Capítulo 27
"Se houver amor em sua vida isso pode lhe compensar muitas coisas que lhe fazem falta. Caso contrário, não importa o que tiver, nunca será o suficiente". (Nietzsche)
Quatro meses se passaram e a cada dia eu me sentia diferente. Meu humor oscilava constantemente e pesadelos se tornaram minha companhia noturna. Todo esse tempo eu fiquei numa correria constante, trabalhava período integral e estudava a noite, até aí nada diferente da minha rotina no Brasil. Entretanto, viver na Alemanha não é uma tarefa muito fácil ainda mais com o salário de estagiária, e aquele montante arrecadado no Brasil, já estava acabando. Papai prometeu me ajudar, mas pedi que ele parasse, depois de muita insistência. Sendo assim, comecei a trabalhar, inclusive nos finais de semana, pra ser mais exata no sábado. Um salão de beleza da cidade estava precisando de uma maquiadora e pensando nas palavras de minhas amigas no dia do acampamento, acabei tentando entrar nesse ramo, e ao que tudo indica, eles gostaram do meu trabalho. Domingo era dia de estudar para as provas e quando sobrava um tempinho, eu dormia a tarde inteira, ou pelo menos tentava.
Acontece que meus planos de conhecer cada canto da Alemanha se tornavam cada vez mais limitado, mas eu acabava por ocupar a cabeça e pensar menos em Alex. Ou não. Como estávamos em Dezembro o outono nos recebia com o frio, mas as férias na faculdade estavam chegando, o que deixava a situação um pouco mais tranquila.
Férias. Realmente eu estava precisando, até porque Eveline não era obrigada a aguentar minhas crises nem a minha falta de controle sobre meus sentimentos. Dona Amélie, uma simpatia como sempre, tornou-se como uma avó e isso acalentava a falta que eu sentia de Dona Branca. Vovó nunca foi ligada às tecnologias e raramente eu conseguia um contato com ela. Precisava tanto de seus conselhos, apesar de que os últimos, eu acabei ignorando todos e fechando meu coração de vez dando preferência ao meu sonho.
Com toda essa correria, minhas amigas e eu nos comunicávamos apenas por mensagens de texto, mas ainda assim, a diferença de horários entre as visualizações era gigantesca. Mas pelo menos eu ficava por dentro das novidades. Por falar em novidades, Mat e Kate decidiram morar juntos, algo que eu achei muito precipitado, mas ao que parece estão felizes. Sam e Jhony continuam firmes, minha amiga Back está num relacionamento pela internet com um rapaz que mora em outra cidade e dizer a ela o quanto isso seria perigoso soava careta demais a seus ouvidos. Carter e Daniel estavam bem, continuavam sendo os de sempre, muitas festas, muitas garotas. Alex, bem, eu procurei não saber dele. Achei que seria melhor não me envolver. A formatura deles estavam próximas, mas infelizmente eu não as assistiria.
Era sexta-feira e eu tinha que entregar um último trabalho na segunda-feira, e gostaria de aproveitar meu tempo vago no estágio para fazê-lo, mas eu havia esquecido meu caderno, aliás eu o havia perdido, pois não estava em nenhum lugar no meu apartamento e aquilo me deixava com mais raiva ainda. Perguntei a Eveline se a mesma tinha visto, mas ela negou, perguntei na secretaria da faculdade, mas ninguém tinha informação a respeito, ou seja, eu teria que usar apenas dos meus conhecimentos e da minha boa memória para conseguir fazer o trabalho. Sempre fui uma obcecada em apresentar trabalhos de faculdade e por um segundo apenas, eu me lembrei da minha primeira discussão com o Alex.
Balancei a cabeça afastando esses pensamentos que hora ou outra vinham sem minha permissão e continuei a minha caça pelo caderno, até que desisti e resolvi ir para casa.
- Senhorita Liza! - Ralf, o porteiro me chama quando eu estava prestes a entrar no elevador, o que me fez dar uns passinhos para trás.
- Sim...
- Por acaso este caderno é seu? - ele pergunta com aquele objeto em mãos e meus olhos brilham no mesmo instante.
- Sim, onde achou? - pergunto enquanto ele me entrega.
- Um rapaz trouxe até mim.
- Um rapaz? - franzo o cenho pensando em quem poderia ser. - Quem?
