Toda a verdade... ou quase
Muitas das vezes Kaira podia jurar para si mesma que conseguia aguentar o peso do mundo em suas costas. Aceitava desafios e lidava com as consequências de seus atos. Ela era assim. Tinha pressa e mil ideias na cabeça, mas a impulsividade a fazia cometer erros e se esquecer dos pequenos detalhes, aqueles que no fim podiam fazer toda a diferença.
No entanto, ainda com todos os defeitos e erros, continuava em frente.
Consciente do que queria.
— Irmã!
— Hum? — sua visão caiu em direção a Leon, encolhido em seus braços e com os olhos vidrados na tela do computador.
— Meu personagem preferido é o Simba!
— Por quê?
— Ele é um leão como eu e é corajoso!
Kaira observou brevemente a cena do filme animado e sorriu.
— É, eu também gosto dele.
— É o seu preferido? — perguntou inocentemente e Kaira negou. — Qual é então?
— Difícil escolher... mas acho que o Kovu é meu preferido.
Leon a olhou com estranheza.
— Por quê?
— Porque sim.
— Porque sim não é reposta.
— Quem disse?
— Você, na semana passada quando eu disse isso!
Kaira ergueu as mãos e soltou um riso.
— Okay, você me pegou! — mordeu os lábios, pensando no que dizer ao irmãozinho. — O Kovu começa a história de uma forma, vê a verdade e muda, é condenado ao exílio e precisa ir embora mesmo que no fundo ele não seja o que dizem. Gosto dele por isso.
— Simba ainda é melhor!
— Tem algo que eu possa dizer para fazê-lo mudar de opinião?
— Não!
— Foi o que eu pensei…
Alisou as madeixas do pequeno e ele se encolheu mais contra seu corpo, ajustando-se a ela, esfregando-se em sua pele e cabelo.
— Vou deixar meu cheiro em você — Leon murmurou. — Assim ninguém vai se aproximar.
Kaira sufocou um riso, achando ele extremamente fofo, mas aquilo já não adiantaria mais. Era um pouco tarde para o pobre Leon.
— Não seja tão ciumento — disse brincalhona. — As garotas não gostam muito, é bom que saiba desde já, mesmo que seja um Nova Espécie bem rabugento.
— Não há nenhuma garota aqui, Kaira. Só você e é a minha preferida, assim como Aurora.
— Então somos as suas garotas?
Ele balançou a cabeça, concordando e fechou os olhos, acomodando a cabeça na barriga dela.
— Você ainda vai crescer tanto — Kaira murmurou para si mesma, sentindo o coração se apertar dentro do peito. — Droga, o tempo passa tão rápido.
Ela fez carinho nas bochechas do irmão, percorrendo levemente os dedos pelas linhas das expressões dele. O pequeno filhote da Zona Selvagem tinha características mais animalescas do que outros Novas Espécies e formatos de olhos mais acentuados, nem mesmo os formatos dos olhos de Noble eram tão intensos, e Leon ainda tinha um rabo. Não era longo demais e vivia pendurado na parte de trás das roupas que usava ou algumas vezes solto, o comprimentos chegava até as panturrilhas.
Era estranho para aqueles que não o conheciam, mas ela não achava. O caráter dele era tudo o importava e Kaira entendia que o irmão tinha um coração muito gentil e justo, embora para as pessoas lá fora não significasse nada.
Leo fora considerado um fracasso para a Mercile e Leon era como ele; machos com características mais alteradas realmente tiveram uma vida difícil e ela sabia. Leo dissera sobre como fora tratado nas instalações de testes. A maioria deles — erros — foram deixados em jaulas de verdade, para animais de canis. Alguns tiveram muito poucas habilidades de comunicação já que os técnicos não falavam muito com eles. Eram alimentados e tratados como se fossem realmente feras e não tiveram qualquer tipo de educação.
A maioria dos Espécies podiam ler, foram ensinados em uma idade jovem, ainda que fosse apenas para propósitos de experiências. Fury dissera que era difícil para os cientistas julgar o resultado da droga se a vítima não pudesse se comunicar ou ler para ver se sua memória ou vista foram afetadas.
