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4 - QUERIDO DEUS

"Dear God, the only thing I ask of you is

To hold her when I'm not around

when I'm much too far away" 4


MINHA CABEÇA ESTAVA RECOSTADA ao vidro da janela, e meus olhos fixavam-se para a paisagem lá em baixo enquanto o avião sobrevoava a cidade. Estava ansioso, mas, acima de tudo, preocupado. Aflito. Não conseguia me conter, embora eu tentasse muito.

Baixei os olhos mais uma vez para meu celular, onde um aplicativo de rastreamento estava aberto e, com um ponto vermelho, me indicava a localização dela. Suspirei, me perguntando por que não apliquei um sedativo em Charlotte e a trouxe comigo.

— É a décima vez que você olha esse celular em um espaço de sessenta segundos, J.J. — Scott disse, da sua poltrona.

Limitei-me a não olhá-lo para não o fazê-lo com desdém. Meu irmão não se preocupava com Charlotte o tanto quanto eu me preocupava. Principalmente por conta dos últimos meses... e de certas companhias dela.

— Está se preocupando à toa. Charlly está bem.

Finalmente, pude olhar para meu irmão, tentando transparecer o mais natural possível. Suspirei de novo e conferi sua localização. Ela não deveria sair da rota.

A Doktor Rock finalmente foi reconhecida. Estamos há quatro anos fazendo um estrondoso sucesso. Tudo graças ao nosso vídeo no Youtube que se tornou viral. Minha composição que nos levou ao estrelato continuava sendo uma da mais tocadas em todo o mundo e continuava na lista das 100 mais tocadas da Billboard desde então. Eu não quero me gabar, mas a Last Kiss, sucesso composto por mim que Joe roubou, deixou o ranking pouco mais de um ano depois de seu lançamento.

Há quatro anos estávamos vivendo a loucura da fama e de ser uma banda internacionalmente reconhecida. E não vou mentir, estava amando cada momento. Prestígio, sucesso, shows lotados, fãs enlouquecidos, multidões de pessoas nos seguindo. Era tudo o que eu mais queria desde sempre e, finalmente, tinha alcançado meu tão sonhado sucesso.

Mas nem tudo é um mar de rosas. O sucesso tem seu lado bom — nossos jatos particulares e mansões que o digam —, mas também há o lado ruim. Nossa privacidade foi roubada de nós do dia para a noite e não podíamos mais andar nas ruas sem sermos "atacados" pelos fãs. A mídia estava em cima o tempo todo, seguindo nossos passos e noticiando cada vez que cagávamos.

Ainda assim, não reclamávamos, porque era algo que sempre buscamos nas nossas vidas. Contudo, as coisas saíram um pouco do controle há dois anos mais ou menos.

Charlotte é nossa assessora e cuida da nossa imagem. Aquela baixinha atrevida terminou a faculdade em Londres e depois passou a nos assessorar logo quando o sucesso repentino veio. O momento era dela também, porque sempre nos incentivou e torceu muito pela banda.

Certa noite, depois de um show, uma multidão de fãs queria a todo custo um momento conosco. Seguranças, Charlotte, nosso empresário e mais uma porção de gente da nossa equipe explicaram que não seria possível, pois atendíamos somente antes da apresentação, muito raramente depois. O público ficou eufórico, tentando ultrapassar a segurança e quebrar as regras. No meio da confusão, minha irmã gêmea foi acertada por uma pedra enorme, que alguém revoltado jogou na intenção de acertar o segurança barrando a entrada.

Charlotte se feriu e levou cinco pontos na cabeça. O ocorrido me deixou extremamente preocupado. Quer dizer, eu sempre me preocupei com minha irmã, mas depois desse evento passei a tomar certas precauções maiores. Nada de ficar no meio da multidão de fãs, somente junto da banda. Coloquei guarda-costas em sua companhia para acompanhá-la a qualquer lugar, e, confesso fiquei um pouco mais agressivo com certos fãs que ultrapassavam os limites, o que me levou direto para a psicóloga, pois eu precisava conter meu gênio explosivo. Alguns não sabiam ouvir um "não" da nossa equipe e faziam escândalo. Muitos deles usavam palavras indecorosas para se referir aos seguranças e pessoas da equipe. Nunca liguei para isso, até as palavras serem direcionadas à minha irmã. Era onde eu partia para ignorância também, ficando violento.

