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Se necessitasse contar, não saberia dizer quando tudo começou. Em que momento senti as coisas que sentia, não sabia explicar. Os sentimentos que me invadiam, não tinham nomes e muito menos morada. Eles estavam presentes, me guiando por algo maior, por algo chamado espaço e tempo. O espaço e o tempo entre nós, era a qualidade daquilo que estávamos vivendo juntos. Kim me deu sorrisos e arrepios, me fez ponderar gestos e ao mesmo tempo, impulsionou comportamentos reprimidos.

Passar momentos ao seu lado, agora, era sinônimo de aventura. Sempre que ele contava uma história, a minha mente conseguia se aventurar em suas palavras e aceitava os seus gestos como realidade. Por vezes, esperava um outro gesto da minha parte e em outros momentos, estes gestos não me esperavam para reagir, demonstrando o que eu sentia. Os seus olhos me guiaram por horizontes cheios de brilho e curiosidade, e a sua boca nos guiava por um momento chamado tranquilidade.

Os meus sorrisos ecoavam com responsabilidade e o fazia navegar pela mistura de sentimentos que sentia em cada dobrinha do meu rosto. As gargalhadas e barulhos estranhos que fazíamos, era energia para outro momento divertido e cheio de mágica.

— Não me lembro a última vez que me diverti assim. – comentou, quebrando o pequeno silêncio entre nós. — Me sinto bem em sua presença.

— Preciso confessar que também me sinto assim. – ele sorriu e me olhou. — Você me passa segurança e eu gosto de seguir esse sentimento.

— Estou seguindo os sentimentos que encontrei ao te conhecer. – respondeu olhando em meus olhos. — Eles me deram confiança e ao mesmo tempo, coragem. Estar ao seu lado para mim, é sinónimo de coragem e vontade de viver. – senti um nó na garganta ao ouvir.

— Você fala como se antes, não houvesse mais nada e nem sentimentos. – comentei, desviando o meu olhar.

Taehyung ponderou as suas palavras e respirou fundo, pude ver pelo canto dos meus olhos que ele organizava a sua mente em momentos únicos. Não queria lhe causar dores, mas queria saber o significado das suas palavras em todos os sentidos. Queria saber onde estava o seu coração e por qual motivo, ele se encontrava tão ferido.

— O meu medo, é você não se importar com o que eu tenho para dizer. – comentou baixinho, abaixando a sua cabeça. — Nem todas as pessoas se importam com o sofrimento alheio.

— O seu sofrimento não é alheio, e por estar aqui, demonstro que quero e necessito saber. – murmurei.

— Sempre pensei saber tudo. – disse respirando fundo em seguida. — A vida que tanto amava e apreciava, deixou de ser algo bom. Por mais que procurasse momentos e significado, nunca os encontrei. Após uma certa idade, aquilo que você acredita ser certo, se torna errado e as pessoas que eram confiáveis, se tornam inimigos e você, desiste de você. – a dor em suas palavras me emocionaram.

Respirei fundo ao ouvir.

— Se compartilhasse com o mundo tudo o que tenho, somente os meus bens materiais seriam vistos e aceitos. – prosseguiu. — Como os conquistei e todos os momentos que perdi para os ter, realmente não importa para o mundo em que vivo. Lembro de sentir falta da monotonia, e ao mesmo tempo desejar nunca mais senti-la.

— O que tanto feriu a sua alma? – me atrevi a perguntar.

— A minha alma vem sofrendo alterações diárias, ela foi moldada por meus pais. Segui valores importantes até a minha adolescência e por algum motivo, após deixar os meus pais, deixei os seus valores. – não entendia bem, mas escutaria com atenção. — Lembro de desejar ser livre, pois, onde eu morava a liberdade era sinónimo de loucura.

Não conhecia o homem ao meu lado, mas entendia os seus sentimentos e algumas das suas palavras descreviam exatamente os sentimentos que eu também sentia dentro de mim. De alguma forma, ambos momentos, estavam interligados por palavras e situações que nunca poderemos compartilhar. Para ele, liberdade era sinónimo de loucura e para mim, era sinónimo de morte.

— Seoul se tornou pequena. – ele falava sem esperar. — Toda a imensidão que eu amava e queria viver, deixou de ser algo bom. Estar com pessoas e me obrigar a viver, era o que menos me atraia no momento. Nunca pensei chegar neste momento, mas me vi preso nele por vários anos. – pude ver que a sua respiração oscilava. — Os anos que dediquei à minha carreira foram jogados ao vento e tudo o que consegui, me deixava triste e me empurrava para um fim distante.

