Desespero
Chamas altas e laranjas se erguiam ao redor dela.
A fumaça a sufocando, o calor queimando sua pele.
Fogo a consumindo por todos os lados.
O cheiro de carne em seu nariz, o gosto do sangue em sua língua.
Gritos de dor e desesperança.
Tão quente... tão horrível...
Kaira levantou de supetão na cama, suada e com a respiração pesada. Náuseas a deixaram enjoada e ela correu — meio tonta, meio que ainda dormindo — para o banheiro e vomitou.
Memórias preencheram sua mente.
Seus olhos se encheram de lágrimas — semelhante ao que havia acontecido quando entrou em contato com a fumaça — e sua boca tinha um gosto amargo. Gosto de sangue. Havia mordido a própria língua. Ficou sentada ao lado do vaso, cansada demais para levantar e voltar para cama.
Dormiu com a cabeça encostada na parede.
(...)
Uma mão quente tocou seu ombro e Kaira se afastou imediatamente, o coração bombeando intensamente. Tão forte que dava a sensação de que tambores batiam em seus ouvidos, em suas veias.
— Caramba — Helena arregalou os olhos e se afastou. — O que aconteceu? Eu estava te chamando e você parecia não ouvir.
Piscou aturdida, perdida no tempo.
— Não... não aconteceu nada.
— Você está mentindo, é óbvio que não está bem — Helena a tocou novamente, desde vez no antebraço. — Kaira — chamou seu nome suavemente. — Faz uma semana que você vem andando por estes corredores como um zumbi. Você não está bem.
Arregalou os olhos.
— Uma semana? — perguntou confusa. — Mas... não é possível.
Parecia que tudo, o fogo e os mortos, haviam acontecido um dia antes, tão recente em sua mente.
Tudo tão fresco em suas memórias.
— Você está tomando seu remédio? Está pálida, mais do que o normal.
Kaira tocou a própria testa e se apoiou numa maca. Uma semana. Como o tempo havia passado tão rápido sem que percebesse? O que estava acontecendo? Por que se sentia tão fraca?
— Eu... eu acho que não tomei minha insulina. Não me lembro.
— Tudo bem — Helena alisou sua pele. — Deite-se um pouco, vou cuidar de você.
Fez o que a médica pediu e, assim que deitou a cabeça no travesseiro, dormiu.
(...)
Kaira abriu os olhos lentamente, sentindo-se como se estivesse acordando de um pesadelo para o viver de verdade. O estômago dela roncou e de repente uma Helena de expressão preocupada apareceu sobre ela.
— Eu trouxe um prato com coisas leves para você, já que parece que não come há dias. Vem, vou ajudar você a se sentar.
Helena a ajudou e colocou o prato nas coxas de Kaira. Ela olhou para a sopa e o pão, partiu-o e molhou, levando aos lábios.
Parecia que não tinha gosto de nada.
— Eu apliquei a insulina em você, então deve estar se sentindo melhor.
— Obrigada — murmurou sem olhar para Helena, se sentia envergonhada demais. Culpada demais. — E pela comida também.
A mulher sentou ao lado dela.
— Deve ter sido ruim demais... para deixar você assim.
— Foi.
— Eu sinto muito, Kaira.
Balançou a cabeça, rindo amargamente.
— A culpa é toda minha.
Ah, Deus, como se sentia frustrada. Cheia de tristeza e rancor.
Ódio queimava em todo o seu corpo, mas a frustração caia sobre ela como um balde de água gelada, pois sabia que não poderia fazer nada.
Aquela sensação de impotência começava a torturar Kaira de dentro para fora.
— Claro que não é sua culpa, Kaira.
Deixou a sopa de lado, ficando apenas com o pão.
— A ideia foi minha. A responsabilidade pelas consequências são minhas.
Helena bufou, mas não a contradiz.
Observou, com as pálpebras cansadas, a enfermaria vazia.
— Eu vou dar um fim em tudo isso.
A médica tocou sua mão e sorriu.
— Sei que vai.
— Mas não posso continuar sozinha. Não consigo... eu pensei que pudesse, pensei que fosse capaz de ir contra tudo e todos e não me sentir abalada. Mas agora, depois daquele massacre, eu sei que não posso.
— O que quer dizer?
— Vou entrar em contato com Aaron e dizer que está tudo feito. Acabou.
Ela nunca mais queria ver algo tão cruel acontecer e ter que permanecer parada. Apenas olhar.
Nunca mais.
Nunca mais ficaria parada enquanto outros sofriam.
🌡️
Lianna tampou o rosto com ambas as mãos ao se sentar na frente dele. Podia sentir o cheiro dela. Dor. Ela estava triste. Estendeu a mão e tocou o joelho dela, fazendo um breve carinho sobre a pele exposta.
— Quer conversar?
Ela negou ao balançar a cabeça.
Noble respirou fundo, sentindo-se um idiota. Qual era a porra do problema com Hunter? Ele não podia simplesmente tratar uma mulher bem? Ele havia deixado Noble no vácuo ao chamá-lo para ir até o bar na outra noite e agora isso, ignorando Lianna depois dela tê-lo chamado.
— Talvez ele não tenha me ouvido.
Duvidava muito daquilo, eles tinham boa audição, mas não disse nada. Não queria a desanimar ainda mais.
Será que Hunter amava Layla? Aparentemente eles tiveram um breve caso enquanto ela estava na Reserva. Será que ele sentia falta dela ao ponto de não querer outra mulher?
Ele não sabia...
Talvez devesse perguntar?
Droga.
Ele nunca tinha sido bom em lidar com problemas de relacionamento.
— Quer chocolate? Doce? Álcool? — chocolates sempre animavam Kaira. — Posso ir pegar.
— Não.
— Ah...
— Eu queria poder dar um soco na cara daquele idiota.
Noble sorriu e deu um tapinha no joelho dela.
— Posso ensinar você a lutar. Talvez você possa dar um soco nele.
Ela riu, desacreditada.
— E então sair correndo para ele não me pegar.
— Eu te protejo.
