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Lago Tahoe

Kaira olhou maravilhada para as montanhas de neve, que em sua imaginação se assemelhavam a enormes ondas brancas do mar, geladas e mortais. Perfeitas. Tão altas que imaginava como seria subir até o topo e sentir o vento em seu rosto.

Aterrorizante talvez, mas com certeza libertador.

Localizado a 1.897 metros de altitude, na majestosa cordilheira de Sierra Nevada, no encontro da Califórnia e de Nevada, o Lago Tahoe era, para Kaira, um dos lugares mais belos do mundo.

Não chorava com facilidade mas, enquanto observava a terra pincelada pela neve, sentiu finas lágrimas escorrerem por suas bochechas, uma lembrança quente do quanto aquele lugar era frio e mortal.

Nuvens cinzas cortavam o céu pesado sobre sua cabeça.

— É bonito, não é? — uma mão agarrou a sua, não pode sentir o calor daquela pele, embora sentisse em seu coração o significado do aperto forte. Estou aqui. — Parece que saimos de um mundo de calor e verde para entre em outro, gelado e branco.

— Qual você prefere? — perguntou, curiosa.

— Prefiro aquele onde eu posso caminhar nu sem que meu pau caía.

Kaira revirou os olhos e soltou a mão de Noble, empurrando-o com o ombro.

— Idiota.

Ele gargalhou alto e abriu a boca para falar algo, mas naquele exato momento uma bola de neve atingiu em cheio a cabeça dele. Kaira se escondeu atrás do corpo de Noble quando Kismet tentou acertar ela e dessa vez a neve acertou o peito do melhor amigo.

— Você quer brincar então? — Kaira gritou e se abaixou, recolhendo um monte de neve entre as mãos enluvadas.

— Quero ver me acertar! — Kismet disse de volta e correu na direção dos dois com as mãos cheias.

Ela soltou um grito quando Kismet acertou sua cabeça e tremeu dentro do casaco enorme, mas revidou, atingindo-o em cheio quando deu as costas a ela e Noble.

— Vem cá!

— Não, não, não!

Correu para longe de Noble, no entanto não rápido o suficiente, porque ele passou os braços por baixo dos dela e a ergueu do chão.

— Podem vir — ele chamou Kismet e então Forest também, que se aproximavam com mais neve. — Eu tenho meu escudo.

— Me coloca no ch—

Forest acertou seu rosto e neve gelada derreteu em sua pele. 

— Babaca — cuspiu e estreitou os olhos para ele, balançando as pernas no ar. — Isso vai ter volta, ah, se vai!

Eles ainda a acertaram algumas vezes, mesmo que algumas das bolas de neve acertassem mais Noble.

Depois que ele a deixou no chão não se importou com nada além de encher as mãos de neve e tacar nos três amigos, rindo e fugindo para atrás dos pinheiros enormes. Salvation e Aurora se juntaram a eles, virando aquela brincadeira num complô contra as duas.

Estava molhada e gelada, com os dentes tremendo e as mãos e pés congelando, ainda assim sua barriga e bochechas estavam doloridas de tanto gargalhar.

Caiu para trás enquanto carregava Aurora nas costas e as duas rolaram na neve, aparentemente Kismet tivera a ideia incrível de começar a enterrar ela ali mesmo.

— Vamos lá, me ajudem a enterrar o peso morto, ninguém está olhando !

Noble gargalhava atrás de Kismet, sem mover um dedo para ajudá-la enquanto o idiota e Forest realmente jogavam neve por cima dela. Kaira abriu um sorriso azedo para Aurora, dizendo:

— Viu como o meu companheiro me protege? — ironizou. — Um verdadeiro cavalheiro, tão nobre.

— Você pode sair sozinha dessa — Noble disse, passando para o lado de Aurora, que aliás ficava adorável com as bochechas vermelhas. — Mas, se não sair, prometo trazer flores para o seu túmulo todos os anos.

— Com um namorado desse você não precisa nem de inimigo.

Kaira deu um tapão na mão de Kismet e chutou a perna de Forest, mas só depois de espernear bastante ela conseguiu sair debaixo do monte de neve que a cobria.

Cruzou os braços e trincou os dentes, as suas lufadas de ar saiam brancas dos seus lábios.

— O que vocês estão fazendo?

Ela estava de costas para o dono da voz, mas as expressões que surgiram nos rostos de seus amigos dizia tudo. O canto dos lábios de Kismet se ergueram num sorriso malicioso; Forest cruzou os braços e assumiu o espaço ao lado de Kismet, esse que apoiou um braço no ombro do outro, ambos parecendo descontraídos e prontos para qualquer coisa.

Salvation resmungou algo que ela decifrou como “estraga prazeres” e segurou a mão de Aurora, essa que olhou para Noble e depois para o macho que os encarava com curiosidade. Ela sorriu, tímida e linda, e murmurou para Sal:

— Não fale assim.

Ele deu de ombros.

— E o que importa? — Salvation abriu um sorriso maldoso. — É a verdade.

Kaira virou totalmente o corpo e observou como a neve parecia realçar as madeixas rubras de Heaven. Braços fortes abraçaram sua cintura, segurando-a com carinho e Noble apoiou o queixo em seu ombro.

— Nós estavamos brincando — Noble respondeu tranquilamente a pergunta de Heaven. — Imagino que você saiba o conceito de se divertir, mas não posso dizer o mesmo de colocar em prática.

Os rapazes riram em conjunto atrás dela, mas Kaira apenas apertou os lábios com força.

Heaven era apenas um poço de indiferença, ele apenas mudou o peso de uma perna para a outra. Os olhos dele mudaram de Noble para ela, perscrutou-a de cima a baixo e ronronou:

— Você entende bem do tipo de diversão que eu procuro, Noble.

O corpo atrás dela se enrijeceu e Kaira decidiu que era melhor evitar qualquer tipo de confusão naquele momento. Eles nem tinham chegado na casa e parecia que todos aqueles machos estavam prestes a se atarracarem um ao outro.

— Por que não mostramos a Heaven um pouco da nossa brincadeira? — virou-se para os outros. — Competição saudável nunca matou ninguém —  espero que não mate, pensou. — Então, o que me dizem? Heaven?

Olhou para ele atentamente, esperando que o macho entendesse o recado que queria passar. Sem brigas, sem confusão. Apenas paz e diversão. Será que ele conseguia passar uma semana vivo no meio deles?

Sinceramente, ela queria que a resposta fosse sim.

