Inalcançável
As luzes das ambulâncias e viaturas começavam a deixá-la tonta, mas nada poderia roubar o espetáculo que era poder observar o céu novamente. Kaira deixou que Mighty e Helena fossem levadas e se distanciou de todos.
Estava sentada na escuridão olhando as estrelas.
Tinha ouvido uma ou duas pessoas perguntando por ela, mas não se manifestou. Tudo o que queria era um pouco de paz.
Apertou o cobertor ao redor dos braços se perguntado como tudo tinha acontecido de forma tão sinistra.
Lucis não era um inimigo, era um infiltrado como ela, só que diferente de Kaira havia se escondido de forma melhor. Ela nunca desconfiou, nem sequer se lembrava de ter ouvido aquele nome um dia.
O tatuado grande que apontou uma lâmina para Mighty era Andrei.
Ele parecia mais jovem frente a frente.
Todos estavam livres...
Era difícil de compreender depois de tanto tempo. Difícil demais, mas tudo deu certo...
Tudo deu certo.
Kaira começou a gargalhar sem parar, o suficiente para sua garganta e corpo doerem. Apenas parou quando não tinha mais ar e com lágrimas nas bochechas, então aquelas lágrimas de risos deram lugar a um choro sufocado de dor.
Ela tampou os lábios e ficou paradinha, segurando-se.
— Você está péssima.
Kaira tampou o rosto com as mãos e respirou fundo, então reuniu os restos de sua força e se levantou para encarar Noble.
— Eu posso pensar no que você gostaria de dizer, afinal, como eu posso ter feito tudo isso com você? — as palavras sairam sem pensar. — Sumir por todo esse tempo, sem pensar nas consequências dos meus próprios atos.
Noble apenas andou em sua direção com uma expressão neutra, com passos decididos e aquele olhar dourado e sério que ela nunca esqueceria.
— Eu queria dizer a verdade, Noble! Queria! Gostaria de ter lhe contado tudo antes, mas o que você faria, não é? — gesticulava sem parar — Diria não, me impediria de ir igual todos os outros, para me proteger, mas eu fiz o que queria! Eu não poderia dormir sabendo que todas essas pessoas estavam presas!
Noble não disse absolutamente nada e ela sentiu a necessidade de aumentar o espaço entre os dois, porque se sentia intimidada enquanto ele andava como um gigante até ela. Suas costas tocaram a parede, mostrando que não havia para onde recuar.
— Diga alguma coisa — implorou frustrada. — Grite, ruja pra mim, rosne, qualquer coisa!
Ele segurou seu rosto com força, o dedão roçando em sua mandíbula de um lado e os os outros dedos do outro, alguns até mesmo tocando seu pescoço. Sentia o pulsar de seu coração naquelas veias sob os dedos dele. Trocaram um olhar intenso, o qual fez o corpo de Kaira tremer levemente.
Esperava qualquer coisa dele, mas não o que ouviu a seguir.
— Eu senti tanto a sua falta.
— Noble...
Ele enroscou os braços ao redor do seu pescoço e a apertou em um abraço quente e protetor. Kaira envolveu a cintura dele ainda meio trêmula, surpresa e emocionada.
— Noble — murmurou o nome dele novamente, forçando ainda mais seus corpos em um único espaço. — Noble... Senti sua falta também, Noble. Eu amo você. Noble — repetiu como se um dia pudesse esquecer aquele nome. — Noble. Eu te amo.
Noble tirou seus pés do chão e Kaira o agarrou com os braços com mais força.
— Você está machucada. Vou levá-la para a ambulância.
— Todo esse sangue não é meu.
— Melhor verificar — ele olhou para os pés ensanguentados dela e depois para seus olhos, carregando-a em direção a multidão de pessoas. — Está com fome?
Kaira acenou.
— Para um caralho.
— Forest está aqui, ele pode cuidar de você — disse sério.
Conforme Noble caminhava com ela em seus braços, distanciando-se da prisão subterrânea, ela sentia uma crescente sensação de que deveria tocar em um assunto delicado, mas importante.
— Para, por favor.
— O que foi?
Ele não olhou para o seu rosto imediatamente e a falta de um sorriso naquele rosto a deixou incomodada.
— Você me perdoa? — estendeu a mão e tocou a bochecha dele. — Eu sei que menti, que fiz um monte de escolhas erradas, que decepcionei você e a minha família.
Noble suspirou fundo.
— Não vamos falar sobre isso agora.
— Não! — balançou a cabeça, com seus olhos cheios de lágrimas. — Eu tenho uma puta sorte por estar viva, Noble. Sorte por poder sair daquele inferno e ver você de novo, eu quero falar e quero agora!
Sentiu a vibração de um rosnado vindo de Noble e ele não respondeu, apenas continuou andando até que chegaram a ambulância. Forest apareceu e abriu um sorriso enorme para Kaira.
— Que bom que está viva!
— Os pés dela estão cheios de sangue e também há um machucado no rosto — Noble informou e a deixou, com cuidado, sobre uma maca. — Cuida dela por mim, Forest. Alimente ela também.
— Claro.
— Espera! — se inclinou sobre a maca em direção a Noble que começava a se distanciar. — Noble, não vai, por favor!
— Não se mova muito, Kaira — Forest a segurou. — Vai ficar tudo bem.
— Noble! — chamou de novo, agora com lágrimas escorrendo por suas bochechas. Ela não queria chorar, mas era mais forte. — Volta!
— Shii... — Forest murmurou. — Vai ficar tudo bem, ele só precisa de um tempo. Agora deita e me deixa fazer o meu trabalho.
Kaira se deitou mesmo que a contragosto, soluçou e cobriu a boca com a mão, sentindo-se constrangida por chorar como uma criança.
— Um ano não foi o suficiente?
O amigo a olhou com carinho.
— Ele não perdoou nem Kismet ainda.
Kaira franziu o cenho.
— O que ele fez?
— Vish, muita coisa, Kaira... quando estiver melhor vou te deixar a par de toda a história, mas agora vamos cuidar de você.
Kaira tombou a cabeça sobre a maca e, quando olhou para o lado, encontrou o olhar intenso de Lucis sobre ela.
🌡️
Noble virou na direção de um carro alto e se escondeu atrás dele, segurando a respiração. Custou muito para ele não meia volta e pegá-la em seus braços novamente.
Ouvir ela o chamando e chorando, enquanto forçava a si mesmo a continuar em frente...
Porra.
Ele nunca tinha feito algo tão doloroso.
— Ei, cara — Andrei disse ao surgir do seu lado. — Você está péssimo.
— Acho que cometi um erro.
Andrei balançou os ombros.
— Quem sabe... Kaira é bonita.
Noble encostou a cabeça na lateral do carro.
— Ela é.
— E inteligente.
— Sim.
— E gostosa pra caralho.
— Chega.
— Ei, calma! — Andrei riu. — Pode tirar a mão da faca, só estou aqui recitando as vantagens.
— É, mas você não a conhece. Kaira é... a porra de uma cabeça dura, ela é orgulhosa, cínica, mentirosa e nunca, nunca me ouve! Ela é irritantemente forte e durona. Eu quero voltar lá, pegá-la e transar com ela dentro de uma dessas ambulâncias até o sol nascer.
Andrei começou a rir e Noble o acompanhou, sentindo-se mais leve agora que tinha dito tudo.
— Por isso eu tô solteiro, as mulheres só fazem desgraça com nossas cabeças. Mas eu acho que você deveria ir lá, pegá-la e fuder com ela dentro de uma ambulância.
Noble o empurrou e balançou a cabeça em negação.
— Idiota.
— É sério! Eu posso ficar de guarda do lado de fora!
(...)
Noble ajudou em tudo o que podia, desde conversar com os sobreviventes Espécies mais velhos e contar a eles como eram as coisas em casa, carregou os presos e distraiu os pequenos filhotes com promessas que pretendia cumprir.
— E nós temos uma cachoeira enorme e muito espaço livre — dizia para a criança que estava em seus braços, olhando-o como um filhotinho curioso e animado. — Vou ensinar todos vocês a nadar e caçar. Vamos passos bastante tempo juntos.
— O que é uma cachoeira?
— O que vamos caçar?
— Nadar?
