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8

Eu era tão pura quanto um rio

Mas agora acho que estou possuída

Você colocou uma febre dentro de mim

E estou fria desde que você me deixou

-Haunting (Halsey)

Sozinho, o padre Moacir chegou à casa dos Machado às sete da noite de uma quarta-feira. Nas mãos, uma bíblia e uma mala de couro marrom, desgastada e cheia de história.

Cumprimentou o casal abatido com um aceno de cabeça, adentrando o local em seguida. A mobília empoeirada denunciava a falta de tempo dos dois, que sequer pensavam em outra coisa a não ser a filha acamada.

-Sinto muito pela demora, o bispo lerdeou em aceitar o pedido de execução ritual - eximiu-se.

Semicerrou os olhos castanhos e inspecionou o lugar. A casa estava quieta, podia ouvir a respiração dos presentes.

 Coçou a barba branca, contrastante com a pele escura, e perguntou:

-Onde está a menina?

Clara passou a mão pelos cabelos cacheados, voltando-se ao padre. A carranca do senhor não era sinal de mau-humor e sim uma característica sua. Era conhecido pela amargura tanto quanto pela batina que vestia.

-Está no andar de cima. Da última vez entrei no quarto estava dormindo.

-Certo, vou subir, então -disse, simplesmente. Não era de enrolações e conversa desnecessária.

Bernardo arregalou os olhos, adiantando-se na direção da escada. Sua camiseta social e seu rosto estavam amassados, como se tivesse cochilado sobre a mesa de trabalho.

-O senhor não aceita um copo d'água antes? Um café?

-Com todo o respeito, filho, não é o primeiro exorcismo que faço na vida. Não precisam fazer um preparo psicológico comigo. Já vi todo o tipo de coisa, podem acreditar.- Seu olhar severo alternou entre Bernardo e Clara - Vocês já me disseram tudo que preciso saber sobre Sakura, me contaram o que vem acontecendo e o relato do Dr. Decir deixou bem claro que o que temos aqui é um caso de possessão. Já é o suficiente. O mais, deixemos nas mãos Dele. - Gesticulou discretamente para cima.

-Sinto muito - respondeu Bernardo, passando a mão pelo rosto. - Acho que estou com um pouco de medo do que pode resultar disso. Precisa entender padre, é a nossa filha lá em cima.

O senhor de idade anuiu em silêncio e subiu as escadas, indicando para que o casal o seguisse.

>>>

Encontrava-se, agora, diante da porta do quarto de Sakura. Assim que a abrisse, tudo mudaria. A luta se iniciaria e não acabaria tão cedo. O bem e o mal, o servo de Deus e a cria do Diabo, o pecador e o pecado.

Colocou a mão sobre a maçaneta e empurrou a porta. A menina dormia, imóvel, na cama. Sua respiração era ritmada e constante, quase um ronco leve.

O padre entrou e pousou a mala sobre a cômoda lilás, abrindo-a e começando a retirar diversos objetos de dentro dela. O lugar estava inimaginavelmente frio e o cheiro remetia à carne podre.

Clara e Bernardo colocaram-se perto da cama e esperaram que Moacir lhes desse algum comando, mas em vão.

O homem corpulento fez o sinal da cruz em seu peito e nos dois e espalhou água benta pelo cômodo, jogando-a em si próprio e no casal. Pegou a bíblia e colou-a sobre a cama, voltando até a mala e tirando dela um crucifixo e uma imagem da Virgem Maria. Porém, assim que arrumou-as na cômoda, Sakura despertou.

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A menina e Gael estavam recostados na árvore com galhos em forma de coração, aproveitando o jantar que ela materializara para ambos.

Em seu prato havia arroz, feijão, salsichas e brócolis, no desenho de um rosto sorridente que a encarava. No de Gael, um Big Mac gorduroso que com certeza Tia Lia classificaria como "caminho para a obesidade infantil".

