabia que ele era um macho incrivelmente bom para o seu povo. Alguém que estava disposto a dar seu tempo e fazer sacrifícios por eles.
Ele admirava Justice, nem sempre entendia suas ações, mas ainda assim o respeitava.
— Um efeito calmante? — Leon perguntou e olhou de soslaio para Noble. — E a fêmea alfa?
Hunter e Noble trocaram outro olhar e falaram juntos:
— Breeze!
— E o be—
— Espera! — Hunter ergueu a mão. — Tem humanos entrando.
Noble olhou para a direção de onde vieram e Aaron, seguido de Andrei, caminhavam até eles.
— Soube que teria uma reunião hoje, Justice foi chamado, mas não pode vir, ele tem muitas coisas importantes para resolver em Homeland — Aaron disse e sorriu. — Parece que é Tiger ou Slade quem vai tomar as decisões hoje.
— Estou animado — Andrei bateu o punho na palma da mão. — Eu nunca vi tantos de vocês juntos. São incríveis.
Aaron revirou os olhos.
— Vê se não fica babando, pegaria feio para um cara como você. Vamos entrar?
Noble não podia deixar de pensar que aquele grupo que o acompanhava era o mais estranho de todos. Deixou que todos fossem na frente e segurou o braço de Leon.
— Fique onde eu possa te ver, ouviu?
— Mas você disse que não ia proteger o meu rabo — Leon diz com um sorriso arteiro. — Mudou de ideia?
— Você é igualzinho a sua irmã, inacreditável — resmungou e empurrou levemente as costas dele. — Agora anda, antes que eu mude realmente de ideia.
🌡️
Passou um tempo no andar onde os Espécies ficavam presos.
Ela odiava aquele lugar mais do que tudo, mas se sentia mais segura próxima dos presos do que daqueles que estavam soltos.
Alguns homens ainda a olhavam como se fosse um pedaço de carne e, depois de presenciar o abuso de várias formas e não poder fazer nada, ficar sozinha com algum deles não era uma opção.
Ficou andando entre as celas a procura de um rosto conhecido. Alguns eram extremamente parecidos, como eram os pais e filhos, outros tinha características únicas. Haviam mais caninos do que felinos e pouquíssimos primatas.
Desde o início os primatas eram raros, ela se perguntava se era por que a experiência não tinha dado certo ou por que não valia a pena.
Ela passou próxima de uma cela onde uma mulher estava deitada e pálida, enquanto o Espécie estava com um dos punhos presos junto a grade. Não tinha como ele se aproximar dela daquele modo.
Kaira parou e ele olhou para ela. O Espécie tinha um cabelo negro como a noite e olhos igualmente escuros, ela quase não conseguia distinguir a pupila da íris. O som ameaçador veio antes dele avançar e tentar pegá-la atrás das grades.
Um trimbre forte e assustador escapou dele, do tipo que podia causar pesadelos até nela, que estava acostumada com eles.
— Eu não vou machucar você — murmurou e ergueu as mãos. — Não precisa avançar.
Mas ele não parou, não em Kaira, tentou fazer o mesmo com a mulher deitada aos pés dele e só foi detido pela corrente, então ela entendeu.
Ele estava instável.
E como não ficar? Até ela se sentia a um passo de cair nas tentações de pirar.
— Eu te entendo — desviou os olhos para a mulher, sentindo pena e rancor. — Eterno é o trauma...
Apostava que tinha toda uma família lá fora procurando por aquela pobre moça, machucada e abusada, colocada a mercê de um Espécie que não tinha controle de suas próprias emoções e força.
Se ela não morresse nas mãos do carrasco, morreria nas mãos daquele Espécie.
Ela deu um passo a frente, aproximando-se perigosamente da cela.
— Você tem que me ouvir, tem que entender. Precisa se acalmar ou vai acabar matando alguém inocente — lentamente Kaira encostou a mão na grade gelada e se aproximou mais, sempre devagar. Tinha que pensar que naquele momento ele era arisco. — Meu nome é Kaira... eu posso parecer má... talvez eu seja um pouquinho, mas só com quem merece, eu juro...