Noble sorriu calmamente e passou a mão na cabeça do pequeno.
— Vou explicar tudo, uma cachoeira é...
🌡️
Kaira se sentia protegida nos braços de seu pai, agarrando-se a Leo como quando era apenas uma menininha cansada demais para voltar para casa sobre os próprios pés. Jericho estava a sua direita e Valiant a esquerda.
Não tinha como se sentir em perigo com eles.
Forest havia limpado seus pés e alguns machucados, além de ter dado a ela uma dose extra de insulina.
— Kaira — ela tentou não se encolher com o som daquela voz, mas talvez tenha falhado um pouco, pois Leo a apertou levemente. Olhou de relance para Noble, ele estava sentado no banco de frente para ela. — Coma.
Ele estava estendendo uma barra de cereal.
Kaira se inclinou e a pegou. Era de chocolate. Como sentia falta de chocolate. De um banho quente e do sol. Da sua família. De beijar Noble e deitar a cabeça sobre o ombro dele antes de dormir.
— Obrigada — respondeu suavemente e mordeu um pedaço generoso. — Parece... — mastigou e quase gemeu com o sabor doce — Parece que faz séculos desde a última vez que comi chocolate.
— Vamos comer torta de chocolate em casa — Jericho piscou para ela. — Daquele jeitinho que nós gostamos. Mais chocolate do que massa.
Kaira sorriu levemente para Jericho. Doía um pouco por causa do lábio cortado e isso a fez se lembrar de alguém.
— Vocês viram Heaven?
Noble cruzou os braços e respondeu amargamente:
— Sim.
— Que bom...
— Que bom? — o tom grosseiro de seu companheiro a fez encolher os ombros novamente. — Aquele cara é o maior babaca de todos, por causa dele que tudo isso aconteceu.
Kaira apertou a barra com força.
— Ele não tem culpa de nada.
— Você não sabe de nada.
Aquilo, por algum motivo, incendiou o coração quebrado dela. O que era ótimo, ainda tinha aquela chama.
— Sério? — sua voz era rouca e cansada. — Ele é o culpado por todos terem sido presos? Foi ele quem fez experiências com essas pessoas? — apontou o chocolate para ele. — Foi Heaven quem violentou todas aquelas mulheres e acabou com a infância das crianças?! — gritou. — Você que não sabe de nada!
Os olhos exóticos a olharam como de Kaira o estivesse traindo de alguma forma.
— Vai mesmo defender Heaven?
— Não estou dizendo que ele é a droga de um santo, mas ele não é culpado pelo que aconteceu com os Espécies. Ele é um de vocês, lembra?!
— Um de nós? — Noble jogou a cabeça para trás e riu. — Ele é um traidor e eu vou fazer questão de vê-lo sendo preso.
— Vocês são iguais, qual o seu problema?
— O meu problema é que um macho que não sou eu estava disposto a trocar a liberdade de todos apenas para provar um pouco de você!
Um arrepio percorreu Kaira e ela se permitiu sentir um pouco de medo.
Heaven não tinha agido de forma normal e aquela obsessão poderia ter sido a morte dela.
Kaira terminou a barra de cereal e se levantou, com apenas uma olhada Andrei, que estava ao lado de Noble, se afastou e ela se sentou com as pernas colocadas as de Noble.
Ele tinha a respiração pesada e o olhos distante do dela, mas isso não a impediu de segurar a mão dele delicadamente e levá-la até os lábios, plantando um beijo sobre os nós de seus dedos.
— Obrigada por vir — murmurou —, e por me defender.
— Suas lutas são as minhas lutas.
Ele ainda não a olhava, mas aquela voz extremamente doce e sincera tirou um sorriso genuína dela.
(...)
Kaira desceu do carro assim que chegaram e olhou ao redor. Ela tinha visitado Homeland há alguns anos atrás e ainda assim era interessante observar suas ruas limpas e organizadas, os prédios altos construídos para militares. Poderia viver tranquilamente naquele lugar, não fosse sua distância incômoda da floresta.
Se sentia mais selvagem do que os Espécies que viviam em Homeland.
— Ei, moça bonita!
Kaira virou seu corpo e sorriu com a visão de seu pai biológico e, inesperadamente, correu para Aaron, mesmo que sob os protestos de Leo. Ele tinha os braços abertos para pegá-la e Kaira não hesitou em se jogar contra ele.
— Aaron! — ela envolveu os braços ao redor do pescoço dele. — Senti sua falta!
— Eu também, muito, muito — ele beijou o pescoço dela e a girou no ar, tirando uma risada dela. — Kaira, você me deu o maior susto da minha vida! Nunca fiquei tão preocupado!
— Acho que a preocupação vem com o pacote de ser pai.
— Acho que sim...— ele a colocou no chão e observou seu corpo, desde os pés descalços ao rosto, estreitando os olhos ao encarar seu lábio machucado. — Quem fez isso com você?
— Já lidei com o idiota.
— Nome.
Kaira revirou os olhos.
— Nate.
Aaron grunhiu desapontado.
— Vou me certificar de que ele sofra primeiro.
— Você e os outros vão falar com os presos logo?
Aaron confirmou com um aceno e ofereceu o braço para ela.
— Venha comigo, tenho certeza de que posso lhe ensinar algo no interrogatório.
O oferta surpreendeu Kaira. Era uma chance de participar do caso de verdade, de fazer parte de tudo sem ter que ouvir informações escondida ou tomar ações sozinha. Ninguém nunca ofereceu algo tão grande para ela, sempre a mercê das migalhas de fazer parte de um sistema tão machista, onde os homens sempre estufavam o peito e se declaravam superiores.
Aaron estava dando mais a ela com uma simples oferta do que qualquer um dos outros se quer tentou.
— Sim. Eu quero. Obrigada.
Ele sorriu gentilmente, olhando além de sua alma.
— Quero que tome o meu lugar, Kaira.
— M-Mesmo?
— Sim. Você é minha única família, minha herdeira, tudo que é meu é seu. Quando a tempestade passar e tudo se afirmar, vamos começar seu treinamento, o que acha?
O coração dela era um tambor com batidas fortes e irregulares.
— Não me acha irresponsável depois de tudo?
— Precipitada, corajosa e idiota, mas irresponsável não.
— Idiota?
Aaron riu.
— Eu realmente senti sua falta, Kaira.
Aaron e ela caminharam por alguns metros juntos, até a portaria do prédio onde os presos deveriam estar, mas um Espécie os barrou e Aaron levantou as sobrancelhas, confuso.
— Qual o problema, Bestial?
Os olhos do Espécie se voltaram para ela com.... indiferença e descaso? Kaira sentiu o estômago revirar, enjoada.
— Ela não pode entrar.
— E por que não?
— O que vai acontecer lá dentro pode traumatiza-lá.
Como se tudo o que eu vi até agora não o tivesse feito.
— Vamos manter nossas mulheres longe disso, principalmente Kaira, ela não tem mais que lidar com toda essa bagunça — Bestial esticou o braço e tocou o ombro de Kaira. — Vá para casa e descanse, menina.
Ela olhou para a mão pesada em seu ombro e, com um olhar frio, respondeu a Bestial:
— Não sou a porra das suas mulheres domesticadas e não me toque, você não me conhece.
Bestial foi de surpreso a irritado, rosnando para ela.
— Olha como fala, você é só uma criança.
Kaira deu um passo a frente, enfrentando o macho.
— Que sistema de merda vocês tem então, enviando crianças para a linha de frente em resgate — se referia a Noble e os outros que estavam no subterrâneo. — Vamos lá, Bestial, me deixe passar e vamos esquecer isto.
— Não.
— Não?
— Como um dos membros do conselho, a minha palavra é lei. Você não entra.
Kaira piscou algumas vezes.
— Tenho certeza que de Justice pode resolver este impasse — Aaron respondeu e puxou o celular. — Vou ligar para ele imediatamente.
Bestial cruzou os braços e levantou o queixo.
— Vá em frente, todo o conselho concorda que é melhor Kaira se abster de sua recém função e recomeçar uma vida pacífica e longe de encrencas na Zona Selvagem. Você não é um soldado e não vai nos orgulhar se morrer nos protegendo.
Ela ainda estava sem palavras.
Não vai nos orgulhar...
