69 - Vida e misericórdia me têm concedido.
Duas semanas depois de voltar de Brasília, Ariane recebeu a visita da avó.
Logo que voltara das férias ligou para a avó e contara da decisão de vender a mansão do Condomínio Flor de Laranjeiras, desde o princípio a avó sabia que mais cedo ou mais tarde, Ariane venderia a mansão, e como o avô pedira quando lhe doara a mansão, que eles deveriam ser os primeiros, a saber, sobre a venda, assim Ariane fez.
Dona Marília pedira à neta que não dissesse nada a ninguém até ela ir a São Paulo falar pessoalmente com a neta. E naquela manhã Ariane fazia panquecas, principalmente com recheio doces, as preferidas da avó.
- Bom dia, minha querida! - Cumprimentou a avó beijando-lhe o rosto. - Que cheiro maravilhoso! - Inspirou o ar sentindo o cheiro das panquecas. - Tem alguma de doce para mim? - Perguntou sorrindo.
- Bom dia vovó. - Respondeu sorrindo. - Sim eu fiz de brigadeiro, mas, por favor, vovó não vá exagerar, eu não quero que digam que não estou cuidando da sua saúde.
- Já tenho gente demais cuidando da minha saúde, 'não pode isso, não pode aquilo', não vai demorar muito, e irão me colocar em uma cadeira no canto da sala, e dizer para eu só levantar de lá depois que a visita for embora; porque é só o que está faltando para me tratarem como uma criança mal criada. - Resmungou sentando à mesa e se servindo de uma xícara de chá, e Ariane apenas meneou a cabeça sorrindo.
- A senhora sabe que não é nada disso. - Aproximou-se com as panquecas, para a alegria da avó.
- E o Paulo não vai tomar café com a gente? - Perguntou curiosa.
- Não! Ele foi para a igreja. Irá tomar café da manhã lá. - A avó ficou parada olhando fixamente para a neta, Ariane mexeu-se inquieta na cadeira.
- O que foi vovó? Alguma coisa de errado comigo? - Perguntou constrangida.
- Não há nada de errado com você. Agora está tudo em ordem, você está feliz. Sabe, eu me preocupava com você. - Começou pegando uma panqueca de brigadeiro.
- A senhora se preocupava comigo? Por quê? - Perguntou surpresa.
- Porque eu jamais via este brilho no seu olhar, porque eu acreditava que havia te prejudicado ao te trazer para morar comigo. - A avó parecia triste e isso deixou Ariane triste também.
- Do que a senhora está falando vovó? - Perguntou arrasada, devia muito à avó.
- Você se tornou uma pessoa estranha minha filha, você era triste, não se interessava por garotos, não saia com as amigas; entenda, eu tive filhos filhas adolescentes e eu me lembro, e você não era igual a nenhum deles. Nem mesmo igual ao seu pai, que foi o que menos me deu trabalho. Quando eu olhava para você e via toda aquela tristeza eu ficava arrasada, pois eu acreditava que era minha culpa. Afinal fui eu que insisti para que você viesse morar comigo.
- Eu não sei o que dizer à senhora, a não ser que lamento, mas a senhora sabe que independente do que a senhora queria, por mais que o meu pai te ama, ele jamais teria permitido que eu viesse, se ele não estivesse ansioso para me mandar para qualquer lugar e me afastar do Pedro; então a senhora não me arrastou de lá, e eu também estava louca de vontade de sair daquele lugar. - Ariane deu um meio sorriso. - Fazer o quê? A gente sempre acha que fugir dos problemas vai resolver alguma coisa, só que não resolve, não é mesmo? - Concluiu pensativa.
- É verdade! - Sussurrou a avó no mesmo tom. - Você não me culpa por ter sugerido a ideia? - Perguntou séria olhando-a nos olhos.
- Claro que não vovó! - Disse sorrindo. - Além do mais, Deus sabe o que faz e sinceramente eu não acho que teria sido melhor eu ficar lá, eu sei que eu errei, em esconder o Paulo, isso sim foi muito errado e avassalador, mas também não tem como voltar a atrás e para a Honra e a Glória de Deus deu tudo certo, e agora eu estou feliz.
- E está pronta para novos horizontes! - Disse a avó sorrindo.
- Sim. E quero que a senhora compreenda, que só vou vender a casa porque eu não tenho condições de manter duas casas, menos ainda uma sendo uma mansão; a senhora compreende, não compreende? - Perguntou preocupada.