Ele recuou na grade e rosnou, mas não avançou novamente, o que Kaira tomou como um bom ponto.
— Você tem olhos bonitos — sorriu para o Espécie e ele tombou a cabeça para o lado; dúvida, medo e raiva cruzavam suas feições. — São olhos de felinos, eu conheço um monte de pessoas como você — deslizou os dedos pelas barras e, cheia de coragem, estendeu a mão. — Justice, Darkeness, Brawn, Valiant... eles vão ajudar você a se recuperar e se ajustar na vida lá fora quando forem liberados, então você vai poder correr livre para onde quiser, fazer o que quiser, ser quem quiser.
Ele focou seus dedos como se estivessem vendo algo pela primeira vez na vida, talvez com assombro ou simplesmente curiosidade, mas a emoção que sentia a partir dele era forte. Intensa.
Então, para a sua surpresa, fez o mesmo.
Ele estendeu o braço livre e suas peles se tocaram. Primeiro apenas as pontas dos dedos quentes roçaram nos seus, depois teve mais, ele alisou a palma da mão dela lentamente, subindo para o seu pulso e antebraço, até que a segurou e a puxou com força, fazendo-a acertar a testa contra a grade e soltar um gemido.
Kaira quase gritou, pensando que ele estava prestes a morder qualquer parte dela, mas os olhos dele ainda se mantinham passivos.
Ele apenas não tinha ideia de força que tinha.
— Tudo... tudo bem — sua voz soou trêmula e seu coração estava disparado dentro do peito. — Você apenas não tem noção do quanto é forte — sorriu para ele, com a bochecha grudada na grande e seus rostos extremamente próximos. Ele podia acabar com ela a qualquer instante. — Pode me soltar, por favor?
Mas é claro que ele não o fez, apenas se aproximou o quanto podia e cheirou sua pele, percorrendo o nariz por sua mão e pulso. Kaira soltou uma risada baixa e ele a olhou surpreso com o som.
— As pessoas costumam rir e sorrir quando estão felizes — explicou. — A sua vez vai chegar, eu juro...
O Espécie a soltou depois de longos minutos e olhou para a mulher deitada, talvez pensando nas semelhanças que as duas podiam ter.
— Eu sei que você fala... qual o seu número?
Ele ignorou a pergunta dela e ficou completamente parado, nem mesmo se moveu quando um dos guardas se aproximou para chamar ela.
— Kaira?
Ela se virou para o guarda.
— Está na hora.
— Ok... vamos lá.
🌡️
— Do que se trata essa reunião? — Andrei perguntou. — Você não me disse nada.
— Eu também não sei, nem me chamaram. Estou aqui porque Justice espera uma avaliação minha mais tarde, alguém da Força Tarefa sempre fica nas reuniões deles.
Hunter fez um comentário que Noble não esperava.
— E parece que Justice confia muito em você.
Aquela simples frase pareceu mudar o clima na mesa; Andrei apoiou o rosto sobre a mão e sorriu, como se esperasse algo e Aaron apenas tombou a cabeça para o lado, fitando Hunter com seriedade.
— Está insinuando alguma coisa, Hunter?
— Eu só acho engraçado que, das últimas vezes que alguma coisa aconteceu para o nosso povo, você estava sempre por perto. Como daquela vez na floresta, quando os outros armaram uma plano para pegar o sequestrador e da outra vez, durante o furacão, você não estava do lado de fora com Noble e os outros? Não foi você quem disse que as câmeras foram invadidas e levou alguns de nós para fora?
Noble nunca tinha visto Hunter falar tanto e com certeza não fazia ideia de onde ele tirara tudo aquilo.
— Hunter — chamou atenção dele antes de Aaron responder. — Quem te falou do dia na floresta?
— Kaira.
Claro, tinha que ser...
— E ela também te disse que Aaron levou um tiro no meu lugar?
— Acho que um tiro é o preço para o inocentar.