Lutar com Nate tinha sido mais fácil do que ouvir tais palavras.
— Ela será uma — Aaron disse irritado. — Que porra é essa, Bestial? Não a trate como se fosse nada, esta mulher salvou muitos do seu povo.
— E nós agradecemos — retrucou sério. — Mas preferimos nós mesmos lidarmos com os problemas.
— Que po—
Kaira segurou o braço de Aaron, calando-o e atraindo sua atenção. Ela sorriu para ele.
— Tudo bem, eu vou ir para casa.
— Posso te levar.
— Não precisa, obrigada. Faça um bom trabalho com aqueles desgraçados.
(...)
A mãe dela não a soltava mais e piorou depois que os irmãos se juntaram ao abraço, o suficiente para Kaira se sentir uma sardinha esmagada dentro da lata.
O aperto de aço de Leon a matava.
Ele tinha crescido tanto e estava tão bonito, Aurora ainda era a mesma, com seu sorriso bondoso e carismático.
Kaira tinha tomado banho, se alimentado e estava sentada na sala em frente para a televisão enquanto todos conversaram sobre ela, mas sua mente estava longe demais daquilo.
A constante sensação de perigo e morte não era algo que se esquecia com facilidade, era mais algo que estava abaixo da pele e muito próximo da superfície, pronto para eclodir e dominar.
— Você foi muito corajosa, mas nunca mais faça isso! — Aurora diz séria. — Foi maluquice!
A mãe dela a encarava com um olhar igualmente sério, como quando era criança e fazia algo que não deveria.
— Corajosa? Isso foi uma tremenda tolice, não estimule sua irmã!
Kaira virou o rosto para a televisão e ficou daquele modo, parada olhando a tela colorida, mas sem realmente prestar atenção. Leo também começou a dar lição de moral, mas tudo o que eles falavam não fazia diferença nenhuma.
Não faz diferença nenhuma.
Muitos deles ainda vão falar muito e fazer nada.
Como sempre...
E aquela sensação vazia de ter voltado a estava zero pressionou seu coração, apertando-o até o último, até não sobrar nada além de uma dor latejante que a fazia querer chorar.
É como se meu esforço não valesse de nada.
Mas fez tudo pelos outros ou por si própria?
Um pé quente encostou na perna dela e Kaira olhou para o lado, era Salvation, ele abriu um sorriso pequeno.
Bom trabalho, apenas movia os lábios, você é a melhor.
Kaira sorriu de volta.
E lá estava a diferença que alguém poderia fazer.
(...)
Justice havia mandado chocolate para ela, assim como uma carta de agradecimento, tudo através de Jericho, que entregou o pacote "estou ocupado demais para vê-la", como passou a chamá-lo, para ela.
— É isso...?
Jericho sentou ao lado dela e sorriu sem graça.
— Justice está muito ocupado, pequena.
— Ocupado...
— Ele trabalha demais.
Kaira olhou para os chocolates quando os desembrulhou e franziu o cenho. Morango.
Ela quis vomitar.
— Então envie a ele os meus sinceros vá se foder.
Jericho a olhou de forma dura.
— Kaira — disse em tom de aviso. — Não diga isso.
— Você quer? — estendeu os chocolates. — Eu odeio isso — Kaira passou os olhos pelas letras de Justice e um som de escárnio surgiu do fundo de sua garganta. — Eu prefiro a morta as migalhas do agradecimento dele.
O mais velho suspirou.
— Será que você não pode apenas aceitar?
— Aceitar que eu não valho porra nenhuma?
Kaira lançou os chocolates em cima da mesa e se levantou, caminhou até a janela e olhou para fora. Não queria que Jericho pudesse ver a desesperança em seu rosto. Toda a dor, o ódio... o coração quebrado.
Porra.
O que deveria ter esperado?
Uma medalha de honra?
Deveria saber que seus anseios nunca correspondiam a realidade.
Aquela velha sensação de tentar alcançar algo e nunca conseguir retornou como uma avalanche.
— Não é assim também, pequena... você vale muito para mim.
(...)
Mighty estava no Centro Médico sob observação desde sua chegada, com todos os olhares curiosos sobre ela, como se fosse um objeto de vitrine que todos queriam comprar. Aquilo também a deixava enjoada.
Tudo geralmente a deixava enjoada.
Estava sentada em uma das cadeiras no corredor dos quartos, havia saído quando as enfermeiras entraram e começaram a cutucar e perguntar. Segurava sua garrafa térmica de café, o qual mais cedo misturou com uma quantia considerável de álcool.
Ultimamente andava bebendo como um pirata.
Acabou se tornando o próprio sinônimo de descontentamento.
— Ei, Kaira! — Forest se aproximou pelo corredor e acenou para ela. — Veio ver Mighty?
— Sim, estou esperando as enfermeiras darem o fora.
O loiro agitou o jaleco branco e sentou ao lado dela. Ele encostou a cabeça na parede e olhou para o teto, parecendo pensativo.
— Você está bem, grandão?
Forest sorriu de canto e virou o rosto para ela.
— Só entediado.
— Pensei que o dinheiro que você ganhava fosse o suficiente para se divertir.
Forest gargalhou.
— Como se houvesse grandes meios de divertimento aqui dentro.
Kaira ergueu a garrafa térmica.
— Eu com certeza tenho o meu!
Forest enrugou o nariz e inspirou fundo.
— Não é como se o álcool fosse o suficiente para me drogar.
De repente a porta do quarto de Mighty se abriu e as enfermeiras saíram, a grávida acenou para Kaira e ela sorriu levemente para a Espécie.
— Bem... acho que a maioria de nós tem sorte de estar vivo— ela levantou e acenou para o amigo. — O divertimento você encontra com o tempo.
(...)
Os dias se passavam lentamente para Kaira.
Muito, muito lentamente...
A única coisa que não passava eram os pesadelos e o medo.
A frustração.
(...)
Ela não conseguia dormir e quando fechava os olhos se lembrava das chamas e de todas aquelas pessoas mortas, do sangue em seus pés, a sensação ainda viva em sua pele.
Lavar sangue seco não era fácil.
Esquecer o cheiro de carne carbonizada não era fácil.
Era de madrugada quando Kaira saiu de casa pela porta da frente de pijamas e dirigiu até a Reserva. Ela precisava de algo para se aliviar, algo bem forte, de preferência que a desmaiasse.
E era no banco do bar sozinha, com um rock pesado tocando de fundo, onde se sentiu em casa.
— Eu quero mais um.
O barman a olhou com dúvida e Kaira levantou as sobrancelhas, ansiosa para que ele a contrariasse, mas no final das contas ele a serviu com outra dose de whisky com coca e limão.
Kaira pegou o copo e virou o corpo na banqueta, olhando para os Espécies animados na pista de dança enquanto bebia.
— Eles são tão energéticos!
Ela olhou de soslaio para o homem que se sentou ao lado dela. Era Lucis.
— Quero o mesmo que a moça.
Kaira não se virou para ele em nenhum minuto, ignorando-o completamente. Ela não gostava dele, não depois do que da escolha que a fez tomar.
— Obrigado — ele agradeceu quando a bebida chegou e se virou para ela. — Problemas para dormir? — quando Kaira não respondeu imediatamente e nem um minuto depois, nem dois, ele riu. — Está me ignorando, tudo bem, acho que eu mereço.
Ela não tirou os olhos das cores coloridas da pista, sentindo os vestígios da bebida começarem a agir em seu corpo. Uma leveza doentia em sua mente.
Era bom se sentir distante do terror e próxima do alívio.
Sorveu o resto da bebida, colocou o copo sobre o balcão e, finalmente, virou para Lucis.
— Você é bom em enganar as pessoas.
— Enganar? — ele balançou a cabeça e apontou para a região do cérebro. — Eu amo neurociência e a forma como a mente funciona, tudo o que eu preciso fazer é agir de acordo com o pensamento delas, mas em outro casos o que conta é a alma, Kaira.
Lucis a olhou com cuidado e estendeu a mão, tocando a dela.
— E eu acho que você precisa de alguém para conversar.
Ela olhou para suas mãos unidas e levantou a palma para cima, segurando a mão dele e se inclinou até ele.