O abuso de alguns parecia nada se comparado a outros. Residentes da Zona Selvagem não se sentiam confortáveis nem mesmo vivendo entre seu próprio povo em Homeland. Eles preferiram o isolamento.
Era realmente um milagre que Leo tivesse uma grande família e fosse feliz agora.
O problema com Aaron não parecia nada e realmente não o era, se comparado com todas as coisas ruins que já aconteceram com aquelas pessoas.
E Kaira ficou um bom tempo pensando naquilo, enquanto o sol sumia no horizonte e a lua tomava o seu lugar. Ficou deitada na escuridão do quarto, o filme acabara e a tela do computador estava muda, o silêncio absoluto a fez ponderar muito sobre tudo o que conhecia e sobre o que achava certo e errado.
Saber a verdade sobre Aaron tirara um peso de seus ombros, mas não era realmente ele que a perturbava.
Havia algo maior; pior.
Dois toques na porta do quarto tomaram sua atenção. Sua mãe estava na passagem e Leo também, encostado no batente e de braços cruzados. A expressão dele não era muito animadora.
— Nós duas podemos conversar?
Kaira indicou Leon com a cabeça, ele dormia confortavelmente em seus braços.
— Leo vai pegar ele, vai lá, amor.
O grande macho o pegou com cuidado, sem dirigir sequer um olhar a ela e os dois sairam do quarto, deixando-a apenas com sua mãe. Kaira se sentou e estreitou os olhos quando Stella acendeu a luz, piscou algumas vezes e se afastou, dando espaço para a mais velha ficar ao seu lado no colchão.
— Tudo bem, princesa?
Concordou com um gesto rápido.
— Eu nem acredito que Aaron está realmente aqui, eu não o vejo desde, bem, desde que estivemos juntos.
— Mãe — Stella a encarou com os olhos levemente arregalados. — Por que não me contou sobre ele?
Ela estendeu a mão e agarrou seu pulso, o azul de seus olhos, idênticos aos de Kaira, tornaram-se úmidos.
— Kaira, querida, você se lembra da história que contei sobre como conheci Leo?
— Veio trabalhar aqui e se conheceram — ela conhecia aquela história desde sempre. — Simples.
— Sim, mas antes disso passei anos fazendo negócios com uma clínica veterinária, você sabe, quando era menina meu sonho era trabalhar em uma grande empresa, atendendo animais de médio e grande porte.
— Eu me lembro.
— Só que mais tarde essa empresa foi desmascarada.
— Como assim?
— Eles estavam patrocinando a Indústria Mercile em troca de benefícios.
Kaira suspirou, apenas a menção aquelas pessoas a enjoava.
— Você trabalhou com eles? — o seu corpo queimava só de pensar que sua mãe fizera parte de algo tão horrível.
Mercile havia sido um antro de maldades.
— Eu não sabia de nada, Kaira! — sua mão balançou as mãos, visivelmente frustrada. — Nunca teria pisado um pé lá se soubesse.
— Mas e quanto a Aaron? — perguntou, confusa. — Você mesma disse que não sabia que ele estava aqui e agora diz isso, está claro que foi Aaron quem ajudou a derrubar essa empresa, ele é um dos soldados da Força Tarefa, um espião!
— Agora eu entendo tudo, meu bem… não sabia que Aaron era um soldado ou até mesmo espião, para mim ele sempre foi o rapaz das correspondências digitais. Quase não passava muito tempo na empresa e, quando estava, ficava sempre no computador.
Sua mãe desviou os olhos para a janela.
— Hm, Aaron me atraiu — Stella murmurou bem baixo. — No início eram apenas algumas trocas de olhares, até que suas mãos começaram a esbarrar nas minhas e ele sorria. Ele sempre foi muito amável comigo e eu gostava — sua mãe sorriu e olhou para ela de volta. — Você se parece com ele. Sinto muito, Kaira.
— Sente muito por que ele é meu pai?
— Sinto muito por não ter contato antes e pedir para Leo não o fazer. Estava envergonhada.
Kaira não diria que a perdoava, até porque estaria mentindo.
— Aaron soube sobre mim?