- Ele não quis se identificar. Disse que você não gostaria de saber. - dou de ombros.
- Bom, o que importa é que estou com meu caderno em mãos, obrigada. - Agradeço e tento sair, mas Ralf me chama outra vez.
- Senhorita Liza, desculpa a minha intromissão, mas está tudo bem?
- Está sim? Por que?
- Parece mais magra nos últimos dias. Se precisar de um médico ou de alguma coisa, pode falar comigo. - O porteiro se prontifica.
- Está tudo bem. - respondo rindo. - Agradeço pela preocupação. Devo estar mais magra mesmo, já que não estou comendo direito.
- Você trabalha muito. Vejo-a todos os dias saindo bem cedinho e chagando a essa hora da noite. - diz olhando no relógio. - Deveria ter um tempo de folga.
- Eu terei. As férias estão chegando e minhas noites serão livres, assim como os meus domingos. Mas amanhã, eu estarei em Berlin. Consegui ser liberada no sábado.
- E o que vai fazer lá? Quero dizer, se puder me contar. - ele fica um pouco constrangido por querer saber.
- Tudo bem, não se preocupa. Irei visitar um campo de concentração. - disse naturalmente.
- Por que visitar um campo de concentração? - ele estranha.
- Por que não visitar um campo de concentração? - devolvo sua pergunta.
- Não é uma prática muito comum entre os alemães.
- Mas garanto que seja dos turistas, acertei?
- Isso é, mas eu não entendo o porquê.
- Muito simples, o fato de estar pisando num momento histórico, deve ser indescritível a sua sensação. - expliquei.
- Não vejo muito sentido já que é uma parte muito triste da nossa história. - Ralf engole seco.
- Ralf, eu sou uma viciada em romances históricos, ou pelo menos era - corrijo-me. - A verdade é que todos os livros como: "A menina que roubava livros", "O diário de Anne Frank", "O menino de pijama listrado", todos me comoveram de algum jeito, mesmo que o local seja diferente. Não sei se porque todas essas histórias envolvem crianças inocentes em suas crenças, ou se porque a mensagem que eles passam me toca de um jeito o qual eu não consigo explicar. - desabafo com os olhos brilhando.
- Deve ser o amor. - ele diz.
- Amor? Não vejo onde ele se encaixa. - rio debochada.
- Tem certeza que leu todos esses livros? - meu porteiro olha desconfiado e eu consinto com a cabeça. - Deve ter pulado essa parte então.
- Eu não duvido que tenha feito isso. Porém, levando em consideração a época com os quais eu li, provavelmente eu fiz questão de esquecer mesmo.
- Pois bem, permita-me refrescar a sua memória. Imagina todas essas crianças. Nenhuma delas tiveram o prazer de se apaixonarem. Se essa sorte tiveram, perderam-se entre a guerra. Veja a meninas que roubava livros, Liesel encontrou o amor tão cedo. Conheceu Rude, um garotinho super carinhoso e atencioso, apaixonado por ela que de todas as formas implorou por um beijo seu. Mas quando finalmente ele conseguiu, seu coração já não batia mais. Imagina como foi para Liesel carregar esse arrependimento para o resto de sua vida, e mais, quanta pena em relação ao garotinho que não teve a oportunidade de sentir que o amor era correspondido.
- "Talvez esse seja um castigo justo para aqueles que não possuem coração: só perceber isso quando não pode mais voltar atrás". - repeti as próprias palavras do livro sem notar que disse em voz alta. Ao pronunciar aquelas palavras meu coração apertou e uma enorme vontade de chorar se alastrou. Chorar, eu havia me tornado uma completa chorona e isso me deixava fraca demais. Respirei fundo e tentei cortar a conversa.
- Exatamente, imagina essas crianças, tudo o que perderam de sua vida. Todos os sonhos não realizados, todos os amores não correspondidos.
- De certa forma elas não sofreram por amor. - dou de ombros.
- Mas sofreram pela falta dele. - conclui seu Ralf.
- Como assim?
- Liza, conhece alguém que não acredita no amor?
- Conheço. Conheço muito bem, inclusive. - sorrio.
- Pergunte a ela se ela feliz.
Por essa eu não esperava. Meu sorriso se desmanchou por completo e eu não conseguia demonstrar nenhuma reação e nem proferir qualquer tipo de resposta nem a Ralf e nem a mim mesma.
