Capítulo 4 - Não um herói ou deus, um ladrão
Omar - Cidade de Argos - Do dia zero ao presente(2 dias e meio pós invocação)
— Então você vai...?! - a princesa Dânae.
Ele a olhou de esguelha, uma brisa perdida balançou os fios escuros do agasalho. Uma mímica de juba atada à borda superior da longa jaqueta de couro branca.
A face de pele escura mantinha um curto sorriso. Os olhos uma calmaria azul.
— Eu sou um ladrão - disse. A voz era alta, clara e suave. - Não um herói ou deus, suas súplicas não me dizem respeito.
Tinha um metro e noventa e orelhas longas. O cabelo liso penteado para trás. Fedia a cravo e canela.
E o quarto a uma miríade azeda de mijo e comida velha.
A garota fitou o assoalho de pedra do aposento. Uma prisão no subsolo. Mobiliada com duas largas camas, três criados mudos e três armários. As portas dos móveis estavam abertas e vestes e livros caídos à frente.
Apenas uma pequena passagem retangular levava ar para dentro e fora. E grossas barras de bronze a estreitavam.
Acrísio a pusera ali. Sem dizer uma palavra, depois de mantê-la trancada em uma torre por dezenas de dias.
Fungou. Lágrimas caíram sobre as bochechas. Quando vira o ladrão, mais do que deveria ver, começou a crer estar a momentos da liberdade. Do ar e sol e rostos e vozes.
— Salvá-la está fora de cogitação - ele comentou, tom perturbadoramente calmo. Íris passeando pelo aposento, mãos nos bolsos. Ela vira suas memórias, ele não deveria estar ali e não fizera nada para ir ali. Era um lugar podre e escuro sobre o qual sequer sabia algo. ''Grite! Se irrite! Pragueje, questione, faça algo!'' - Mas roubar a filha do rei de Argos é diferente.
A ama de leite da garota estava no chão. Dois pratos com restos de comida ao lado da mão esquerda. Farelos e formigas passeavam pelo quarto.
A senhora tremia.
E o rosto de Dânae parou. Lábios separados, olhos semicerrados. Então piscar, levantar da cama e erguer punhos trêmulos à frente do peito. Era coberta por camisola alva e amassada. Melada de restos de comida, os fios dourados um emaranhado.
''Como sabe...?''
Um sorriso subiu ao rosto.
''E importa?''
A levaria dali? Sob a roupagem do furto ou o que quer que fosse, aquele sujeito a libertaria? Se sim, não importa.
— Isso é...?!
— Seu pai está sendo oficialmente roubado por um ladrão qualquer, vossa alteza Dânae. Espero que não seja-lhe muito de um inconveniente.
Aquilo fora dois dias e meio atrás.
''Como o breve relance das memórias da princesa mostrou, não havia indivíduos capazes de fazer frente ao uso de mana''.
''E portanto não tinha nada que chamasse atenção imediata para roubar. Poderia pegar o que quisesse, a hora que quisesse e sem desafio algum. O mais próximo de atrair interesse eram meus conterrâneos...''.
''Até aquele sujeito aparecer e mudar todo meu planejamento''.
— Eu não recomendaria tentar esse truque comigo, rapaz - o homem dissera, encarando a mão erguida do ladrão. A palma fazia sombra sobre sua testa. - Se tem algo que um deus detesta, é ser roubado.
Baixara. O sujeito era um pescoço menor. Vestia toga branca e um colar de folhas verdes. A cabeça tomada por um capacete com asas e os pés por sandálias aladas.
— Um dos doze olimpianos, Hermes. A que devo a visita? - o ladrão perguntou. De pé no telhado de um nobre de Argos, o sobretudo alvo e negro substituído por simples toga bege. Os cabelos pretos caindo para esquerda e direita e formando uma ligeira franja à frente da testa.
— Sabe muito, rapaz. Pensei que as divindades locais fossem ser a última de suas preocupações ao acordar aqui - o deus, rodeando o ladrão.
— Eram a explicação mais provável ao evento - respondeu, olhar perdido na silhueta das casas. - Atrás de algumas outras que acabam de se mostrar um desperdício de tempo investido.
— Uou, os outros não pensaram muito no assunto.