Aaron jogou a cabeça para trás e gargalhou, enquanto Andrei apenas negava em silêncio e sorria.
Porra, Andrei o irritava.
— Uma faca que corta para os dois lados pode ser prática — Aaron disse. — Mas podemos nos confundir e nos cortar.
Hunter não esboçou nenhuma reação.
— O que quer dizer?
— Quero dizer que gosto de você, rapaz, mas acho que não é legal da sua parte dizer que foi Kaira quem disse isso a você.
Noble estreitou os olhos sem entender nada e Hunter reforçou sua fala:
— Mas ela disse!
— E quem mais falou com você sobre mim?
Hunter abriu a boca e fechou, o que fez Noble erguer as sobrancelhas.
— Quem falou sobre Aaron com você, Hunter? — foi a vez dele perguntar. — Agora eu também quero saber.
— Eu não sei quem você deixa entrar na sua cabeça, rapaz, mas estou feliz que esteja falando sobre isso cara a cara comigo. Mostra muito do seu caráter — Aaron espalmou as mãos na mesa e perguntou novamente. — Quem fez você desconfiar de mim?
— Não posso dizer.
Andrei abriu a boca, mas Aaron não deixou que falasse.
— Tudo bem, eu admiro mesmo sua lealdade aos seus, é algo que não se vê muito no mundo lá fora — ele suspirou e olhou para a frente do refeitório, onde Kismet e Heaven entravam juntos. Noble arregalou os olhos, momentaneamente chocado. — Algo me diz que de uma forma outra vou descobrir agora.
Noble endireitou as costas e não tirou os olhos de Kismet.
Heaven parou na frente de todos e esperou até que o refeitório ficasse em silêncio. A pose dele dizia tudo a Noble. Confiante e exagerada, com o olhar cheio de ódio e orgulho. Era nítido que faria uma grande merda e Kismet não ficava tão atrás.
Na verdade seu melhor amigo parecia até pior.
Como ele tinha sido tão cego... primeiro Kaira e agora Kismet?
Por que tudo estava desabando tão rápido?
— O que você está fazendo? — apenas moveu os lábios enquanto sentia a dor atravessar seu coração. Kismet desviou o olhar.
Heaven pulou sobre um dos bancos, ficando um nível acima dos outros e começou:
— Estou surpreso pelo número de rostos que vejo aqui e feliz, porquê posso ver que a maioria de vocês são jovens como eu. Espécies da nova geração... saber que consegui reunir todos nós aqui me deixa muito orgulhoso — Heaven mantinha uma voz calma e forte, como as batidas de seu coração, enquanto o de Noble batia irregularmente. — Antes de começar realmente, eu imagino que nessa altura do campeonato todos já saibam do segredo que esconderam de nós, não é? A verdade que nossos pais manteram em segredo para nos proteger? — suas palavras soaram irônicas. — Levante a mão quem ainda não sabe!
Absolutamente ninguém levantou a mão.
— Foi o que eu pensei... E PARA QUÊ? — ele elevou a voz e o eco soou como um rugido através do silêncio. — Do que adiantou nos manter no escuro quando somos nós o futuro dos Espécies!
Houve uma série de concordâncias e urros.
— Foi para proteger vocês! — Slade levantou e abriu os braços. — Vocês são apenas crianças.
— Crianças você diz? — Heaven rugiu e desceu do banco, indo até Kismet e o puxando para frente. — Crianças por acaso são obrigadas a matar para proteger outras crianças?
Noble apertou os punhos. Ele sabia do que se tratava, Heaven estava falando sobre quando Kismet matara pela primeira vez para o proteger.
— Ataques acontecem o tempo todo, Heaven — Tiger tomou a frente, olhando com mágoa para o próprio filho. — Podia ser com qualquer um de vocês.
— Não, não podia! — ele afirmou e abriu um sorriso perigoso, voltando-se para o público. — Vocês por acaso sabem por que Kismet estava na floresta naquela noite? ESTAVA ATRÁS DAS RESPOSTAS QUE NENHUM DOS OUTROS PUDERAM DAR A ELE!