- Enfim, outra hora eu pergunto. Agora eu tenho que terminar o trabalho. - rio sem graça e saio em direção ao elevador.
Entrei mais que depressa e implorei para que ele chegasse logo, mas o elevador preferiu parar. Ao abrir, dou de cara com aquele ser extremamente loiro e de aparência tão arrogante.
- Descendo? - ele pergunta.
- Não. Subindo. - respondo sem ânimo.
- Tudo bem, não faz mal. - reviro os olhos - Estava chorando? - ele pergunta.
- O que? Não, imagina.
- Seus olhos estão vermelhos e aqui no cantinho... - ele aponta para o meu canal lacrimal. - tem uma lágrima.
- Não é da sua conta, tá legal! - respondo grosseiramente e saio logo assim que o elevador chega ao meu andar.
- Espera! - ele grita e segura a porta.
- O que foi?
- Não vai me agradecer pelo caderno? - ele ri convencido e era possível notar minha raiva sem muito esforço.
Dei mais um dos meus sorrisos cínicos a ele e saí em direção a minha casa.
Depois de longas horas terminando o trabalho e dando espaço ao sono, a manhã chegou dizendo bom dia e por mais incrível que podia parecer, eu me sentia bem e mais leve. Dei um sorriso sem saber o motivo, mas era como se fosse um pressentimento, e deveria ser bom. Afastei esses pensamentos sem sentidos e fui arrumar minhas coisas para a viagem até Berlim. Meus planos era passar o sábado e ir embora no domingo de manhã, então tentaria aproveitar o máximo.
Eu iria sozinha dessa vez. Eveline disse que estava com alguns problemas e não poderia me acompanhar, preferi não entrar em detalhes.
De avião até Berlim eu demoraria apenas uma hora o que não seria cansativo e eu teria mais tempo para aproveitar. Durante toda a viagem eu pensei nas palavras de Ralf e quase pensei em desistir de prosseguir com a ideia de conhecer Sachesenhausen, mas era algo que eu queria fazer a tanto tempo e decidi que veria por último.
Não tem como ir a Berlim sem passar pela cicatriz onde dividia o país entre a Alemanha Oriental e a Alemanha ocidental. Dois mundos distintos, com ideologias diferentes, mas que viviam sobre um mesmo território, uma mesma cidade, um mesmo país. Eram pessoas com a mesma cultura, com sentimentos, mas divididos pelas suas crenças, porque não eram capazes de se unirem criando um muro entre eles. Parei sobre aquela linha sem atravessar o outro lado. Apenas o encarei. Olhei para o horizonte e era como se Alex estivesse lá. Havia um muro entre nós que eu mesma construí e era preciso coragem suficiente para destruí-lo. Ora, se sua queda representa o fim de uma guerra e o símbolo de unificação, nada melhor do que por um fim no meu passado, um fim nos monstros os quais eu construí, e unir aquilo que se encontra tão dividido. O que eu estou pensando? Quem sou eu nesses últimos dias? Não era mais capaz de me reconhecer, pois por mais que eu estivesse calada, dentro de mim alguma coisa gritava. Eu conseguia enxergar sentimento a cada canto e associar uma coisa a outra e tudo novamente me remetia ao encaracolado. Respirei fundo e fechei os olhos, eu precisava tomar coragem. Lentamente, meu pé direito deu o primeiro passo para atravessar o outro lado. Seria contra as regras? Seria contra meus princípios? Contra a minha ideologia? Mas agora não tinha mais volta, eu já não pisava mais no mesmo lugar.
Depois de passar por todos os cantos da cidade, chegara a hora de ir fazer a minha última visita. Eu podia sentir minhas mãos suando, meu coração pulando, e minha barriga estava um verdadeiro tobogã. Não sabia ao certo o porquê de todo esse nervosismo, mas estava ansiosa. Seria um momento único e totalmente inesquecível.
O lugar, apesar de tudo, estava bem conservado. Nem parecia um cenário tão horrível quanto naquela época, mas a sensação era muito estranha. Cada canto era um sentimento diferente e ao invés de ser tomada por pensamentos ruins, tentei absorver a essência e a mensagem que tudo aquilo transmitia.
Encontrei uma mulher com os olhos cheios de lágrimas e por algum motivo especial, porém, desconhecido, decidi me aproximar.
- Está tudo bem? Parece um pouco abatida.