— Uma está em Esparta, é impulsiva e usa magia elemental de fogo. Quantos mais? - perguntou a Hermes. O calor da manhã começando a queimar. O sol encarava tudo e todos de cima e distribuía luz conforme a própria vontade. - Ela tem uma habilidade simples, mas Hemamoteu relatou uma aura extremamente pesada. O nível dos demais é similar?
Hermes riu.
— Já a sua habilidade não é bem simples! Compartilhou o seu com cinco e os faz correr para cá e para lá. Ah e também com a princesa - o deus deu dois tapas no ombro do ladrão. - ''Omar'', que nome apropriado. Calmo, estendendo-se a longas distâncias e pronto a tomar para si o que chamar a atenção na superfície. Não se preocupe, rapaz, nesse ritmo saberá onde todos estão muito em breve. Talvez as duas cujo paradeiro conhece sejam todas que hajam.
— Não deixa passar nada, senhor deus? - soltou um breve riso. Gessica relatara uma figura usando energia mágica em Lycosura. ''Duas metrópoles, dois alvos em potencial''. - Deve saber, que a partir desse momento, você e os seus são quem mais quero roubar.
— Sim, naturalmente.
— Acha que é possível?
— Nem em mil anos.
— Maravilhoso, não tenho dúvidas de que será um roubo sem igual.
— Que mortal convencido, kakaka. Tem sorte de ser eu a vê-lo, os outros não aceitariam bem essa insolência.
Ele partiu após comentar sobre o prazo. Treze dias antes do problema apocalíptico ser resolvido e o ladrão e os demais voltarem ao mundo de origem.
''Se der tudo certo'' Hermes completara.
Omar tinha menos de um mês.
Respirou fundo. Mãos apertaram a cintura. Em cima do mesmo telhado no qual encontrara o deus na manhã anterior, dois dias e meio após acordar naquele mundo.
''O caminho mais provável de sucesso começa após burlar a onisciência divina''.
Fechou os olhos.
''Parcas controlam o destino. Hecate guarda os caminhos. Apolo enxerga o futuro''
Soltou o ar pela boca.
''Um deus não conhece a totalidade de outro, um deus pode esconder seus assuntos de outro...''.
— Omaaar! - Dânae. - Hoje foi tão legal! Eu conheci uma família de centauros! Eles eram bem burrinhos e adoravam beber! Apostamos corrida e....
A íris azul do ladrão a fitou de esguelha. Era acompanhada de olheiras pesadas.
— Você precisa dormir!
Ele sorriu.
— Eu preciso de outra coisa ainda mais, preciso de respostas, vossa alteza - respondeu, riu fracamente. - Por acaso não conhece um modo de passar despercebida a visão dos deuses, conhece?
— Ah, se é isso posso ir até as profetisas de Apolo! Elas fazem previsões e, bom, talvez saibam algo!
Omar assentiu.
— Seria de grande ajuda, vossa alteza.
Ela corou.
— Também posso procurar semideuses! Eles devem saber algo também!
— Não tenho palavras para sequer começar a expressar minha gratidão - Omar, em tom calmo. - Obrigado, garantirei a posse de uma recompensa adequada para seus esforços, princesa Dânae.
''Os deuses são territoriais e, desse modo, seu domínio está em grande parte oculto aos outros''.
Ela tinha virado-se rumo a escadaria quando a voz do ladrão subiu novamente. A princesa voltou-se a ele.
— Preciso que descubra, também, que oferenda seria adequada ao senhor do submundo.
— Algo quente e vivo - Dânae disse. Então o pé ergueu-se, quadril a girar de volta a saída. E parou novamente. - Ah! Mas tem que ser algo bonito e raro.
— Como vossa alteza?
Dânae riu.
— Isso! - a jovem respondeu.
Omar a observou partir. Pequena, curvas tênues e cabelos loiros. Vestida em rubro e colar de ametistas. A ponta dos pés pendiam a lateral enquanto andava. E os braços balançavam no mesmo compasso.
Sorriso fácil e traços harmônicos.
''Servirá''.
Havia roubado a mesma resposta sobre um presente a Hades em livros e sacerdotes.
''Parecem concordar nesse ponto ou admitir não conhecê-lo. É o suficiente''.
Fechou os olhos. Ponderara e pesquisara o suficiente. Chegou ao limite do quanto poderia ir devagar.
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