Capítulo 26
De todos os alemães que eu já havia conhecido e conversado, sem nenhuma sombra de dúvida, aquele garoto era o mais insuportável. Ele tinha capacidade de me tirar do sério e mais ainda, o fato dele me lembrar Alex me atormentava dia e noite. Apesar de não serem nem um pouco parecidos fisicamente, exceto pelos olhos, a personalidade também não ajudava, mas a nossa relação desde quando eu o encontrei muito se assemelha de quando eu conheci meu encaracolado. Meu? Pois é, já fazia seis meses que eu não o via e por mais que eu achasse que longe eu acabaria me esquecendo dele, acontece que nesse poucos dias na Alemanha as lembranças se tornaram ainda mais fortes, e em nada ajuda um dos moradores do mesmo prédio que eu, me fazer lembrar dele. Mas Alex é o Alex, com todo o seu jeitinho inigualável. Engraçado que até as coisas mais insignificantes me faziam me lembrar dele.
Final de semana chegou lentamente. Fora a semana mais devagar que já tinha presenciado. Mesmo se acostumando aos poucos com o fuso horário e alguns hábitos dos alemães e mesmo ter feito amizade com Eveline, parecia que ainda faltava alguma coisa, como se algo estivesse fora do lugar. Estava contando que uma viagem para Munique me animasse e me fizesse esquecer toda essa agonia
A viagem iria durar em torno de três horas e alguns minutos. O pai de Eveline era um senhor de barbas brancas e os olhos bem azuis. Os cabelos eram grisalhos e tudo estava perfeitamente alinhado. Ele usava uma camiseta amarela e uma bermuda branca, assim como um crachá no pescoço.
Eveline me contava de todas as suas viagens e de todo os lugares, o qual já havia visitado e que me levaria a maior parte deles. Ela era bem maluquinha, mas era uma boa amiga e conversava com todo mundo sem nem se importar com o que outros pensam, e dizia o que sentia. Tão diferente de mim e eu tinha certa inveja da sua espontaneidade.
- Munique tem vários lugares para se visitar. Um mais lindo que o outro. Mas quero te mostrar um lugar que é o meu preferido, aliás, é o lugar preferido de todas as garotas. - falou Eveline.
-E que lugar seria esse? - pergunto.
- É uma surpresa, mas garanto que você vai gostar.
Respirei fundo concordando.
Andar pelas ruas da Alemanha era como estar num sonho. A arquitetura das casas, dos prédios, totalmente diferentes das do Brasil. O clarão que tocava as paredes dava às paisagens um brilho único, uma vista ainda mais maravilhosa, e eu estava apaixonada por todo aquele lugar.
O pai de Eveline nos deixou num jardim e pediu para na volta nos encontrarmos aqui. O Hofgarten tinha calçadas arborizadas com amoreiras, fontes ornamentais e pomares de frutas. Alguns bancos espalhados onde as pessoas ficavam para tomar sol e colocar a conversa em dia, ou tomar um simples café, e em cada banco tinha um plaquinha cravada na madeira como uma espécie de dedicatória às pessoas queridas. Muitas pessoas faziam um piquenique com suas famílias e por um instante aquela cena me comoveu. Eu não tinha uma família feliz assim, e provavelmente não construiria uma. Porém o fato de ver todos eles felizes, rindo, transcendia paz e acabei por dar um leve sorriso ao ver aquela cena. Nada os desagradavam, riam sem parar, a filha do casal brincava com a sua boneca, e o garotinho corria com o seu avião tendo a companhia do seu cachorro. O marido aproveitava para por um morango na boca de sua esposa, que riu depois de fazer uma careta. Seria uma foto e tanto e consegui imaginar minha família ali, por mais que aquela realidade estivesse tão longe de acontecer, era agradável de se pensar.
Vi casais andando de mãos dadas e tirando fotos lindas perto do chafariz, foi quando me dei conta que um pouco mais de um ano atrás estava eu fazendo o mesmo com o encaracolado. Por mais que em algum momento eu perdesse aquelas fotos, elas estavam totalmente nítidas em minha mente.
- Vem! Vou te levar ao Dianatempel, sempre tem alguém tocando música. - Eveline me pegou pela mão e me levou até uma espécie de templo que ficava bem no centro do jardim. Sua construção era baseada em arcos e seu interior era repleto de mosaicos. Dentro, tinha uma pessoa tocando um violino e eu inconscientemente parei para ouvi-lo.
- Adoro música clássica. Você gosta? - Eveline me pergunta, mas eu não dou muita atenção.
