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Em algum momento o meu corpo voltou a desassociar e eu sabia o que aconteceria a seguir. Essa era a única forma, precisava acreditar que as ações incontroláveis tomadas por meu inconsciente estavam ali para me proteger. Sempre que a dor era maior do que podia carregar, eu desassociava e encontrava paz em uma memória, neste momento eu me lembrava do sorriso de Taehyung e da confiança que ele me proporcionava ao olhar em meus olhos.
— Alice! – exclamou se abaixando.
— Não toque em mim. – pedi com dificuldade.
— Está tudo bem? – questionou.
Rapidamente ergui o meu corpo do chão e me afastei dele, não podia deixar que as suas mãos voltassem a tocar as cicatrizes que agora estavam curadas. Isso não aconteceria de novo nem que eu precisasse morrer negando. As minhas pernas tremiam e o meu corpo encontrava dificuldade para se manter em pé, o meu coração batia com tanta força que o sentia contra a minha pele e isso também me causava dor. A qualquer momento o meu corpo deixaria de reagir e eu entraria em um estado de transe, e talvez não saberia como sair deste estado novamente. O passado que tanto temia se encontrava em minha frente e sorria para mim, como se todo o sangue derramado por suas mãos fosse nada.
Procurei respirar fundo para aliviar um pouco da dor, mas o ar não chegou aos meus pulmões e ao invés de aliviar, doeu mais. Há meses que este tipo de dor não me invadia e a sensação de estar completamente vulnerável me matava aos poucos. Fugi dos seus braços e das suas mentiras, lutei sozinha para esquecer as dores que ele me causou e do nada, ele estava ali. James foi a pior decisão que tomei em toda a minha vida e a sua crueldade ainda corria por minhas veias.
— O que está fazendo aqui? – indaguei por fim. — Como sabe que eu moro aqui?
A minha voz saiu fraca, mas firme. Não podia demonstrar nenhuma fraqueza em sua presença, James se alimentava da minha dor e de todo o medo de que ele poderia me causar.
— Estou na cidade por causa de um seminário e os seus pais me pediram para lhe trazer algumas coisas. – ele analisou o meu rosto e esperou. — E claro, eles querem saber se está tudo bem com você.
— Fala como se fosse verdade. – murmurei ao ver que ele não trazia nada consigo. — Eu estou ótima e gostaria que você não voltasse.
— Alice, eu só quero fazer um gesto bom para os seus pais. – disse baixinho.
As suas palavras me causaram ódio, os meus pais e por meus pais digo a minha mãe, não tinha o direito de o manter em minha vida. Isso era errado e ela não podia e não tinha o meu consentimento para continuar me torturando. Há meses que não falava com eles, mas lembro de deixar claro as minhas decisões sobre a presença de James e que eu desejava não me lembrar dele nunca mais.
Toda a dor que ele me causou e ainda causava foi presenciada por minha mãe e mesmo vendo as marcas em meu corpo, ela não acreditou que alguém tão "bom" pudesse fazer as barbaridades que a sua filha lhe relatava. Ela optou por não acreditar em mim, mesmo vivendo o meu sofrimento. Eu estava acabada e a minha vida não tinha sentido, eu queria acabar com tudo o que era e mesmo assim, ela não acreditou em mim. James me usou de todas as formas possíveis e eu era dele, mas ninguém podia saber do que ele fazia comigo.
O filme de terror voltou a me invadir me lembrando do dia em que fugi para Seoul. Sofreria tudo de novo e sentiria todas as dores como se fossem frescas, ele havia me encontrado e agora eu encontraria o meu fim. James se vingaria de mim, cumpriria com a sua promessa e não deixaria com que eu ficasse assim, feliz sem tê-lo ao meu lado. Procurei controlar as minhas lágrimas, não podia demonstrar fraqueza em sua presença. Antes de conseguir realizar o que estava acontecendo, senti as mãos de Taehyung me envolverem pela cintura e ele docemente se aproximou de mim.
— Está tudo bem anjo? – indagou olhando com desdenho para James.
— Sim. – respondi retirando as suas mãos da minha cintura.