-Você está ficando boa nisso, o gosto já está quase parecido com o de um Fast Food de verdade. - Gael afirmou, mesmo sem ter certeza. Já fazia tanto tempo que não comia algo daquele gênero. Era uma das coisas do mundo real das quais mais sentia falta.

-Obrigada, fica mais fácil depois de tantas tentativas...

Ela se lembrou com pesar das primeiras vezes em que materializara comida. Nunca esqueceria o gosto de papelão na boca ou a cara de quem fingia ter gostado de Gael. Pelo menos a intenção havia sido boa.

Foi quando Sakura levou a primeira garfada de brócolis à boca - o nariz da careta feliz -, que sentiu um arrepio subir pela espinha. Mal teve tempo de dizer algo ao amigo e uma fumaça escura já começara a brotar na frente dos dois.

Um som gutural - meio zumbido, meio grito - chegou aos ouvidos deles. Foi lentamente tomando forma, se aproximando, como um rádio que aos poucos encontra a estação certa, e tornou-se uma risada diabólica e estridente.

A fumaça se agitou ainda mais, fervilhando depressa. O barulho era insuportavelmente alto, penetrando na cabeça de Sakura e fazendo-a tampar os ouvidos.

Então aquele rebuliço tomou forma e uma silhueta monstruosa apareceu: Algo que lembrava vagamente um ser humano, mas com quatro tentáculos (como os de uma lula) saindo das costas e voltando-se para frente. Não possuía rosto e beirava os dois metros de altura, com compridos braços pendendo ao lado do corpo e uma pele ainda mais branca que a de Sakura, com a qual o cabelo combinava.

Ele vestia uma túnica preta simples, que aparentemente servia apenas para tampar-lhe o corpo, sem grandes luxos. Um simples trapo desgastado que poderia ser confundido com um lençol.

Boquiaberta e apavorada, Sakura encarava a criatura fixamente. De algum modo, ela sabia exatamente de quem - ou de que - se tratava. Podia sentir em seu íntimo.

Foi mais ou menos nesse ponto em que um cheiro de podre invadiu suas narinas, fazendo-a contorcer o rosto numa careta.

Olhou para baixo, procurando a fonte do fedor e não conteve o grito de nojo ao ver seu prato. Dali minavam vermes, retorcendo-se por entre a comida agora podre. Eles vinham devagar em sua direção, asquerosos.

Levantou, sentindo náuseas por conta de toda a situação e pela informação em abundância num curto espaço de tempo, cambaleou dois passos para trás e bateu as costas contra o tronco  no qual estivera apoiando-as.

Gael levantou-se também, indo no socorro da pequena, mas estacou ao olhar para a grande árvore.

A mesma murchava numa velocidade impressionante, fazendo o momento assemelhar-se a um timelapse macabro. As folhas caíam e os galhos secavam depressa. A àrvore estava morrendo.

Sakura direcionou seu olhar para ela, gritando novamente de terror e frustração. Seu trabalho, todo o seu trabalho duro estava escorrendo pelos seus dedos.

Um sentimento terrível atingiu-a, fazendo lágrimas quentes escorrerem pelas suas bochechas a contra gosto.

Ela não podia fazer nada. Estava impotente, condenada apenas a observar todo o seu esforço ir ralo a baixo.

Ela encarou Lilith novamente. Ele sorria, a satisfação em seu rosto era tão óbvia que não eram necessários olhos para demonstrá-la.

Ele estava aproveitando cada segundo enquanto destruía tudo que ela havia lutado tanto para criar.

>>>

Olá, viajantes literários! Tudo certinho?

Antes que eu seja apedrejada em plena praça pública, posso explicar porque não teve capítulo semana passada: PRO-VAS!
Ah, sim, como eu as amo.😒

Felizmente, pude voltar hoje para postar o lindo penúltimo capítulo da nossa história. Degustaram bem? Fico feliz, porque semana que vem tem mais, e no dia certo!

Preparem o coração para os impactos do epílogo dessa aventura. Amo muito vocês.


🌟Aperte a estrelinha e faça uma autora mais feliz.🌟

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