Aquela música penetrava aos meus ouvidos e aquilo me soava familiar. Eu nunca gostei muito de música clássica, mas aquela de certa forma me chamou atenção.
- Ei, estou falando com você. - minha nova amiga tentou novamente.
- Desculpa, o que você disse?
- Onde você estava? - ela ri. - Disse que gosto de música clássica e perguntei se você também gostava.
- Não muito. - respondo sem olhar para ela.
- Como não gostar de música clássica? É relaxante, você deveria experimentar.
E então, sem que eu me desse conta me veio um flashback.
"Música clássica? - perguntei incrédula.
Alex me olhou de canto de e olho e riu.
- Ah, para, é bom pra relaxar.
- Sério? Você não parece uma cara que curte música clássica.
- Eu gosto de vários estilos. Mas a clássica me relaxa. É cultura.
Levantei minhas duas sobrancelhas e balancei a cabeça, achando bizarro seu gosto musical.
-Deve fazer dormir mesmo. Porque elas são sempre lentas e monótonas.
- Como pode dizer isso? São maravilhosas. Sabe, você bem que podia ouvir um pouco de vez em quando, quem sabe acalma seus nervos.
- Ta dizendo que eu sou nervosa?
- Imagina, quem sou eu pra dizer uma coisa dessas? Você é tão doce.
- Seu sarcasmo é tão convincente - reviro os olhos".
Senti meus olhos pesarem e os apertei para impedir que as lágrimas descessem.
- Apagou de novo, foi?
- Desculpa Eve, mas essa música, fiquei comovida, aliás tudo aqui me traz lembranças boas.
- E isso é bom? - ela pergunta.
- Ainda não sei. De certa forma acaba me prendendo.
- Então vamos aproveitar que ainda temos muitos lugares para serem visitados. - ela diz e eu a acompanho. - Mas antes, vamos comer alguma coisa.
- Que música é essa? - pergunto.
- Isso minha amiga, é Beethoven, sonata ao luar.
Paramos para comer em restaurante bem próximo ao hofgarten. Uma das comidas típicas da Alemanha é a carne de porco, de tudo quanto é jeito a ser feita, mas uma variedade imensa de pratos existia naquele restaurante, preferi um cozido de batatas enquanto Eveline partiu para os chucrutes, o qual eu olhei com certa repulsa.
Após me servir, optei por um lugar que eu pudesse continuar vendo com mais precisão os acontecimentos em hofgarten. Tudo era tão agradável. Eveline sentou-se ao meu lado sem dizer uma palavra, assim como Kate deveria ser obcecada por comida.
Viro-me para o lado e posso ver a figura ilustre do meu companheiro de sala e do meu vizinho que almoçava tranquilamente. Revirei os olhos e minha amiga percebeu.
- O que houve?
- Temos conhecidos aqui.
- Onde? - ela ergue o pescoço e começa a olhar para todos os lados.
- Disfarça. - aponto discretamente com o polegar para ele.
- Huum, é o Franz.
- Franz? Então é esse o nome dele? - falo com total arrogância.
- Qual é o seu problema com ele?
- Nada, só não suporto vê-lo. Acredita que eu esbarrei nele duas vezes sem querer e ele foi o maior grosso. Pedi desculpa e ele nem ligou.
- Relaxa, deve ter sido uma má impressão. Ele é um cara bacana. - Eveline o defende.
- Tanto faz. - dou de ombros.
Franz se levanta passando por nós e eu finjo não vê-lo.
- E aí Franz, como vai? - Eveline o cumprimenta.
- Tudo certo Eve. Passeando?
- Vim trazer minha mais nova amiga para conhecer a Alemanha. - ela responde.
Ele me olha e dá o sorriso mais cínico possível, e eu retribuo com um melhor ainda. De certo modo ele se afastou.
- Bem, acho que ele não foi com a minha cara. - concluo.
- Já que conhecemos boa parte da cidade, chegou o grande momento. Consegui dois bilhetes para o castelo de neuschwanstein. O único problema é que teremos que pegar um ônibus para ir até Fussen, mas o bom disso tudo é que passaremos pela rota romântica. - Eveline me contava toda animada.
- Rota romântica? Como assim? - Franzo o cenho.
- Rota romântica é um lugar maravilhoso. Seria um bom cenário para ir com o namorado, mas tem muitos homens nada românticos. - ela faz uma careta. - Então fica na companhia das amigas mesmo. Você vai amar, parece que você está vivendo num verdadeiro conto de fadas. Foi construída pelo governo para mostrar que a Alemanha não é somente guerra, mas que os alemães também possuem coração. Foi uma forma que eles acharam para atrair os turistas. - explicou-me.