Heaven ergueu o queixo e endireitou os ombros, olhando para todos com frieza e até mesmo arrogância. Kaira apertou as sobrancelhas, perguntando-se até onde ele pretendia chegar com aquilo.

— Eu prefiro passar o resto dos meus dias sozinhos do que me… divertir — sibilou a palavra — com esses idiotas.

Salvation deu um passo a frente, rosnando para Heaven.

— É bom que passe os seus dias longe de nós, seu babaca, porque não vai ter ninguém aqui para impedir Noble de acabar com a sua raça dessa vez.

Heaven soltou uma risada nasal e balançou os ombros, ele fez menção de se afastar, mas parou no meio do caminho e virou o rosto, olhando diretamente para Kaira.

— Posso te mostrar uma coisa ou outra de diversão, se for corajosa o suficiente.

— Ela é — Noble respondeu antes que ela pudesse abrir a boca. — Corajosa demais para um covarde e ignorante como você.

Ele segurou sua mão e indicou o caminho para a recepção do resort com a cabeça, onde dois soldados da Força Tarefa estavam parados os observando enquanto Trey e Aaron alugavam uma casa, imediatamente os outros começaram a caminhar para lá. Noble fez o mesmo gesto para ela e Kaira seguiu atrás de Aurora e Salvation, deixando-o para trás com Heaven, então pode o ouvir falando:

— Não quero nem imaginar como é ser você — não havia traço algum de sarcasmo ou brincadeira na voz de Noble. — Sozinho e enfurecido, esse não é um bom caminho.

— E o que sabe sobre mim? — Heaven apertou os punhos, rosnando. — Ou sobre qual caminho devo tomar?

Noble deu de ombros.

— Não sou seu amigo, mas também não sou seu inimigo — Kaira balançou a cabeça e sorriu, seguindo o caminho aberto na neve. Deixando ambos. — Não quero ver um de nós em ruínas, nem mesmo o mais idiota.

🌡️

A casa era linda e espaçosa o suficiente para todos eles, com uma sala enorme e uma piscina no quintal; Kismet só queria que o tempo passasse logo para ligar a água quente e entrar, enquanto Forest dizia que preferia se jogar da montanha do que entrar naquela água a noite.

Kaira os deixou discutindo e subiu a escada de madeira.

O quarto que dividiria com Noble ficava no segundo andar.

Colocou sua mala no canto do cômodo e observou a vista da floresta de pinheiros brancos e o pequeno lago congelado no inverno. Aquela casa era distante de todas as outras e até mesmo dos hotéis do resort, eles teriam bastante privacidade — segurança — ali.

Ela saiu do quarto e caminhou pelo corredor, seus passos ficando mais lentos e baixos conforme se aproximava da porta do quarto em que Aaron estava.

— Sem chance — ouviu ele dizer, a voz soando arrastada. — Não. Que se dane. Pode enfiar toda essa grana você sabe onde.

Olhou para dentro do cômodo, observando Aaron parado em frente a janela, do outro lado da cama. A mochila escura estava jogada no colchão e o que a surpreendeu foi o violão. Ele não parecia o tipo de pessoa interessada em instrumentos musicais.

— Não estou interessado — ele se jogou na cama e então o tom em sua voz diminuiu. — A minha filha… eu… realmente não posso — Aaron bufou e desligou o celular, jogando-o para o canto. Kaira passou a língua pelos lábios e, o mais silenciosamente possível, começou a se mover para longe. — Eu sei que você está aí, só não sei por que se esconde.

Kaira fechou os olhos com força, se xingando mentalmente.

Aaron apareceu na porta e abriu um sorriso contido, ela diria que até mesmo estranho, então ele bagunçou o próprio cabelo e indiciou para que ela entrasse.

Curiosa como era, não pensou muito antes de entrar.

Kaira foi até a vista da janela e depois virou o corpo para Aaron, que estava parado no meio do quarto com os braços cruzados, batendo os pés no chão levemente.

Ela não fazia ideia do que dizer.

Nenhum dos dois sabia.

— Você... — ela não tinha nada para dizer, mas o silêncio horrível entre os dois precisa acabar, então fez a pergunta mais idiota de todas. — Você toca violão?

Aaron balançou a cabeça, concordando.

— Sim.

— Legal...

Kaira apertou as mãos atrás do corpo e desviou o olhar dele.

— Hm, você gosta?

— Eu não sei, nunca tive curiosidade.

Aaron sentou na cama, ao lado do violão e o pegou.

— Quer aprender?

Ela queria. Queria muito, mesmo que a ideia de aprender qualquer coisa com Aaron a deixasse sufocada. Não sabia como agir com ele. Não sabia o que dizer.

Parecia que nada seria forte o suficiente para reconstruir aquela ponte invisível e quebrada entre os dois.

Ainda assim, ela queria algo dele.

— Uhum.

— Legal — ouviu quando ele soltou o ar dos pulmões com força, como se estivesse tão incomodado quanto ela. — Eu te ensino qualquer dia. Agora acho que vocês vão querer se divertir.

Aquele era um convite para se retirar.

— É…

Saiu como um furacão daquele quarto depois de trocarem um aceno, só para perceber que por todo aquele tempo estivera mantendo seu coração trancafiado, distante de qualquer sentimento que pudesse ter por Aaron, apenas porque ele bateu estrondosamente dentro do peito quando observou seus amigos na sala.

Pessoas que amava.

Motivos o suficiente para deixar seu coração bater de verdade.

🌡️

Kaira não era uma fã daquele lugar apenas por causa da neve, até porque apenas os pontos mais altos eram tocados pele branco no final do mês de novembro e quase dezembro, enquanto as áreas perto do lago estavam verdes, mas igualmente frias. Achava aquele um local perfeito  por causa dos incríveis locais históricos.

O Museu Tallac fora sua primeira visita, mas nem todos estavam juntos. Apenas Kaira, Noble, Kismet, Forest e Aaron foram até aquele ponto de visitação, sendo que esse último nunca a deixava sozinha.

O museu contava — por meio de suas cabanas de madeira, móveis, decorações e objetos — como fora a colonização de toda a área de Lake Tahoe pelos indígenas, de como foi a tomada dessas áreas e posteriormente o início da colonização e o surgimento de seu primeiro resort.

Ela caminhou por tudo aquilo, absorta nos próprios pensamentos e imaginação.

Pisava naquele chão onde pessoas viveram e morreram, peles vermelhas e brancas, essências da história. Tocou objetos e os observou através de vidraças, perguntando-se quem fora o primeiro dono deles, como se chamava e como era.