— Você parece não se importar realmente com nossa irmã — alfinetei, espiando o celular de novo. — Sabe que ela tem andado com o idiota do Joe Baker? Depois de tudo, Charlotte está saindo com ele.

Scott revirou os olhos. O assunto era antigo. Eu não sei por qual razão, mas minha irmã, nos últimos meses, estava tendo um comportamento inadequado e transgressor, me tirando completamente do sério. Eu não tinha nada a ver com a vida amorosa dela, mas minha obrigação era preservá-la de homens babacas que a magoariam. Cumpri meu papel muito bem durante esse tempo todo, espantando caras que só queriam uma trepada e nada mais. Charlotte nunca reclamou de fato, porque via o quanto eu estava certo em ter aquela postura. Se os ditos-cujos realmente gostassem dela, teriam me enfrentado, persistido. Mas não foi o que aconteceu.

Mas, agora, as coisas estavam tomando outros caminhos. Por algum motivo, Charlotte estava dormindo com o cretino do Joe. Não sei exatamente quando os dois começaram a ter uma relação, mas não me importava. Eu estava com ódio por aquilo e, em vez de se afastar do maldito, minha irmã se aproximava cada vez mais. O que começou com uma trepada passou a ser algo mais sério. Ela me disse no outro dia que estavam juntos, namorando.

Minha vontade foi de perguntar se se sentia bem. O desgraçado ferrou com nossa banda, e, ainda assim, estava saindo com ele. Como assim, porra? Eu podia odiar meu ex-melhor-amigo com todas as minhas forças, mas não podia odiar a minha irmã.

— Jim, deveria esquecer esse assunto — aconselhou Scott. — Ignorar, entende? Não percebe que Charlotte está te provocando?

— É, eu percebi. Só não entendo por quê — devolvi, suspirando. Estava frustrado. Tudo o que eu fazia por ela era por amá-la demais e não suportar a ideia de vê-la machucada, fosse em qualquer sentido, psicológico ou físico.

Scott se ajeitou em sua poltrona e me encarou.

— Você tem exagerado nas suas proteções. Charlotte se sente sufocada, Jim. Você a persegue o tempo todo, não a deixa nem respirar. Liga a cada dois minutos quando ela sai, colocou um rastreador no celular dela, espanta os caras com quem nossa irmã se envolve, revira e-mail, WhatsApp, ligações... Invade a privacidade dela...

Aquilo não era bem verdade. Eu fazia tudo na intenção de protegê-la. O rastreador era por precaução. Gostava de saber onde minha irmã estava, principalmente quando resolvia se divertir com as amigas e voltar de táxi ou Uber, porque, de uns tempos pra cá, até nosso motorista ela se recusava a ter. A questão das mensagens e e-mails era por conta de muita gente safada que, sabendo da proximidade dela com a banda, se aproveitava; tentavam se aproximar para ganhar acesso a camarim, ingressos. E também para saber que tipo de homens estava se relacionando. E amigas também. Charlotte tinha tendências de atrair umas mulheres muito interesseiras que forçavam amizade para tentar conseguir uma trepada com alguém da banda.

Todas as minhas ações eram apenas no intuito de poupá-la da podridão humana. Pensei em argumentar com Scott, mas permaneci calado, olhando novamente o rastreador.

Há algum tempo, quando Charlly voltava de Londres após seus estudos, seu avião precisou fazer um pouso forçado, e isso a traumatizou muito. Ela não parou de andar de avião, mas quando podia evitar, evitava. Assim, como nosso próximo show ficava a "apenas" 20 horas de viagem de carro, e a apresentação se daria somente em 48 horas, Charlotte decidiu vir dirigindo. Enquanto de avião, não passaria de duas horas.

Tentei convencê-la a vir conosco. Não seria difícil convencê-la, mas ultimamente minha irmã estava fazendo de tudo para me provocar. Contrariar-me e vir dirigindo fora uma delas.