Lianna tirou as mãos do rosto finalmente. As bochechas dela estavam levemente coradas, o nariz cheio de sardas pelo sol que vinha tomando.
— Você é um doce, não acredito qu—
Ela se calou de repente e Noble estreitou os olhos.
— O quê?
— Nada. Não é nada.
Ela desviou os olhos, olhando a floresta adiante. O caminho que abriram através das árvores.
— Hunter odeia o fato de terem derrubado algumas árvores, não é que ele a odeie. Ele só odeia o que você representa.
— Entendi... talvez eu devesse encurralar ele e pedir desculpa.
— Não encurrale ele, ao não ser que queira ser machucada. Ele não confia em nenhum de vocês por perto.
Lianna jogou as mãos para cima, claramente irritada.
— Eu vou desistir, esse homem não confia em ninguém!
— Eu sinto muito por não poder te dar bons conselhos, Kaira com certeza te ajudaria — soltou uma risada calma. — Ela colocaria Hunter na palma da sua mão.
Lianna ficou em silêncio por alguns segundos, até dizer:
— Fiquei envergonhada por tocar no assunto, mas... as pessoas falam demais, alguns são realmente excelentes fofoqueiros. Dizem que a sua companheira o deixou — ela franziu a testa. — É verdade?
— Sim.
— Posso perguntar o por quê?
Ele suspirou, não se sentindo tão abalado pela pergunta quanto teria se sentindo antes.
— Kaira é...
— Não precisa dizer, se não quiser!
— Tudo bem — riu com o desespero dela. — Kaira é uma força da natureza. Imparável. Desde criança era decidida, inteligente, curiosa... e conforme crescemos, ficou claro quem era o gênio da turma. Com o tempo ela começou a estudar — Noble balançou a cabeça, sorrindo meio nostálgico. — Estudar era pouco. Kaira quando não estava trabalhando no Centro Médico, ou estava lutando ou estudando. Dia e noite. Como eu disse: imparável, ela estava aprendendo coisas novas a cada dia, como se estivesse correndo contra o tempo. Kaira sempre foi uma mulher brilhante e por isso ela foi embora.
— Aqui não era o suficiente para ela?
Ele negou.
— Kaira encontrou a injustiça no mundo e decidiu resolvê-la com as próprias mãos.
— Ela parece durona.
— Ela é, mais durona do que muitos Espécies que conheço.
Lianna sorriu.
— Você ama ela de verdade, isso é legal. É bonito — ela suspirou e novamente afundou o rosto nas mãos. — E faz com que eu me sinta ainda mais fracassada no amor!
Noble riu.
— Vai dar tudo certo.
O celular dele vibrou no bolso e Noble o pegou. Era Andrei, atendeu imediatamente.
— Fala.
— Noble — a voz dele estava séria do outro lado. — Venha para a Reserva agora, traga Jericho e Leo com você. Traga seu pai também, ele será um bom aliado.
Um frio correu pela espinha dele, automaticamente preocupado.
— O que houve?
Andrei bufou.
— Eu só sei que Aaron quer falar com todos nós.
(...)
Noble seguiu na frente dos outros, liderando o grupo que naquele momento entrava na enorme sala onde Aaron passava seus dias. Ele cruzou os braços quando o ar gelado entrou em contato com sua pele.
Aaron estava atrás da tela do computador, o cabelo de havia crescido e o dourado do sol que havia pego sumira há muito tempo, dando lugar apenas a uma palidez que parecia doentia.
Será que Kaira estava assim também?
— Aaron — Leo o chamou primeiro, sendo que o mais se aproximou do homem. — O que precisa nos dizer? Kaira está bem? Chegou o grande momento?
Aaron girou na cadeira e acenou para que os outros também se aproximassem. Noble ficou mais distante, apenas olhando de longe.
Ainda sentia calafrios.
Era assim que se sentia sempre que não sabia o que estava acontecendo com sua companheira... se estava viva ou morta.
— Kaira enviou uma mensagem — disse em alto e bom som. — Ela disse que está na hora. Acabou a espera, homens... vamos libertar aquelas pessoas do inferno e lhes devolver a liberdade.
Leo e Jericho comemoraram juntos, animados. Trey, que também estava ali, se juntou a eles. Valiant lançou um olhar na direção de Noble, aproximou-se e perguntou:
— Não deveria estar comemorando?
Ele queria mais do que tudo comemorar, mas temia que só fosse capaz de expressar sua felicidade quanto tivesse Kaira finalmente em seus braços.
— Vou comemorar quando tudo acabar, quando todos estiverem a salvo e em casa.
E, de qualquer forma, o olhar angustiado de Aaron era o suficiente para fazê-lo se perguntar o que estava errado. Andrei parecia sentir o mesmo, pois permaneceu sério e quieto no canto.
— Nossos planos de invasão já estão prontos há tempos, vou enviar para cada um de vocês e marcar uma reunião com a outra equipe. Andrei, espero contar com você nisso. Jericho, eu gostaria que você falasse com Justice, apenas para mante-lo a par de tudo, mas não quero os homens dele se metendo onde não foram chamados.
— Claro.
Eles conversam muito pouco depois e Leo, Jericho e seu pai deixaram a sala, Trey os seguiu logo depois, chamando Andrei para uma luta.
— Não estou afim hoje.
Andrei nunca negava uma luta.
O que estava acontecendo?
Noble esperou Trey sair e finalmente perguntou, mesmo temendo a resposta.
— Kaira... — os olhares de ambos se voltaram para ele. — Kaira, ela... ela está... — a palavra estava presa em sua garganta. — Viva?
Aaron bufou.
— Claro que está!
Respirou mais aliviado.
— Então por que essa cara de quem descobriu algo muito ruim?
— Exatamente — Andrei deu um passo a frente, concordando com ele. — Por que a cara de bunda?
Aaron abriu os lábios, mas depois os fechou e fez a mesma coisa novamente, parecia indeciso entre dizer algo ou guardar para si mesmo.
E Noble não gostava nada daquilo.
— Não é nada...
Cruzou os braços sem se deixar enganar.
— Diga.