- Consegue sentir isso? - ela pergunta sem olhar pra mim.
- Isso o quê?
- Todas as vezes que venho a Berlim eu passo aqui. Esse lugar guarda tantos segredos e se você parar para pensar em sua vida, vai perceber que tudo é pequeno diante das coisas que aconteceram aqui.
- Você tem toda razão. Nenhuma dor pode ser tão grande quanto essa. - concordo.
- Sabe, eu fico imaginando todas as coisas bonitas que deveriam ter acontecido, mas que foram interrompidas. - a moça suspira.
- Coisas bonitas? - estranho.
- Eu sei que parece bizarro, mas pense, quantos "eu te amo" não foram ditos nos últimos suspiros? Poderiam não terem dito por palavras, mas pelo coração. Mesmo que provavelmente tenham sido levados a lugares distintos, o coração deles ainda estavam conectados. Eles poderiam não ouvir uns aos outro, mas poderiam sentir. Era com se a alma deles pudessem se libertar de todas as correntes, de todas as cercas e de todos esses muros, e se encontrassem onde quer que estivessem. Consegue pensar assim? - ela pergunta dessa vez olhando para mim.
- Acredito que eles tinham algo mais importante para pensar, como por exemplo, a sobrevivência. Como pensar no amor, quando a qualquer momento você pode não existir?
- Se uma pessoa não tem amor, é como se ela não existisse mesmo. Do que adianta ela ter saúde se o que a mantém viva de alma não existe? O que é o amor senão a fonte de sobrevivência das pessoas? Não existe perda maior do que o amor. Da pessoa que a gente ama. - ela explica.
- Se o amor fosse suficiente, as pessoas não morreriam de câncer ou uma doença qualquer. - pra mim aquela conversa ainda não fazia sentido.
- Mesmo que exista pouco tempo, os últimos segundos em que uma pessoa se sentiu amada, é o suficiente para a vida ter valido a pena. E por mais que não exista mais vida, ela estará eternizada no coração de alguém, ou apenas na memória. Ora, essas pessoas que aqui passaram serão lembradas para todo o sempre. Isso é ser imortal. A falta de amor só te mata aos poucos, mesmo que você ainda esteja aqui, conversando comigo, sua alma está vagando perdida por aí, por isso não consegue tomar um rumo na vida, sua mente fica perdida, perturbada, e seu coração pesado. Resumindo, você fica presa. Pense bem: O que é o amor? - era como se eu estivesse conversando com a minha própria consciência. Encarei o interior de todo aquele campo e soltei as primeiras palavras que me veio em mente:
- "Se ao menos eu pudesse voltar a ser tão distraída, a sentir tanto amor sem saber", provavelmente, eu saberia responder a essa pergunta. - olhei para os lados e eu não mais encontrei a moça ao meu lado.
Teria sido um sonho? Claro que não, ela só desistiu de conversar comigo.
Fiquei olhando as pessoas a minha volta, muitas tinham lágrimas nos olhos, algumas tiravam fotos, outras olhavam o nada, e eu, bem, eu estava perdida.
A viagem de volta foi como um filme. As imagens de tudo o que aconteceu nos últimos tempos se tornaram tão nítidas. O sentimento era novo apesar de já sentido, mas ele estava adormecido. Era como se de uma hora para outra as nuvens se afastassem e nos surpreendesse com o sol. O que está acontecendo comigo? Eu digo o que eu já não mais sinto, mas porque ainda não consigo dizer? Por que ainda parece tão difícil?
Chego ao meu apartamento, louca para um banho e tento a todo custo refrescar minha cabeça, em vão. Andava de um lado para o outro sentindo que deveria tomar uma atitude mesmo sem saber qual seria e isso me corroia. Um toque na campainha me desperta.
- Dona Amélie... Como vai? - pergunto surpresa.
- Eu vou bem. Vejo que chegou de viagem, como foi?
- Muito bem, exceto pelo cansaço. - dou um sorriso contido.
- Deve estar com fome, acabei de fazer um bolo. Posso fazer um café, aceita? - Amélie me convida.
- Não quero atrapalhar.
- Deixe disso, não é trabalho nenhum. Venha. - ela diz segurando minha mão e me levando até sua casa.