— Por que me disse para ajudar Jason a matar aquelas pessoas? — apertou a mão dele com força, cravando as unhas em sua pele. — Por que me fez fazer aquilo? Por que me deixou sozinha quando tudo pegou fogo? — perguntou com um fio de voz. — Por que... por que deixou que a minha alma fosse despedaçada naquele dia?
O homem não hesitou ou desviou o olhar, na verdade ele apertou a mão dela de volta.
— Era o que Jason esperava de você.
Kaira soltou a mão dele como se a queimasse.
— Perder parte do eu sou pelo bem dos outros deveria me reconfortar — ela levantou a mão para o barman. — Mais um.
A música mudou para algo mais intenso e a mente dela era uma bagunça, quando ela pegou o próximo copo tomou tudo de uma vez e a visão dela girou.
— Eu acredito que não somos o peso de todas as nossas memórias, Kaira, que tudo o que fizemos não resume quem somos totalmente, que viver preso no passado não pode levá-la em lugar algum, mas tudo bem por enquanto... sofra o que deve sofrer, amanhã você será mais forte e vai perceber que a única coisa em seu caminho é sua própria mente — ele deu um tapinha no ombro dela e se levantou. — Aguente firme, querida. O bom de se perder é que pode encontrar algo bem melhor, não é o fim, mas um começo.
E ela ficou sozinha de novo.
🌡️
Noble acenou para a última das crianças a se distanciar e se alongou demoradamente. Ele tinha aquela nova turma na parte da manhã, gostava de animação dos pequenos cedo, adolescentes de mau humor ele preferia deixar para a tarde.
— Eles tem tanta energia.
Ele se virou e ficou tenso ao encarar Kaira.
Ela estava péssima, com olheiras escuras e o cabelo curto bagunçado, além de usar uma mistura estranha de pijama de inverno com coturnos de soldado. Na mão carregava uma garrafa térmica.
Os olhos azuis em desfoque.
Sentia o cansaço emanar dela.
Apesar de tudo ela caminhou até ele de queixo erguido e, quando Noble menos esperava, Kaira se levantou nas pontas dos pés e o agarrou, beijando-o com força.
Noble imediatamente retribuiu, segurando uma porção daquele cabelo com uma mão e pressionando a bunda dela com a outra.
Ela era além de exigente, o comandava, tomando conta de tudo, de seus movimentos e instintos, empurrando-o até o limite.
Sua língua tinha gosto de álcool e cafeína, era um beijo extremamente amargo e intenso, para o governar e cativar, como tudo o que ela sempre fez com Noble. Os dois se separaram e ele respirou fundo, enquanto Kaira beijava seu pescoço e enfiava as mãos por baixo de sua camisa.
— Kaira...
Ela não parou, ao invés disso lançou um olhar devasso em sua direção e se colocou de joelhos, até que tentou abaixar a calça que ele usava.
— Espera! — o coração dele estava a mil quando segurou as mãos dela. — Alguém pode nos ver aqui.
— Então acho que preciso ser rápida.
Kaira puxou sua calça e Noble jogou a cabeça para trás quando os lábios dela tomaram seu pau. O calor daquela boca ao redor dele era melhor do que tudo. Kaira o levou sem piedade, tomando de Noble o máximo que podia, aquela língua cheia de maldade fazendo dele o que quisesse.
Noble moveu a cintura no ritmo dela, fodendo-a com intensidade e Kaira apertou suas bolas.
— Porra, Kaira!
Segurou o cabelo dela, empurrando com força e rápido, roçando contra a língua macia e quente até que seu corpo reagiu com uma formigação dolorosa e puxou seu pau da boca dela, gozando em seu rosto e pescoço com um gemido sufocado e libertador.
Kaira tinha um sorriso malicioso quando tocou o esperma com os dedos e depois lambeu.
— Você é péssima.
— Você gosta.
— Porra, eu sou um masoquista por isso, mas eu gosto.
A puxou pelos braços, levantando-a e a beijou novamente. Quando se separaram, Kaira o puxou pela mão em direção a estrada da Zona Selvagem.
— Onde estamos indo? — perguntou enquanto levantava a calça com a mão livre.
— Você vai ver quando chegar.
Eles caminharam até a estrada e mais um pouco além, para o outro lado da mata, onde as árvores tomavam uma proporção maior e ele pode ver a caminhonete meio que escondida na vegetação.
— Você fez isso de propósito.
— Isso importa?
Kaira o empurrou na direção do carro e abriu a porta do passageiro.
— Senta — ordenou e Noble sentou, apenas depois se sentindo levemente abalado por obedecer sem pensar duas vezes. Ela o fodia de tantas formas.
Kaira deslizou a calça do pijama pelas pernas e as chutou para longe sem tirar as botas, ela não usava calcinha e aquilo o deixava extremamente excitado.
Ela sentou de frente para Noble, passando um perna de cada vez sobre suas coxas e segurou o pênis dele, guiando-o até sua boceta. Estava molhada e quente quando deslizou por suas dobras sem realmente penetrar e os dois arfaram em conjunto.
Kaira roçou nele lentamente e, depois de tanto tempo, sentir ela novamente era como tomar água num dia de muito calor. Passou as mãos pelas pernas dela, apertando a carne macia entre os dedos enquanto esfregava seu pau contra ela.
Então no próximo instante estava dentro dela e foi bom pra caralho.
Ela calvagou lenta e demoradamente, Noble deslizou ws mãos para segurar sua cintura, mas Kaira o impediu e o fez levantar os braços.
— Quietinho, leão.
O quadril dela balançou para frente e para trás, rebolando sobre seu pau, até que ela se inclinou e continuou o fazendo, mas o olhando no fundo dos olhos. Noble se sentiu estranho. Maravilhosamente estranho.
Kaira pegou a garrafa térmica e bebeu o que ele deduziu ser café pelo cheiro, sem parar de usá-lo um segundo sequer, usando a mão livre para segurar uma das coxas dele. Ela aumentou o ritmo como bem queria e Noble investiu contra ela com força, ajudando-a. Ele se inclinou para beijar Kaira e ela não deixou, segurando a mandíbula de com força.
— Não.
Ela o montou com mais força a partir de então, erguendo o quadril e descendo mais rápido, até tremer em sua frente e pressionar a cabeça contra o peito dele, gemendo como uma gata.
Noble aproveitou a chance para agarrar sua cintura e tomar seu corpo com força, terminando o que ela começou até atingir seu próprio clímax.
Os dois ficaram parados respirando fundo, até que Kaira começou a rir e se levantou, passando para o banco do motorista depois de pegar sua calça no chão do lado de fora. Ela voltou a beber o conteúdo da garrafa e Noble encostou a cabeça no banco, observando-a em silêncio, o celular dele tocou e Noble se atrapalhou um pouco com a calça para pegá-lo, até que Kaira o ajudou e pegou o celular, olhando a tela.
— É... Justice? — ela perguntou. — Por que ele está ligando para você? Por que você tem o número dele?
— Longa história, estive trabalhando para ele enquanto esteve fora.
Noble pegou o telefone e atendeu.
— Justice?
— Olá, Noble, tudo bem?
— Estou bem, algum problema?
Justice tinha ligado para Noble mais de uma vez para que pudesse lidar com os recém chegados.
— Precisam de você no Centro Médico, alguns dos novos machos estão brigando e se machucando.
— Hm... — ele olhou para Kaira que o encarava pensativa. — Eu vou assim que possível.
— Certo, obrigado.
Noble desligou o celular e diante da expressão dela, perguntou:
— Você está bem?
Os olhos azuis se distanciaram e Kaira acenou.
— Quer conversar?
Ela balançou a cabeça negando.
— Você dormiu?
— Essa delícia me mantém acordada — ela disse irônica e ergueu a garrafa.
Ele franziu o cenho para o café.
— Já deve estar gelado.
— Eu gosto.
Noble sabia que era mentira, ela gostava de café sempre muito quente, o suficiente para queimar, por isso pegou a garrafa quando ela estava distraída e, sob o protesto dela, provou.
Era café... mas café com alguma bebida alcoólica.
Noble grunhiu para aquilo e despejou toda a bebida no chão do lado de fora.
— Porra, Noble, qual o seu problema?!
— Não vou deixar você se tornar uma viciada!