Estar com os pés no museu era mais do que só estar ali, contemplando para depois se esquecer… não, era como se pudesse voltar no passado para compreender o presente, saber o que esperar do futuro.

Havia também um teatro, mas estava fechado quando estavam lá. A oeste ela podia ver o grande lago, incrivelmente cercado por montanhas brancas, com toneladas de vistas maravilhosas.

Uma semana nunca seria o suficiente para conhecer suas belezas.

Na costa sudoeste, o Parque Estadual de Emerald Bay guardava a mansão de estilo nórdico de 1929, Vikingsholm, com suas pedras claras e andares ricos em beleza antiga. Lugar lindo demais. A casa tão bem muito preservada e com uma vista de tirar o fôlego.

Kaira só pensava que toda a caminhada valera a pena.

No quarto dia, ela visitou as diversas galerias de arte e pequenas lojas, onde comprou lembrancinhas; uma delas em especial a fez rir muito, no momento certo a entregaria.

Esquiou na neve com os outros, tinha sido o momento mais engraçado de todos. Eles eram péssimos e Kaira tinha passado mais tempo no chão do que realmente em pé. Kismet e Forest tinham feito outra guerra de neve, enquanto Noble ficara por muito tempo parado, com uma expressão desagradável no rosto.

Fazê-lo colocar os sapatos de esqui fora um desafio.

Heaven deslizou sozinho por bastante tempo na neve, embora hora ou outra moças o acompanhasse.

Moças.

As mulheres pareciam malucas por eles, não podia contar nos dedos todas às vezes que Noble e Forest foram parados para tirar fotos. Kismet era o pior, gabando-se pela atenção feminina.

— Eu sou muito bonito, pode admitir — Kismet disse novamente, fazendo com que ela revirasse os olhos. — Elas me olham e ficam apaixonadas, mas não posso julgar, sei qual a sensação que passo as pessoas.

— Só se for a sensação desagradável de querer vomitar o tempo todo — Forest disse, enquanto Kaira não sabia se ria da cara de Kismet ou de Noble, que com certeza era o pior praticante de esqui.

No quinto dia Noble comemorou, pois eles desceriam as montanhas de volta para aos redores do lago, onde a neve era amena e não dava para esquiar.

Visitaram o Taylor Creek, onde caminharam pela floresta e prado, também próximos do rio. O instrutor estava explicando algumas curiosidades para eles e outros turistas, quando Noble cutucou seu braço e fez um gesto bem lento com a cabeça, em direção às árvores e o rio gelado depois.

Ela deu uma breve olhada nos outros e, como quem não queria nada, foi atrás de Noble, olhando para as árvores e pedras como se fossem super interessantes.

Quando estavam mais distantes, ele segurou sua mão e a puxou, caminharam por menos de cinco minutos até estarem próximos da água e arbustos. Noble pressionou o dedo indicativo em seus lábios, para que ela não dissesse nada e se agachou, sentando no chão.

Kaira o seguiu, curiosa.

Ela sentou na coxa dele, passando os braços ao redor do pescoço de Noble e perguntou baixinho:

— O que tem aqui?

— Espere e verá.

Demorou algum tempo até que ela pudesse ver as duas feras. Ursos enormes e castanhos. Eles eram maiores do que aqueles com que estava acostumada a ver na Zona Selvagem, talvez porque fossem realmente selvagens e não animais de cativeiro. Não sabia realmente.

Os dois entraram no rio no momento perfeito, aparentemente a natureza parecia cronometrar aquilo, pois salmões começaram a pular por todos os lados, contra a correnteza e em direção as bocas faminta dos ursos.

Era um espetáculo de peixes vermelhos e brancos.

— Salmões migram apenas duas vezes na vida, você sabia? — Kaira negou e encostou a cabeça no ombro de Noble, ainda sem tirar os olhos dos ursos e peixes que mais pareciam bailarinas saltitantes. — Primeiro eles partem dos rios onde eles nascem e vão em direção ao mar e depois, quando estão aptos a reprodução, conseguem identificar os locais onde nasceram e voltam para desovar.

— Eles simplesmente sabem o caminho de casa?

— Com exatidão.

— A natureza é perfeita...

— E cruel — Noble completou. — Está vendo a cor deles? Não são assim, normalmente é azulada, mas durante a desova o salmão-vermelho fica com a cabeça verde escura, o corpo vermelho vivo, como tinta e as suas maxilas ficam em forma de gancho. Poucos deles vão estar vivos depois de reprodução e alguns deles, como você pode ver, nem vão chegar ao destino.

Kaira sorriu ao notar a afeição e encanto de Noble por aquilo e percorreu os dedos pelo cabelo dele, fazendo um singelo carinho entre as madeixas claras.

— Acho que vocês três seriam ótimos amigos, sabe, os ursos — murmurou próxima dele. — Até gostos parecidos tem.

— Quer saber de uma coisa? — ele perguntou, sussurrando como ela. Kaira assentiu e Noble sorriu, mostrando as presas. — Você estava certa quando disse que este era um lugar incrível… — ele pressionou os lábios aos dela, espalhando calor por seu rosto e coração. — Agora entendo e, sim, eu seria amigo daqueles ursos. Só não pulo nessa água porque está congelando.

— E porque eu não vou deixar, tá maluco — brincou. — Aqueles dois acabariam com você em menos de um segundo.

— É, você tem razão — ele a abraçou com força. — Não posso deixar a minha companheira sozinha, o tigre está rondando e esperando uma brecha.

Kaira segurou uma risada alta, achando engraçado a referência a Heaven.

— O tigre não me preocupa.

— Nem a mim… só quero implicar com ele.

— Vocês poderiam ser amigos, sabe.

— Eu sei — ele se esfregou nela, ronronando. — Estou apenas esperando ele querer ser meu amigo também.

🌡️

Kaira desceu as escadas com as pernas doendo.

— Você tem certeza de que não quer ir? — Noble perguntou pela décima vez, descendo logo atrás dela — Posso ficar aqui, sem problema.

Ela revirou os olhos.

Depois de passar o dia todo andando, subindo e descendo trilhas, tudo o que ela queria era passar um tempo naquela sala enorme e quente pela última vez, talvez apenas olhando para a frente sem fazer nada.

Aquele sofá e cobertor pareciam tão atraentes.

Era a última noite deles em Nevada e ela estava ansiando mais por uma conversa calma com Aaron do que uma noitada regada a jogos e bebidas.

— Pode ir, vou ficar bem.