Inspirei fundo e relevei. Mas na última hora eu tinha ligado quatro vezes e estava conferindo o rastreador a cada dez segundos, só para garantir que ela não sairia da rota. Embora, se saísse, eu não pudesse fazer nada imediatamente. Mas eu seria bem capaz de alugar um carro quando pousássemos e segui-la, encontrá-la e arrastá-la para perto de mim.

— Por que é tão difícil vocês entenderem que eu faço para a proteção dela? — resmunguei.

Meu irmão suspirou pesadamente.

— O problema é que você está exagerando, Jim. Isso está sufocando a Charlotte, tirando sua liberdade. Experimente deixá-la livre e você verá que ela vai se comportar.

Ri de lado, meio sarcástico.

— Se com toda a minha atenção, Charlotte só faz coisa errada, imagine se eu deixá-la livre.

— Você é pior do que o papai. Charlly já tem 27 anos, Jim. Sabe se cuidar, a garota tem responsabilidade e juízo. Só você ainda não percebeu que essa fase dela é por sua causa. Porque você a sufoca.

— Mesmo assim, isso não justifica o fato de ela estar domingo com Joe.

Scott moveu a cabeça em negativo, como se estivesse cansado. Não conseguia realmente entender como ele e o restante da banda superaram tão facilmente o episódio do plágio da nossa música, cinco anos atrás. Eu nunca esqueci. E nunca iria me esquecer. Mas meus amigos pareciam não ligar mais para o ocorrido, porque ninguém falava nada sobre essa relação súbita de Charlly com Baker — que, eu tenho certeza, só começou para me provocar ainda mais e me levar ao meu limite.

— Esqueça esse assunto, Jim — meu irmão disse, de um jeito meio autoritário. — Já passou; olhe onde estamos. Somos famosos agora, adorados, reconhecidos — tentou me animar. — Charlotte está fazendo apenas para te irritar. Pare de sufocá-la e ela vai parar de se envolver com o Joe.

— Esquecer? Depois de tudo o que nós... — tentei argumentar, mas meu irmão se levantou de sua poltrona, dizendo:

— Olha, não quero mais saber sobre isso. O assunto está morto pra mim há muito tempo. Estamos bem agora e é só que importa. Apenas você fica remoendo o passado. — Fez uma pausa pequena e concluiu: — Vou falar com Amy.

Suspirei, encostei a cabeça no vidro e voltei a vagar nos meus pensamentos, analisando todas as palavras de Scott. Se eu realmente ignorasse as provocações de Charlly, ela pararia de me irritar e tirar do sério?

Talvez.

Fiquei me perguntando por quê, de um tempo para cá, nós dois estávamos nos desentendendo. Eu me lembro com precisão de que sempre fomos cúmplices e amigos. Jamais discutíamos. Não nos desentediamos. Contudo, depois de 27 anos, as coisas começavam a mudar entre nós. Brigávamos com certa frequência, embora pelos motivos de eu a estar protegendo demasiadamente do mundo. Scott tinha razão. Talvez eu devesse lhe dar mais espaço.

Mas eu não conseguia.

Amava Charlotte demais para vê-la se corrompendo nesse mundo cruel. Enquanto fosse vivo, eu a protegeria, mesmo de forma exagerada, mesmo que a sufocasse e a irritasse. Mesmo que ela me provocasse. Se isso significava deixá-la em segurança, então eu faria.



Quando Charlotte entrou no saguão do hotel eu já a esperava. Fui ao seu encontro para ajudá-la com a mala que era maior do que ela. Um segundo depois, minha irmã me abraçava e me beijava, como se ignorasse todas as minhas quase cem ligações que lhe fiz nas últimas trinta horas.

— Como foi sua viagem? — perguntei, enquanto subíamos até sua suíte.

Ela sorriu amavelmente e respondeu:

— Foi boa, J.J. Apesar de você ter me ligado a cada cinco minutos.

— A cada dois — corrigi, brincando.