— O que eu vou me tornar ou não depende apenas de mim!
Noble largou a garrafa vazia no painel e se virou para Kaira.
— Eu sabia que havia algo de errado com você. Passou a noite toda enchendo a cara?
— Não te interessa...
— Interessa, você é minha companheira, preciso cuidar de você! Seja do seu corpo ou da sua mente, por favor, para com isso. Você não precisa disso!
Kaira se inclinou sobre o banco já direção dele, pronto para comprar o silêncio dele com seu corpo, mas Noble a impediu.
— Não.
— Sim — ela gemeu. — Para de falar.
— Eu posso parar se você fazer o que estou dizendo.
Ela voltou ao banco com um suspiro, parecendo rendida, até que perguntou baixinho:
— O que eu tenho que fazer para você confiar em mim, Noble?
Sua voz estava carregada de tristeza.
— Para ganhar a confiança dos outros? Para ter alguma credibilidade?
— Eu confio em você, Moranguinho.
Kaira o olhou magoada.
— Não confia.
(...)
Noble abriu a porta e entrou, os outros o seguindo para dentro do bar. Estava cheio, na pista de dança vários corpos se moviam ao seu próprio ritmo enquanto tocava Drunk in Love.
Kismet bateu as mãos e sorriu.
— Hoje eu só saio daqui quando o sol nascer.
Eles seguiram para as mesas e encontraram uma vazio num canto quase todo escuro, sentaram-se Noble, Forest, Aurora e Kismet.
— Vou pegar umas bebidas — Salvation avisou alto, apontando para o balcão. — Vai querer o de sempre, amor?
Aurora concordou com um aceno e ele se foi.
— Está tão agitado hoje — ela comentou olhando para a pista, voltou seus olhos para a mesa e os estreitou. — Tudo bem, Forest?
O amigo passou a mão no rosto e apertou os olhos.
— Sim.
— Você parece mais cansado do que o normal — Noble disse. — Talvez precise de uma folga.
— Estou bem — resmungou e se levantou. — Já volto.
Forest se afastou e Kismet comentou:
— Não sei por que ele se dá ao trabalho de vir se é para ficar com essa cara de bunda.
— Cala a boca — Noble rosnou. — O trabalho dele é difícil e ele tem todo o direito de ficar de saco cheio.
— Mas ninguém é obrigado a aguentar esse mau humor do caralho.
Noble riu.
— Por isso você não tem companheira.
— Não estou vendo ninguém do seu lado, Noble — Kismet murmurou ironicamente. — Está tão sozinho quanto eu... ou mais ainda.
Aurora bufou.
— Chega! Vocês só discutem o tempo inteiro, que coisa insuportável!
Noble encolheu os ombros.
— Me desculpe, Aurora.
Salvation voltou com as bebidas e eles tomaram enquanto conversavam sobre o dia a dia, até que Kismet se levantou e sumiu no meio da pista de dança. Aurora e Sal estavam flertando e trocando carícias, mas Noble os ignorou, principalmente quando Kaira passou pela porta do bar.
Ela estava acompanhada daquela médica chamada Helena.
E havia algo de estranho com elas, como se suas expressões e auras não se encaixassem entre os outros. E não era de hoje que ele sentia isso de Kaira... estava preocupado com ela, ao ponto de pedir que ela fosse conversar com Joyce, mas Kaira o ignorou.
Kaira estava usando uma calça larga e botas escuras, com uma camiseta colada e de mangas longas, o colarinho cobrindo toda a sua nuca e garganta. Não era a primeira vez que usava roupas assim também, ela sempre tampava a nuca e Noble sabia que era por causa da tatuagem que ela ainda não substituiu. O cabelo curto deixava algumas mechas em sua testa e ela parecia suada, como alguém que havia acabado de sair de um treino.
Ele ficou lá, sentado, observando-a enquanto se sentava com a médica no balcão e pediam bebidas.
— Por que não vai lá? — Salvation perguntou.
Noble imediatamente fechou a cara.
— Eu não pretendo me levantar daqui tão cedo, então se você quer ter um espaço a sós com a sua companheira eu recomendo que vá para casa.
— Qual é, Noble — Aurora bufou. — Não seja um babaca também, não precisa falar com a gente assim! — ela levantou e pegou a mão de Sal. — Vamos dançar e nos divertir, deixe Noble nesse bolha escura e triste que criou para si mesmo.
Eles se afastaram e Noble ficou totalmente sozinho naquela mesa e, mesmo que envolto por várias pessoas, ainda sentia o peso da solidão em seus ombros.
Bebeu todo o seu refrigerante de uma vez só e amassou a lata , voltando sua atenção para Kaira.
Ela virou um copo pequeno e depois outro, sem fazer careta. A médica riu e ela ficou séria, com os olhos azuis vidrados para frente e as luzes piscando neles, sem brilho ou alegria.
Aquela não era a mulher que ele amava, por isso Noble levantou e caminhou até onde Kaira estava. Ela levantou os olhos quando ele estava próximo e deixou o copo de lado, virando-se completamente para Noble.
— Noble...
— Quer sair daqui?
Ela sorriu minimamente e balançou a cabeça, concordando. Noble estendeu a mão e mesmo que lentamente, Kaira a pegou e se despediu da médica.
— Vejo você amanhã, Helena.
— Tudo bem, boa noite.
— Boa noite.
Eles sairam juntos e Noble se sentiu bem melhor com o ar gelado em sua pele e sem todo aquele som alto. Sem tantas vozes. Apenas ele, Kaira e um céu cheio de estrelas. Caminharam de mãos dadas, sem dizerem nada.
Ela se moveu para mais perto, passando o braço pela cintura dele e Noble envolveu os ombros dela com um braço. Se sentiu bem melhor quando a cabeça dela encontrou seu peitoral.
Moveram-se pela floresta e entre as árvores, seus corpos no automático, pois conheciam aquele caminho assim como conheciam perfeitamente os corpos um do outro. Chegaram em seu destino, antigo e ao mesmo tempo novo, sempre correndo e fluindo até o mar.
O rio.
Sentaram na grama e Kaira tombou a cabeça no ombro dele, sem se afastar.
— Antigamente você só sairia do bar bêbada — comentou nostálgico. — Ou depois de ganhar todas as partidas de pôquer da noite, claro.
— Antigamente nós não estariamos conversando sobre algo — Kaira murmurou maliciosamente. — Você estaria tirando minhas roupas e depois metendo com força em mim.
Noble teve a decência de estreitas os olhos enquanto sentia seu baixo ventre se agitar, sua imaginação indo longe com aquelas palavras.
— Converse com a doutora Joyce e nós podemos fazer o que quiser.
Kaira o olhou de uma forma que parecia que se tivesse a oportunidade o furaria com um milhão de agulhas, então se afastou.
— Eu não preciso falar com ninguém.
— Então você não precisa do meu pau entre as suas coxas.
Ela abriu a boca para retrucar, mas imediatamente a fechou. Kaira passou a língua pelos lábios e soltou uma risadinha que Noble não saberia dizer se gostava ou não.
— Não, não precisa do seu pau... embora eu fosse gostar de tê-lo — Kaira levou as mãos até os botões da calça dela e os desfez, depois desceu o zíper e mordeu os lábios. Tudo enquanto mantinha os olhos nos dele. — Você vai gostar disto.
Ele balançou a cabeça negativamente e se levantou.
— Eu não vou transar com você enquanto não resolver seus problemas, Kaira.
— Quem está falando em transar? — abaixou a calça até metade das coxas e enfiou dois dedos na boca.
A forma como aqueles dedos se moveram junto da língua dela, provocando-do com o som molhado e com o suave cheiro de excitação, fez Noble pensar naquela boca vermelha sobre seu pau novamente.
Os olhos de Kaira então tomaram aquele brilho maldoso que ele se lembrava tão bem, parte dela que não se fora depois de tanta merda.
— Veja e aproveite, querido.
Kaira tombou o corpo para trás, com um cotovelo sobre a grama e o outro braço esticado, com aquela delicada mão sobre sua vagina.
— Agora eu vou fechar os meus olhos e imaginar que é você sobre mim — ela o fez, fechando as pálpebras e erguendo os quadris levemente. — Pesado e quente, muito quente...