O apartamento de Dona Amélie não era tão diferente do meu a levar em consideração a sua mobília. Era típica casa de vovó, um aconchego imenso e sempre um cheirinho de comida pairando sobre o ar. Sorri por me sentir em casa.
- Sente-se minha querida. - Amélie me apontou a cadeira, enquanto ia até a cozinha fazer um café. - Mas me conta, se divertiu na viagem? - ela pergunta voltando à mesa e colocando os pratos e um bolo de baunilha que acabava de sair do forno.
- Acho que eu me emocionei mais do que gostaria. Tenho andando muito sentimental nesses últimos dias. Acho que é falta de costume ainda. - dou de ombros.
- Não seria saudades de casa? - sugere.
- Pode ser, mas eu tenho conversado com minha família e amigos, não com certa frequência, mas acho que o bastante para não sentir tanta falta. - pressiono os lábios.
- É diferente. O contato visual não é tão eficaz quanto o toque. Quanto à pele. - ela corta um pedaço de bolo e me serve.
- Pode ser. - dou de ombros.
- Vou pegar o café, já volto.
Amélie chega com uma garrafa em mãos e só de sentir o cheiro, fico um pouco mais calma.
- O que foi visitar lá?
- Fui onde era o muro, dei uma volta pela cidade e passei por um campo de concentração. - disse levando a xícara até a boca.
- Os turistas tem uma ideia muito estranha. - ela ri - Mas todos dizem que é uma experiência única. O que achou?
- Ultimamente cada canto que eu conheço, cada lugar por onde eu passo, é como se fosse uma nova experiência. Me toca de um jeito estranho. Acho que é por isso que estou tão sensível. - reviro os olhos.
- E isso é bom?
- Eu ainda não me decidi. - como um pedaço de bolo.
- E os rapazes? Gostou de algum. - Amélie sorri esperançosa.
- Sim. Tem muito homens bonitos por aqui, mas, meu coração está fechado no momento.
- Tem haver com aquele rapaz do Brasil?
- Talvez. A verdade é que eu não acredito no amor. - confesso.
- Como?
- Pra mim é como se ele não existisse.
Amélie me encara com o rosto incrédulo. Ela pediu que explicasse a história direito e assim foi. Contei resumidamente procurando detalhar mais a minha história com Bill e o que aconteceu com Alex. Nem percebi que enquanto eu contava, meus olhos estavam encharcados. Minha vizinha prestou atenção em cada palavra, segurou minhas mãos em alguns momentos e ajeitou os óculos em outros. Senti mais leve por poder desabafar com ela.
- Minha filha, depois de tudo o que você me contou, fica mais fácil de te entender, mas ainda assim, nem tudo está perdido. O amor deixou de existir a partir do momento em que você deixou de acreditar. Não culpe esse sentimento tão bonito pelos erros humanos.
- Agora sou eu quem não entendi. - confessei novamente.
- O amor é lindo em todas as suas formas e essências, mas as pessoas podem não ser bonitas por dentro. Esse tal de Bill, não tinha amor no coração, do contrário ele não faria o que fez, entende.
Faço que sim com a cabeça, mas ainda faltavam alguns pontos nos "is".
- Tenho certeza que o rapaz que você deixou tem muito mais amor no coração para lhe oferecer. - ela continuou.
- Sabe, pode até ser que o amor exista. Mas até quando? Por exemplo, meus pais. Me lembro que eram um casal apaixonados um pelo o outro e agora estão separados. Não quero ter que passar por isso, por mais que eu vá trabalhar com isso.
- Liza, não se pode prever o futuro, querida. - ela diz.
- Alex disse a mesma coisa. - solto um riso leve.
- E ele está certo. Na vida não temos certeza de nada, mas temos que ir vivendo-a para saber o final da história.
- Mas e se o final não for feliz?
- Liza, a felicidade depende daquilo que buscamos durante a nossa trajetória.
- Mas... Você disse que seu marido viajava muito, você não tinha medo de... - fico receosa em dizer tais palavras.