O meu passado e o meu presente estavam juntos em minha frente. James notou algo entre nós e eu pude ver o ódio dominar os seus olhos, era tarde demais. Agora, além de correr perigo, eu havia colocado a vida de Taehyung em perigo. Era isso que eu tentava evitar ao me afastar de Taehyung, por este motivo eu não podia permitir que os nossos sentimentos crescessem, eu deveria ter cumprido com o meu destino. Mas por acreditar que estava em segurança cai na besteira de me apaixonar e ambos sofreríamos com isso. Não podia continuar com essa ilusão, eu precisava me afastar de Taehyung para salvar a sua vida. O que eu estava pensando? Jamais seria feliz de novo enquanto James estivesse vivo.
— Vejo que está ocupada. – disse quebrando o silêncio. — Eu com certeza volto depois. – pude ver um sorriso sarcástico em seu rosto e tremi.
Antes de sair por completo ele lançou um último olhar para dentro do meu apartamento e então, se foi. A minha mente gritava por ajuda e eu precisava fugir o mais rápido possível, se ele voltasse e me encontrasse ali, eu estava morta. Fechei a porta e caminhei em direção a cozinha, no momento seguinte a campainha voltou a tocar e eu gelei novamente. Para o meu alívio, era a comida que os meninos haviam encomendado. Taehyung recebeu a comida e eu liguei a água da pia, deixando as lágrimas descerem por meu rosto enquanto ninguém podia ouvir. Em seguida passei a água fria por meu rosto e desliguei a torneira, tudo precisava ser feito com cautela para não levantar suspeitas.
Me apoiei na bancada da cozinha e a abri uma das gavetas pegando um pote com medicamentos. Precisava controlar a dor que estava sentindo e isso não podia ser nítido na frente de Taehyung e seus amigos. Tomei alguns comprimidos, voltei a esconder o pote e rapidamente me sentei em uma cadeira, precisava me controlar por alguns minutos. Por dentro eu estava aterrorizada e sabia que esta podia ser a última noite da minha vida. James acabaria com a minha vida e não havia nada a ser feito, era o meu destino.
— Alice?
Já podia sentir todo o sofrimento me invadir e as cicatrizes sangravam aos poucos.
— Alice! – exclamou Taehyung me sacudindo. — Está tudo bem? – não.
Ao notar que eu ainda estava em choque, ele se sentou ao meu lado e segurou uma das minhas mãos. Não podia chorar, eu não podia deixar nítido que ele não me veria novamente e que tudo o que sentia por mim seria arrancado do seu peito.
— Sim. – afirmei desviando o meu olhar.
— Não parece. – disse. — As suas mãos estão geladas e você está pálida. – respirei fundo ao ouvir. — O que você tem? Quem era aquele homem?
Permaneci em silêncio, não sabia por onde começar e não podia falar de James. Taehyung e os seus amigos não podiam correr nenhum risco por minha causa e quanto menos ele soubesse, menos dor ele teria ao me ver sair da sua vida.
— Alice! – gritou Hoseok. — Taehyung! – outro grito ecoou. — Venham comer. – pediu.
Taehyung me olhou e esperou alguma reação, não havia nenhuma. Eu queria desabar e chorar, correr dali e nunca mais olhar para trás, mas estava com tanto medo que provavelmente ficaria sentada até todo o pesadelo acabar ou James me matar de vez. Ao notar que eu não falaria, ele se levantou e me deixou sozinha. Lentamente ele se aproximou dos seus amigos e começou a comer alguma coisa, eu não sabia o que fazer.
Voltei o meu olhar para a sala e a cena aqueceu o meu coração, eles sorriam e brincavam entre si. A felicidade deles era tão genuína e por um momento, me causou inveja. Desejava viver com essa segurança, cercada de amigos que me fazem bem. Tudo o que ele tinha era o que eu desejava, mas não teria por ter alguém como James em minha vida, as lágrimas procuravam invadir os meus olhos, mas eu precisava resistir. Não podia ficar sozinha, mas não podia pedir que eles ficassem. No entanto, se eles saíssem do meu apartamento, James voltaria e eu não estaria segura.
— Está tudo bem? – afastei os meus pensamentos e tentei me recompor.
— Sim. – menti ao ver Namjoon em minha frente.
Ele cruzou os seus braços, se encostando na bancada e me encarou. Desviei o meu olhar para o copo que havia deixado sobre a mesa, não podia desabar em lágrimas e não podia deixar a sua indiferença ser presente neste momento.