Stella negou e aquilo lhe deu um gosto amargo na boca. Seu pai nem sabia da sua existência.
— Estava muito assustada quando engravidei de um homem que nem conhecia direito.
— E o que você fez?
— Eu fui embora e recomecei minha vida na casa dos seus avós. Eles nunca me julgaram por aquilo, mas sempre souberam quem era o seu pai. O seu avô me fez voltar alguns meses depois… ele não me obrigou, mas falou coisas que realmente me fizeram pensar. Uma criança precisa dos pais, estejam eles juntos ou não, no entanto era tarde demais. Aaron se fora e eu não fazia ideia de onde ele estava.
— Ele é russo, provavelmente havia voltado para casa.
Stella tampou a boca, parecia que ela não sabia de nada daquilo, o que fez Kaira rir desgostosamente.
— Sabe de uma coisa, mãe? — perguntou, divertida.
— O quê?
— É reconfortante saber que eu fui apenas o fruto de um caso e que ele nunca soube de fato que eu existia. Por todos esses anos o seu silêncio me fez pensar que o meu pai era um desgraçado, cretino e aproveitador, que fugiu porque não queria lidar com as responsabilidades — Kaira se jogou na cama, fitando o teto. Repentinamente começou a rir e escondeu os olhos com seus braços, algumas lágrimas escorreram por suas bochechas. — Eu juro, é muito bom saber que ele nem sequer tem consciência da verdade.
Stella forçou a garganta e Kaira a olhou, parecia magoada com as suas palavras.
— Eu não quis realmente dizer isso, não a parte de vocês dois terem um caso, apenas saiu — se explicou rapidamente. — Não vou julgar você por isso. Foi algo casual, você deu o fora e ele também.
— Não me odeia por isso?
Deu de ombros.
— Não.
Stella inclinou a cabeça, confusa.
— Você está estranhamente calma.
— Eu só não quero brigar, me sinto mal pelo que disse ao meu pai mais cedo.
— Entendo — sua mãe a beijou e se levantou. — Leo vai vir falar com você, depois desce para o jantar.
— Okay.
Elas trocaram um abraço apertado e Kaira ficou pensando em Aaron e em sua vida. Será que ele tinha alguém? Esposa ou namorada? Será que ela tinha outros irmãos ou irmãs?
Mas, a pergunta que mais se fazia era: realmente queria saber a resposta?
Não seria frustante saber que ele havia dedicado anos para outras crianças e não à ela? Claro, não era necessariamente culpa dele, que nem ao menos sabia da sua existência, mas ainda assim… não tinha como ignorar o incômodo em seu coração.
Não podia controlar aquilo.
— Kaira?
Era Leo quem estava de volta em sua porta, Kaira o acompanhou com os olhos conforme caminhava pelo cômodo. Ele era incrivelmente alto, com ombros largos e braços fortes, os fios de cabelo possuíam tons castanhos escuros e algumas mechas claras, como uma juba, enquanto a cor em seus olhos parecia âmbar puro; o brilho divertido que costumava estar ali sumira.
Leo estava sério e ela, definitivamente, não gostava dessa versão.
Encararam-se por alguns segundos que pareceram durar a eternidade e ela não pode deixar de se sentir intimidada por ele, assim como não pode esconder seus sentimentos.
Sentia-se desconfortável pelo que dissera mais cedo.
— Pai — desviou os olhos brevemente, envergonhada, mas depois voltou a perscrutar Leo. — Me desculpe pelo que disse hoje cedo.
Ele acabou com o espaço entre ambos, sentando-se onde Stella estava antes.
— Apesar do seu comportamento ainda é minha filha, não é? — ele brincou, mas Kaira não sorriu.
— É… aquela para quem você mentiu a vida toda.
— Eu posso ter mentido, tudo bem, mas foi para o seu bem e da sua mãe — Leo soltou um rosnado em desagrado. — Se não concorda com os meus motivos, bem, eu não posso fazer nada quanto a isso.
— Saia…
— Kaira, não faça uma besteira, princesa — Leo beijou sua testa. — Você é minha filha, o que aconteceu no passado não importa mais.