Charlly riu alto e se encostou aos meus braços. Estávamos bem e isso era bom. Pelo menos, ela não descartou minha sugestão de ficar em uma pousada e dormir durante a noite antes de continuar viagem. Seriam vinte horas na direção, sem pausa. Preferia que ela chegasse mais tarde, mas em segurança. É claro que, enquanto ela não chegou, nem pude descansar direito ou me preparar para o show que seria dentro de 18 horas. À noite, eu acordava de hora em hora e conferia o check-in automático dela do rastreador.

— Estou mais aliviado, agora que você chegou e não te falta um braço ou uma perna.

As portas do elevador se abriram para o andar onde a banda estava hospedada, Charlotte saiu na frente, rindo mais um pouco. Ela gostava do meu senso de humor, e eu adorava fazê-la rir.

— Você se preocupa demais — contestou, abrindo a porta da sua suíte e se jogando no sofá assim que entrou. — Eu sei me cuidar, J.J.

Balancei as sobrancelhas e deixei suas malas em um canto qualquer. Sentei-me ao seu lado.

— Bem, suas atitudes mostram o contrário. Esse seu namoro com o Joe... — Estalei a língua, tentando não demonstrar desprezo.

Charlotte revirou os olhos. Odiava quando ela fazia isso.

— Nem comece com seus sermões, J.J. Estou cansada e preciso me preparar para o show de amanhã. Preciso de um banho e de uma bandeja com muita comida. Pode me preparar isso? — perguntou, com a voz doce e suave, fazendo uma carinha fofa.

Semicerrei os olhos em sua direção, vendo-a se esticar no sofá e segurar o relicário em seu pescoço. O objeto era de ouro puro e eu lhe dei quando ganhamos nosso primeiro cachê alto. Coloquei nossas fotos e eu mesmo fiz uma inscrição das iniciais dos nossos nomes atrás: C.J. & J.J.C. Entendam, na minha vida garotas iam e vinham o tempo todo. Mas só Charlotte era constante e permanente. Só ela era o meu amor verdadeiro e eterno. Somente por ela eu poderia dizer que a amaria até meus últimos dias sem nenhuma dúvida ou hesitação. E aquele relicário era o símbolo do meu amor. Símbolo de que estaríamos juntos, sempre, não importasse o quão estivéssemos um longe do outro, ou o quanto, por um momento, nós nos odiássemos.

— O que você não me pede chorando que eu não faço sorrindo? — Levantei-me, me inclinei e deixei um beijo em sua testa. Saí em seguida para preparar a hidro e solicitar alguma coisa para minha irmã comer.

Charlotte poderia me provocar o quanto quisesse, me tirar do sério o quanto quisesse, ainda assim, no final das contas, eu faria de tudo por ela, daria minha vida em troca da sua, a veneraria e me arrastaria aos seus pés. Eu poderia ficar extremamente irritado e transtornado com suas atitudes, mas seus olhos e sua voz doce sempre me abrandariam, porque minha irmã tinha esse efeito sobre mim. Conseguia me controlar com facilidade.

Deixei-a se banhar, comer e descansar um pouco sossegada. Agora, com ela por perto, eu poderia relaxar também e me preparar para o show de amanhã.



O sangue me ferveu nos olhos. Em cima do palco, durante o show, eu vi Charlotte na área V.I.P, com Joe. Não consegui decifrar seu sorriso sarcástico nos lábios enquanto olhava diretamente em meus olhos. Baker estava logo atrás, abraçando-a e sorrindo também, me jogando olhares provocativos.

Scott virou-se para trás, sem deixar de cantar a música, e me lançou um olhar que dizia tudo: estava tentando me manter sob controle. Eu não deveria surtar com aquilo, não mesmo. Fechei os olhos e me concentrei no show, na minha presença de palco. Estava tudo bem. Era só ignorar suas atitudes e ela pararia de me provocar.

Contudo, eu não conseguia entender por que Charlotte estava se comportando daquela maneira. Tudo bem, poderia até ser por causa dos meus excessos de cuidado, mas até ontem, quando chegou ao hotel, estávamos bem. Ela descansou, tomou seu banho, comeu sua comida. Eu passei para vê-la e estávamos bem. Conversamos, rimos e até vimos alguns episódios de Mr. Bean juntos.