- É claro que eu compreendo minha filha! Aliás, foi pensando nisso que deixamos o fundo para a reforma, não se lembra? - Perguntou relutante.
- Lembro sim, e não há muito o que consertar, então, eu acho que não vou precisar de todo aquele dinheiro. E quando eu terminar eu posso te devolver o restante. - A avó pegou em sua mão.
- Aquele dinheiro é seu, assim como essa casa, você pode fazer o que quiser com ambos. E eu vou ficar muito triste se você insistir em me devolver qualquer coisa. Você me entendeu? - Perguntou firme.
- Sim senhora! - Respondeu envergonhada, e a avó gargalhou.
- Ainda fica corada com qualquer coisa? - Perguntou ainda rindo.
- Que bom vovó! Que eu ainda te divirto! - Disse sorrindo carinhosamente.
- Fazer o quê? De todas as minhas netas você é a única que fica corada por tudo!
- Não é verdade, não fico corada por tudo, apenas por quase tudo! - Disse rindo com a avó. - E voltando ao assunto da casa... - Começou ficando séria.
- Eu compro a casa. - Disse a avó interrompendo-a e fazendo-a engasgar com café. A avó levantou para socorrê-la.
- Isso não é justo! - Exclamou quando cessou a tosse. - Se for assim, eu doo a casa para a senhora, como vocês fizeram comigo.
- Nem pensar! - Disse a avó categórica, voltando para a sua cadeira.
- Mas vovó, se eu aceitar isso meus tios irão deixar de falar comigo, eles dirão que a senhora vai gastar toda a herança deles comigo. - Disse exasperada.
- Eu sei que eles só estão esperando pelo dia em que você resolver por a casa à venda, para eles se engalfinharem para ver quem a compra, eu fico triste em ver meus filhos e filhas se digladiando por causa de dinheiro, e para que você não fique na saia justa de vender para um ou para outro, e nem que eles fiquem dizendo que você deu preferência para um ou para outro, eu compro e problema resolvido.
- Mas vovó...
- Mas vovó nada! Você faz o que você iria fazer, me diz quanto você quer na mansão e eu te pago. E para evitar problemas, não diga a ninguém que você vai vendê-la, e menos ainda que eu vou comprar, pelo menos até depois do seu casamento. - Refletiu a avó.
- Sei não vovó, não estou gostando disso! Por que a gente não devolve a casa para a senhora e eu fico com o dinheiro do fundo, e não se fala mais nisso, o que a senhora acha? - Perguntou esperançosa.
- Eu acho que você está esquecendo que eu fui casada por mais de cinquenta anos com um negociante, e se tem uma coisa que ele me ensinou foi a negociar; e a sua escolha é: ou vende para a sua avó idosa aqui, ou vende para os tios cara de pau, ambiciosos. - Retorquiu sorrindo.
- Ou eu faço uma doação para a senhora! - Disse empolgada. A avó gargalhou com gosto, Ariane olhou-a confusa.
- Você nunca se perguntou, por que nenhum deles, nunca te pediu para devolver a casa? - Perguntou a avó ainda rindo, e Ariane confusa apenas balançou a cabeça em negativa.
- Não! Mas eu pensei nisso, e se eles tivessem me pedido, eu teria te devolvido. - Disse humildemente.
- Eu sei minha querida! Você me aguarde só alguns instantes. - Ela levantou e saiu.
Ariane ficou olhando o forro da mesa, se perguntara inúmeras vezes por que por mais que os tios tenham ficado furiosos, com a doação com os avós lhe fizera nenhum, pedira para ela devolver a casa, e com o passar do tempo ela chegara à conclusão de que eles preferiam esperar pelo momento em que ela fosse vender, assim o que ficasse com a casa, não dividiria com os outros. A avó voltou com alguns papéis, e entregou à neta.
- Você não leu antes de assinar! E seu avô te disse que esperava que aquela fosse a última vez que você assinava algo sem ler, pois ele já vira pessoas perderem tudo por assinar algo que não sabiam do que se tratava por confiar na pessoa em questão. Você se lembra? - Perguntou saudosa.
Ariane sabia que a avó sentia saudades do avô, ela também sentia, mas algo lhe dizia que a saudade que ela sentia não era pário para a saudade da avó.