— Você está mudando a informação, Heaven — Forest se levantou e Noble não pode deixar de sentir um puta orgulho. — Estavamos todos na floresta naquela noite, atrás daqueles que levaram nossos amigos, nós ja tinhamos ciência de um perigo e, ao entrar naquele plano, Kismet tinha consciência de que qualquer coisa poderia dar errado. Eu fui sedado e Aaron levou um tiro protegendo Noble, Kismet não foi o único que saiu machucado daquela situação — Forest se virou para Slade. — Vai ter que me desculpar, pai, mas não concordo com o senhor. Nós não somos mais crianças... por isto — voltou sua atenção exclusivamente para Kismet — você não pode se fazer de criança. Você sabia do que se tratava aquela missão, conhecia os riscos e mesmo assim foi por sua conta. Não culpe os outros pelas suas escolhas e nem tente usar as consequências como argumentos, não vai colar.
Heaven soltou Kismet e caminhou lá na frente, parecendo pensativo.
— Uma pergunta, Forest, tudo bem?
Noble sabia que Forest não confiava em Heaven e aquele sentimento de dúvida e ressentimento estava expresso no rosto do amigo que, mesmo relutante, concordou.
— Vá em frente.
— Mas você não concorda comigo que estar na floresta, naquela noite, não era um modo de descobrir quem estava sequestrando os Espécies?
— Bom, era esse o motivo e—
— Ótimo! — Heaven bateu as mãos. — É o suficiente, amigo — a menção a uma amizade nos lábios de Heaven enojava Noble e pareceu ter o mesmo efeito em Forest. — Viram? Tudo seria diferente se os nosso pais tivessem simplesmente dito a verdade! Kismet não teria que ter matado ninguém e o nosso querido Aaron não teria tomado um tiro!
— Querido... — murmurou Andrei. — Eu tô adorando tudo isso.
Um burburinho de vozes se espalhou e novamente Heaven tomou a palavra.
— Durante muitos anos um pequeno grupo tem tomado decisões por todos e se aproveitou do fato de governar para esconder informações importantes, enquanto nos mantinham no escuro...
Aquelas eram palavras bonitas, pensou, mas na boca de uma cobra perdia toda a essência.
Noble não tinha nenhuma problema com Heaven além das brigas por causa da Kaira, mas para si elas não pesavam na balança. Não se preocupava com Heaven, não até aquele momento.
Não precisava chegar no final do discurso para saber o que ele queria, só não entendia o motivo de querer poder. Qual era o objetivo final?
— Mas nós podemos mudar, podemos tomar conta daquilo que nos pertence. Chega de deixar tudo nas mãos de Justice, vamos fazer do poder uma democracia em que todos tem voz! Vamos tomar conta daquilo que será o nosso futuro! As mentiras acabam aqui e agora mesmo!
Muitos Espécies começavam a concordar com ele, sendo influenciados por palavras bonitas.
— As vitórias deles não foram as nossa vitórias, os seus triunfos não foram os nossos triunfos! — Heaven continuou. — A vida de prisioneiros acabou, vamos tomar agora conta das nossas próprias vidas. Juntos vamos reconstruir nossos valores e ideais!
Outros concordavam.
— Vamos enfrentar desafios. Vamos lidar com as dificuldades, mas vamos fazer o que temos que fazer, mostrar ao mundo do que somos feitos! — Heaven rugiu. — Quem está comigo?
Quase todos que ouviam concordaram, mas o que mais chocou Noble foi que não havia apenas a nova geração de Espécies ali, mas também alguns da antiga.
Enquanto todos falavam juntos e comemoravam pelas palavras de Heaven, o Espécie ruivo olhava para a mesa onde Noble estava, não para ele, mas para Aaron.
E ali estava a resposta para a sua pergunta.
Afinal, para quantos Espécies ele não falara sobre Aaron? Por que despertar a desconfiança dos outros em relação ao homem?