Hoje, enquanto passávamos o som horas antes do show, Charlly veio ao meu encontro, amorosa, pulando no meu colo como de costume, e me desejou toda sorte. Ela sempre me deseja sorte antes de cada apresentação.

Então, realmente não entendo porque estava tentando me incitar naquele momento. Ignorei qualquer outra coisa e me concentrei na minha guitarra em mãos, nos meus dedos passando pelas casas e cordas, criando os solos e riffs. Aproveitei a multidão gritando e cantando conosco, nos proporcionando uma vibe única!

Por um longo tempo durante o show eu me despreocupei com Charlotte e curti o momento. Eu não conseguia descrever o quanto amava o palco, a fama, os fãs, a emoção e adrenalina de estar tocando para tantas pessoas.

Perto do fim da nossa apresentação, eu a via novamente com o mesmo sorriso irônico na minha direção, na área V.I.P., junto de Joe. Ele continuava agarrado à minha irmã gêmea de uma maneira que, mesmo se ainda fôssemos melhores amigos, me desagradaria. Esforcei-me para me controlar e desprezar a sua atitude. Scott tinha razão. Eu deveria ignorá-la.

Mas a missão se tornou impossível quando minha irmã estava decidida a me tirar do sério e não pararia enquanto não conseguisse. Então, eu a vi se virando para trás e tascando um beijo em Joe. Eu sabia que os dois estavam se envolvendo, mas nunca tinha presenciado exatamente a cena. E antes fosse somente o beijo. Os dois começaram a se agarrar de forma indecente; Baker a apalpava de um jeito nojento, mas que parecia satisfazê-la.

A imagem me deu ânsia e, se eu tinha algum autocontrole, perdi de vez. Eu falaria com minha irmã e quebraria o nariz do desgraçado na primeira oportunidade.

Enquanto eu me consumia de raiva, vi os dois se levantarem e saírem da área V.I.P. Concentrei-me em terminar o show e ir atrás de Charlotte logo em seguida, rastreando-a pelo meu telefone. Eu iria até o inferno atrás dela se fosse preciso.

E foi o que eu realmente fiz. Peguei os dois se agarrando. Tentei afastá-la do canalha, ela relutou, gritamos um com o outro, e, por fim, minha irmã me feriu psicologicamente me chamando de psicopata. Então eu a agredi fisicamente, algo que eu nunca fiz com ela e nem com mulher alguma em toda a minha vida.

O ódio em seus olhos era palpável. Ela me odiava não só por causa da minha agressão, mas por causa do meu comportamento, por reprimi-la e protegê-la exageradamente. Só naquele momento eu entendi que todas as suas transgressões eram seu modo de protestos, por eu não lhe dar a liberdade que uma mulher de vinte e sete anos merecia.

— Eu te odeio, Jim! Eu te odeio! — gritou, se abrigando aos braços de Joe. Ela puxou o celular do bolso e o arremessou no chão. Depois me olhou. — Quero ver você me rastrear agora! Não quero nunca mais falar com você.

Pensei em lhe pedir desculpas, mas minha cabeça ainda estava confusa demais com os últimos acontecimentos, e eu não consegui formar nenhuma frase coerente. Impassível, eu a vi entrar na BMW de Joe e partir. As pessoas ao redor não demoraram a me reconhecer, e logo uma multidão se aproximava de mim, eufórica, gritos histéricos.

Girei nos calcanhares e corri o mais rápido que eu consegui de volta ao local do show. O ônibus da banda ainda estava lá, à minha espera. Entrei e me acomodei no meu lugar, ignorando as perguntas de Scott e do meu empresário para mim. Pedi para me deixarem em paz e me tranquei por muitos minutos no banheiro. Descemos no hotel e eu fui direto para meu quarto. Antes de dormir, quebrei tudo o que vi pela frente.

Acordei horas depois, com Scott me balançando e me chamando desesperadamente. Sentei-me na cama e cocei os olhos.