Noble olhou brevemente para Aaron, sentando no sofá e franziu o cenho.

— Vou ficar.

— Para de ser um pé no saco, já disse que pode ir, divirta-se por mim!

Passou para trás dele e começou a empurrar aquele corpo enorme até a porta, onde os outros o esperavam.

— Vai ter mulheres lá!

— Hum, e daí? — forçou os braços contra as costas dele.

— Muitas, com câmeras e celulares, você sabe. Elas vão querer pegar meu número e tirar fotos, todas as coisas.

— É só dizer não — ela deu de ombros. — Não é não.

— Você não vai ficar com ciúmes?

Ela revirou os olhos de novo.

— Querido, eu confio no meu taco — sorriu, meio preguiçosa, meio orgulhosa. — Sou linda e inteligente — gabou-se, fingindo não ouvir Kismet bufando na passagem. — Só um idiota cogitaria a possibilidade de me deixar por outra.

— Se você quiser, Noble — Heaven começou a dizer, silenciando a todos. — Posso te ajudar com as fêmeas, tem tantas delas aqui.

Kaira gargalhou.

— Obrigado, Heaven, é tão gentil da sua parte — Noble sorriu sarcasticamente. — Você pode ser tão útil quando quer.

— Estou a sua disposição, cara — Heaven piscou para ela. — E a sua também.

— Certo, vamos — Noble segurou o ombro de Heaven, apertando-o e ela pode ver uma careta surgir no rosto do ruivo, mas que sumiu tão rápido quando apareceu. — Você vai na frente, Heaven, já que está tão disposto a ajudar.

— Claro.

Ela os olhou partir da janela e, quando o carro sumiu, Kaira se jogou no sofá e fechou os olhos, apreciando o silêncio da casa praticamente vazia.

Delicioso silêncio; sem Kismet para duelar com ela ou Forest atormentando os dois. Sem risinhos tímidos de Aurora e os sussurros maliciosos de Salvation.

Nada de Noble e Heaven competindo para ver quem ficava mais tempo embaixo da água na piscina ou quem conseguia comer mais pedaços de carne em cinco minutos.

Sem Trey se lamentando por não ter trazido nenhuma amiga.

O único que permaneceu silencioso em todo aquela semana fora Aaron, com seus perspicazes e castanhos olhos, os quais sempre estavam direcionados para ela quando ficavam no mesmo cômodo.

Parecia que estava sendo vigiada dia e noite.

Entreabriu os olhos lentamente, observando-a no sofá em frente ao que estava. Ele percorria os dedos calmamente pelas cordas do instrumento, movimentos sincronizados o suficiente para que o som fosse agradável.

Realmente agradável.

Ela não conhecia aquela música, nem mesmo quando ele começou a murmurou a letra enquanto tocava.

— Os pinheiros, eles muitas vezes sussurram…

O acorde era melodioso e lento no início, com notas longas e que pareciam navegar como flocos de neve pela sala.

— Eles sussurram o que nenhuma língua pode dizer.

Outro acorde, com movimentos mais ágeis dos dedos, subindo o tom das notas, tomando um ritmo mais rápido, com a voz rouca soando forte ao redor dela, como uma chuva de neve mais forte, quase que uma tempestade.

— Aquele que bebe das águas profundas, talvez conheça as profundezas do mundo.

Ela balançou os pés conforme Aaron tocava, ele mesmo balançando a cabeça enquanto mantinha os olhos nas cordas.

— Posso ficar inabalável no meio de uma colisão de mundos?

Kaira, curiosa como era, não se importou em interromper quando indagou:

— Que música é essa?

Ele levantou as sobrancelhas.

— Você não sabe?

— Se soubesse não estava perguntando, né.

Aaron riu, parando completamente o que fazia.

— Okay, talvez eu tenha merecido isso — ele deixou o violão nas coxas. — O nome da música é Unshaken, composta por de D'Angelo.

— Nunca ouvi falar.

— Claro, se tivesse não perguntaria.

Kaira demorou um segundo para reagir aquilo, então soltou um riso baixo e passou a língua pelos dentes superiores e sorriu daquele modo que só ela conseguia; malicioso e com uma pitada de ardileza.

— Exatamente.

Pode ver que Aaron se segurava para não rir e, pela primeira vez, sentiu como se não houvesse nada de errado entre os dois. Como se aqueles episódios de ódio e irá nunca tivessem acontecido.

— Estou curioso — ele disse. — Qual o problema entre Noble e Heaven?

— Ah, isso... — Kaira cruzou as pernas. — Eles brigaram uma vez e desde então vivem implicando um com o outro. Machos.

— E qual o motivo da briga?

Ela soltou um suspiro longo e dramático, até mesmo deu uma olhada nas unhas, bem teatral da parte dela, sabia. 

— Eu — Aaron estreitou os olhos. — E raiva também. Mas sou mais importante.

— E arrogante.

Kaira deu de ombros.

— Acontece que prefiro eu mesma enaltecer minhas qualidades do que esperar que alguém o faça.

— Conheci um monte de pessoas assim e quer saber de uma coisa?

Fazer uma pergunta como aquela era uma armadilha para Kaira, ela nunca diria nada além de sim.

— O quê?

— Todos estão mortos. Todo mundo.

Ela se permitiu a elegância de sorrir amavelmente para Aaron.

— Quer saber de outra coisa? — indagou, com a voz doce, ele assentiu. — Eu não sou todo mundo, Morgan.

Aaron gargalhou dessa vez e Kaira se sentiu até mesmo bem, parecia que os dois eram quase iguais. Provocando aqui, trocando farpas ali, era estranho que gostasse daquilo?

Esperava que não.

— Pareceu o meu pai falando agora.

Ela não respondeu. Fora pega de surpresa, por uma informação nova, até mesmo importante. Pai. O avô dela. Parte daquele história que não conhecia, da metade em branco.

— Aquele dia — ela forçou a garganta, logo depois que Aaron parou de rir. — aquele dia enquanto jogavamos, você falou sobre o seu pai…

— Uhum — prestou atenção na expressão tensa que o rosto dele tomou, a mandíbula tensa. — O que tem?

— Fale-me sobre a sua família.

— Nossa família — Aaron murmurou. — O mesmo sangue corre em suas veias.

Ela abriu um sorriso enojado.

— Conte-me sobre ela e eu decido se quero ou não fazer parte, não você. 

— Eu diria que o seu temperamento forte vem da minha parte da família, mas acho que não, o que vem do meu sangue é pior… e você não vai gostar.