- Você disse conto de fadas? - sinto meu estômago embrulhar.
- Sim, não é o máximo?
- Claro. - dou um sorriso forçado. - Mas ainda acho que seria melhor vir com um namorado. Será mais emocionante.
- Liza! Agora já comprei os bilhetes, vamos, vai ser divertido. - ela me puxa e entramos no ônibus.
A rota romântica cruza várias cidades, nos fazendo passar por aldeias pitorescas e castelos medievais. Criada na Idade Média, a rota ainda conta com uma bela paisagem medieval e, claro, as típicas casinhas com as características próprias da Alemanha, o que deixa a estrada realmente romântica.
Fussen é a cidade dos contos de fadas. A cidade possui ruas medievais e igrejas no estilo barroco, tudo realmente lembrava um conto de fadas. Depois de quase duas horas estávamos quase chegando.
- Olha ali, Liza, está vendo? - Eveline me aponta a um castelo onde era possível ver apenas parte dele.
- Sim estou. O que tem demais?
- Sua boba, olhe com mais atenção, é o castelo de Neuschwanstein. Te lembra alguma coisa? - Eve me pergunta esperançosa.
Conforme o ônibus foi se aproximando todas aquelas árvores do topo da montanha iam sumindo, pude ver o castelo com mais precisão. Uma viciada em histórias de princesa que possuía a coleção inteira de livros e fitas de vídeo, certamente saberia identificar aquele castelo. Era o mesmo da Cinderela, e podia cogitar semelhança com o da Bela Adormecida, o mesmo jeito, a mesma decoração, o mesmo desenho. Eu não sabia descrever meus sentimentos e nem esbanjar qualquer tipo de reação.
- É lindo, não é? O ônibus chegou, vamos até lá. - Eveline ia descendo do ônibus e eu como estava em choque demorei mais do que devia para descer.
- Não sabia que isso existia. - confesso com os pés já sobre a calçada.
- Ainda bem que existe. - ela ri. O único problema é ter que subir tudo isso pra se chegar até lá. Eles deveriam providenciar uma carruagem, acho mais que justo.
- Só falta agora você me dizer que quer receber um convite de um príncipe encantado para participar de um baile no castelo.
- Não seria nada mal. - Eveline sorriu com a ideia. - Uma pena serem somente histórias, mas acredito que se fossem verdadeiras, eu não teria a mesma sorte que a Cinderela e seria a gata borralheira para sempre. - diz debochada e ri em seguida assim como eu.
Quanto mais andávamos, mais eu sentia um frio na barriga. Minha vontade era de sair dali, mas Eveline não me deixaria partir. Estava emocionada no mesmo tempo que angustiada com toda aquela sensação por estar pisando no cenário que serviu de inspiração a um dos contos de fadas mais famosos.
Vir para Alemanha era um encontro com surpresas a cada instante, cada vez mais eu me identificava com o lugar e eu sabia mais do que ninguém que ela tinha muito a me ensinar e pela primeira vez eu me senti disposta a aprender. Respirei fundo e controlei a vontade de chorar várias vezes tentando me concentrar no que Eveline me contava, mas foi inevitável não deixar uma lágrima escorrer assim que me deparei com o interior do castelo.
Emoção maior não existia. Fiquei parada contemplando aquele ambiente e imaginando a história como se a mesma estivesse na minha frente naquele exato momento. Toda a decoração, cada pedacinho, todo aquele imenso salão, era possível imaginar todos da mais alta realeza em suas festas, dançando com suas vestes caríssimas e extremamente elegantes. As princesas com seus vestidos e tiaras, e claro o sapatinho de cristal. Minhas mãos tremiam e não contive um riso abafado, no mesmo tempo que sentia o rosto molhado.
Pela primeira vez, depois de tanto tempo, eu não debochei de tudo aquilo. Meu coração gritava, sapateava, pulava e sambava dentro de mim. Todas as sensações de uma só vez e era como seu tivesse voltado a ser aquela garotinha que sonhava em colocar um vestido de princesa, que por tantas vezes suspirou pensando que um dos setes rapazes da sua vida seria seu eterno príncipe encantado. De repente, não era a Liza de agora, mas sim a Liza de antes, a qual tinha prazer em sorrir, que abraçava a todos a sua volta, a qual era doce com todo mundo. A Liza ingênua que por tantas vezes fora magoada. A Liza que acreditava no amor.