O homem mais velho de repente espalmou ambas as mãos no rosto e se curvou para frente.
— Eu me sinto um lixo. Um idiota. Um cretino.
Noble e Andrei imediatamente trocaram um olhar de desespero. Ele nunca tinha ouvido tanta angústia e raiva na voz de Aaron.
— Eu deveria ser a porra de um pai melhor — a voz dele estava embargada e uma agonia se apoderou de Noble. — Um líder melhor... a porra de um amigo melhor, mas eu consegui fracassar em cada uma dessas coisas — de repente ele jogou a cabeça para trás e riu. — Que ódio. Filho da puta desgraçado.
Noble e Andrei trocaram outro olhar.
Esperava mais aquele comportamento de ódio do que de tristeza.
— O que foi, Aaron? — Andrei perguntou. — Qual o problema?
Aaron levantou com tudo e sua cadeira caiu para trás, então ele apontou para a tela do computador e se exaltou novamente.
— Aqui o problema!
O homem na foto era ruivo e tinha olhos azuis, linhas de expressão em seu rosto denunciavam que era mais velho do que eles. Noble não fazia ideia de quem era, mas Andrei encarou a imagem boquiaberto.
— Nem fudendo...
— Eu fiz merda, fiz muita merda — Aaron voltou a sua cadeira depois de a levantar. — Mas... — apontou para a imagem do desconhecido. — Tê-lo deixado para trás foi a maior de todas.
— Merda... merda...
Noble deu um passo a frente e perguntou:
— O que está acontecendo?
O silêncio que se estabeleceu entre os três parecia mais o de um velório e Noble se mexeu desconfortável, sentia-se muito incomodado por não saber do que se tratava aquela conversa e nem ao menos quem era aquele homem na fotografia.
— Alguém. Pode. Por. Favor. Me. Responder.
Aaron estendeu a mão e puxou uma cadeira, então apontou para a mesma.
— Sente-se, eu tenho uma história para contar.
🌡️
Kaira franziu a testa para as instruções que recebera de Aaron depois de uma semana. Não era nada do que esperava, não era nada do que pensava que faria.
Como assim ele esperava que ela apenas ficasse quieta enquanto tudo acontecia?
Esperava que ele pedisse para desativar o sistema de defesa, as câmeras ou qualquer outra coisa, mas as palavras dele eram bem óbvias... e frustrantes.
Fique viva, não faça nada idiota.
Será que mesmo depois de tudo as pessoas ainda a tratariam apenas como alguém que não podia se cuidar sozinha?
Desligou a tela do dispositivo e encarou as próprias mãos, perdida em tolos devaneios. Pensamentos torturantes. Cheia de dúvidas e medo.
Será que nada mudaria?
E no final das contas, já não sabia se havia feito tudo aquilo pelo bem dos Espécies, mas sim por um motivo mais egoísta para provar algo aos outros, para provar algo a si mesma.
Provar que não era fraca, provar que era capaz de suportar qualquer coisa.
Parecia idiota agora, ser forte não era a saída.
— Acabou — disse a si mesma e se levantou. — Acabou.
(...)
Helena se aproximou dela e sorriu, seus olhos bonitos cintilando levemente, o brilho da esperança florescendo mais uma vez.
— Sua cor parece melhor, Kaira.
— Eu realmente me sinto melhor, obrigada por me ajudar.
A médica tocou seu ombro e balançou a cabeça.
— Até parece, estamos nisso juntas, certo?
Kaira acenou mais tranquila, mais madura e bem mais consciente de tudo. De tudo o que precisava salvar, das pessoas que aprendeu a amar e agora queria livrar daquele pesadelo.
— Certo.
(...)
A bebê chutou sob a palma da mão dela e Kaira soltou um riso animado, feliz além do que pensava. Mighty a acompanhou, cobrindo a mão dela com a própria.
— Ela está mais forte.
— Muito — Kaira aproximou o rosto da barriga da Espécie. — Oi, lindinha, a sua tia favorita está ansiosa para ver seu rostinho.
Mighty riu.
— Não deixe Helena ouvir isso.
— Helena que lute, eu vou ser a madrinha e vou cuidar muito bem dela, viu — murmurou para o ventre. — Eu vou cuidar de você!
E tudo parecia tão bem, assim como o mar antes de uma tempestade chegar.
🌡️
Noble estreitou seus olhos quando Heaven apareceu abruptamente na academia, era sábado cedo e ele nunca surgia no final de semana. Provavelmente era um preguiçoso que não acordava cedo também. O ruivo estava suando, as roupas amarrotadas e sua expressão era horrível.
Haviam poucos espécies por ali e Heaven caminhou até Noble, meio tropeçando, meio torto.
— Heaven.
— Noble — disse rouco. — Eu estou confuso.
Aquilo era estranho.
Noble balançou a cabeça e abriu espaço no banco. O tempo com os mais jovens havia rendido a ele um pouco mais de paciência e responsabilidade.
Aprender a ouvir os outros era difícil, principalmente sem os julgar — o que era ainda mais difícil se tratando de Heaven — mas ele estava no caminho.
— Sente-se.
— Eu... — Heaven balançou a cabeça, negando. As pupilas dele estavam dilatadas e Noble inspirou lentamente. O ruivo sentou e tão rápido levantou, grunhindo. — Eu não quero sentar. Porra. Não quero sentar.
Noble ergueu as mãos, em defesa e perguntou baixo:
— Que cheiro é esse em você?
— Eu bebi bastante, pra caralho, e Noble... eu, eu acho que fiz uma besteira.
Isso o deixou tenso e também se levantou.
— O que você fez, Heaven?
O ruivo jogou a cabeça para trás e gargalhou alto, por longos minutos, até que sua risada se tornou meio engasgada e assustadora. Heaven se jogou no banco e escondeu o rosto com as mãos.
Estava chorando.
— Heaven... — colocou a mão no ombro dele. — Tudo bem. Tudo bem, cara. Seja lá o que fez, podemos resolver.
— N-Não posso, Noble, acho... acho que cometi um tremendo erro.
🌡️
Kaira se moveu lentamente pela enfermeira.
