Capítulo 3 - Não desperdice meu tempo com hipóteses absurdas
Olins, Ars - Cidade de Esparta - Dois dias e meio após invocação
(mesmo tempo que a oni no cap anterior)
— Escuta, moleque. Em treze dias, aproximadamente, esses covardes que preferiram a vida a honra irão matar você... sendo otimista. O mais provavel é tortura e humilhação por um longo tempo primeiro - falou, sentada na cadeira no canto superior do salão. Do espaço com formato de ''U''. Bochecha apoiada em punho, rubro das íris fitando adiante. Homens de joelhos treze passos a frente. Que tremiam e tinham os rostos enrugados úmidos de suor. Sete deles. Mais que o dobro preferira morrer. - O que acha que precisa fazer, moleque?
O garoto de pé ao lado dela engoliu em seco. Magro, tocado por cicatrizes finas em ambas as bochechas. O cabelo era curto. Polegar esquerdo esfregava-se na lateral do indicador.
As íris negras passeando pela face dos homens que governavam sua sociedade.
— Matá-los...? - disse, hesitante.
— É isso?
O espaço era dotado de piso de pedra e colunas alvas. Rabiscado com desenhos de espadas, homens e pergaminhos. Sem teto, delimitado por uma estrutura de corredor.
O ar fedia a óleo de sálvia e lírios.
E tênue fogo.
A mulher usava camisa preta de botões com mangas cumpridas. Calças e sapatos escuros. As luvas eram brancas.
— Outros e-espartanos com mais de sessenta anos... ou os mais próximos disso... me matarão após assumir o lugar desses... ou os novos éforos e os herdeiros dos reis e os esparciatas... - o olhar pendeu ao chão. Estava do lado da mulher que encheu de cinzas o governo. Uma vez que ela partisse ele seria tudo que restou para ser punido. - Vou morrer de qualquer forma...
— Está tentando me insultar? - Ars, tom duro, a íris vermelha fitando-o de esguelha. Sobre o trono de pedra, com outro vazio ao lado. Calor intensificando ao redor de si. - Está dizendo que deixarei que pague por minha bagunça? Se for, fale claramente.
Mais suor desceu pela pele do garoto. Pela pele dos demais no amplo antro em forma de ''U''. O céu pairava matinal acima, ocupado apenas pelo sol.
O menino, Tigas, balançou a cabeça em um ''não'' agitado.
Vento retorcia-se quente no entorno da mulher sobre o trono. Usando um chapéu negro adornado com um circulo dourado e amplo, marcado por asas na parte externa e olhos na interna.
Três segundos. Ars fechou os olhos, respirou. Os abriu para a figura esguia do menino ao lado.
— Moleque, o que traz progresso aonde quer que seja alcançado?
Ele fechou os olhos com força, polegares esfregando vigorosamente a lateral dos indicadores. Instantes, segundos e minutos de silêncio.
Ars suspirou e fitou os velhos em togas simples.
Eram marcados por poeira, suor e tremor. Cabelos brancos e escassos. Tirados de suas casas por homens que aceitaram as ordens de uma mulher em trajes estranhos. Membros da Gerúsia que viram vinte e um de seus iguais queimados a cinzas.
Idosos levados a uma pessoa que sentava no trono de um dos reis de Esparta.
— Essa é a última vez que tolero seu fracasso, moleque - Ars comentou e fez as partículas de energia mágica voltarem a inércia. A atmosfera esfriou poucos segundos depois. - Conhecimento e a capacidade de dá-lo uso prático, deve me dizer se eu perguntar outra vez. Essa terra está inúmeras gerações atrasada e em treze dias te farei capaz de avançá-la em seiscentos anos. Se você for um pouco mais do que parece, um milênio.
— Podemos, por favor leva... - combustão interrompeu o velho. Os outros se agitaram, levantaram e clamaram misericórdia.
E queimaram até se tornarem marcas negras no chão.
— Por que...? - Tigas.
— Eram inúteis e despidos de um mínimo de ética. Já tive o suficiente disso. Vamos, moleque - Ars se levantando e amaldiçoando em pensamento a falta de café.
Estava naquela terra há dois dias e meio.
Começou a estadia confirmando sua superioridade bélica. No seguinte tomou a força o controle da metrópole.
Apenas quarenta por cento dos soldados de Esparta preferiram a morte. Os demais alcunharam-na de ́ ́abençoada por Hefesto, o deus do fogo e forjas'' e baixaram as armas.