Revirou os olhos e sibilou cada uma das próximas palavras:

— A escolha é minha.

Aaron sorriu.

— O que vem da minha herança é como um sopro doce no ar, cheiro de flores e liberdade após um dia quente de verão — ele murmurava ternamente, numa voz tão calma e amorosa que poderia ultrapassar aquelas muralhas que Kaira criara para se proteger dele. O timbre forte, masculino, mas suave e agradável, levando-a a pensar no quão facilmente sua mãe não se entregara a ele. — Um sorriso bonito que esconde as piores intenções.

Kaira ergueu as sobrancelhas.

— Quer que eu comece a recitar uma poesia também? — foi sarcástica. — Ou melhor, você toca o violão e eu canto uma bela canção. Parece bastante paternal pra mim.

Aaron jogou a cabeça para trás e gargalhou, dizendo entre risadas:

— Você seria tão adorável se não tivesse uma língua tão afiada — ele segurou as beiradas do violão com força. — Isso ai vai custar algo a você.

— Todos dizem isso.

— E você não teme o destino? — ele soprou a pergunta docemente e Kaira pode ver o brilho nos olhos dele, não era gentil. — Quem avisa amigo é.

Balançou os ombros.

— E então o quê? Devo passar o resto da minha vida pensando na minha próxima frase? Calculando o peso de cada palavra? Parece cansativo — mostrou a ele que também tinha um sorriso gentil, o qual encobria o que sentia de verdade. Será que ele pegou aquilo no ar? Será que entendeu o seu desafio? Esperava que sim. — A defesa é o que se não feita de argumentos? — encolheu os ombros. — Vence aquele que tem os melhores e eu nunca perco.

— Onde aprendeu isso?

Ele quer me conhecer, mas não me conta a história da família, o que há de errado?

— Uma resposta por outra — apontou para o peito dele. — E você ainda não me falou da sua família.

Aaron ficou em silêncio por alguns minutos, intercalando os dedos entre as cordas do violão, fazendo com que sons baixos e sincronizados soassem pela sala até que começasse a falar.

— Meu bisavô fez parte do Exército Vermelho durante a Segunda Guerra Mundial, enquanto a mulher dele estava presa junto dos outros judeus que morreram pelo holocausto. Eles eram muito jovens, sei muito pouco sobre os dois além de que ele era um homem corajoso e ela uma mulher muito honrada — ele revirou os olhos. — “Minha avó era um gênio e meu avô comandava respeito”, foi o que o meu pai me disse uma vez. Uma maldita vez.

Ela quase tampou a respiração ao sentir que os pelos de seus braços se arrepiaram com o tom rancoroso de Aaron.

— Meu avô nasceu depois da guerra, em Mozdok, uma cidade localizada na Ossétia do Norte, na Rússia. A história dele não é cheia de glórias e medalhas de honra quanto foi a do meu bisavô. O velho lutou muito contra antissemitas na época dele — ele revirou os olhos novamente, aquilo a fez pensar que fazia o mesmo com frequência. — Uns idiotas achando que os judeus vão dominar o mundo, não muito diferente dos babacas que juram de pé junto que Novas Espécies são o mal na terra — ele gargalhou de novo. — O pior é que criam nomes interessantes para o que são. Nazistas, antissemitas, facistas, Anti-Éspecies quando na verdade eles deveriam ser chamados apenas de uma coisa: preconceituosos — Aaron inclinou a cabeça para o lado, parecendo se divertir. — Ou talvez de carrapatos, porque sempre que são esmagados outros aparecem.

Kaira franziu o cenho.

— Se o seu avô lutou contra antissemitas ele pode ser até mais honrado do que um homem que ganhou medalhas na guerra.

— Um sorriso bonito que esconde as piores intenções — novamente aquelas palavras. — Lembre-se sempre disso, garota.

Ela assentiu.

— O meu avô tinha uma fachada de bom homem quando na verdade era um filho da puta asqueroso — ela ergueu as sobrancelhas. — Tudo o que um homem pode fazer de errado, ele fez. Comércio de armas não registradas, de calibres ou funcionalidades ilegais; o comércio de drogas ilícitas; produtos falsificados… prostituição ilegal. Ele administrou bordéis por anos e foi em um deles que engravidou a minha avó. O meu pai, Alexsandr Senaviev, nasceu no meio de toda a merda possível.

— Morgan…

— Senaviev é o sobrenome dele, não meu — outro acorde de violão a calou. — Pelo incrível que pareça a infância dele não foi tão miserável quanto se esperava. Ele estudou e treinou com o meu avô, parece até loucura pensar que um homem assumiu uma criança que nem podia ser dele.

A sensação que subiu por sua coluna a fez tremer. Não era frio.

— Então você não é muito diferente dele.

Aaron riu de novo, parecia fácil para ele. Leve. Um sorriso bonito que esconde as piores intenções. Kaira desejou vomitar.

— Eu só preciso olhar um pouco para você para saber que é minha — ele brincou. — Dizem que alguns pais carimbam os filhos.

Ela não queria ouvir àquilo

— Não quero saber — apoiou as costas no sofá e cruzou os braços. — Você vai continuar a história logo ou prefere que eu faça um chá para nós dois, papai?

— Me chamando de papai — ele inclinou o corpo para frente, olhando nos fundos dos olhos dela. — Eu acharia adorável, filhinha, se não estivesse destilando seu veneno junto.

Kaira gargalhou alto, achando engraçado, então fez um gesto para que ele continuasse.

— O meu pai cresceu aprendendo tudo quanto é coisa suja que o meu avô tinha para ensinar — a voz dele seguiu para um tom mais baixo, quase um sussurro em suas orelhas. — Às vezes me pergunto como que uma família que começou com medalhas de ouro, terminou em um sistema tão ordinário? Eu nasci no mesmo lugar que o meu pai, filho de uma prostituta também, ou não, talvez ela fosse uma empregada, o meu pai não era mais do que uma criança quando aconteceu. Uma vez me disseram que o nome dela era Irina, mas, quem era ou de onde veio, nunca soube. Parece que homens da minha família costumavam fazer filhos e ficar com eles, mas não com as mulheres.

— Eu diria que você conseguiu superar todos eles nesse quesito ao deixar ambos.

Aaron concordou, mesmo que com um sorriso torto.