Naquela manhã de sábado algumas mulheres haviam chegado machucadas ou extremamente drogadas do trabalho de madrugada.
Ela encaixou o saco de soro no suspensório e sorriu para a mulher deitada.
— Você vai se sentir melhor daqui a alguns minutos.
— Obrigada, Kaira. Você sempre me cura depois de uma noite de surra.
— Até parece — deu dois tapinhas na perna dela e piscou. — Se precisar de ajuda e só me chamar, vou ajudar suas amigas e—
De repente, as portas da enfermeira se abriram num baque alto e estrondoso. Kaira pulou pelo susto.
— O que está acontecendo aqui, posso saber? — perguntou brava, apontando um bisturi para o guarda que fez aquilo. — Este é um lugar de silencioso e calma, não se chega assim desse modo!
E o que ele fez a seguir congelou o sangue dela.
O guarda ergueu a arma e apontou para sua cabeça.
— Kaira — ele disse o nome dela com desdém. — Solte o bisturi e vá até a parede para que eu posso revistá-la.
— Estou sendo presa?
— Sim.
Mil coisas se passaram pela mente dela quando desviou, brevemente, os olhos para o bisturi e logo desistiu de cada uma delas.
Estava num prédio cheio de homens armados.
O que poderia fazer contra cada um deles?
Nada.
Kaira deixou o bisturi em cima da mesa de metal e sorriu para a mulher.
— Não se preocupe, logo a doutora estará aqui.
Afinal, por que Helena ainda não estava na enfermaria? Que droga estava acontecendo?
Caminhou até o guarda e se virou de costas, ele a revistou e a empurrou na direção do corredor ao perceber que não carregava nada consigo.
Não podia correr.
Não podia fugir.
— O que está acontecendo? — perguntou baixo. — Por que está me levando?
— Jason quer vê-la.
(...)
Kaira engoliu me seco quando o guarda a empurrou para dentro da sala e arregalou os olhos.
Helena e Mighty estava lá também.
— Então você é a famosa Kaira.
Ela virou o rosto para o homem que se aproximou a sua esquerda e não pode evitar o reconhecimento em seu rosto; a feição do homem, com sua pele escura e sedosa, vestido impecável em um terno elegante... ele era extremamente parecido com Layla.
— Stan.
Ele sorriu e levantou as sobrancelhas.
— Fico feliz que se lembre de mim, querida. Layla sempre falou muito bem ao seu respeito, colocando-a num pedestal, como se fosse um exemplo de mulher a ser seguido — o homem a olhou de cima a baixo. — Também disse que era linda além da conta, mas acho que a falta de sol não tem lhe feito bem. Está pálida como uma folha de papel.
Então, vindo da sua direita, tão rápido que não pode desviar ou se defender, um soco a acertou em cheio no rosto e Kaira tomou no chão.
O mundo estava girando.
Uma mão agarrou o cabelo curto e a fez se ajoelhar, mesmo que tonta.
— Como eu esperei por isso, Kaira — Nate riu. — O que acha, Stan? O vermelho sangue não combina com ela?
— Seu desgraçado! — Helena gritou.
— Cala a boca ou você é a próxima, doutora.
Kaira cuspiu sangue e respirou fundo, dizendo:
— Até que para um monte de bosta, você soca forte, Nate.
Os dedos dele se aprofundaram no couro cabeludo dela como garras, puxando-a mais, até que pudesse sussurrar em seu ouvido.
— E eu ficaria lisonjeado, mas não se pode confiar em palavra alguma de mentirosos como você.
— Ou em cobras como você.
— Ou—
— O que é isso? — Stan perguntou com cansaço na voz. — Uma creche? São esses tipos de pessoas que você paga com o meu dinheiro, Jason?
— Eu também gostava mais deles antes...
Kaira observou, de soslaio, Jason se aproximar e se inclinar até ela, perscrutando-a de perto. E ele disse algo em outro língua que Kaira não compreendeu.
— Em inglês, por favor — Stan disse e se sentou na cadeira que Jason ocupava. Como se fosse o chefe.
E ele era... o homem do dinheiro, um político.
— Aparentemente você lida com os espécies de dois modos — ela disse com raiva. — Apoiando Justice de um lado e mantendo o resto de seu povo no cabresto. Ele vai matar você quando souber.
Stan cruzou as pernas e sorriu como o bom ator que deveria ser; um mentiroso de voz macia.
— Ele nunca vai saber, Kaira, pois não vai ter ninguém pra contar a verdade.
Ela sorriu com os lábios sujos de sangue.
— Vá e frente, pode me torturar ou me machucar, até me matar, mas nenhum de vocês vai sair impune! Cedo ou tarde, toda esta merda vai cair e você também!
— Você sempre toma decisões precipitadas, não é? Assim como conclusões. Não vou torturar, você, querida, muito menos matá-la. Você é meu presente especial, o futuro dos negócios, mesmo sendo uma criatura selvagem... — ele desviou os olhos para Nate. — E eu gostaria que você se afastasse, o meu combinado foi de que ela não seria ferida e eu mantenho minha palavra.
Kaira riu.
— Como você é honrado.
Nate a soltou e Kaira se levantou, mesmo que sobre suas pernas bambas. Ela olhou para Jason, esperando algo do homem mas ele desviou o olhar.
O que estava errado?
O que estava acontecendo?
— Bem — ela limpou os joelhos. — O que está acontecendo aqui, afinal? — franziu o cenho. — Por que me mantém viva?
— Vou tomar a liderança momentaneamente, já que meu braço direito falhou em confiar em uma espiã. Mandarei você para longe, Kaira, junto de uma companhia... conhecida e — olhou para Mighty, especialmente para a barriga dela. — Você levará o bebê consigo. Jason, faça as honras.
O homem fez menção de se aproximar da espécie grávida, mas Kaira se moveu e se colocou entre eles.
— Não a machuque! — pediu, deixando seu orgulho de lado. Depois de tudo o que tinha presenciado, não duvidava nada de que o homem poderia machucar uma grávida. — Por favor... — olhou para Stan. — Eu...