Ars não afirmou ou negou. Disse ao espartano na frente da horda que, caso não houvesse um recente, iniciasse um catálogo contendo o nome, idade e sexo de todos os residentes da cidade.
Então caminhara capital adentro. Checando edifícios, pessoas, alimentos, ferramentas e água. Fazendo perguntas e anotando em uma folha. E em outra e outra. Depois pondo Tigas a carregá-las.
Também no segundo dia Ares, deus da guerra, a abordou.
''Está aqui por um descuido das suas divindades, eles meio que começaram o próprio apocalipse e alguns mortais de lá caíram por aqui''.
A única coisa que pôde pensar no momento foi em como deveria deixar de ser ateia quando voltasse para casa.
Encontrara Tigas no primeiro dia, três minutos depois de acordar ali. Tinha aberto os olhos e recebido odor pútrido direto no nariz, textura mole e umidade abaixo de si. Piscara, os músculos da face mais tensos a cada levantar de pálpebra.
Casas de pedra do outro lado da via. Paredes a direita e a esquerda de si. Uma tocha apoiada em uma pequena coluna na calçada oposta iluminava um solo sem pavimento. No céu estrelas e lua brilhavam em um mar de breu.
As constelações ''A rocha'', ''Apocalipse'', ''Canal Menor'' e cinco mais não estavam lá.
E, Ars Olins, pairava sentada no meio de um beco. Em cima de poça de mijo e bosta.
Tigas passou na borda do beco vinte segundos após a mulher de olhos rubros aceitar sua situação. O menino segurava uma maçã. Mordida, quase negra e marcada por buracos de minhoca.
Foi quando vira mais do que devia do moleque.
Memórias de furtos e lutas por comida. De músculos doloridos e vômitos. Sentimentos de medo, raiva e dor. As cenas e emoções foram forçadas na cabeça dela.
E pulsaram lá por treze longos segundos.
''Não tão diferente da infância que tive''.
Ars Olins era uma das crianças que ''nunca existiram'' do rei de Marte. Nasceu e foi jogada em uma metalúrgica. A capacidade de produção de calor usada para moldar o minério ''matéria escura'' que necessita de temperaturas absurdamente altas para ser trabalhado.
Antares, seu irmão, tirou-a do lugar quando completou doze anos.
''E fiz questão de esquecer tudo sobre aquele buraco quando saí... até chamei o rei de 'papai' como uma vadia estúpida''
— Avise os novos monarcas para comparecerem a cúpula ao meio dia - ordenou a um dos espartanos que acreditava que Ars era uma enviada, ou protegida, de Hefesto. Ouvira uma roda de hoplitas comentar que ela podia ser o próprio disfarçado. - E relembre que não vou tolerar desperdício de tempo com o funeral dos antigos.
Ele acenou e partiu.
Tigas e Ars seguiram vias a baixo. Pararam à frente de canteiros para a mulher de íris rubras falar sobre fertilizantes e estratégias de cultivo. Então em uma casa para falar sobre edificações e numa vala para falar de planejamento sanitário.
— Eu não acho que vou lembrar - ele disse quando uma palestra sobre matemática começou.
Ars o fitou de esguelha. Uma mão mais alta, vestindo negro com detalhes dourados nos botões, bainhas da camisa e fivela do cinto. Os fios do cabelo caindo sobre as costas em um tom profundo de breu.
Fogo como se Apolo houvesse descido a terra montado no sol.
— Está dizendo que estará morto em treze dias? Se for, fale claramente - a voz era austera, a expressão uma selvageria quieta e gélida.
Os lábios de Tigas comprimiram, olhar descendo ao solo de pedras irregulares.
A ponta da boca de Ars pendeu em um esgar irritado. E as pálpebras desceram, então subiram e um soltar sonoro de ar escapou do nariz.
Então pôs um sorriso leve no rosto.
— Venha, vamos procurar uma enxada e material de escrita - Ars, e seguiu andando. Iria fazê-lo capaz de governar o lugar tão bem que não o matariam mesmo após ela partir. - Recorde todas as pessoas que viu desde minha aparição e conte suas impressões.
Após cinco passos a criança espartana seguiu em seu encalço.
Além do pirralho havia outra linha de pensamento. Existiam mais indivíduos de seu mundo naquele, ''seres excepcionalmente poderosos'' dissera Ares, deus patrono de Esparta.
Contatá-los e assegurar um cessar fogo.
''Mas onde e quantos?''. ''Que tipo de sujeitos são? Qual desejo nutrem?''.