— Parece que os meninos adoram você. – comentou. — Isso é raro.
— Que bom. – respondi friamente.
— Você me lembra alguém. – continuou. — Pensei que fosse, mas não é.
— Sim. – eu não prestava atenção em suas palavras.
— O que você tem Alice? – indagou com mais força. — Não precisa fingir que está bem, é notável que não.
— Não é nada. – continuaria mentindo. — Só me sinto cansada.
— Então será melhor irmos embora. – murmurou.
— Não! – exclamei o fazendo arquear uma sobrancelha. — Deixe os meninos terminarem.
— Eu não sei o que você tem. – disse. — Mas espero que você não cometa o erro de magoar o Taehyung, isso será imperdoável.
— Sim. – disse controlando as lágrimas. — Ele estará melhor sem mim, eu sei disso.
Uma lágrima escapou e desceu por meu rosto, a limpei e me concentrei em Jimin. Ele caminhava em nossa direção com os pratos sujos, Taehyung permaneceu na sala e limpou o resto, sorri de canto ao ver a sua delicadeza. Namjoon permaneceu parado me olhando e em seu rosto as perguntas eram nítidas, no entanto, não havia respostas.
— Não precisa fazer isso. – disse ao ver Jimin colocar os pratos na máquina.
— Preciso sim. – respondeu sorrindo. — Fomos nós quem sujamos.
— Obrigada. – sussurrei.
— Você não fala muito. – comentou. — Espero não termos te assustado, você é a melhor coisa que nos aconteceu nos últimos tempos. – senti as lágrimas voltarem. — Obrigado por isso.
Jimin sorriu e se afastou, em seguida Suga entrou na cozinha e colocou os copos na máquina. Procurei me controlar novamente, eu precisava me manter forte.
— Ele tem razão. – comentou Suga. — Você não fala muito.
— Você também não. – respondi baixinho. — Já nos vimos antes?
— Acredito que não. – respondeu. — Não me esqueceria de alguém tão belo. – a sua voz me lembrava alguém.
— Ei, Alice? – interrompeu Taehyung. — Precisamos ir, você se importa de se despedir dos meninos?
— Já? – indaguei me levantando. — Fica mais um pouco.
— Não dá. – senti a sua indiferença e isso me doeu. — Amanhã temos compromissos.
— Não podem ficar mais uma hora? – eu estava desesperada. — Por favor? – estava com medo de morrer, será que ele não via isso?
— Não podemos. – disse friamente.
Taehyung estava chateado comigo e eu não podia esperar algo diferente, as lágrimas inundaram os meus olhos, mas me contive e caminhei em sua direção com um sorriso falso nos lábios.
— Obrigada por virem me conhecer. – agradeci limpando a garganta.
— Eu fico se você quiser. – disse Jungkook.
— Não podemos, você ouviu o Taehyung. – retrucou Namjoon.
Pude ver olhares confusos e Seokjin ficou sério, eles sabiam que algo estava acontecendo.
— Voltaremos amanhã. – afirmou Hoseok. — Não se preocupe.
Acenei afirmativamente e os guiei até a porta, assim que abri pude sentir a dor me invadir novamente. As lágrimas lutavam tanto para sair, a nossa última memória seria uma briga entrelinhas. Taehyung não merecia este tipo de dor e os seus amigos não mereciam presenciar a minha fraqueza, eles tinham razão e quanto mais tempo ficassem ao meu lado, mais riscos, eles correriam.
— Até. – disse me abraçando com frieza.
— Eu te gosto. – sussurrei segurando as minhas lágrimas, a minha vista estava embaçada. — Não se esqueça disso.
Ele se aproximou e me deu um beijo, deixei os meus olhos abertos para contemplar o seu semblante doce. Não queria me esquecer dessa memória, ao fundo pude ver o olhar sério de Namjoon, ele realmente não gostava de mim.
— Ew! – exclamou Jimin. — Arrumem um quarto.
Ambos sorrimos entre os beijos e os meninos fizeram comentários sobre a situação. Taehyung me deixava com ternura e eu me despedia com medo, estava aterrorizada, mas não podia transparecer isso.
— Até, Alice. – ecoaram.
— Até. – murmurei.
Assim que eles se afastaram, eu fechei a porta e deixei o meu corpo pesar. Estava sozinha e provavelmente morreria em breve.
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