- Só imagina, você usando aquele vestido maravilhoso com um lindo príncipe te segurando e mostrando a todos o quanto você é a mais bela de todo o reino. Ele te conduz pelo salão e vocês dançam completamente apaixonados um pelo outro. Sinta a sintonia, a vibração entre os corpos e a grande sensação de sentir o beijo do seu amor verdadeiro. - Eveline dançava pelo pátio e suspirava feito uma garotinha, enquanto eu chorava, sem nenhuma contenção. Dei espaço para as lágrimas saírem e elas faziam seu papel perfeitamente. Eveline me olhou preocupada e se aproximou.
- Ei, o que houve com você? Por que está chorando tanto?
- Desculpa. – soluço. - Só fiquei emocionada com toda essa cena. - digo limpando as lágrimas e com a voz embargada.
- Por que não me conta o que se passa? - ela segura as minhas mãos.
- Não, eu vou ficar bem, eu prometo. Só... me dê alguns minutos. - Eveline me abraça sem dizer uma palavra sequer e era tudo o que eu precisava.
Conhecemos o castelo inteiro e eu sentia meu coração saltar a cada cômodo. Sentia como se a fantasia pudesse se tornar realidade e era tão bom pensar assim, afinal até você acordar e perceber que tudo era um sonho, você sorriu várias vezes. Abracei-me por um instante, eu queria viver tudo aquilo. Queria viver um amor verdadeiro, queria acreditar que fosse possível.
Na volta para casa eu não soltei uma única palavra. Eveline e seu pai cantavam uma música em alemão que dizia mais ou menos: "Enquanto nossos corações nos guiarem, isso permanecerá assim para sempre. Viva aquilo que está a nossa frente , vai ser melhor para nós. Viva aquilo que nos une, por este momento, por esta vida que permanecerá, agora e para sempre".
Esse trecho da música penetrou em minha mente e tudo o que eu fazia eu me pegava cantarolando o mesmo trecho. Ela tinha uma batida gostosa e grudava facilmente, e de um jeito ou de outro, a letra me tocava.
A visita ao castelo da Cinderela me gerou noites sem dormir e olheiras gigantes, consequentemente um mau humor durante um bom tempo. Eu sonhava com todas as histórias desde o começo e cada dia era um conto de fadas diferentes, em que eu era sempre a princesa e Alex sempre o príncipe.
Era possível me ver com as vestes de uma camponesa colhendo flores obre o jardim, enquanto um belo cavalheiro de cabelos encaracolados e com os olhos mais verdes, os quais eu já tinha visto, e com o sorriso que iluminava todo o meu coração passasse e me notasse. Éramos tão diferentes, mas compartilhávamos do mesmo sentimento, quando naquele instante, nossos olhos se encontraram. Ele se aproximou e começamos a conversar, andamos pelo jardim e mesmo ele sendo da alta realeza não se intimidou em passar o dia com uma plebeia. Nós podíamos nadar na cachoeira e correr pela praia, poderíamos provocar um ao outro e se lambuzar ao comer nossas comidas preferidas. No final eu certamente receberia um convite para o baile, e com ajuda da minha fada madrinha, eu teria o melhor vestido de todos. Alex estaria ali, esperando-me sorridente e com os olhos brilhando enquanto eu ia ao seu encontro e me jogaria em seus braços, e ele diria o quanto eu estava linda. Seguraria minhas mãos e me levaria ao centro do salão do seu castelo tendo orgulho em me apresentar a seus familiares e amigos. Dançaríamos como se não houvesse amanhã, e ele me beijaria no final da música fazendo a declaração mais bonita, e sempre que eu tinha que dar uma resposta, eu abria os olhos.
Acordava às quatro da manhã e não conseguia mais pegar no sono virando de um lado para o outro. Em alguns momentos eu pegava o celular e via a nossa foto, sentindo falta de tudo aquilo, e por mais que eu me sentisse diferente eu não estava completa. Tentei seguir o conselho de todos os amantes de música clássica, mas a cada toque me vinha alguma ocasião entre mim e Alex. Eu queria esquecê-lo, eu tinha que esquecê-lo, do contrário eu ia acabar enlouquecendo, porém a cada sonho, a cada dia, era como se estivéssemos cada vez mais próximos. É como na música, aquilo que nos une. E por mais que eu tentasse entender, a minha cabeça dizia uma coisa quando meu coração dizia outra completamente diferente. Por mais que eu dissesse a mim mesma que não, que tudo aquilo continuava a ser uma tremenda bobagem, por mais que repetisse que o amor não existe inúmeras vezes em voz alta, meu coração dizia que meu conto de fadas estava cada vez mais próximo.
aSrh4
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