— Calma — pedi, meio grogue de sono. — O mundo está acabando ou coisa do tipo? — perguntei, meio sarcástico, e abri um sorriso forçado

A expressão de Scott era severa e dura.

— O que foi? — indaguei, sentindo medo da resposta.

Ele inspirou fundo antes de dizer.

— Charlotte sofreu um acidente.

Por um momento, pensei ter entendido errado. Estava com sono e não raciocinava direito. Mas o desespero no rosto do meu irmão despertou um sinal em mim. Eu ouvi certo. Contudo, estava lento demais para processar a informação.

Scott me pegou pelo pulso e me levantou da cama com um supetão, me dando um tapa no rosto.

— Acorda, Jim! — exclamou, alto.

— Como ela está? — perguntei, voltando a mim.

Meu coração começou a bater descompassado com a expressão no rosto de Scott. Eu temia que fossem notícias ruins.

— Não sei. O hospital ligou, mas não me informou o estado dela por telefone. Precisamos ir até lá.

Não foi necessário me dizer duas vezes. Um segundo depois eu atravessava a porta do quarto do hotel rapidamente, não me preocupando em me trocar — ainda usava as vestes da noite anterior. Meu irmão veio logo atrás, e, juntos, seguimos até o pronto-atendimento.

Estava prestes a descer do carro e correr hospital adentro quando Scott me segurou firme pelos punhos, impedindo minha ação. Seus olhos castanhos me olhavam com seriedade e, diria, com uma tristeza profunda.

— Jim, me escute — falou cuidadosamente. Ali, eu senti que ele sabia do estado de Charlotte o tempo todo, mas não me contara para não me deixar alterado. — Você vai precisar ser forte.

— O que você não me contou, Scott? — indaguei, a voz trêmula. — Me diz logo! — quase gritei.

Olhou-me com pesar em suas feições. Engoliu em seco, como se se preparasse para me dar uma terrível notícia.

— Charlotte caiu da ponte na saída da cidade — começou. Suas mãos ainda apertavam meu punho, e ele fazia força para me manter no meu lugar, como se tivesse medo de eu escapar enlouquecidamente. — Provavelmente bêbada.

— Diz logo, Scott! — exigi, praticamente perdendo a lucidez.

— Jim... Nossa irmã sofreu um traumatismo craniano com a queda. E não... resistiu.

Pestanejei seguidas vezes, em choque, assimilando o que Scott me dissera. Fiquei em silêncio por longos segundos, em completo estado de negação.

Não! Minha Charlotte não poderia ter partido. Não, não e não!

Quando minha ficha caiu, Scott me olhava nos olhos, e, não podendo mais se segurar, permitia ser tomado por tímidas lágrimas. A dor me acertou de uma forma quase astronômica. Eu nunca tinha sentido tanta dor como naquele momento. Ela entrou rasgando meu peito, me dilacerando, me deixando à beira da loucura.

Externei um grito alto, sendo tomado por um choro quase convulsivo. Debati-me dentro do carro, tentando abrir a porta e sair correndo ao encontro da minha irmã, mas Scott me segurava com força, enquanto me pedia para ter calma. Mas tudo o que eu pensava era em ver Charlotte. Eu precisava vê-la. Não, ela não poderia estar morta.

Meu irmão não pôde me conter por muito tempo. Consegui sair do carro e entrei às pressas no hospital, com os olhos lacrimejados, o coração descompassado, a mente caótica e perturbada. Eu estava em puro estado de transtorno. Um segurança veio ao meu encontro logo quando entrei, vendo meu estado desesperado. Pedia-me calma, mas eu seguia dizendo coisas desconexas; a única coisa coerente que saía dos meus lábios era o nome de Charlotte.

Um segundo depois, mesmo com a vista turva, eu vi aquele desgraçado. Arrumando uma força de não sei onde, me desvencilhei do segurança e fui ao seu encontro, bradando, completamente enraivecido e fora de mim:

— Seu maldito desgraçado! — Joe nem teve tempo de notar minha presença. Meio segundo depois eu o acertava com um soco. Caímos no chão da recepção, meu corpo por cima do dele, então o enchi de socos no rosto. — Charlotte está morta, e é culpa sua! — bradei, arranhando a garganta, sangue nos olhos e em minhas mãos também. Sangue dele.