Ela tombou mais o corpo, deitando-se completamente sobre a grama.
— Seus lábios beijando meu pescoço — murmurou com sua outra mão acariciando a pele sobre a jugular. — Lambendo e me mordendo, porra — ela arfou. — Você sabe que é meu ponto fraco.
Noble engoliu em seco, sentindo-se duro e cheio de tesão por aquela mulher deliciosamente perfumada e agradável aos seus olhos.
Kaira moveu a mão do pescoço para baixo da camisa, levantando a roupa e o sutiã juntos, expondo o par de seios ao ar livre. Sua pele estava suada, arrepiada e os bicos dos seios duros.
Ela tocou um deles, apertando-o entre os dedos e gemeu.
— Você sempre os tratou bem — murmurou e abriu os olhos, encarando-o de baixo, então por que ele se sentia no chão? — Tocou neles como se fossem algo precioso, os beijou sempre como se fosse sua última vez... Noble — ela gemeu baixinho. — Por que não vem aqui e me mostra como se faz?
— Não...
— Desgraçado orgulhoso.
Noble deu um passo e encostou numa árvore, respirando pesadamente.
— Depravada maníaca.
A mão dela, sobre a vagina, moveu-se lentamente e Kaira tocou seu ponto sensível devagar, esfregando-o com movimentos calmos e circulares.
Ela apertou as pernas com força e depois as abriu, deixando que ele tivesse visão de tudo.
— É assim que eu gosto — ela murmurou. — Gosto da sua língua lá embaixo, lento e quente, me levando ao céu a cada movimento — gemeu como uma gata selvagem, então tirou uma mão do seio e também a levou para baixo, passando o dedo indicador sobre sua entrada. — Gosto de quando me estimula com a língua e ao mesmo tempo enfia seu dedo em mim... fundo e quente, ah... Noble — contorceu-se longamente e ele se segurou para não ir até lá. — Gosto de quando me fode com os dedos.
Noble respirou fundo e cerrou os punhos ao lado do corpo.
— Forte e lento — ela fez o movimento com os dedos sobre o clitóris, rindo e arfandando sozinha. — Estou tão molhada, Noble e você nem me tocou ainda — Kaira apertou as pernas. — Imagine... — soluçou em meio a um gemido abafado. — Imagine o seu pau dentro de mim, deslizando lentamente, tão molhado e quente... minhas mãos na sua pele, implorando... pedindo por mais... eu sei que você me quer — os olhos dela se moveram para baixo, na cintura dele. — Seu corpo nunca vai negar o meu, Noble, está mentindo para si mesmo.
Com um rosnado profundo, Noble se moveu como um raio e logo estava sobre ela, cobrindo-a completamente.
Segurou um punhado de cabelo sobre a nuca dela, fazendo com que Kaira o encarasse. Trocaram um olhar cheio de calor, tesão, ódio e dor. Tudo ao qual pareciam envolvidos nos últimos tempos.
Com a mão livre, tomou o lugar de Kaira e moveu os dedos para dentro dela. Ela soltou um gemido manhoso e tentou o beijar, mas Noble virou o rosto e ela beijou sua bochecha, depois sua mandíbula e pescoço. Chupando-o e mordendo.
— Mais, mais...
Noble arfou e aumentou a pressão dos dedos, olhando para baixo enquanto ela ainda estimulava o próprio clitóris.
Kaira, de repente, fechou as pernas com a mão dele ainda lá embaixo e inclinou o tronco, gemendo longamente enquanto tinha seu orgasmo.
— Noble... hmmm... isso foi bom pra caralho.
Puxou a mão e a observou de cima; as bochechas coradas, o suor acima das sobrancelhas escuras e o brilho satisfeito no olhar.
Ele a amava.
Amava uma maldita mentirosa.
Kaira riu e puxou a calça, abotoando e sentando, vindo para cima dele como se fosse o abraçar. Noble se afastou e ela o encarou com confusão.
— O que foi?
— Você vai falar com Joyce?
Ela estreitou os olhos e aquele calor cheio de raiva e tensão se acumulou no azul de seu olhar.
— Vá para o inferno você e sua psicóloga.
Kaira levantou e se afastou, deixando-o para trás na escuridão. Noble não se deu ao trabalho de sair de onde estava e ficou parado, observando o rio, observando aquele monte de água que nunca parava em um obstáculo, as correntes fortes simplesmente contornavam ou então se acumulavam ao ponto de passar por cima de todas as pedras.
Era assim que começava a pensar em Kaira.
E não sabia se apreciava isso tanto quanto era um rapaz sem responsabilidade.
🌡️
Estava chovendo quando Kaira acordou antes de todos, se vestiu e pegou a caminhonete. Ela não conseguia dormir muito de qualquer forma, não importava o quão segura estivesse.
Não importava que duas semanas se passaram ou que todos aqueles malditos vilões estavam devidamente presos.
Nada daquilo fazia diferença para uma parte do seu cérebro que constantemente se mantinha atento.
Kaira entrou no Centro Médico molhada e carrancuda. A recepcionista, acostumada a vê-la todos os dias desde sua volta, nem perguntou para onde estava indo. Subiu pelas escadas e foi na direção do quarto que interessava e, como todos os outros dias, o encontros cheio de enfermeiras.
— Saiam, porra!
As mulheres a olharam com desdém e Kaira apertou os punhos um contra.
— Ou vou chutar a bunda de cada uma de vocês para fora daqui!
Isso foi o suficiente para elas sairem uma após a outra, como uma gangue de branco. Kaira fechou a porta com um estrondo e se sentou na cadeira ao lado da cama.
— Como se sente? — perguntou ao tocar a barriga de Mighty.
— Todos são legais, mas...
A Espécie suspirou fundo e se ajeitou na cama enorme, usava roupas limpas e pela primeira vez parecia verdadeiramente alimentada.
— Mas o quê?
— Não posso ir para casa com você?
Aquilo tirou uma careta de Kaira. Não, não podia. Ela havia pedido a Trisha para liberar Mighty, mas a médica queria deixá-la no Centro Médico onde todos poderiam vigiar a Espécie, coisa que constantemente fazia o estômago de Kaira embrulhar.
Todos passavam ali para vê-la, como se fosse um animal de zoológico e Kaira realmente odiava que fizessem isso.
Odiava pra caralho.
O humor dela não estava dos melhores...
Não desde que a impediram de participar dos interrogatórios de Jason e seus comparsas, desde que não davam nenhuma informação útil para ela. Ela se sentia quase normal, tirando os momentos quando deitava e se lembrava de tudo.
— Você quer sair?
Mighty imediatamente acenou eufórica e Kaira tirou os cobertores de cima dela, pegou-a pelas mãos e a puxou consigo.
— Então vamos, vamos sair desse hospital e ir para o refeitório!
(...)
Fazia dias que Kaira não sorria tanto, um ano inteiro para dizer a verdade. Desde o dia que chegou todos tiraram meio sorrisos dela, principalmente Leon e Noble. Ela meio que esperava que os dois pudessem concertar seu coração ou a menos deixá-la mais confortável.
Noble ainda não estava falando com ela como antes, ele apenas se aproximava e ficava ao seu lado como uma sombra.
Era o suficiente, por enquanto, mas ela não queria ou estava pronta para conversar com Joyce sobre seus sentimentos.
Mas observar Mighty provocando todos os sabores de sorvete era incrível.
Quase como contemplar uma obra de arte que enche seu coração de algo indescritível.
As feições levemente selvagens se contorcendo de prazer sempre que provava algo que a agradava, ronronando como uma gata, mas apertando as sobrancelhas em desgosto sempre que algo era doce demais.
Detalhes sobre Mighty: ela amava coisas ácidas.
— Andrei chamou minha bebê de Króchka.
Kaira franziu o cenho.
— O que isso significa?
O sorriso de Mighty chegou em seus olhos brilhantes.
— Ele disse que é uma palavra carinhosa para pequenas mulheres em russo.
— Esquisito...
— Ele também disse que você é metade russa.
Isso fez com que Kaira apertasse ainda mais as sobrancelhas.
— Eu sou americana...
Ela sabia que tinha origens ainda mais antigas, mas não podia dizer que as conhecia ou se orgulhava. Era uma parte sua na escuridão.