🌡️
—
Kaira! — Nate bateu as mãos ao vê-la e sorriu. — Finalmente!
Ela olhou ao redor da sala, para cada um dos rostos conhecidos e desconhecidos. A mesa no meio do cômodo era quadrada e Nate estava na ponta, como se fosse o chefe.
— Venha cá, sente ao meu lado.
Kaira caminhou lentamente até a cadeira à esquerda de Nate e sentou de frente para um homem que não conhecia.
— Agora que todos estão aqui podemos começar, mas antes eu gostaria de apresentar Kaira a Jason — Nate pegou sua mão e Kaira sentiu pânico e nojo, coisas que não sentira nem mesmo com o Espécie furioso. — Kaira, este é Jason, um aliado formidável!
Jason tinha olhos extremamente expressivos e intensos, um azul que era quase cinzento, com o cabelo curto e liso que competia entre o ruivo e o castanho, como sua barba. Sinais marcavam a idade em seu rosto, ele não era jovem, mas também não era velho.
Deveria ter praticamente a idade de Aaron.
— Olá — estendeu a mão mesmo que contragosto e o homem retribuiu em um aperto firme. — Prazer em conhecê-lo.
Ele sorriu e respondeu com um sotaque intenso e que ela não entendia.
— Ele disse que é um prazer conhecê-la! — Nate riu da cara dela. — Jason é alemão e não se dá muito bem com o inglês.
— Entendo — ela desviou os olhos para a meia dúzia de homens e um calafrio subiu por sua espinha. — Então, qual o motivo desta reunião? Eu não sou tão importante para que me esperassem para começar.
— Que isso! — Nate deu um tapinha em seu ombro. — Não só eu venho acompanhando sua participação nesta organização, mas os outros também e você tem se mostrado uma excelente aliada. Sabe colocar os outros em seu devido lugar e domou a nossa selvagem médica. Ah, eu pude ver o medo e o ódio nos olhos de Helena, ela te detesta!
Os homens acompanharam a risada de Nate e Kaira apenas soltou um sorriso, para não se mostrar indiferente.
— Eu apenas faço o meu trabalho.
— E agora vai ter a oportunidade de fazer mais ao nos acompanhar — Nate segurou ambas as mãos dela. Kaira ainda não entendia porque ele sempre tinha que tocar ela de alguma forma, como se tentasse o tempo todo passar alguma espécie de conforto. Imaginava que era a maneira dele de fazer as pessoas confiarem em suas palavras e gestos. Acolhia exageradamente os outros. — Precisamos de alguém como você.
— Como eu?
— Forte e inteligente!
Os olhos de Kaira arderam conforme seu peito e garganta se aqueciam ao extremo.
Quão irônico era aquela situação?
Eram justamente aquelas palavras que sempre esperou ouvir dos Espécies, palavras que, naquele instante, ditas por aquele homem, lhe davam a grande sensação de que tudo estava errado, sentia uma angústia tão grande em seu íntimo que apenas queria abandonar tudo e chorar.
Por que ninguém tinha falado aquelas palavras antes? Por que ninguém tinha tido tanta autenticidade ao dizer aquilo?
Por que sentia que era a maior mentira que já ouvira em toda a sua vida?
Forte e inteligente...
De repente, era como se tudo o que tinha ouvido voltasse em câmera lenta; como uma tortura agonizante.
Você é pequena e frágil.
Você nunca ganharia de mim, nem se treinasse sua vida inteira.
Você é só uma humana idiota.
Forte e inteligente...
Ela queria ter ouvido aquilo do seu próprio povo, não de pessoas em que não podia confiar.
Com muita força de vontade e ressentimento, Kaira tombou a cabeça para o lado, retribuiu o aperto de mão, olhou para o fundo dos olhos de Nate e sorriu.
— Você acha mesmo?
Ela sabia como funcionava aquele jogo e assim que as dúvidas deixaram sua cabeça, pensou mais racionalmente.
