7. VERDADES E MITOS
Olá. Quero começar esclarecendo que não é o objetivo desta obra falar sobre crenças e julgá-las certas ou erradas. O que minha personagem vai falar é da crença do povo dela, baseada na história do povo dela, então por favor, nada de discussões sobre cristianismo, espiritismo ou qualquer outro tipo de religião, essa é a cultura das ninfas na minha obra e vocês irão descobrir mais coisas sobre a cultura delas apenas com o avanço da narrativa, portanto, tenham paciência.
Dríades.
Joshua já ouvira falar dessas criaturas míticas.
Leitura era um dos passatempos favoritos dele, por isso costumava passar todo o tempo que podia com livros na mão, seus preferidos eram os de fantasia. Ele era fã de Harry Potter porque, além de ser uma história incrível, se passava em seu país.
Mas se tinha um assunto que o prendia muito à literatura era a mitologia grega. Aquelas histórias cheias de deuses, semideuses, heróis e monstros era fascinante para ele, e tinha um mito em especial que o fazia lamentar por não ser mais explorado.
— Dríades, protetoras das florestas, caçadoras hábeis que nascem, vivem e morrem em uma árvore, geralmente carvalhos, e que não podem se afastar do local de seu nascimento ou definham até morrer. — Ele olhou para a mulher à sua frente, que tinha uma expressão surpresa pelo conhecimento que ele não deveria ter. — Elas se vingam de quem agride a natureza, se derrubarem as árvores que são sua morada, elas morrem.
— Como sabe essas coisas?
— Livros. — Ele deu de ombros. — Essa é a história que os livros contam. O povo grego acreditava na existência de muitos deuses e criaturas originadas deles, mas com o passar dos séculos isso se tornou mitologia de um povo que queria explicar tudo através de ações sobrenaturais em vez de aceitar que a vida é feita pelas escolhas humanas.
Ela fez uma careta de desgosto.
— Humanos e sua mania de achar que são o centro do mundo.
— Então tudo que os gregos acreditavam realmente existe? Deuses, monstros, ninfas...
— Deuses? Não. Só existe um Deus Supremo cujo poder é imensurável demais para que qualquer criatura possa compreender. Ele criou o universo e se comunica através da natureza. Tudo era perfeito, até que a criação se corrompeu.
— Mas então, como é possível existirem ninfas se não existem os deuses?
— O que os humanos chamam de deuses foram humanos tocados pelos anjos em um momento da história, quando o caos dominava tudo e os homens estavam mergulhados em maldade. Os anjos escolheram homens e mulheres cujos corações não estavam corrompidos, e com a permissão do Criador deram a eles dons especiais que os humanos comuns não possuíam. Esses dons foram passados aos seus descendentes através do laço sanguíneo, de geração em geração, até os dias atuais.
Joshua ouvia atentamente as palavras da dríade, ansioso por descobrir o que era verdade ou invenção das histórias. Ele observava sua voz aveludada de tom agradável, os lábios rosados tremiam um pouco ao pronunciar palavras com a letra R. O rosto era fino, em formato oval, os olhos violetas se destacavam, brilhantes.
Como se fosse a coisa mais natural do mundo, a moça fez um gesto com as mãos e galhos do carvalho se moveram para agarrar a ambos, erguendo-os para que ficassem sentados de frente um para o outro, como se estivessem em balanços a três metros do chão.
Joshua ficou com medo, mas a morena parecia muito confortável, então ele se deu conta de que aquilo provavelmente era muito normal para ela e que ele era o objeto estranho de estudo ali.
— Então eles não são imortais?
— Não, eles apenas tiveram mais longevidade do que os humanos. Os que foram tocados pelos anjos formaram uma nova espécie, mais poderosa, forte e com mais vida, que saíram de várias partes do mundo e se reuniram em um monte chamado Olimpo, na época o mais inóspito. Com a ajuda de seus poderes adquiridos construíram um enorme palácio onde passaram a morar.
— Interessante, então eles não eram todos gregos. Mas como surgiu essa história de serem deuses?
— Como os humanos não tinham nada do que os tocados tinham, passaram a venerá-los como deuses, porque para eles não existia outra explicação. Se os moradores do Monte Olimpo tinham poder sobre os elementos da natureza e não envelheciam, eles só podiam ser deuses. Os tocados não desmentiram isso porque não podiam contar o que os anjos fizeram, e porque, ao acreditarem na mentira, os humanos permaneceram longe deles e muitos passaram a adorá-los, procurando seus favores.