— Você? — sorriu maldosamente. — Vai fazer o que eu mandar?
Kaira piscou algumas vezes e balançou a cabeça, concordando em silêncio.
— Hm... vai agir de acordo com as minhas ordens desde que a espécie não seja machucada?
— E a médica também.
— Você percebe que acabou de me mostrar seus pontos fracos? Que tipo de espiã eles mandaram?
Ninguém me mandou.
Kaira apenas balançou os ombros.
— O tipo que está na sua frente.
— Você pode levar Kaira até a cela — Stan disse ao guarda que a trouxe. — Certifique-se de que seja bem cuidada até a visita dela chegar.
Os pulsos dela foram algemados e Kaira caminhou pelo corredor, sob o toque gelado do guarda, como se fosse levada para a sua morte.
A mente dela ainda era uma confusão.
O que está acontecendo?
Como a descobriram?
E por que estão sendo tão pacíficos?
Kaira passou por Lucis, que a olhou intensamente e acenou.
🌡️
Noble socou o rosto de Heaven de novo. E de novo. Novamente. E outra vez.
— FILHO DA PUTA, EU VOU TE MATAR!
— Noble, calma! — Salvation o puxou e Noble socou o ar tentando alcançar o espécie caido. — CALMA!
— Eu sinto muito — Heaven disse do chão, sangrando. — Eu sinto muito.
— Você é um merda egoísta!
— O que está acontecendo aqui? — Jericho entrou na academia e imediatamente os espécies que se juntaram para ver a briga de dispensaram. — Noble?
Salvation o soltou e Noble bufou, caminhando de um lado para o outro como um animal enjaulado.
— Salvation?
— Eu não sei de nada, cheguei aqui e eles já estavam brigando.
Jericho ajudou Heaven a se levantar e balançou a cabeça negativamente. O rosto do ruivo estava pior do que antes.
— Você está péssimo, rapaz.
— Eu sinto muito, Jericho. Muito... eu estava fora de mim, agindo sem pensar, irritado e de coração partido. Eu agi com raiva — falava sem parar. — Eu sou um babaca. Um idiota. Eu quero morrer se algo acontecer com ela. Eu a amo, amo tanto que meu corpo dói.
— EU VOU TE MATAR! — Noble partiu para cima de Heaven, apesar de Salvation e Jericho o segurar. — Desgraçado! Você é doente, porra!
Jericho segurou Noble pela nuca e perguntou somente para ele:
— É sobre aquele assunto?
— Sim. Ele ferrou com tudo e ag—
— Chega — Jericho disse sério. — Este é um assunto que deve ser tratado em outro lugar e com outras pessoas. Vou chamar Aaron, não faça nenhuma besteira, ele vai querer ouvir o que Heaven tem a dizer e eu também.
Jericho se afastou enquanto fazia uma ligação e Salvation olhou para Noble com dúvida.
— O que está acontecendo?
(...)
Heaven apertava as mãos, encostado no sofá enquanto os outros o encaravam de pé, até mesmo Noble, apesar de o fazer contra sua vontade.
Sua cota de paciência com Heaven havia se esgotado.
O mataria se tivesse a oportunidade.
Seu desejo por sangue nunca esteve tão grande.
Queria afundar os olhos dele dentro das órbitas, quebrar seus braços e ouvir os sons dos ossos se quebrando em suas mãos.
Deixar seus instintos dominarem.
— Noble — Andrei o chamou. — Essa sua cara assustaria até o diabo.
— Não me provoca ou vou arrancar os dedos da sua mão e os enfiar garganta abaixo.
Andrei levantou as mãos e se afastou, calado.
Aaron olhava para Heaven com desdém, era óbvio que estava cansado demais para lidar com um idiota como o ruivo.
— Então, você começa ou deixará Noble falar?
Heaven apertou as mãos sem olhar para cima.
— Posso falar.
— Ótimo, comece.
— Eu... eu não sei como começar sem falar da minha infância. Desde que sou pequeno tenho frequentado a casa de Justice, ele e meu pai são muito próximos, por isso eu estava sempre por lá. Conheci Stan quando era criança e—
— Quem é Stan? — Andrei perguntou.
— É um senador que frequentemente aparece nas mídias apoiando os Espécies, um defensor e apoiador.
— Era o que eu achava — Heaven murmurou. — Pensava que era o único homem humano em quem eu poderia acreditar. Quando ele fala é tão inteligente e sábio, usando palavras que impressionam. E ele estava sempre por perto, me trazendo presentes nas datas especiais, como um padrinho ou algo do tipo. Umas semana atrás eu... — levantou os olhos para Noble. — Eu o vi conversado com Noble na cantina e senti muita raiva.
Noble apertou as sobrancelhas.
— Você é maluco, sério — se virou para Aaron. — Alguém precisava levá-lo num médico, em um psiquiatra, isso não pode ser norm—
Aaron suspirou e levantou a mão, Noble se calou imediatamente.
— Mas você já não gostava de Noble há muito tempo, não é mesmo? — perguntou e Heaven concordou. — Por quê?
— Eu amo Kaira.
Noble jogou a cabeça para trás e gargalhou alto.
— Todos os caras querem a Kaira — ele ainda ria quando encarou Heaven. — Como se fossem dar conta do recado. Você nem a conhece.
— Eu sei tudo sobre Kaira e sei que teria uma chance se você não estivesse desde sempre no caminho atrapalhando. Ela seria minha.
Noble rosnou.
— Ela é minha.
— Chega — Aaron ordenou. — Kaira não é um objeto para vocês falarem assim dela e eu tenho certeza de que ela odiaria essa conversa. Continue, Heaven.