O ego era um dos pontos fracos de todas as pessoas. Todos gostam que digam como são bons e, num passe de mágica, estão mais dispostos a fazer as vontades da pessoa que os faz sentir bem.
Tinha usado a mesma técnica.
Esse provavelmente era um problema das pessoas que estavam em seu convívio social; ela passava a sensação de que tinha um ego enorme, dava a impressão de ser forte e de ter boa uma autoestima.
Mas era apenas uma carapaça.
— Sim, Kaira, por isto está aqui!
Nate soltou as mãos dela e se afastou.
— Sem mais delongas, vamos começar!
🌡️
—
Aaron...
— Eu sei — Aaron disse, sem perder contato visual com Heaven. — Não sei que tipo de jogada ele está fazendo, mas com certeza está entrando em um campo perigoso e que não conhece.
Andrei balançou a cabeça.
— E eu achando que estar aqui seria tedioso.
Noble apoiou as mãos na mesa e se levantou.
— Espero que esteja se divertindo — resmungou. — E que também esteja preparado.
— Noble! — Aaron chamou. — Não faça nada idiota!
Ele passou pelos Espécies de pé, caminhou lentamente pelo refeitório e se aproximou de Kismet, o amigo o olhou de canto e suspirou fundo, dizendo:
— Eu sabia que você iria vir, só não sei de qual lado vai ficar.
— Espero que não haja ressentimento entre nós dois.
— Por quê?
Kismet estreitou os olhos e, quando estava para erguer as mãos, Noble acertou um soco certeiro no rosto dele.
— Por isto!
Noble puxou Kismet com as duas mãos, praticamente o erguendo do chão e o jogando para longe. O Espécie felino, com seu grande senso de equilíbrio, girou no ar e caiu praticamente de pé, apenas apoiava as duas mãos no chão e olhava para Noble com seus olhos escuros e flamejantes.
— Eu não esperava algo assim — Kismet rosnou. — Mas... você sempre fica do lado errado!
Noble estralou o pescoço e tencionou os dedos, como se sentisse suas unhas prontas para dilacerar.
— Que engraçado, porque eu esperava tudo isso de você.
Kismet apontou para os outros Espécies que agora os observavam em silêncio.
— Você não vê a verdade nem quando ela é esfregada na sua cara? — o olhar dolorido de seu melhor amigo machucava. — Estou fazendo o que é preciso!
— Não, você está fazendo o que é conveniente, mas eu continuo fiel aos meus valores — fechou os olhos por segundo, preparando-se para a maior luta da sua vida. — Heaven disse que as vitórias deles não foram as nossas, como não, se estamos todos aqui? Você por acaso ouviu as coisas que ele falou ou apenas aquilo que lhe convém? Eu vou seguir meus instintos e a minha verdade, mesmo que isso vá contra as pessoas que eu amo, contra meus irmãos de espécie — desviou os olhos para os outros. — Eu sigo com Justice até o fim, nunca vou apoiar as ideias de uma cobra como Heaven... eu te seguiria até o inferno, Kismet, mas não mais.
Os ombros de Noble ficaram mais tensos quando outro corpo se moveu atrás dele.
Heaven.
Ele bufou e tirou a camisa e os sapatos sob olhares atentos.
— São presentes — os jogou de lado. — Não quero destruir, não como vou fazer com vocês dois.
Noble estava confiante quanto as suas habilidades de luta, ele não tinha passado os últimos anos apenas correndo pela floresta. Havia lutado com a maioria dos Espécies daquele salão e com os mais selvagens da floresta, além de que ficava mano a mano com seu próprio pai, isso dizia muito dele.
Abriu os braços e disse:
— Podem vir.
Kismet avançou primeiro, mostrando as presas afiadas e arranhando seus braços quando seus corpos se chocaram. Noble o agarrou pelo pescoço e voltou a erguer o corpo dele do chão, mas desta vez Kismet passou as pernas pelo peitoral de Noble e outro peso se fez em suas costas, quando Heaven o atacou.
Uma porção de sentimentos o atravessou. Ódio, frustração, tristeza e mais ódio.