Taehyung descrevia sentimentos que eu conhecia, mas não sabia decifrar. As suas palavras soaram minhas e tudo era conhecido, porém, sentido de outra forma.

— Quando decidi que não queria mais, era tarde. – senti o meu coração apertar. — As minhas decisões não podiam ser revogadas, assim como não podia quebrar contratos e sou para sempre, obrigado a continuar nesta jornada que tanto fere o meu coração. – respirei fundo ao ouvir. — Também era tarde para procurar por ajuda, por mais que tentasse, ninguém conseguiria me ajudar ou me guiar por caminhos diferentes.

As suas palavras arrancavam pedaços de mim e por suas expressões, dele também.

— Então, cheguei à conclusão que não queria mais. – tremi ao ouvir. — Decidi que tentar não ajudaria e que eu estava cansado. Me sinto cansado, exausto. A minha vida não me proporciona felicidade e mesmo que tente, todos os sentimentos ruins, estão sendo carregados por ombros que não possuem culpa em minha dor. – ele fez uma breve pausa antes de continuar. — Estabelecer um prazo, sempre me ajudou a concluir algumas tarefas e talvez eu precisasse fazer isso com a minha vida. – Taehyung desviou o seu olhar para o horizonte.

— Continue. – sussurrei, apoiando a minha mão sobre o seu ombro.

— Sempre que pensava em colocar o meu plano em prática, algo me impedia. – continuou. — O mundo sempre se envolvia e me deixava sem forças para tentar. E então, prolongava o prazo que inicialmente era a minha saída e o meu fim. No fundo, não estava preparado para deixar todas as pessoas boas que conhecia e não queria lhes causar dor.

Outro breve silêncio se fez, esperaria pela conclusão das suas palavras. No entanto, o meu coração já sofria ao saber do sofrimento que ele carregava consigo. Queria saber mais sobre o homem que me encantou, mas acredito não estar preparada para aceitar o seu fim, assim como ele.

— Eu gosto muito de me mover de acordo com o tempo, a mãe natureza é uma orientação digna de qualquer amante. Se você prestar atenção em tudo o que ela proporciona, consegue decifrar momentos que somente olhos puros conseguem ver. – franzi o sobrolho ao ouvir. — Então, segui os seus ensinamentos e deixei que o momento me guiasse pelos sentimentos que eu queria sentir.

— Eu sinto muito pela sua dor. – as minhas palavras saíram sem a autorização do meu cérebro, o meu coração sentia a sua dor e eu precisava compartilhar isso.

— Todas as noites, eu vinha aqui. – continuou ignorando o que disse. — Gostava de desenhar as pessoas, os momentos e guardar em minha mente tudo o que via. Por fora pareço vazio, mas por dentro, a imensidão me invade e me faz documentar tudo aquilo que me acalma. – as suas palavras eram tão lindas. — Em uma destas noites, eu vi um rosto diferente. – tremi ao ouvir. — Nesta noite, eu estava aflito, desesperado.

Um suspiro ecoou e ele voltou a abaixar a sua cabeça.

— Os meus passos eram descoordenados e o meu coração batia aceleradamente. Lembro de correr e de andar, mas nada acalmava a ansiedade em mim e então, me obriguei a sentar e a observar. – senti um arrepio. — Queria um fim e estava decidido a ter um, o meu sofrimento não podia ser parte de mim e precisava me livrar da dor. Porém, não sabia quando fazer. Mesmo possuindo métodos, eu estava com medo. – outro suspiro forte se fez ouvir. — As minhas pernas tremiam e o meu coração batia tão forte que eu o sentia na garganta, e isso também me causava dor.

Não conseguia proferir nada.

— Após repensar tudo e revisar todos os momentos, decidi que sim. – prosseguiu. — Tinha o lugar perfeito e havia contemplado felicidade para poder levar comigo, isso seria algo para me agarrar quando não estivesse mais aqui. Quando penso em morte, penso em algo imenso e independente. É algo que você sabe como completar e tornar seu, sabe? – sim, sabia. — No entanto, quando tive a morte em minhas mãos, mudei de ideias. Eu precisava me despedir de alguém. – ele me olhou e sorriu de canto. — Sempre me achei uma boa pessoa e alguém interessante, sempre fui muito curioso e sempre gostei de ensinar aos outros, o que me ensinaram. – senti lágrimas invadirem os meus olhos. — Antes de ir, eu queria compartilhar um pouco de mim, mesmo que pouco.