Apenas desviou os olhos, incapaz de dizer algo que não fosse o magoar e isso ela não queria, apesar de tudo. Levantou-se e caminhou até a porta, indicando o caminho para ele, Leo saiu, mas não antes de lhe encaminhar um olhar extremamente magoado.
— É a minha vida — murmurou antes de fechar a porta. — E o que acontece nela é importante sim, ontem, hoje ou amanhã. É a minha vida. A minha história.
Encostou o corpo na madeira e imediatamente o arrependimento a invadiu. Droga, por que não podia simplesmente ignorar aquilo e deixá-lo ir? No arrependimento não a descanso ou paz, apenas frustração e amargor e Kaira odiava se sentir imponente, ficar remoendo coisas por muito tempo não fazia seu estilo.
Nunca detestou tanto a necessidade de resolver as coisas imediatamente como naquele momento.
Não posso fazer isto com ele, pensou frustrada e abriu a porta com tudo, desceu as escadas correndo e gritou ao chegar no último degrau:
— Pai!
— Kaira? — Leo virou, surpreso.
— Pode vir até o meu quarto de novo? — apontou em direção ao cômodo escadas acima, ela não queria dizer o que tinha em mente na frente de Aurora, que estava na sala e tinha ouvidos excelentes. — Tem algo que eu quero falar.
Kaira subiu quando ele concordou, vindo logo atrás.
Abraçou-o assim que ele cruzou a porta, passou os braços ao redor do pescoço dele e o apertou com força. Imediatamente foi amparada e fechou os olhos, feliz pelo carinho que Leo fazia em suas costas.
Ela não queria terminar a noite de cara virada para nenhum de seus pais.
— Leo — sussurrou o nome e os olhos dele se voltaram para ela, encarando-a de perto. — Estou feliz por ser sua filha. Você mudou minha vida quando apareceu, me tratou como um pai de verdade deve fazer, o sangue nas minhas veias nunca vai ser tão importante do que o sentimento em meu coração, então obrigada por tudo. Eu te amo, Leo.
Ele deu um passo para trás e Kaira se surpreendeu quando lágrimas finas deslizaram pelas bochechas dele. Leo tocou seus ombros, segurando-a firme em sua frente.
— Não chora — um nó se formou em sua garganta e ela se esforçou para o empurrar para baixo. — Ou eu também vou começar a chorar e você sabe — empurrou-o para trás, tentando soar divertida —, meu rosto fica todo vermelho e meus olhos inchados, não é muito bonito!
— Você é perfeita de qualquer modo.
Kaira passou a língua pelos lábios secos e sorriu, seus olhos estavam molhados.
— Se for para me elogiar então continue, vá lá, massageie meu ego.
Leo a puxou e eles voltaram a se abraçar, ele tirou seus pés do chão e a girou pelo cômodo, arrancando risadas dela.
— Você é muito importante pra mim, Kaira. É a minha primogênita, minha garotinha inteligente, eu te amo muito. Nunca se esqueça disso, tudo o que faço é para o seu bem, para protegê-la.
— Eu não vou me esquecer, pai.
Kaira olhou para as orbes de Leo e uma batalha começou dentro de seu coração. Havia tanto sinceridade ali e tanto peso em seu âmago, era difícil o suportar sozinha. O sentimento profundo de frustração retornou, não importava o quanto tentasse o deixar de lado.
A verdade a mudou há muito tempo, desde quando descobrira sobre os filhotes e agora havia mais essa confusão com o seu doador de esperma — sim, o chamaria assim.
— Tem mais uma coisa, pai…
— O quê?
— Os Novas Espécies presos constantemente estão em meus pensamentos. Eu vejo Leon dormindo, em paz, e me lembro de cada um daqueles que podem estar sofrendo nas mãos de pessoas nojentas. Eu não me esqueço deles. Nunca. E isso está acabando comigo.
— Como você sabe deles, Kaira?
Kaira balançou os ombros, não diria nada sobre Trey. Leo a fitou com intensidade, mas ele não tiraria aquela informação dela.
— Eu te entendo — Leo desviou os olhos, rosnando ameaçadoramente quando não conseguiu o que queria. — Também penso neles, Kaira.
— Então por que não fazemos nada, pai?!