- Dele me trair? - elas as completa e eu confirmo. – Se a cada coisa que vamos fazer ou cada coisa que acontecer temermos as consequências, morreremos aos poucos. E amor significa liberdade. Claro que não podemos ceder muito, mas segurar demais também não ajuda. Amar é ver o outro feliz, porque o sorriso da outra pessoa é o seu sorriso. Eu e meu marido nos conhecemos logo que a guerra havia cessado e a Alemanha tentava se reerguer. Nos apaixonamos perdidamente e nos víamos poucas vezes devido ao seu trabalho. Em muitos momentos eu fiquei insegura do que poderia acontecer e entramos num acordo. Se ambos encontrássemos outra pessoa no meio do caminho, iríamos ser honestos um com o outro e dizer o que se passava. Mas a cima de tudo, eu tinha a certeza de que ele me amava, e por mais que algo do tipo pudesse acontecer, em algum momento, ele me trouxe felicidade. O perdão vai de cada pessoa. Se Albert já me traiu, eu não soube. A certeza que eu tenho é que apesar de todo esse tempo, eu ainda o amo como antigamente, porque ele se dedicou a mim e eu me dediquei a ele. Por mais distante que pudéssemos estar o amor nos guiou, nos conduziu para que ao final da estrada estivéssemos aqui. O segredo de um bom relacionamento é jamais deixar de lado a sua essência. Pense Liza, como você se sente nesse momento? Talvez toda essa sensibilidade tenha servido pra te dizer que durante todo esse tempo, você amou Alex.
Engulo seco por não saber o que dizer naquele momento, apenas gaguejo algumas palavras.
- Eu... Eu... O Alex, eu sinto algo quando estou com ele. É uma coisa que eu não sei explicar.
- Isso é amor Liza. Diga a ele que você o ama. Liberte-se, pois é possível ver em seus olhos o quanto está sufocada.
- Mas e se... E se ele tiver encontrado alguém nesse meio tempo? Ou ele pode estar me odiando neste exato momento. Aliás, já faz mais de meses que não nos vemos, muita coisa pode ter acontecido. Ele pode ter deixado de me amar e... eu não vou suportar se ele tiver me esquecido. - choro desabafando.
- O amor, Liza, ele é eterno simplesmente porque ficará para sempre nas lembranças. Mesmo que o sentimento não seja tão intenso quanto antes, ele permanecerá como um momento bom e você poderá sorrir todas as vezes que se lembrar. Assim como eu tenho certeza que está acontecendo agora.
- Mesmo assim, dói, machuca. Eu tenho medo do que possa acontecer. Como vou dizer que esse tempo todo eu o amei se... - fico assustada. - Meu Deus, o que foi que eu disse? - a essa altura meu rosto parecia ter sido imerso numa banheira cheia d'água.
- Você acabou de dizer que o ama. Vamos, Liza. Não é tão difícil.
- Droga. - soltei sem pensar. - Ficarei vulnerável. Fraca, por dizer aquilo que eu sinto. Agora ninguém vai pensar duas vezes antes de querer me atingir. - estava totalmente aflita.
- Liza, esconder os sentimentos não nos faz mais forte. Pelo contrário, nos deixa mais enfraquecidos do que nunca. Me responde uma coisa: todos esses sentimentos guardados dentro de você, não te sufoca? Não te prende? Não te traz perguntas sem respostas? Não te deixa acordada quando deveria estar dormindo? Tudo isso começa a desgastar o corpo humano. De que adianta ter uma carreira brilhante se o coração está frágil. Pense, Liza, você está feliz neste momento?
Começo a chorar sem parar. As palavras de Amélie entravam em minha cabeça fazendo um sentido absurdo. Minhas mãos estavam trêmulas, e as respostas às suas perguntas surgiram sem muito esforço.
- Liza, se lembra da última vez que sentiu feliz de verdade? - Dona Amélie continua.
Vasculhei em minha mente e sem sombra de dúvidas foi a minha primeira vez com o Alex. Aliás, a minha felicidade estava com ele todo aquele tempo e fugir de tudo aquilo era devastador.
Numa mistura de nervosismo e ansiedade, eu tinha que fazer alguma coisa. Qualquer coisa. Tinha que tentar de todas as formas e de todos os jeitos.
- Eu preciso resolver um assunto. - digo me levantando, mas paro no meio do caminho. - Obrigada Dona Amélie. - sorrio a ela e vou em direção ao meu apartamento.