— E também disse que eu e minha irmã vamos herdar o dinheiro de Jason, mas não entendo muito de dinheiro.
Isso fez com que os vincos na testa de Kaira sumissem.
— Ele disse mais algo sobre Jason?
— Disse que que Aaron e Jason tiveram uma conversa tensa... na verdade... — Mighty engoliu o sorvete que colocou na boca e encarou Kaira intensamente. — Eu não faço ideia do que estou dizendo, Kaira — ela tinha inocência desanimada triste nos olhos. — Mas Andrei disse que eu seria uma ponte enquanto não pudessem falar com você.
Kaira se inclinou levemente para frente, colocando os braços sobre a mesa.
— O que mais ele disse?
— Que dia é hoje?
— Terça-feira.
— Ele disse que na sexta haverá uma reunião...
🌡️
Noble largou o corpo contra a cadeira e todos os olhos de voltaram para onde estava. Ele estava exausto. Dizendo sim a cada pedido que Justice fazia, sobrava muito pouco tempo para descansar.
Passava a maior parte da manhã com os recém chegados pequenos, ajudando-os e tirando dúvidas, ensinando-os da melhor forma. O seu tempo da tarde era em parte destinado as adultos e o outro ao reflorestamento da Zona Selvagem, afinal, promessa era promessa.
E a noite... bem, a noite ele ficava sentado ao lado de Kaira, embora ainda assim parecesse que estavam tão distantes como quando não estava ali.
E os últimos dias foram todos assim.
E ele se sentia parado no tempo.
— Você parece péssimo — Brawn disse. — Precisa de ajuda?
— Estou bem — Noble apoiou os braços na mesa e pressionou os dedos contra a têmpora. Ele nunca tinha dores de cabeça, mas era como se tivesse. — Podemos começar logo? Eu venho valorizando bastante o tempo ultimamente.
— Seu tempo é valioso — Justice sorriu para Noble e o orgulho em seus olhos fez todo aquele cansaço valer a pena. A sensação de fazer algo bem era maior do que tudo. — E eu agradeço, Noble. Você tem sido de grande ajuda.
— Seu pai protege e lida com os residentes da Zona Selvagem — Bestial, um dos membros do conselho, tomou a palavra. — Mas você tem feito mais do que ele ultimamente, conquistou a confiança de muitos dos nossos, até mesmo de alguns que não o conhecem. Ouve-se sobre você e suas aulas até em Homeland.
Noble sorriu calmamente. Era bom saber que estava fazendo algo certo.
— Eu gosto do que eu faço.
— E os jovens confiam em você — Cedar apontou para Noble. — O seguem.
— Nem todos...
Todos os olhos de voltaram para Brawn. O macho riu e levantou as mãos.
— Kismet é teimoso, mas não é um garoto ruim. Ele respeita Noble, apesar de tudo e está em seu devido lugar. Vai seguir o melhor amigo sempre.
— Eu sei — Noble disse brincalhão. — Eu sinto o mesmo.
— Tem certeza de que não quer aparecer na frente das câmeras comigo? — Jaded perguntou. — Seria bom mostrar um pouco mais de nós, você seria um exemplo de quem nem todos os grandões são assustadores.
Noble negou imediatamente.
— Não.
— Bem, não vamos adiantar tanto as coisas — Justice riu. — Mas nós estamos dizendo tudo isto porque queremos que se acostume com a ideia de não ser apenas um entre tantos, mas que no futuro possa se juntar ao conselho e tomar nosso lugar.
Noble arregalou os olhos e eles riram.
— Sem desespero, Noble, não chegou a hora ainda.
— Eu ainda tenho muito tempo — Brawn disse de queixo erguido. — Mas o que Justice diz é verdade, Noble. Você precisa começar a escolher as pessoas que vai querer ao seu redor, outros que vão nos substituir.
— Entendo... é uma grande responsabilidade.
— Sempre foi — o olhar de Justice dizia que ele o entendia. — Mas agora é hora de tomar uma decisão, Noble.
Ele precisou apertar as mãos juntas para não tremer.
— Heaven está isolado de todos os outros, sob a supervisão de Tiger. Todos nós estamos cientes do que ele fez e que deve sofrer uma punição. Como um dos principais envolvidos, eu gostaria de saber sua opinião sobre o caso. Como podemos lidar com Heaven?
Heaven... Heaven era uma pedra no caminho de Noble, sempre tinha sido, uma que ele estava constantemente acostumado a chutar para longe, mas que agora já não podia fazer o mesmo.
— Acho que essa deveria ser uma decisão de Kaira, já que ela foi a principal afetada.
— Kaira? — o desdém na voz de Bestial fez Noble o encarar de soslaio. — A garota é instável, sempre irresponsável e tomando decisões no calor.
Noble fez menção de levantar, mas Justice levantou a mão, parando-o.
— Bestial, não é sobre isso que estamos falando.
O macho respirou fundo e balançou os ombros.
— Certo.
— Os dois são companheiros, tenho certeza de que a escolha de Noble será o melhor para ela — Cedar tinha um olhar que penetrava a mente, mas não a de Noble.
Aquilo não era certo.
Ele não podia tomar uma decisão sem falar com ela antes.
— Posso dar uma resposta mais tarde? Preciso pensar a respeito, afinal, é um dos... nossos
Ele não considerava tanto Heaven quanto considerava uma barata, mas Kaira não o culpava de forma alguma. Diria até que ela não o denunciaria.
— Certo, mas que seja rápido. Agora vamos para outro tópico importante. As crianças.
— O que tem elas?
— Você realmente acredita que o mundo deve saber sobre elas?
Aquela era a ideia de Aaron e Noble tinha contado a Justice.
— Sim, para o nosso bem, sim. Eu sei que é difícil acreditar que a visão que os outros tem de nós lá fora pode mudar, mas será mais fácil para eles nos aceitarem depois de saberem que nossa espécie não acabará tão cedo.
— Ele tem um ponto — Jaded disse. — E eu concordo. O mundo deve saber das crianças e será melhor agora, quando podemos culpar alguém.
Aquelas desculpas também o incomodavam, começar algo em mentiras parecia uma droga, mas não tinha outra opção.
— Cedar?
Cedar balançou a cabeça, concordando.
— Brawn?
— Por mim ja teríamos feito isso.
— Bestial?
— De acordo.
(...)
Depois de alguns minutos e outros assuntos importantes, Noble começou a se sentir melhor e mais confiante para expor suas opiniões e estava verdadeiramente satisfeito com a aceitação dos outros.
Tinha sido mais fácil do que imaginava.
Nunca tinha imaginado que em algum momento chegaria a sentir na mesa com o conselho, nunca desejou ter aquele tipo de poder, mas de alguma forma chegou até ele.
— Nos vemos na próxima sexta, até mais!
Noble acenou e abriu a porta, dando de frente com Aaron. O homem estava parado do outro lado do corredor, encostado na parede com os braços cruzados.
Ele tinha um olhar estranho.
— Você me decepcionou.
Quem disse aquilo não foi Aaron, a voz jovem e extremamente conhecida veio da sua esquerda e Noble imediatamente se virou, encarando um Leon que tinha no rosto uma feição de raiva e traição.
— O quê...
Andrei também estava lá, mas não o olhava, ele deu um passo para o lado e lá estava ela.
Kaira.
E Noble sentiu um pouco do seu coração quebrar quando seus olhos de encontraram. Ela havia chorado, mas ainda era feita de fogo e irá.
E deu um passo na direção dela, mas Leon entrou no caminho e o empurrou.
— Engraçado... — ela disse baixo. — Passar a vida toda tentando se conectar com um povo que nunca te aceita como você é... e no fundo não ter mais nada para dizer a eles, porquê não importa o diga, não faz a menor diferença. Eu sempre fui leal aos Espécies, a você... mas quem a leal a mim no fim das contas?
Um homem que Noble também não conhecia muito bem se adiantou e tocou o ombro de Kaira. Era Lucis, um dos amigos de Aaron e também infiltrado no subterrâneo.
— Tá tudo bem, Kaira. Você seguiu seu coração e precisa de coragem para isso... bem-vinda a família, querida.