— Justice vai lidar com isso.
— Justice, Justice — Kaira jogou as mãos para cima, novamente irritada. — O pobre homem tem muitos problemas nas costas e poucas pessoas com quem dividir, talvez eu pos—
Leo a cortou.
— Chega — a voz dele estava séria. — Não se envolva nisso, Kaira. É uma ordem. Justice é um adulto forte o suficiente e não precisa da sua ajuda, ele aguenta.
— Pai — ela se sentia em chamas com aquilo, como ele podia dizer que Justice não precisava de ajuda? — Agora eu não posso fazer nada, mas se me derem a oportunida—
— Não!
— Eu posso fazer isso, posso ajudar!
— Ou pode morrer e nós precisamos de você viva e aqui.
— Eu preciso arriscar, só quero fazer a coisa certa sempre que eu for capaz, pai!
— Você vai fazer, princesa, mas não como pensa. Não vai sair daqui, entendeu? Vai ficar onde posso manter meus olhos em você, me prometa!
A força das mãos dele em seus braços a impedia de se afastar, a mantinha presa em um aperto de ferro e o brilho dos olhos dourados a deixou tensa; era tão potente que a forçava a dizer apenas a verdade. Não podia mentir para ele.
Era o seu pai.
Mas ela tinha princípios; motivos o suficiente para lutar e seguir em frente.
Mirou no olhar dele, então deixou que seus lábios se erguessem em um sorriso que pateticamente chegava aos seus olhos e disse numa voz mansa e doce:
— Eu prometo.
Seus olhos não vacilaram, muito menos sua voz.
Entretanto, depois que ele a deixou, Kaira deitou a cabeça no travesseiro pensando na mentira que dissera a Leo.
A cada dia que passava se tornava uma mentirosa melhor.
🌡️
Eram quase dez horas da noite quando Noble saiu, mesmo que com os protestos de sua mãe dizendo que quase já não passava tempo em casa. Bravery o olhara com aqueles olhinhos enormes quando passou pela porta, parecia implorar para que ele ficasse e o colocasse para dormir; eles nunca dormiam realmente.
Bagunçou o cabelo do irmãozinho ao passar por ele.
— Noble — seu pai o chamou em voz alta, parecia irritado, pois sua voz soava mais grave que o normal. Seus olharem permaneceram travados enquanto se encaravam. A cara feia de Valiant não o assustava, era engraçado, porque era como se olhar em um espelho. Por fim, ele rosnou e se levantou. — Toma cuidado.
Noble estranhou aquilo.
— Sempre tomo cuidado, pai.
— Ótimo, e não volte tarde — Noble acenou. — Amo você.
O jeito duro e sério dele poderia parecer frio para quem o ouvisse daquela forma, mas Noble tinha certeza de que as palavras de Valiant eram as mais verdadeiras possíveis, caso contrário os olhos dourados não cintilariam em carinho e amor quando segurava Bravery em seus braços ou quando ouvia Noble dizer alguma besteira enquanto caçavam juntos e sorria de uma forma meio azeda, mas que no fundo achava aquilo realmente engraçado.
Mas, o pico de tudo era sua mãe, seu pai realmente a olhava como se o mundo dele fosse apenas ela.
Noble tinha certeza de que ele faria qualquer coisa por Tammy.
— Eu amo todos vocês, tchau!
Saiu pelo jardim da casa e correu para dentro da floresta, esquivando-se de árvores e mais árvores. A casa onde Kaira vivia não era tão longe da sua, por isso chegou lá bem rápido e verificou a janela dela. Estava aberta, mas a luz permanecia apagada. Ela não poderia estar dormindo.
Era tão cedo ainda.
Foi silencioso quando subiu no telhado que dava para a janela do quarto dela e, quando ergueu totalmente o corpo sobre as telhas, o rosto de Kaira apareceu através das cortinas.
— Você demorou!
Franziu as sobrancelhas, confuso.
— Me enviou alguma mensagem dizendo para vir?
— Não, mas eu sabia que viria — ela passou as pernas pelo parapeito e colocou os pés descalços sobre as telhas também, um leve vínculo apareceu em sua expressão quando os objetos tremularam embaixo dela. — Eu não acho que isso seja seguro.