— Alexsandr foi recrutado pelo serviço militar da União Soviética uns anos depois das operações no Afeganistão, ele teve sorte, ou seria apenas um garoto morto pela batalha. Fiquei com o meu avô por alguns anos, vivendo junto com ladrões, jogadores e prostitutas — ele suspirou. — A partir de 1989 judeus da União Soviética podiam arranjar cidadania israelense e acredite em mim, aquilo foi o prato cheio para criminosos, foi um passaporte para um mundo pior, eu diria. Desde então prostituição passou a ser o negócio principal do meu avô… o filho da puta estava tão feliz comigo ali, ele tinha certeza de que eu seria perfeito para seguir ao lado dele, já que o meu pai estava servindo. Eu vivi alguns anos bons antes de realmente olhar tudo aquilo de outro modo — Aaron sorriu. — Sinto falta de algumas amizades, de como elas eram, Jason sempre foi o meu melhor amigo. Tinhamos a mesma idade e o fato dele ser um alemão nunca me incomodou.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, com a feição nostálgica, realmente se lembrando de um bom amigo, até se virar sério para ela.

— Você sabia que o tráfico de pessoas é, em todo o mundo, o terceiro negócio ilícito mais rentável, logo depois das drogas e das armas? — ela negou. — Mas é. Um negócio doente e horrível, que rende muito. Eu fiz parte disso. É tão fácil, Kaira… você encontra alguém desesperado, tão necessitado que aceita o trabalho sem se importar muito, um alguém tão esperançoso por uma vida melhor que tudo parece um conto de fadas para logo virar um filme de terror. Você promete o dinheiro e a pessoa vai, a vítima perfeita. Basta garantir um modo de ela ir, passagem e hospedagem, então manda um... — a expressão dele passou para enjoada — capaganda, para garantir que a carg— pessoa chegue até o destino. Então é só prender e esperar um comprador, ou colocá-la para trabalhar. Tanto faz. O fim nunca é feliz.

Kaira respirou profundamente, sentindo-se horrível.

— Para — murmurou. — Eu não qu—

— Você quer sim, quer porquê é curiosa — ele retrucou com escárnio. — Quer porquê gosta de saber a verdade, então não me faça parar. Eu… eu lidava com dinheiro, comprar e vender, transportar. Era a porra de um garoto idiota, que não sabia nada sobre sofrimento ou escravidão, que vivia com os olhos vendados, servindo ao meu avô. Meu pai não voltou bem da estadia no exército, bebia, fumava e jogava todos os dias, por Deus, Kaira, ele amava pôquer e eu também.

Kaira encarou as próprias mãos, absorta e enojada.

— Ele era tão cego quanto eu, mas não sinto pena dele em momento algum, não do homem que não tentou me salvar, não do homem que deixou que minha mãe fosse morta ou jogada na sarjeta. Não. Eu o odeio.

Kaira pensou que o fato de não o ter conhecido antes, de pensar que o seu pai havia fugido quando era uma garotinha, era melhor do que aquilo.

Melhor do que o brilho de solidão e tristeza que havia nos olhos de Aaron.

— Como eu disse — ele tossiu e deixou o violão, sentando ao lado dela. Parecia que o homem queria uma aproximação, notou quando a mão dele quase tocou a sua, mas ele se afastou, nem ao menos roçando seus joelhos. — Eu fazia parte daquilo, mas um dia vi… crianças. Apenas crianças, assustadas, traficadas com ajuda de agentes oficiais, usadas para transportar drogas e depois escravizadas sexualmente. Aquilo acabou com uma parte minha. Acabou com qualquer tipo de sentimento bom que um dia tive com a minha família.

— O que você fez?

Aaron olhou para ela e tomou sua mão, Kaira deixou que ele entrelaçar seus dedos e parou para observar a cor parecida de suas peles, o formato das unhas e as veias esverdeadas.

— Eu trai todos eles — ele sorriu orgulhoso. — Fiz alianças com pessoas tão ruins quanto meu avô e com outras boas, espalhei informações falsas e verdadeiras, aprendi uma arte que uso até hoje. Arruinei o império de sujeiras que aquele velho construiu. Acabei com ele de dentro para fora, com um fim bem sangrento e doce. Eu tive a minha vingança.

— Eles morreram.

— Sim, os dois. Lembro-me de Jason rasgando a garganta do velho de lado a lado e eu… eu não senti compaixão. O meu pai foi diferente, ninguém precisou acabar com ele, o soldado quebrado fez tudo por si próprio. Tirou a própria vida com um revólver. Às vezes eu penso que alguém precisa ser muito fraco para cometer suicídio, outras vezes penso que é necessário uma força que desconheço. Não sei. Eu nunca o conheci de verdade, apenas uma parte horrível e estragada daquele homem.

— Eu deveria sentir muito?

Aaron negou com a cabeça.

— Definitivamente não.

— E depois disso tudo?

— Eu era um pouco mais velho do que você quando deixei tudo aquilo tudo para trás, nas mãos de Jason, eu sabia que ele acabaria com aquela merda. Quanto a mim, tinha muitos contatos, bons e ruins, como citei antes, ambos me ajudaram a construir a minha fama. Trabalhei com o exército, treinei muito, depois trabalhei com corporações privadas e muitos outras pessoas. Mudei meu sobrenome muitas vezes, nome também.

Ela se virou para ele, ansiosa.

— Aaron é seu nome de verdade?

Aaron olhou para ela e sorriu, balançando os ombros.

— É ou não?

Aaron riu e Kaira se contorceu, largando a mão dele.

— Você não vai me contar?

— Não.

— Ma—

— Um dia — ele sussurrou — um dia, Kaira. Agora me deixa continuar. Quando soube dos Novas Espécies, das investigações, eu precisava participar de algum modo, ajudar, porque era o gostava de fazer. Ajudar os outros com o que sabia. Computação sempre foi o meu ponto forte, conseguia me infiltrar com facilidade em redes corruptas, ter acesso era fácil, principalmente com os meus contatos dando uma força, então não foi diferente com aquela empresa em que sua mãe trabalhava.

Kaira nem piscava naquele ponto, desesperada para saber qualquer coisa coisa sobre o relacionamento dos dois.

— Confesso que eu demorei um pouco mais do que o necessário — ele sorriu maliciosamente. — Uh, sua mãe era um acalento para a minha alma, muito bonita com aquele cabelo longo e olhos azuis, uma mulher inteligente e gentil. Foi fácil gostar dela… ainda mais fácil levá-la para casa comigo.

— Quer dizer que a minha mãe é fácil? — resmungou.