Sua companheira lançou um último olhar magoado para ele e se virou, mas Noble se adiantou e a segurou pela mão.
— Espera!
— Me solta! — Kaira se desvencilhou dele com força. — Os atos de lealdade acabam aqui, Noble. Sente-se naquela mesa e seja um deles, foda-se, use os outros como peões no seu jogo e lhes dê migalhas de reconhecimento, foda-se. Eu posso ter sido uma idiota na maioria do tempo, mas sempre pensei muito antes de colocar a vida dos outros em perigo, porra! E eu com certeza não passei anos atrás dos outros como se algo ruim não estivesse acontecendo, me escondendo como uma covarde!
Ela saiu andando novamente e Noble foi atrás dela.
— Me escuta... nós vamos dar um jeito, eu vou.
— Foda-se.
— Vou arrumar tudo isso, Kaira, é uma promessa!
— Foda-se.
Ela cruzou o corredor e Noble a puxou novamente, segurando-a em seus braços.
— Olha para mim.
Kaira abaixou o rosto e fungou.
— Não...
— Por favor, linda — implorou frustrado. — Por favor.
— Me solta.
Noble arrastou as mãos pelos braços dela gentilmente.
— Me diz o que posso fazer por você.
— Poderia ter me defendido lá dentro! — e então ela estava chorando novamente. — Poderia ter tomado um partido, mas não o fez. Eu sou uma idiota.
— Kai—
— Eu vou ir para a Rússia com Aaron e os outros.
Noble arregalou os olhos.
— O quê?!
— E não sei quando eu vou voltar... eu preciso sair daqui, onde todos me olham como se eu fosse um bomba prestes a explodir, até mesmo você.
E ele sentiu mais alguma parte dentro de si doer.
— Não vá.
— Eu preciso.
— Por favor...
Kaira sorriu levemente e se inclinou, pressionando os lábios na bochecha dele e depois sussurrando em seu ouvido:
— Não se esqueça de dizer aos outros que além de instável e irresponsável, também sou muito cruel.
🌡️
Kaira fechou a mochila que iria levar, leve e com pouca roupas, compraria outras coisas que precisasse lá.
Não tinha muito de qualquer forma.
Apenas sua própria carcaça e uma mente nublada de pensamento que precisava colocar no lugar correto.
— É uma tatuagem bonita.
Kaira levantou a mão e tampou a nuca, escondendo a tatuagem que havia feito por cima da antiga.
Era uma idiotice que antes parecia fazer sentido na cabeça dela, ao menos até se sentir traída pela única pessoa em que confiava completamente.
— Vou cobri-lá quando puder.
— Mentirosa.
Se virou e encarou Leo, ele estava encostado na porta e a encarava com um sorriso calmo.
— Não pode cobrir algo assim.
— Na verdade posso sim, é apenas tinta.
— Que está gravada em seu coração.
— Foda-se.
Leo suspirou.
— Noble está mal.
— Eu também.
— Uma palavra sua pode resolver tudo isso.
— Foda-se... vocês que se virem, estou cansada de resolver os problemas dos outros. Eu pensava que ser egoísta era para os fracos, mas é apenas uma forma de se proteger.
— Foi isso que Aaron disse a você?
Isso tirou um sorriso sorrateiro dela.
— Ao contrário da maioria de vocês que seguem alguém a vida toda, deixando-o tomar decisões por todos, eu posso fazer minhas próprias escolhas sozinha.
— Kaira... não é fácil tomar escolhas, não é fácil estar no lugar de Justice, ele faz o que é necessário.
— Tudo é difícil, pai — Kaira jogou a mochila sobre o ombro e caminhou até Leo. — A vida nunca é fácil, será sempre difícil, mas cabe a cada um escolher o seu desafio. Eu escolhi o meu anos atrás quando decidi ajudar aquelas pessoas e estou escolhendo novamente agora. Eu poderia ficar aqui e ver as mesmas pessoas que salvei me olhando com nojo e raiva, me cercando sempre que podem, seria difícil, mas eu sei que poderia suportar, da mesma forma que posso ir com Aaron e aprender mais, vai ser ainda mais difícil e eu vou querer desistir muitas vezes, mas eu sou durona. Ou idiota. Ou orgulhosa demais para admitir que sinto medo o tempo todo e por isso quero ser melhor em tudo.
Leo a puxou para um abraço apertado.
— Eu te amo, minha garotinha corajosa, eu estou muito orgulhoso!
— Eu também te amo, Leo...
Leo desceu ao lado dela e Kaira abraçou todos com força, principalmente Leon que se recusava a deixá-la ir.
— Vou sentir sua falta.
— Eu logo, logo vou estar de volta para o Natal! — beijou a bochecha dele e depois abraçou sua irmã. — Me ligue todos os dias, Aurora!
— Pode deixar!
— Querida! — a mãe dela a pegou com força. — Eu vou sentir muito sua falta, não esquece de me ligar, mandar fotos, vídeos, mensagem! Quero saber de tudo!
— Tá bom, mãe!
Kaira também trocou abraços com Salvation, Kismet e Forest, sendo que este último olhou para o fundo dos olhos dela e disse:
— Se tiver alguma oportunidade para alguém como eu lá fora, não deixe de me avisar.
E puta merda, Kaira o entendia como ninguém.
— Pode contar comigo.
Jericho foi o próximo, ele a tirou do chão com um agarre forte e a girou no ar, tirando uma gargalhada de Kaira. Sabia que ele sempre seria alguém com quem podia contar e voltar, sempre a acolheria e a trataria de forma decente.
Tammy e Valiant também se despediram dela e por fim, sobrou Noble. Kaira não tinha falado com ele até então, ela não queria desistir e sabia que ele seria o único a conseguir tal façanha.
— Noble...
Kaira estendeu o braço com o punho fechado e o mindinho erguido.
— Eu prometo que vou voltar para você, mesmo que demore ou seja difícil.
Noble soltou uma respiração tremida e retribuiu.
— Eu prometo esperar você por toda a minha vida.
Por fim, Kaira o abraçou com força e beijou sua bochecha, murmurando irônica:
— Quando eu voltar vou trazer presentes interessantes.
— Estou ansioso por isso.
Então ela se virou de costas para Noble e pode ouvi-lo suspirar. Sabia o porquê. Era a primeira vez que estava mostrando a nova tatuagem a todos. Algo que marcou na pele para substituir seu colar perdido.
Um sol.
— Kaira!
Encarou Noble por cima do ombro e ele abriu um sorriso enorme.
— Boa sorte!
Kaira acenou e entrou no carro onde Aaron a esperava.
— Vamos, pai?
(...)
Kaira passou toda a viagem pela Zona Selvagem com a cabeça pressionada na janela, observando o lar que tanto amava por uma última vez. Amava sua família, amava seus amigos, amava Noble...
Mas ela queria algo além daquela vida confortável, sentia que sua existência estava distante de ser o que os outros esperavam; não fora feita para viver atrás de muros, mas para o mundo lá fora. Para aprender e ensinar, ao seu modo, claro. Não era paciente ou atenciosa como Noble, nunca seria.
As cicatrizes internas que o ano no subterrâneo deixaram nunca iriam se cicatrizar, mas então ela poderia revesti-la com camadas de aço e coragem, porque a crueldade no mundo não existia apenas para os Espécies.
Muito gente precisava de ajuda e era por elas que lutaria.
— Justice me pediu para levá-la até ele antes de ir, podemos pegar um helicóptero para lá, já deixei agendado e—
— Não.
Aaron a olhou com surpresa.
— Pensei que era o que você queria.
Kaira abriu um sorriso triste.
— Aquilo que não puderam me dar, eu já nem sei se eu quero provar.
Os olhos escuros de Aaron brilharam de orgulho.
— Vamos para casa então.
— Casa... quando eu era criança pensava que nunca sairia da casa da minha avó, que para sempre estaria lá. Quando era adolescente pensava que nunca sairia daqui, que seria Noble e eu para sempre... agora já não sei de mais nada. Como... como você conseguiu seguir em frente depois que derrubou o esquema da sua família? Como conseguiu seguir em frente e deixar sua velha vida para trás?
Ele abriu um sorriso sorrateiro e estendeu a mão, colocando-a por cima da dela.
— Seja leal ao que importa.
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