— O que está fazendo?
— Porra — Kaira murmurou ao ficar completamente em pé sobre o telhado, a cada ruído das telhas ela soltava um ofegar. — Vamos sair daqui! — ela respirou fundo, agarrando-se nele quando estavam frente à frente. — Por favor.
— Com sair daqui você quer dizer ir para bem longe?
— A sua capacidade cognitiva me impressiona, parabéns, eu bateria palmas se não estivesse com as mãos ocupadas.
Noble repuxou os lábios em um sorriso encrenqueiro.
— Isso me faz lembrar das confusões em que a gente se metia.
— Você quer dizer as confusões em que você nos metia, não é? — ela apertou os dedos ao redor dos seus braços. — Você foi a minha má influência, fazendo-me fugir quando eramos crianças!
— Bom, você tem um ponto, mas não diga que foi chato!
— Não! — Kaira balançou a cabeça, concordando com ele. — Foi legal e assustador também, mas com certeza nada chato. Agora vamos descer, certo? Meu pai pode aparecer a qualquer momento e as telhas estão rangendo embaixo dos meus pés, não gosto desse som.
— Medrosa!
Kaira estreitou os olhos.
— O seu jeito de me estimular é magnífico.
— É fácil — Noble passou um braço por trás dos joelhos dela, pegando-a no colo. Quando seus rostos estavam próximos o suficiente ele continuou a falar. — Só preciso dizer algo que machuque seu orgulho, isso é o suficiente para que você aceite qualquer tipo de desafio.
— Não é verdade!
— Aham… se eu dizer que você é uma covarde é capaz de descer dos meus braços e pular sozinha, vai quebrar algum osso, mas vai preferir assim do que me deixar passar por cima do seu ego.
Kaira segurou os ombros dele, olhou para baixo e estalou a língua no céu da boca; a expressão carrancuda o fez segurar uma risada.
— Viu? — gabou-se. — Eu te conheço melhor do que qualquer um.
— Está enga—AHHH!
A queda para ele foi rápida e simples, o espaço com mais de dois metros de altura não eram nada para um felino, mas Kaira apertou os braços ao redor do seu pescoço e o olhou irritada. Noble não disse nada, apenas se virou e correu em direção a floresta, ultrapassou as primeiras copas e, quando estava numa boa distância da casa, em uma parte mais densa da mata, reduziu a velocidade, passando a caminhar.
— Para onde quer ir?
— Me coloca no chão!
— Você está sem sapatos, vai machucar seus pés.
Kaira revirou os olhos.
— Foram dez anos correndo igual uma besta pela floresta e descalça na maior parte das vezes, acredite, não vai ser agora que eu vou me machucar. As solas dos meus pés aguentam!
— Tá bom, senhorita dona da razão.
Ela sorriu quando colocou os pés na terra, flexionou as pernas e se alongou.
— O que está fazendo?
— Eu estou cheia de energia para gastar e quero começar agora, nada melhor do que correr para esquecer as merdas de hoje.
Noble se interessou por aquilo.
— Como nos velhos tempos então?
— Conte até dez e sem roubar!
— Quem sempre passou a perna foi você, Kaira, não eu!
— Desculpa de perdedor? — ela estava sendo irônica, com um sorriso travesso.
— Por que tudo sempre se resume a uma competição? — perguntou, embora já fizesse ideia do tipo de resposta que ela daria.
— Qual a graça da vida sem um desafio, chocolatinho?
Kaira o empurrou com uma mão e saiu correndo para longe dele. Noble fechou os olhos e puxou o ar da noite para dentro dos pulmões, não sentia cheiro de nenhum outro Espécie por perto, haviam animais, mas nada que o preocupasse.
— Dez, nove, oito, sete…
— Você sabe contar, estou impressionada! — Kaira gritou de longe e Noble começou a rir como um idiota.
Até em uma brincadeira ela precisa dizer algo assim, pensou e revirou os olhos, fêmea atrevida.
— Me deixa contar em paz! — reclamou. — Seis, cinco, quatro, três, dois, um... Lá vou eu!
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