Eu tinha que falar com o Alex, eu precisava de todo jeito dizer a ele o que eu estava sentindo, mesmo estando com medo de sua reação, mas o fato de finalmente não sentir mais dúvidas, já me tirava um grande peso das minhas costas. Antes de mais nada, era preciso saber como andava as coisas, eu não poderia simplesmente desistir de tudo e ir embora achando que as coisas fossem se resolver naturalmente. Até porque, são onze meses, muita coisa poderia acontecer. Se eu mandasse uma carta iria demorar muito tempo. Telefonemas e mensagens de texto no celular de nada adiantariam, pois com certeza ele teria me bloqueado. A minha vontade de tentar era tão grande, que eu nem tinha pensando na possibilidade de mandar um simples e-mail, quando então essa ideia surgiu.
Peguei o notebook e encarei a página de e-mail por longos segundos. O começo era uma incógnita e meus dedos balançavam sobre o teclado em busca das palavras. Pensei algumas vezes em desistir, pois neste momento seria tarde demais, mas se uma coisa eu aprendi antes de ser a Liza insensível, é que nunca é tarde para dizer o que pensa.
Digitei e apaguei várias vezes. Há tanto tempo escondendo os sentimentos, que estava desacostumada com tudo aquilo. Fechei os olhos e me lembrei de todos os nossos momentos juntos, eu não sabia sorria ou se chorava e optei pelos dois. Foi assim que surgiram as primeiras palavras.
"Querido Alex,
Como vai? Espero que esteja bem, e espero que não me odeie pela minha decisão. Desculpe entrar em contato somente agora, mas você mais do que ninguém, sabe o quanto eu sou uma covarde. Porém, neste momento, eu decidi encarar meus medos e seguir em frente.
Você deve imaginar que eu simplesmente o ignorei e não me importei com seus sentimentos. Mas eu te garanto Alex, não foi fácil para mim, também. Todo o seu sofrimento era o meu sofrimento e todas as vezes que imaginava aquele dia chegando, eu sentia todo o meu corpo ser corroído por dentro.
Eu só queria que você soubesse que logo quando você parou por aquela porta no primeiro dia de aula, meu coração vibrou desesperado, e num impulso eu fiz o que eu sabia fazer de melhor: fugir. Fugi, porque aquele sentimento era perigoso e eu queria de todos os jeitos, ficar longe de você, mas as coincidências foram tantas que ficamos mais pertos a cada dia.
A verdade era que eu tinha raiva de você por fazer meu coração saltar. Eu queria que você fosse arrogante e idiota para me afastar de você, mesmo eu desejando que viesse falar comigo. Eu não queria mais ver você, mesmo te levando em meus pensamentos. Eu queria que você fosse embora, mesmo pedindo internamente para que voltasse. Queria me livrar da sua respiração mesmo que minhas pernas estivessem fixas ao chão. Eu queria te bater várias vezes com todas as forças pelas coisas idiotas, as quais já disse, só pra fazer um carinho em seu rosto em seguida. Eu não queria te beijar, implorando para que você fizesse isso a força, nem te tocar, mesmo necessitando do seu abraço. Não queria que você enxergasse minhas dores, mesmo implorando pelo seu colo. Eu te queria longe, mesmo te desejando tão perto. Eu te odiei, mesmo te amando incondicionalmente.
Eu queria a sua felicidade, mesmo acreditando que ela não estaria comigo. Sempre quis o melhor para você achando que eu não poderia oferecer nada comparável ao que você me dava e seria egoísmo demais da minha parte só receber, sem poder dar.
Achei que o melhor a ser feito era ir embora. Eu precisava descobrir o amor, pra eu poder te amar do jeito como você gostaria. Eu sentia você em cada canto, eu sentia seu cheiro em cada perfume, e chamava pelo seu nome em todos os meus sonhos, me lembrava de você a cada esquina e imaginava o quão bom seria você do meu lado. Mesmo estando tão distantes, você nunca esteve tão próximo.
Não espero que me perdoe, mas o fato de eu poder dizer que todo esse tempo eu te amei me gera um alívio imenso. Sim, eu te amo. Amei desde o começo e amo a cada dia, mesmo tendo demorado tanto tempo para finalmente poder dizer isso, mesmo que infelizmente você não possa me escutar.
Mas se o seu sentimento ainda estiver dentro de você, se sua proposta ainda estiver de pé de enfrentar o seu medo de avião para vir atrás de mim, eu estarei te esperando de braços abertos, mas se for o caso eu largo tudo aqui na Alemanha e vou até você, porque como você mesmo disse, não faz sentido viver num mundo onde você não existe.
Com amor, Liza".
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