— Não, não é isso — se explicou rápido. — Não estive com muitas amantes, embora eu brinque e flerte bastante, levá-las para a cama é outra coisa. Às vezes penso na minha mãe e na minha avó, nas coisas que aconteceram, em toda a prostituição… no sexo. Não me agrada muito.

— Puritano?

— Com certeza não — os dois riram juntos, pela primeira vez tão casualmente e em paz. — Enfim, foi muito legal estar com Stella, mas tudo aconteceu, a empresa caiu e ela sumiu. Eu poderia encontrar ela, não vou mentir quanto a isso, mas… não quis. Estava pensando mais em libertar Novas Espécies do que naquela moça com um sorriso sensual.

— Você não a amou — ele concordou. — Se serve de consolo, ela também não amou você.

— Serve, Kaira... serve muito.

Os dois trocaram um longo olhar, cheio de sentimentos e dúvidas e, lá no fundo, ela sentia que um dia, talvez, quando soubesse o nome verdadeiro dele, poderia chamá-lo de pai.

Aaron nunca tomaria o lugar de Leo, apenas teria um apenas para ele mesmo. Aquele que estivera reservado desde sempre em seu coração.

— Agora me conte algo sobre você.

— Como o quê?

— Quel tal me manter a par de tudo desde que era uma pequena menina?

Ela assentiu, afinal, ele fizera o mesmo.

Foi mais fácil do que ela pensou. Apenas despejou sua vida sobre Aaron, falando por horas sem findar; contou tudo a ele, sobre sua infância, na casa dos avós e depois na Zona Selvagem, sobre os amigos e família, sobre sua adolescência e cada um daqueles pequenos momentos que permaneciam claros em suas lembranças.

Fácil.

Simples.

No final das costas estava com a cabeça encostada no ombro dele, murmurando sobre seus treinamentos e a faculdade, até que os rapazes abriram a porta da frente com força. 

Se passaram horas, mas ao lado se Aaron parecia minutos.

— Oi! — Trey passou correndo por eles e subiu os degraus da escada. — Vou ir tomar um banho quente ou meu pau vai cair, tô congelando!

— Não tem nada muito interessante aí mesmo — Kismet entrou logo depois, rindo. Havia neve nos ombros dele, por cima do casaco enorme e no cabelo negro também. — Preciso é de uma bebida, quem vai querer vinho quente?

— Eu, por favor — Forest passou o braço pelo pescoço de Kismet e os dois seguiram pelo corredor juntos, indo pelo caminho da cozinha. — Tomara que tenha algumas frutas na geladeira.

— Eu também quero — Kaira gritou do sofá e Aaron fez uma careta. — Não vai querer?

— Eu quero, vou ir lá fala—

— Aaron também quer! — gritou de novo, rindo do homem ao seu lado. — Relaxa, até se eu estivesse falando baixo ele ouviria, estou gritando só para irritar Kismet.

Aurora e Salvation entraram também e o que estava atrás levou uma bola de neve na cabeça conforme passava pela porta.

— Vai se fuder, Noble — ele rosnou enquanto Aurora ria. — Na próxima vou acertar seu saco.

Heaven passou pelo casal como um raio e também subiu as escadas, sumindo no segundo andar.

— Você pode tentar!

Kaira sorriu ao ouvir a voz dele e se levantou, chegou na passagem e se encolheu com o frio. Era ainda pior a noite. Segurou a porta e fechou com Noble do lado de fora.

— Vai dormir na casinha do cachorro! — brincou. — Ninguém mandou chegar tão tarde em casa.

— É muito pequena pra mim!

— Aqui tem ursos, talvez um deles possa te esquentar na neve.

Noble gargalhou estrondosamente do outro lado e Kaira suspirou. Abriu a porta e pulou nos braços dele, que a tirou do chão imediatamente.

— Sabia que você não ia me deixar aqui fora congelando — ele murmurou e Kaira estremeceu. Estava muito gelado. — Vamos entrar antes que você morra de frio.

Ele entrou e empurrou a porta com os pés, então seus lábios se tocaram lenta e brevemente, o suficiente para fazê-la tremer novamente. Parecia que estava beijando um cubo de gelo.

— O que acha de subir — apertou as pernas contra ele — e tomar um banho bem quente?

— Acho ótimo — ele ronronou e a colocou no chão.

— Depois! — Kismet disse alto. — Primeiro vamos beber juntos e depois os casais podem subir, aliás, acho que finalmente vamos usar aqueles fones de dormir que eu trouxe, já que temos Noble aqui.

— Cala a boca!

Kaira achou fofo quando o companheiro ruborizou.

— Ele é bem barulhento na cama!

Kismet, Forest e Aaron riram juntos e Noble resmungou.

— Nossa, como eu te odeio.

🌡️

Kaira estava tomando um banho bem quente quando Noble entrou, tirou a roupa e caminhou nu até o box aberto. Ele escorou o corpo ali, apoiando-se com um braço no vidro e pareceu tentar imitar uma expressão sensual, sorrindo com aquelas presas brancas e pontiagudas.

— E ai, tudo bom?

Ela começou a rir.

— Você não sabe flertar.

— Parabéns, ó, conseguiu colocar o meu companheiro aqui para baixo — rosnou para ela.

Kaira olhou para baixo e sorriu.

— Ele parece bem pra mim, talvez um pouco tímido pelo frio, mas ótimo.

— Acho que vou lá fora, com aquelas garotas, talvez elas me ensinem a flertar.

— Tá tentando me deixar com ciúmes? A minha confiança não é tão pequena assim.

— E eu não sei? — Noble entrou na água com ela, colocou as mãos em suas coxas e a aconchegou com o corpo musculoso, Kaira enlaçou as pernas ao redor da cintura dele. — Só tenho olhos para você, linda.

Beijou-a lentamente, despertando nela aquele calor que só ele era capaz.

— Eu sei… — murmurou.

🌡️

Mais tarde, entre as paredes do quarto simples, as chamas amarelas se erguiam calmas e quentes dentro da pequena lareira do cômodo, o corpo grande e quente de Noble estava relaxado sobre o colchão macio, com sua cabeça repousada no travesseiro. Ele estava de olhos fechados e tranquilo por conta do silêncio, apenas ouvia o longo crepitar do fogo, flutuando entre a realidade calma de seus sonhos, até que Kaira, sem querer, moveu-se mais rápida do que gostaria pelo cômodo, despertando-o rapidamente.

Noble tinha um sono leve e Kaira sabia.

Ela se moveu da poltrona até a janela, resmungando por não ter fechado o trinco direito, o ar gelado entrou e Kaira tremeu. Ela fechou a entrada e não se esqueceu de abaixar a tranca.