O ruivo desviou o olhar de Noble e voltou a falar:
— Estava com tanta raiva de ver Noble e Stan juntos, pensei que perderia mais alguém por causa dele. Já estava nas graças de Justice e estaria também com Stan? Eu estava irritado e enlouquecido, fui atrás de Stan e disse que faria qualquer coisas que quisesse, desde que me escolhesse. Não me lembro exatamente do que eu disse, estava fora de mim, tinha... bebido. Este ano foi um inferno — ele colocou a cabeça entre as mãos. — Stan começou a falar de Kaira, perguntando se o fato dela não me corresponder era o motivo da minha agonia e eu contei tudo para ele. Falei sobre o sumiço dela, sobre as brigas que tive com meus pais e com Noble, sobre a loucura daquela reunião. Falei tudo. Eu não sabia de nada, juro, não sabia sobre os verdadeiros planos de Stan.
— Como assim, rapaz?
— Quando eu disse que Kaira havia desaparecido e que eu sabia que existiam Espécies presos, o homem simplesmente pareceu ligar uma coisa a outra. Ele fez uma ligação e depois... depois... — passou a língua pelos lábios machucados. — Depois ele recebeu uma mensagem, era uma foto. Uma foto da Kaira. Ela está diferente, com o cabelo curto e mais magra, mas eu nunca a confundiria. Fiquei extasiado quando a vi, disse a Stan que era Kaira e ele me fez uma oferta. Disse que ela seria minha se eu o ajudasse.
— Você aceitou?
Heaven balançou a cabeça, concordando.
— O que ele te pediu?
— Informações. Dados de segurança... e tem mais.
E era esta parte em particular que fazia Noble querer vomitar.
— O quê?
— Stan disse que Kaira seria minha desde que eu concordasse em... — ele apertou os punhos. — Ceder meus filhos com ela. Eu não reagi muito bem e ele percebeu que me perturbava, então refez sua proposta, dizendo que queria apenas um e que, se nós tivéssemos outros, seriam nossos. E eu pensei sobre isso.
— Você me enoja.
— Ah, cala a boca, Noble — Heaven rosnou. — As coisas são fácies pra você, seu filho da puta desgraçado!
Noble avançou na direção dele, mas Jericho e Andrei interviram.
— Você tem sorte do meu pai não estar aqui para ouvir isso, Heaven, ou ele mesmo te mataria!
— Que seja — os olhos dele estavam frios. — Eu não me importo mais. Estou contando isto porquê não confio nem mais em Stan... nem em mim mesmo. Não quero que Kaira se machuque, eu gosto dela de verdade, mesmo que não seja minha companheira. Tem algo que eu possa fazer, Aaron? Algo em que possa ajudar?
Aaron andava de um lado para o outro, pensativo.
— Você já concordou com Stan?
— Ainda não.
— Então entre em contato com ele e concorde. Vá até ela, se possível e será um dos nossos lá dentro. Aja como Stan espera.
— Aaron! — Noble reclamou. — Ele vai fazer tudo dar errado! É um idiota!
— Mas é um meio de conseguir mais informações e eu não vou jogar uma oportunidade fora.
🌡️
Kaira estava presa sozinha há uma semana.
Ninguém a machucou, na verdade, davam mais comida a ela do que costumava a fazer com os Espécies.
Nem Nate, Jason ou Stan foram falar com ela, o que era estranho.
Por que não faziam nada?
Por que ainda estava viva?
O que estava errado?
Onde estava Aaron e seus homens?
Sua cabeça era uma confusão e ela odiava ficar sozinha. Era tão gelado dentro da sala e ainda mais quando não tomava sua insulina. Kaira estava deitada no colchão no chão, sob uma luz que quase não iluminava o ambiente, quando a porta se abriu e Stan entrou por ela.
— Kaira, minha querida — ele sorriu e Kaira se sentou, juntando os joelhos aos seios. — Você tem visita, lembra que eu havia falado sobre?
Ela piscou repentinamente.
— Sim.
— Mas antes — Stan a olhou de cima a baixo. — Você está péssima, Helena vai ajudá-la com o machucado e com o banho, depois será transferida para uma cela melhor.
Kaira sorriu ironicamente.
— Obrigada pela estádia cinco estrelas.
— Você é um gata selvagem, Kaira, só lamento que tenha invadido um covil de leões.
O homem se virou de costas e partiu, Kaira riu então, sem se assustar.
— Eu domo leões, babaca.
(...)
Helena passou o remédio sobre o lábio inferior cortado de Kaira e ela gemeu com a dor que queimava mais do que uma vodka descendo em sua garganta.
Tinha sido um bom soco.
— O que está acontecendo, Kaira? Como descobriram você?
— Eu não sei, Helena, o babaca não me contou nada, apenas disse que eu tenho uma visita. Você viu alguém diferente?
A médica negou.
— Bem, devemos esperar agora, não posso fazer nada presa e nem você, não vamos colocar em risco a vida de Mighty. Tenho fé que Aaron virá, ele é... meu pai biológico e eu confio nele.
— Espero que venha, Kaira, porquê sinto que é a nossa última chance. Esse homem chamado Stan está mudando tudo, muitas pessoas sumiram nesses dois dias e novas chegaram.
Isso podia mudar tudo...
— Droga, ele pode estragar nossos planos.
— Sim, por isso a ajuda tem que ser rápida. Vem, se levanta, trouxe sabonete e roupas limpas.
Kaira se levantou se sentindo tonta e procurou pelo seu remédio.
— Você não trouxe minha insulina?
— Desculpa, Kaira, mas Stan mandou que confiscassem minhas coisas e pegaram a insulina.
— Então ele sabe...
— Como eu não faço ideia.
(...)
A cela nova era grande e... particular. Assim que Kaira colocou os olhos no enorme cama começou a brigar com os guardas, mas eram dois e a seguraram, jogando-a de qualquer jeito para dentro das barras de ferro.
Ela andou de um lado para o outro como uma gata presa, ficando bem distante do colchão branco e grande.
Não...
Não podia ser o que imaginava.
Ela mataria qualquer homem que tentasse tocá-la ou morreria tentando.
— Kaira, querida, voltei — Stan entrou e sorriu, abrindo os braços. Seu terno ridiculamente elegante. — Agora sim, limpa e com um curativo — ele olhou para a entrada e acenou. — Vamos lá, rapaz, ela não é tudo o que você sempre desejou?
Kaira olhou naquela direção.
— Sim.
Oh, não, não, não!