Noble transformou cada um deles em absolutamente nada.
Aprendera com o tempo que ter uma mente limpa era sua melhor aliada.
Atingiu o rosto de Heaven com a própria cabeça e quando o Espécie ruivo o soltou, fincou as unhas na nuca de Kismet com força, rasgando a pele e penetrando a carne. Sentiu o sangue quente em seus dedos conforme o amigo rugia, aproveitando-se do momento em que as pernas dele fraquejaram para o lançar em cima de Heaven, o qual cambaleou com o peso de Kismet e ambos foram ao chão.
Suas feições, mais animais do que humanas, distorceram-se em descaso ao ver os dois caidos.
— Se você não está com nós, estão é um inimigo!
Um Espécie que Noble não conhecia o atacou, mas ele apenas esticou o braço, pegou-o pelo pescoço e, antes de o jogar para longe, perguntou:
— Você por acaso ouve as merdas que fala?
Um rugido irrompeu do peito de Noble quando Kismet fez menção de o atacar novamente, um som que não era nada humano e cem por cento animalesco.
— Chega! — Kismet parou e outros Espécies que pareciam prontos para o atacar também. — Estão vendo isso? — apontou para Heaven. — É o que ele quer! Desavença entre nós, o caos! Vocês acham que é assim que vamos conquistar nosso lugar no mundo? Lutando? — caçou. — Se for, já perdemos a luta. Eu teria vergonha de seguir líderes tão rápidos a irá, como o que acabou de acontecer aqui. É com disciplina, respeito e reconhecimento que vamos conseguir algo das pessoas do lado de fora destes muro — Noble engoliu em seco e olhou para cada um daqueles Espécies, tão diferentes e iguais ao mesmo tempo. — Eu já disse uma vez e vou repetir novamente: não é com ódio que vamos ganhar qualquer coisa, esse sentimento apenas vai nos destruir cada vez mais, até que nossa espécie suma. Então, por favor — fitou Kismet —, chega dessa loucura.
Os outros se olharam em dúvida e uma crescente esperança fez Noble crer que ainda não estava tudo acabado. Ainda havia uma chance de fazerem o certo.
— Me escutem — colocou uma mão sobre o coração, onde Kismet o havia arranhado, mas nem sentia a dor do corte. — Nós vamos superar esta crise. Mentiram para nós? — perguntou com pesar, afinal, ele também fora alvo de tudo e estava com o coração partido pelo fato de ter a verdade escondida por quem mais amava. — Mentiram, mas bola para frente. Ironicamente, isso só o mostra o quanto somos humanos — aquela não era uma palavra que usavam quando se refeririam a si próprios. — Mais humanos do que animais. Eu confio na capacidade de Justice e dos outros para resolver o problema — também confiava em Kaira. — No final das contas tudo vai dar certo. Esse não sou eu apenas tentando ser positivo, mas a verdade. Aqueles que estão com o resto do nosso povo vão pagar, eles são os vilões da história, não os nossos pais.
Noble deu um passo a frente.
Se sentia mais confiante e seguro de estar falando na frente de todos.
— Eu queria muito seguir minha natureza, ameaçar cada um de vocês a passar por cima de mim e desafiar Justice — sorriu e mostrou as presas. — Mas isso iria contra tudo o que eu disse, então apenas posso pedir a paciência de cada um de vocês. Esperem. Dêem um tempo para que tudo se resolva. Cuidem uns dos outros e chega de lutas. Nós somos mais do que músculos e instintos.
Os Espécies foram se acalmando e, antes daquela fervura entre eles terminar, Forest voltou a falar:
— Sigam o conselho de Noble e voltem para casa, eu juro que vou conversar com Justice e vamos resolver todas as nossas questões, talvez uma mudança em como as escolhas são feitas para que agrade a todos.
Muitos Espécies começaram a sair em silêncio do refeitório, deixando apenas Kismet, Heaven, Forest, Slade, Tiger, Hunter, um Leon de olhos arregalados e os humanos para trás. Noble trocou um olhar com Aaron e Andrei, sendo que este último fez um joinha para ele. No fundo do refeitório, sentado e de braços cruzados, estava Salvation.