— Vem dormir, Kaira… vamos acordar cedo amanhã.

— Me desculpe, eu acordei você — ela olhou para o céu fechado através do vidro e sorriu para ele depois. — Amanhã vai ser um longo dia, em?

— Por quê? — Noble franziu o cenho, idiota do jeito que era com certeza estava tentando se lembrar de algo importante.

Os olhos azuis brilharam em diversão e Kaira foi até a cama, sentando-se ao lado dele e beliscando suas bochechas.

— Só um tolo se esquece de um dia tão especial! — provocou, puxando sua pele e depois deslizando o dedo pelo queixo dele.

Noble afastou o rosto sorrindo minimamente e segurou a mão dela, impedindo-a de o tocar mais, embora tenha deslocado o quadril para mais perto do corpo de Kaira. Encarou-a de perto, suas respirações se mesclaram.

— Hhm, cada dia que passa penso ainda mais em te jogar para os lobos. 

— Não viveria sem minha presença, chocolatinho, tão ingênuo. — Kaira soprou o ar em seus olhos e se afastou de volta para a sua poltrona, pegando um livro e o abrindo. — Vá dormir, Noble, talvez amanhã se lembre, quando chegarmos em casa.

— Vai ficar acordada por muito tempo?

— Quero terminar de ler esse livro — murmurou, mas ergueu os olhos e disse sarcástica — Não me atrapalhe.

— Aham.

Noble se deitou sem tirar os olhos dela, que estava toda confortável, com as pernas dobradas sobre o estofado e os olhos afiados complemente atentos as letras. Ele se ajeitou e se cobriu até o pescoço, fechando os olhos logo após.

— Leia em voz alta, quero ouvi-lá.

Kaira leu por algum tempo, até olhar para Noble e perceber que ele estava dormindo. Ela deixou o livro de lado e desceu, faminta por um chocolate quente. Ficou em frente a janela da sala olhando a neve cair, sabendo que não teria aquilo no calor da Zona Selvagem, nada daquela magia eterna do inverno constante.

— Toská.

Kaira se virou, surpresa por Aaron estar ali embaixo com ela no meio da madrugada.

— O que você disse?

— Toská… uma espécie de tristeza russa. Um elemento de identidade bem discutido entre alguns daquela terra. Parte essencial do que são, uma forma de se ver, aparentemente resultado das tragédias daquele país. Sabia que muitas das vezes a tristeza russa se manifesta através de humor negro? — ela negou, não sabia nada sobre aquele povo. — Imaginei que não. Também, por que saberia? Nunca soube que havia algo russo em suas veias… um legado.

— Tristeza russa — Kaira murmurou e voltou os olhos para a neve pálida, caindo sem fim, tão linda. — É assim que se sente?

— Não, mas foi do que me lembrei ao vê-la — ela não entendeu. — Tristeza… é o que dizem, não o que eu penso de verdade sobre Toská. Vai além da melancolia. É como sentir, por uma vez na vida, o vazio do universo e ver com nitidez e intensidade seu objetivo, aquele que é o mais importante, aquele que vale o sacrifício, compreende naquele momento da sua vida que existe algo maior… Toská é o que nos permite sentir uma pequena centelha contra o vazio, contra o medo, ela é a coragem que abate o arrependimento.

— Parece algo que vem do fundo do coração.

— É sobre se humilhar e ainda persistir.

Eles ficaram em silêncio por minutos com os quais ela não se importou. Ficou refletindo com aquela última frase em sua mente.

Aaron começou a se afastar e subir a escada quando ela o chamou, fazendo-o parar nos degraus.

— Obrigada pelo passeio, Aaron — pela primeira vez sorriu verdadeiramente para ele. — Eu… eu amei.

Ele assentiu.

— Eu também… amei.

🌡️

Kaira sentou ao lado de Forest na viagem de volta, em um carro diferente dos outros. Salvation e Aurora estavam juntos em outro carro, assim como Noble estava com Heaven e Kismet com Trey. Aaron estava no banco de passageiro daquela SUV, prestando atenção no caminho e conversando baixo com o motorista, enquanto os dois ficaram olhando as publicações em redes sociais, até que ele passou por uma que a fez segurar o celular com força e o olhar com raiva.

Um fórum de Anti-Espécies no navegador.

— Por que você usa essa droga? — ela praticamente rosnou.

As publicações daquele grupo eram extremamente horríveis.

— Mantenha os amigos sempre perto de você e os inimigos mais perto ainda, não é o ditado?

Ela abriu a boca para retrucar, mas a ideia que surgiu em sua mente a impediu de continuar.

Kaira passou a viagem toda pensando no que faria.

🌡️

Era aniversário de Bravery e ela sabia que Noble tinha esquecido.

— Eu sabia que você iria esquecer, então toma — enfiou o embrulho na mão dele, comprara em uma das visitas as lojas de Lago Tahoe. O especial. — Dê um abraço apertado no seu irmãozinho e diga que o ama.

— O que é?

— Uma surpresa.

— Por favor, me diga que não é nenhum tipo de veneno perigoso ou uma arma.

Ela revirou os olhos.

— Você acha que eu sou maluca? — Noble ergueu as sobrancelhas e Kaira o empurrou, fingindo estar ofendida. — Vai lá, idiota.

— Ok, obrigado por ter se lembrado.

— Alguém tem que fazer as coisas, né…

Noble deu o presente para o irmão, que abriu animado e, quando colocou as mãos na caixa quadrada, ficou com os olhos arregalados. Noble também estava surpreso e Valiant apenas olhou para o filho mais velho como se perguntasse o que aquilo significava, enquanto Tammy gargalhava.

Era uma Barbie com roupas de inverno.

Tirando aquele imprevisto, tudo aconteceu normalmente, Kaira deu o que trouxera aos outros e mais tarde, quando se encontrou com Noble, não tentou fugir daquele olhar felino.

— Por que uma Barbie? — Noble riu, entrando na frente dela — Não podia ser um conjunto de facas? Me chocaria menos.

— Para você aprender a nunca mais esquecer as datas especiais.

— Vai ter volta.

— Ui, mal posso esperar.

Naquela noite, finalmente em casa e enquanto todos dormiam, Kaira se levantou de madrugada e ligou o computador; fez contas falsas nas redes sociais e entrou naquele grupo Anti-Éspecie.

Ela tinha um plano… ao menos parte dele.

Mantenha os amigos sempre perto de você e os inimigos mais perto ainda.

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