- E eu disse a ele para não se preocupar porque eu sabia que jamais precisaria me preocupar com o que ele me dava para assinar. - Disse triste folheando os papéis.
Ela leu os papéis atentamente, os avós haviam lhe transferido a mansão, mais um fundo de investimento, em termos de doação, coisas que ela já sabia, então ela ficou imensamente surpresa ao descobrir que ela jamais em hipótese alguma poderia doar a mansão ou abrir mão do fundo de investimento, salvo para o próprio filho ou para alguma ONG, ou para fins cristãos. Ela poderia usar o dinheiro como bem quisesse desde que não fosse para devolver a qualquer membro da família que não fosse o filho Paulo; e poderia vender a casa a qualquer momento que quisesse; neste caso, se algum dos avós ainda estivesse vivo, ou ambos vivos, a prioridade era deles, se eles assim quisessem; em caso de óbito dos dois, ela poderia vender a casa para quem quisesse ou para o tio que pagasse mais.
- Isso é legal? - Perguntou perplexa. A avó comia tranquilamente, aliás aproveitou a distração de Ariane e se esbaldava na panqueca doce.
- É claro que é legal! Foi tudo dentro da legalidade. Veja isso! - Ela apontou para a última folha, e Ariane leu em voz alta.
- "Qualquer parente consanguíneo, que convencê-la a abrir mão de qualquer um dos bens doados, ou entrar na justiça para tirar da beneficiada, pagará uma multa de..." - Ela engasgou de novo. - Esse valor é simbólico, certo? - Perguntou os olhos arregalados.
- É claro que não! Conhecemos nossos filhos, filhas, genros e noras, se não te protegêssemos eles teriam dado um jeito de tirar tudo de você, principalmente se seu avô morresse antes de mim, como infelizmente aconteceu. Eu não saberia como te proteger deles, então seu avô teve a ideia da multa, dois milhões, mesmo qie em reais e a mansão valendo bem mais que isso, é muito dinheiro, para quem quer adicionar, e não o contrário.
- Agora está explicado porque eu sou a interesseira da família. - Comentou magoada, passara os últimos tempos ouvindo isso da família.
- Não fizemos isso para que os outros a chamassem de interesseira, fizemos isso, porque você é uma das poucas que não está nem aí para o dinheiro. Talvez eles tenham razão, e não fomos justos com eles, mas por doze anos, você foi nossa filha, você me ajudou a cuidar do seu avô doente, você ficou do meu lado, mesmo quando eu era insuportável, nós te amamos como a uma filha, então achamos muito justo, te deixarmos parte da herança que seria para os nossos filhos. E lamentamos que tenhamos precisado você deles e de si mesma.
- Então eu não posso doa-la nem mesmo para a senhora! - Lamentou pesarosamente.
- Não querida! E como você pôde notar eu tenho prioridade na compra, você assinou concordando. - Disse com um meio sorriso.
- O vovô tinha razão, a gente não deve assinar nada sem ler antes, não importa de quem vem. - Disse frustrada.
- Por favor minha filha! Não fique chateada conosco, tudo o que queríamos era cuidar de você, você consegue compreender isso? - Perguntou aflita.
Ariane suspirou, passando as mãos na cabeça. Claro, que ela os compreendia, eles a ajudaram mais que qualquer outra pessoa, e graças a eles, ela não precisou se preocupar onde morar com o filho.
- Não estou chateada vovó, apenas surpresa. Eu só tenho que agradecer por tudo o que vocês fizeram por mim. E eu não vou desaponta-la. Pode deixar que eu vou vender a casa para a senhora, mas a senhora terá que aceitar o preço que eu der, combinado?
- Perguntou com um sorriso travesso.
- Você não pode pedir um preço muito abaixo de mercado, sabe disso não sabe? - Perguntou desconfiada.
- Aqui não fala nada sobre preço vovó! - Disse inocentemente se servindo de uma xícara de chá. A avó sorriu, mas não disse nada.
Conforme combinado com a avó, Ariane reformou o que precisava reformar na casa, e no mês de março, fechou negócio com avó, as duas ainda ficaram horas discutindo por causa do valor que Ariane estava pedindo, mas esta foi irredutível e avó muito contra a vontade aceitou a sugestão da neta. E como março era aniversário de Paulo, a avó ficou alguns dias a mais, com eles até o aniversário do garoto. E só quem sabia que dona Marília havia comprado a mansão além, das duas eram Pedro e Paulo.
Continua...
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