Respirei fundo e tentei conter as minhas emoções, não queria chorar em sua frente.

— Então, voltei a procurar. Queria alguém para me despedir, alguém que soubesse ou sentisse o que eu era, mesmo que por pouco tempo. No entanto, não podia escolher qualquer pessoa, pois, qualquer pessoa não saberia decifrar os momentos em minhas palavras. Se escolhesse qualquer um, a minha existência seria apenas uma existência e não algo marcado pela vida. – ele respirou fundo, mas manteve o seu olhar em minha direção. — No fundo, queria ser lembrado por um estranho, que ao ver a notícia, se lembrasse do meu rosto e entendesse que eu não aguentava mais e por isso, compartilhava a minha vida. – segurava as minhas lágrimas com força. — Então, avistei você. – o meu coração acelerou. — Sentada aqui neste banco.

Taehyung tinha os olhos cheios de lágrimas e sem descrição, elas desceram por seu rosto. A adrenalina invadiu o meu corpo, fazendo com que as minhas lágrimas também descessem por meu rosto. Eu estava em choque, mas sabia que não podia demonstrar isso. A minha mente tentava processar as suas palavras, e ao mesmo tempo, elas ecoavam em minha mente, me causando muita dor e angústia. Podia sentir as minhas pernas tremerem, o homem em minha frente mudou a sua fachada e caiu em dor.

— Taehyung. – sussurrei, não sabia o que dizer.

— Uma pessoa como você, saberia lembrar de mim. – disse, limpando as suas lágrimas. — Você possuía os seus olhos fechados e sentia a brisa do dia, sorrindo de canto para o nada. De longe, pude sentir a sua imensidão e sabia que você seria uma boa despedida. – ele sorriu de canto. — Decidi que tomaria os comprimidos assim que falasse contigo, você seria a minha despedida. – senti o meu peito doer e mais lágrimas desceram por meu rosto. — Queria alcançar o meu objetivo, deixar o mundo sabendo que alguém sabia do meu caráter e das minhas boas intenções.

Sem concluir, ele levou a sua mão direita ao bolso do seu casaco e retirou uma pequena caixa de plástico. Em silêncio, a abriu e mostrou o conteúdo. Três comprimidos vermelhos. Pude ver um sorriso falso no canto dos seus lábios, onde as suas lágrimas encontravam um fim.

— Nunca conheci algo que prometesse felicidade em poucos minutos. – o seu sorriso melancólico acabou comigo. — Mas estes comprimidos prometem isso, alívio instantâneo sem dor.

Todo o meu corpo tremeu ao ouvir, isso não podia ser real. Não queria acreditar que as suas palavras fossem reais, não podia acreditar.

— O que te impediu de fazer? – precisava que ele continuasse.

Senti como se o seu mundo desabasse aos meus pés, e eu não podia fazer nada para impedir. No final, eu tinha razão e quando o deixei pela primeira vez, ele gritava por ajuda e socorro.

— Por mais que soe estranho, foi você. – respondeu sorrindo de canto. — Quando nos conhecemos você me fez sorrir, me senti bem ao seu lado. Você fez piada e o seu medo também me acalmou. Do nada, era um maníaco e a noite deixou de ser tão triste para acolher sorrisos. – senti os seus olhos em mim, esperando uma reação. — Você foi o motivo do meu sorriso em uma noite triste, tem noção disso?

— Taehyung. – sussurrei, respirando fundo.

Não sabia como reagir e não sabia o que ele esperava de mim, por mais, que procurasse por uma solução dentro de mim. Respirei fundo e limpei as minhas lágrimas, me aproximando dele. Taehyung não se mexeu e esperou por mim, aproximei a minha mão da sua e sem falar nada, entrelacei os nossos dedos. Sem que ele lutasse, peguei a pequena caixa da sua mão e a guardei para mim. Não consegui pronunciar uma única palavra, em outro impulso e ondas frequentes de adrenalina, o tomei em meus braços.

As minhas lágrimas desciam por meu rosto e juntos, soluçávamos sobre o pôr do sol. Neste momento, ambos estávamos de luto por sua alma que quase morreu naquela noite. 

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