Cerrou os punhos. Iria precisar desenhar círculos mágicos ao redor da cidade como uma mulher das cavernas para monitorar a aproximação deles. Preparar sete residências, em diferentes regiões da capital já que pretendia se mover bastante, com maldições e magias de dungeon. Terminar de memorizar a planta do lugar e preparar uma rota de fuga para a população.
''Loucura, depois de todo o barulho que fiz é impossível preparar a cidade a tempo''.
''Um espaço de trezentos metros na entrada da cidade terá de servir por...'' soltou um curto xingamento, sola do sapato subiu e desceu. ''Que vontade desgraçada de só ter um confronto direto. Deixar a força, habilidade e sorte decidirem. Esperar tranquilamente o inimigo aparecer...! Quero café!''.
Respirou fundo.
''Se ceder a essa vontade morrerá por pura estupidez. Mantenha a porra da cabeça no lugar''.
Tinha que checar também os três principais causadores de desejo: alimento, luxúria e conforto. Precisava manter à disposição essas três moedas para um começo.
Chegara ali com as roupas do corpo e chapéu. Sem o rifle, a pistola, os drones de bolso, a armadura de matéria escura ou o sabre.
''Posso supor que os demais vieram sob as mesmas condições?''. Fechou os olhos. Sim... não.
Transporte para outro mundo, outro tempo. Ter as memórias de uma criança a saltarem em sua cabeça.
''Como eu poderia ter total certeza apenas pensando logicamente?''.
— Moleque, tenho fome. Traga um cesto de frutas e pães - avisou. Estavam alguns metros cidade a fora. Sobre campo marcado por gramíneas, brisas e árvores distantes. Tigas posto a arar o solo e entender o processo. Até parar e a fitar. Suor escorria pelo rosto dele, os braços magros vermelhos do esforço e a boca assumindo o papel do nariz. - Não seja morto, surrado ou raptado. Consiga e terei certeza de o recompensar.
Tigas acenou positivamente e largou a ferramenta. Respirou fundo e limpou parte da terra nos braços e vestes.
— Claro que também não deve deixar de trazer a encomenda.
Outro ''sim'' gesticulado pelo mover de cabeça. Então disparar rumo às edificações de Esparta.
O som dos passos dele sumiram após vinte segundos.
— Ouvi bastante um nome ao andar por essas vias - Ars começou, rubro voltando-se a figura atrás de uma árvore. - ''Aquiles ceifará sua vida, puta'', ''Aquiles nos vingará'', ''Espero que Aquiles te dê uma morte lenta e dolorosa, meretriz''. E então, é você?
O sujeito pisou no campo de visão. Alto, atlético e usando peitoral de couro leve e calças brancas. Loiro, íris azuis, espada embainhada.
Algo queimava ao redor do rapaz.
Não era energia mágica, ''mana'', do mundo de Ars. Sequer visível. Lançava arrepios espinha acima e abaixo dela. No silêncio daquele campo aberto, maculado apenas por uma ou outra árvore e grama, e afiando os sentidos... podia até notar um chiado.
''Muito bem, vamos ir com calma''
Ele se aproximou. Passo a passo sobre grama, chão e flores. A luz da manhã cobrindo-o por inteiro e o vento levitando-lhe tenuamente os fios loiros do cabelo.
Intocado pelo pingar de terra ou suor.
— Fez uma bela bagunça em minha casa, forasteira. Pronta para o preço de suas ações?
''Droga...''
O sorriso esticou-se por si mesmo no rosto de Ars. Os dedos remexeram-se nas mãos tensas.
''Eu não deveria transformar isso em uma luta...''
Mas precisava saber. Quem ficaria de pé, quem ficaria no chão? Podia fazer algo sem ter nenhuma ideia do que ele era? Podia lidar com o inesperado?
''Eu preciso, merda!''
- Que presença assustadora você tem, forasteira - Aquiles puxando o gladio bainha a fora. A atmosfera ao redor da mulher era quente como lava. - Quase me faz ficar feliz em atacá-la.
''He... não vai dar para deixar esse desafio passar, mas, pelo menos...''.
— Que tal uma aposta? - Ars, mão subiu a camisa. Soltou dois botões, expondo o pescoço ao toque da brisa. O material resistente ao calor das vestes começando a chegar ao limite, a avermelhar. - Assim que eu vencer, colocará sua espada a serviço do moleque que acabou de nos deixar.
— E quando você perder?
Ars riu.
— Não desperdice meu tempo com hipóteses absurdas.
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