Uma histeria instalou-se no local. O segurança não conseguiu me conter sozinho, foi necessário mais um homem e Scott para me tirarem de cima do cretino do Baker e me arrastar para o longe; ainda assim eu relutei, maldizendo-o e chamando pela minha irmã. Chorava como uma criança e praguejava como um demônio, tudo ao mesmo tempo. Em nenhum outro momento eu estive tão insano e fora de controle.

E estar fora de controle, a partir daquele dia, então, se tornaria uma rotina na minha vida.



A morte de Charlotte foi o maior baque da minha vida. Meu psicológico, que já era um pouco fodido, terminou de se desgraçar de vez. Após a confusão do hospital, minha mente teve um blackout e eu nunca me lembrei do que aconteceu depois que conseguiram me arrastar para fora. Scott diz que me deram um calmante e eu fiquei mais tranquilo, embora ainda chorasse muito pela perda da minha irmã.

Os dias seguintes à sua morte também foram muitos confusos e caóticos para minha mente. Eu me recordei de ter acordado dentro do carro do Scott, quase sentindo um alívio por achar que tudo não passara de um sonho. Mas ao meu lado, o olhar de Amy — que com certeza me vigiava — delatava a cruel realidade. Então eu fui até o hospital, meus pais já estavam lá a essas alturas, inconsoláveis.

Eu estava bem mais contido, mas acho que era devido a alguma medicação, porque minha vontade era de sair quebrando tudo à minha frente, de avançar sobre o médico que a atendeu e acusá-lo de imprudência. Como ele não a salvara?! Mas eu não conseguia; estava drogado, amortecido, e sabia que, quando o efeito passasse, eu seria um poço de irritabilidade e desespero, além da dor que me acertaria cada vez mais forte.

Nossos shows foram todos cancelados, e abanda declarou um mês de luto pela nossa perda tão brusca e dolorosa. Viajamos de volta para nossa casa, fizemos um funeral decente para Charlotte e ficamos dias em casa, na companhia dos nossos pais. Familiares e amigos sempre batiam à nossa porta para nos desejar condolências. Na maioria dessas visitas, eu estava no quarto, trancafiado, emergindo em dor e culpa.

Perder Charlotte sempre foi o meu maior medo, a minha maior preocupação. Era por esse motivo que eu a superprotegia. A ideia de perdê-la me machucava de um jeito insano e inexplicável, um medo quase patológico. Porém, o que me dilacerou e me afundou mais em dor e culpa foi que, além de não ter a protegido, minha irmã morreu com raiva de mim.

Deus!, eu a agredi horas antes. Talvez, se eu tivesse seguido os conselhos de Scott, de ignorar seu estúpido envolvimento com Baker, ela estivesse viva hoje. Eu me sentia diretamente responsável por sua morte.

Corroía-me ainda mais não poder falar sobre isso com alguém. Ninguém sabia da minha discussão com Charlotte e de tê-la agredido, exceto Joe, mas ele também nunca falara nada nos dias posteriores. E eu não queria que ninguém soubesse, pois tinha receio da reação das pessoas.

Minha irmã morreu, e isso era culpa minha. Pelos dias seguintes, eu não consegui dormir sem ajuda de calmantes. Minha psicóloga, que eu já frequentava por conta do meu comportamento explosivo, intensificado desde nosso sucesso, me recomendou um psiquiatra, e este me deu uma medicação para que eu, ao menos, conseguisse dormir decentemente. Contudo, fora minha única consulta desde a morte de Charlotte, apesar de meus pais e todos ao meu redor me aconselharem a continuar com minhas sessões. Mas eu não conseguia. Não por enquanto.

Dois meses se passaram. A Doktor Rock decretou luto de trinta dias, mas, passado esse tempo, eu ainda não me sentia inteiro e bem o bastante para voltar aos palcos. Incentivei meu irmão e meus amigos a voltarem, todavia, preferiram me esperar. Sabiam que o mais atingido com a morte de Charlly, além de meus pais, seria eu.