Salvation acenou com a cabeça e Noble retribuiu.
— Você enlouqueceu? — aquela voz irada era de Tiger que naquele momento ajudava Heaven e Kismet. — Como pode ter a coragem de dizer todas essas baboseiras? Nossas vitórias não são as suas? Você não faz ideia do que cada um passou para estar aqui, para os proteger, principalmente Justice, então não ouse falar dele novamente!
Noble cerrou os punhos e foi até eles, até ficar nas costas de Heaven.
— Heaven...
— Você fala do Justice como se ele fosse uma espécie de deus, mas adivinha? — Heaven riu. — Ele só é um líder que muitas das vezes faz péssimas escolhas!
— Heaven?
Heaven soltou um rosnado, mas não se virou, ainda encarava Tiger.
— O que você quer?
— Quero que se vire, agora.
Heaven o fez, mesmo que com um sorriso irônico.
— O que é?!
Noble se aproximou mais e o encarou com seriedade.
— Na próxima vez que me atacar por trás não serei piedoso — disse cada uma das palavras devagar. — Vou quebrar seus braços, seus dedos e fazer com que se lembre da surra que eu vou te dar, porquê ela vai ficar marcada nesse seu rostinho para sempre.
— Está me ameaçando na frente de todos?
— Só estou dizendo o que vai acontecer se for um babaca de novo. Estou cansado de você, faça uma merda e eu vou te caçar.
Noble se virou, calçou os sapatos e pegou a camisa. Nem sequer olhou para Kismet, enojado com as ações dele.
— Vamos — chamou Leon. — Vou te levar para casa.
🌡️
Era a grande chance dela fazer alguma coisa.
Eles iriam transportar Novas Espécies até uma área de luta clandestina. Kaira não fazia ideia se a briga seria entre Espécies ou um Humano contra Espécie, mas estava indo junto para cuidar dos feridos depois da luta.
Nate disse que confiava nela para o trabalho, já que levar Helena para fora colocava todo o serviço em risco.
Kaira sentou em frente ao notebook e passou os dedos sobre as teclas lentamente, pensando no que fazer. Ela podia entregar todo o esquema e salvar alguns Espécies... mas isso não a entregaria? Era a primeira vez em que confiavam nela, seria estranho se tudo desse errado.
Eles saberiam que tinha um informante os traindo, então valia mais a pena salvar meia dúzia agora ou todos mais tarde?
— Preciso ser inteligente...
E ter sangue frio.
Precisava de alguém para levar a culpa caso tudo desse errado e não tinha tempo para isso, não agora. Aquela luta teria que acontecer, mesmo que contra o gosto dela.
Fechou o notebook com um peso no coração e apertou o colar em seu pescoço.
— É tudo para um bem maior...
Murmurou de olhos fechados, tentando convencer a si mesma de que era o certo.
Na outra noite, às oito, Nate apareceu para dizer que estava na hora de partir. Ele havia dito que as lutas começavam mais tarde, mas como a "carga" deles era mais "delicada" de lidar, deveriam chegar cedo.
Vestida da cabeça aos pés com o uniforme escuro, Kaira se sentia cada vez mais sozinha. Os homens trocavam olhares cúmplices e conversas íntimas que ela não entendia, deixando-a de lado no fundo da van. Não que fosse da sua vontade fazer amizade com os malditos que desejava ver atrás das grades, mas era solitário demais para alguém que odiava ficar só.
— Quase lá, Kaira — Nate sorriu para ela. — Preparada?
— Sim.
— Você certamente não terá muito trabalho com os Espécies, eles não saem tão machucados quando lutam com humanos.
— E quem cuida dos humanos? — perguntou curiosa.
Nate apenas riu e tocou o queixo dela.
— O necrotério.
Um calafrio horrível percorreu as costas dela; aquilo seria um pesadelo.
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