Ela conhecia aquela voz.
Heaven entrou pela porta e Kaira congelou, incapaz de desviar os olhos do Espécie; o bonito macho, tentador demais para a maioria das mulheres, caminhou até as grades e observou Kaira de perto, olhando especificamente para o lábio dela.
— Você disse que não iriam machucar ela, Stan.
— Foi um acidente, mas o idiota já foi colocado em seu devido lugar.
Heaven tinha olhos azuis com pigmentos dourados e sorriu levemente para ela, segurando as grades.
— Você está bem, Kaira?
O coração dela estava despedaçado.
Porquê ela sabia o que ele estava fazendo ali, o que havia trocado para ficar ao lado dela. Era um idiota inconsequente.
Não percebia que estava tentando salvar o povo dele?
Os outros importavam tão pouco para ele?
Imediatamente lágrimas subiram aos olhos dela e Kaira se virou se costas, chorando silenciosamente e um calor inundou seu corpo, subindo das pernas para sua barriga, para seu peito e coração.
Tanta raiva...
Ódio.
Foi com uma força renovada pela fúria que, brutalmente, Kaira se jogou na direção das grades e segurou o braço de Heaven, penetrando suas unhas na pele dele.
— Seu desgraçado — murmurou próxima ao rosto dele enquanto lágrimas de ódio escorriam pelos seus olhos. — Se você entrar aqui, se me tocar... eu nunca vou te perdoar, Heaven. Nunca. Nunca. Nunca.
— Eu não vou te machucar, Kaira, eu nunca faria isso propositalmente.
Os olhos dele imploravam por algo, mas ela não conseguia pensar direito e respondeu amargamente:
— Mas eu sim.
🌡️
Noble segurou Leon pela gola da camisa e o puxou com força para trás, impedindo-o de seguir em frente e acompanhar Leo.
— Onde você pensa que vai? — perguntou com as sobrancelhas erguidas. — Volte imediatamente para sua casa e vá ficar com a sua mãe.
— Eu quero ir com vocês!
— Não.
— Eu sou o melhor que você treinou, Noble. Eu sou rápido e forte, tenho os melhores reflexos e luto bem, você me ensinou, sabe que sou melhor do que esses homens que Aaron trouxe!
Bom, ele concordava que o garoto — quase um adulto — era excelente.
— Isso não é para crianças, é para adultos, então faça o que eu mandei.
— Ma—
— Você ouviu Noble — Leo voltou com dois coletes e jogou um para Noble. — Vá ficar com a sua mãe. Agora.
A autoridade de Leo não deixou margens para desobediência e Leon se foi, mas não antes de enviar um olhar de raiva para Noble.
— Ele supera — Leo murmurou. — Não da para deixar os filhos fazerem tudo o que querem.
Lançou um olhar de canto para Leo.
— Imagino que não...
O mais velho suspirou fundo ao apertar o colete ao redor do peitoral.
— Faz muito tempo que não saio para fora dos muros, na última vez foi para buscar Kaira, irônico que estou indo fazer o mesmo novamente.
Uma ideia que atravessava a mente de Noble a muito tempo o fez perguntar:
— E se ela não quiser voltar?
Leo apertou as sobrancelhas.
— Como assim?
— Eu acho que nós não fomos o suficiente quando ela precisava, Leo. Acho que... — suspirou e balançou a cabeça, frustrado. — Acho que apesar de estar ao lado dela todos os dias, deixamos algo passar, mas eu garanto que não acontecerá novamente.
Leo ergueu a cabeça, olhando-o imediatamente com desconfiança.
— O que você quer dizer?
— Quero dizer que não haverá mais margens para esconder a verdade.
— Eu duvido que você ou qualquer outra pessoa seja capaz de tirar tudo dela ou de qualquer outra pessoa, Noble. Nós sempre guardamos coisas apenas para nós mesmos por vários motivos — disse sério e desviou o olhar. — Eu amo Stella mais do que tudo, mas isso não quer dizer que digo a ela tudo que aconteceu no meu passado. Eu não quero sobrecarregar quem amo com problemas ou lembranças incovenientes, assim como Justice e os mais velhos não queriam preocupar vocês.
— Não somos mais crianças, Leo.
— Sim, e agora nós sabemos... você não faz ideia da agonia que sentimos ao vê-los resolvendo nossos problemas. Está tudo errado, Noble, esse não era o trabalho de vocês, não era o futuro que os mais velhos planejaram.
— O mundo todo está errado — Noble murmurou. — E nós lutamos todos os dias contra o passado de vocês, mas eu não posso perder meu tempo lamentando, não mais. Kaira luta por nós com uma coragem idiota, mas ainda é coragem e eu quero desesperadamente fazer o mesmo. Lutar por nós, por ela, pelo nosso futuro.
Leo sorriu levemente e estendeu a mão para Noble
— Estou orgulhoso por você, Noble. Orgulhoso por Kaira. Vamos lutar juntos agora então — eles apertaram os antebraços. — Lutar pelo nosso povo. Por um futuro melhor.
(...)
Noble vestiu o colete por cima da camisa e se esticou, desde que deixara o trabalho nos muros ele não tinha mais usado aquela roupa de defesa. Verificou suas lâminas e suspirou fundo. Kismet estava ao lado dele com a mesma roupa e Forest a sua esquerda, mas vestido com roupas mais claras. Ele não usava armas.
Salvation estava sentado num banco ao lado de Aurora, o braço ao redor dela enquanto conversavam baixinho. Leo estava ao lado deles, os braços cruzados e os olhos fechados, parecia concentrado.
Noble havia contado tudo a eles, sentindo-se melhor, mas ainda com seu coração pesado.
Kaira estava em perigo e ele só queria vê-la novamente, abraçar sua companheira, sua melhor amiga e depois matá-la com o olhar.
Ele estava com tanta saudade, mas com tanta raiva.
Jericho apareceu minutos depois junto de Hunter e Valiant. Aquele era um trio bastante assustador.
— Preparado? — seu pai perguntou quando se aproximou.
— Sim.