Sessenta dias. E eu ainda me sentia terrivelmente mal e culpado. Mas eu precisava continuar com a minha vida, com minha carreira. Minha maldita carreira. Anunciei a Scott que estava pronto para voltar ao trabalho; tínhamos fãs para atendermos, contratos a serem cumpridos. Demos uma coletiva de imprensa anunciando o retorno da Doktor Rock. Nosso primeiro show seria em dois dias.

Eu teria mais um tempo para me preparar.

Como seria nosso primeiro show depois de oito semanas, eu sugeri a Scott para prestarmos uma homenagem à Charlotte. Era o mínimo que eu deveria fazer para me redimir um pouco, para tentar arrancar a minha dor e me livrar da culpa. A banda concordou com minha sugestão — até acharam necessário.

Naquele momento, estava em cima do palco — as enormes cortinas pretas estavam fechadas, me separando do público —, me preparando para dar início à nossa apresentação, completamente diferente do que estávamos costumados a fazer. A multidão gritava do outro lado. Clamava por nós.

Ajeitei o violão em minha perna e inspirei fundo. Estava na hora. As cortinas começaram a se abrir, ao fundo, uma música suave da banda passou a tocar enquanto, bem atrás de mim, um vídeo-homenagem a Charlotte, repleto de fotos de todas as fases de sua vida — do nascimento à sua última foto registrada —, se reproduzia.

Eu olhei a multidão, sentado no banco alto, o tripé segurava o microfone no nível dos meus lábios. As pessoas gritavam. Sorri levemente, embora eu tenha me repreendido por isso. Por que estava sentindo felicidade?

Permaneça de luto, J.J.!

— Boa noite a todos — anunciei, ajeitando o microfone. A plateia devolveu, gritando. — Agradeço a presença de vocês, nossos fãs — continuei. O vídeo ainda se reproduzia no telão atrás de mim, assim como a música suave. — Hoje é nosso primeiro show desde nosso luto recente. Perdermos Charlotte. Mais apenas do que assessora da Doktor Rock. Era filha, irmã e amiga.

As lágrimas faziam força para me tomarem, mas eu me esforcei para me manter no controle de minhas emoções.

— Daqui até a final de nossa turnê, abriremos nossos shows de um jeito diferente de como estamos acostumados. Faremos dessa abertura um tributo a Charlotte.

A multidão fez um silêncio respeitoso, como se compreendesse minha dor. As luzes do palco abaixaram, me deixando quase no escuro.

— Todos que tiverem lanternas nos celulares, liguem, por favor — pedi, a voz rouca. Instantaneamente, a plateia o fez.

Milhares de pontos brancos brilhantes na minha frente se estendiam, balançando-se vagarosamente.

— A música favorita de Charlly era Dear God. E, de um jeito bem irônico, a letra da canção diz tudo o que eu desejo nesse momento para ela; seja lá onde minha irmã gêmea esteja.

Fiz uma pequena pausa. Arrumei o violão em minha perna. Inspirei fundo e dei as primeiras notas, cantando a música de Avegend Sevenfold em um cover somente com voz e violão. Fechei os olhos enquanto, de forma suave, entoava a canção, deixando-a fluir de meus lábios com tanto sentimento e emoção como nunca cantei em vinte e sete anos. Segurei-me ao máximo para não desmoronar, mas, na segunda vez no refrão, eu não pude me conter.

Lágrimas rolaram pelos meus olhos quando cantei:

Querido Deus, a única coisa que eu te peço é/ Pra cuidar dela quando eu não estiver por perto/ Quando eu estiver muito longe.

Eu pedi a Deus aquilo que eu não fui capaz de fazer: cuidar de Charlotte.




  4 Querido Deus, a única coisa que eu te peço é/ Pra cuidar dela quando eu não estiver por perto/ Quando eu estiver muito longe. Avegend Sevenfold, Dear God.  

https://youtu.be/mzX0rhF8buo



***


Olá, amores, o que acharam do capítulo? Sempre deixem aquela estrelinha e um comentário maroto pra ajudar na história. <3


Até a próxima, amores. :* 

A.C.NUNES

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