— Hm... eu não sei se vamos estar o tempo todo juntos, então me deixe lhe dizer algumas coisas — Valiant segurou as beiradas do colete dele e conferiu tudo com um olhar sério. — Você é um excelente lutador e honrado, mas os humanos não são assim sempre, então tome cuidado com as artimanhas que podem usar contra você.
— Eu sei, pai.
— Certo — murmurou e o encarou com seus olhos que eram idênticos. — Sua mãe te ama muito.
Noble riu, achando graça na carranca do pai.
— Eu sei.
— Ela me disse para dizer isso... de novo — Valiant cruzou os braços e olhou ao redor, observando os homens desconhecidos. — De onde são esses homens? Não são da Força Tarefa.
— Não são... é complicado de falar tudo agora — principalmente da parte escura da história de Aaron, pensou. — Mas são os homens de Aaron.
— Homens de Aaron?
— Ele é líder de uma organização militar privada que na maior parte do tempo vende seu trabalho para os outros — disse o que havia ouvido de Aaron no outro dia. — Mas que trabalha ativamente em resgates de pessoas que passam pelo mesmo que nós.
— Organização militar? Como um exército?
Noble balançou os ombros.
— Parece que sim, mas sem uma pátria. Os homens que vão conosco hoje são soldados que trabalham com ele. Aaron também disse que tem a liberdade para agir sem a aprovação governamental ou de qualquer congresso, o que faz da nossa missão algo bem confidencial até o momento. Por esse motivo pediu para que Justice ficasse fora do caminho, assim como a Força Tarefa, já que eles precisam de aprovação para agir fora do nosso território.
Seu pai olhou para os estranhos com dúvida.
— Nós podemos realmente confiar neles?
— Eu confio em Aaron e Andrei, e eles confiam nesses homens. É o suficiente para mim.
(...)
Noble sentou ao lado de Andrei e de frente para Aaron dentro da vã escura.
Aaron ainda parecia terrivelmente pálido, o olhar duro e sério, os nós dos dedos apertados em punhos. Noble trocou um olhar com Andrei.
O outro balançou o ombros e suspirou, conferindo suas armas.
— Preparado, Noble?
O estômago dele estava retorcido pela ansiedade, havia um aperto em seu coração e suas pernas se moviam sozinhas para não se manter parado.
E, apesar de tudo, deveria estar pronto.
Era o seu dever.
— Sim.
Andrei sorriu amargamente.
— Ótimo.
🌡️
Kaira se moveu para o fundo da cela, sentando-se no chão gelado e de costas para Heaven. Filho da puta. Ela nunca havia sentido tanto ódio de um Espécie em toda a sua vida. Como ele pode fazer isso?
Trocar a liberdade do povo dele por algo tão mesquinho.
Trocar a liberdade dela.
Trocar a própria liberdade.
Qual era o problema dele? Só poderia ser alguma obsessão doentia. Kaira o olhou de soslaio, o macho estava sentado na cama, olhando-a desde que Stan os deixou sozinhos e trancados.
— Por que não senta aqui? — ele perguntou suavemente quando percebeu o olhar dela, tocando o colchão em que estava sentado. — O chão está gelado.
— Por que você não some da minha frente?
Heaven piscou como se aquilo houvesse abalado seu psicológico.
— Eu não posso... eu não quero.
— Vai se fuder, Heaven, já notou como age como um egoísta de merda? Eu, eu, eu... isto não se trata de você, nunca tratou, você se envolveu em algo que não entende. Porra. Você é um burro, um imbecil.
— Kaira...
— Não, não... eu não quero saber, não quero saber de nada que tenha haver com você.
Abruptamente o Espécie se moveu e se jogou sobre ela, Kaira gritou e chutou, tentando o empurrar para longe, mas em vão, Heaven a imobilizou no chão, segurando as mãos dela sob a cabeça.
Tão fácil...
O rosto dele afundou em seu pescoço e Kaira gritou novamente, pedindo para que ele a soltasse, mas Heaven não o fez.
O nariz dele percorreu o pescoço dela, provocando arrepios indesejados em sua pele e Kaira teve uma súbita ânsia de vômito. Lágrimas escorreram de seus olhos novamente.
Sentia-se assustada e cheia de raiva.
Não tão diferente de quando havia saido de casa; parecia que estava voltando, retrocedendo, não ficando mais forte como esperava, mas fraca.
Tornando-se menos do que ja foi.
Ela não tinha força para lutar com ele e o desespero fez o ar em seus pulmões parecer quase no fim.
— Os outros estão vindo — Heaven murmurou sério e Kaira parou, confusa. — Nós só precisamos fingir e esperar. Não faça isto ser um inferno para mim... Aaron esta nos ouvindo, assim como os outros. Entendeu?
— Eu... eu não confiaria em você nem se fosse a última pessoa na Terra.
A ponta do nariz deslizou até o decote da camisa que usava e Kaira olhou para baixo, encarando-o intensamente. Heaven era enorme, uma massa pura de músculos e instintos, mas a imagem dele sobre ela a fazia querer morrer.
— Se nós dois fôssemos as últimas pessoas na Terra estaria trabalhando agora mesmo para fazer outras — ele disse com um sorriso torto. — Vai parar de gritar e surtar?
— Me solte e verá.
Heaven a olhou com dúvida e, assim que a soltou, Kaira lançou cabeça para frente, acertando-o em cheio. Doeu demais, mas ela usou o tempo que ele reclamava para chutar suas bolas.
— Você — o macho caiu de lado com as mãos entre as pernas. — Porra... isso dói pra caralho! Qual é, Kaira!
Ela levantou e o encarou de cima.
— Eu disse que não vou hesitar em machucar você, não sei porquê não acreditou.
Ei, pessoal, tudo bem? Estou de volta e oficialmente de férias, o que quer dizer que vou escrever bastante e finalmente terminar Noble. Estou ansiosa. Essa música Fairystale é muito o Heaven, sério! Vocês precisam ouvir KKK
E esse vídeo me lembra demais a Kaira, sério, principalmente nessa última parte da fanfic.
Até a próxima 🥰
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