— Então Zeus, Hades e Poseidon não eram irmãos e não cuidavam cada um de uma parte do planeta? E Atenas não era filha de Zeus ou Afrodite não nasceu das espumas do mar? E quanto a Baco, Áries e todos os outros?
Joshua ficou surpreso quando a moça começou a gargalhar de tal forma que lágrimas cintilantes começaram a escorrer por seu rosto e ela levou a mão à barriga plana. Ele achou que ela ficava mais bela quando sorria.
— O que é tão engraçado? — perguntou curioso.
— Você precisa me contar as histórias dos seus livros, parecem muito engraçadas e totalmente fora da realidade.
Ele sorriu. A reação dela só aumentava sua vontade de saber mais.
— Posso fazer melhor do que contar. Posso conseguir os livros de mitologia grega para você mesma ler. Acredito que na sinapse você também aprendeu a ler como eu, não foi?
Ela assentiu.
— Sim, na sua língua materna e na outra que você falou nos últimos anos.
— Inglês, ótimo, os livros são mesmo em inglês.
Ela ficou encarando Joshua em silêncio por um tempo, até que ele pigarreou, envergonhado.
— É costume das ninfas encarar assim?
— Oh, desculpe-me. — Ela baixou o olhar. — Não, é uma mania minha, e vovó já me disse que não é educado.
— Tudo bem, não precisa pedir desculpas, eu só não sou acostumado a ser olhado desse jeito. Na cidade onde eu morei a maior parte da minha vida não é comum as pessoas encararem umas às outras, mas na vila isso é normal.
A expressão dela ficou muito séria.
— Você tem um jeito tão simples que por um momento esqueci que foi criado no meio dos humanos.
— Bem, eu sou humano, então...
Ele se interrompeu ao notar algo na expressão dela, como se discordasse dele. Foi então que lembrou do que ela fez minutos antes.
— Por que você me feriu e depois provou meu sangue? Seus olhos ficaram...
Ela desviou o olhar e ficou em pé no galho, depois se pendurou em outro galho mais alto como se fosse uma trapezista.
— Me desculpe. Quando você falou que sua mãe lhe disse coisas sobre o bosque... eu só precisava saber como ela sabia, porque nenhum humano comum entra aqui sem se perder ou enlouquecer.
— Por favor, me diz por que isso. E o que você descobriu com meu sangue?
Ela parou de se pendurar e saltou para o galho onde ele estava, e o galho automaticamente se abriu para acomodar os dois. Ao tê-la tão perto, Joshua pôde sentir o cheiro de frésias que ele sentira antes. Ia falar sobre isso, mas ela falou primeiro.
— O bosque sente as intenções humanas. Na maioria das vezes, quando um humano invade os territórios das dríades, seus pensamentos são de destruição, eles querem derrubar as árvores para construir aquelas coisas onde vivem...
— Territórios? Então o Bosque Proibido não é o único lugar onde vocês vivem?
— Os humanos chamam Grradhy¹ de Proibido? É claro que não somos as únicas dríades do mundo! Existem tribos espalhadas em todos os continentes, em ilhas e florestas imensas. A tribo mais poderosa em questão de número vive em uma floresta chamada Amazônia.
— Espera, você está falando das Amazonas? Guerreiras habilidosas de uma tribo onde só existem mulheres e os homens só servem para procriar e depois são descartados?
— É isso que os livros contam? Preciso mesmo ler os livros humanos. As Amazonas são descendentes das gêmeas Ártemis e Atena, por isso são guerreiras conhecidas.
— Ártemis não era gêmea de Apolo?
— Eles eram trigêmeos. Os seus livros falam que Atena não era irmã deles?
— Não, eles eram irmãos, mas Atena nasceu da cabeça de Zeus².
Mais uma vez a garota teve uma crise de risos tão forte que Joshua teve medo de cair do galho, que estremecia junto com ela.
— Ai, nossa! As histórias humanas são as mais mirabolantes.
— Me conta mais, por favor... sobre o bosque e sobre meu sangue. Depois quero saber a verdadeira história do seu povo.
Ela parou de rir e o fitou, sua expressão ficando triste.
— Quando um humano entra em Grradhy com intenção de derrubar as árvores, eles têm a mente invadida pelas almas ancestrais, que os fazem ver coisas terríveis e sentir dores inimagináveis, os mais fortes enlouquecem e os mais fracos morrem e são engolidos pela terra.
Joshua estremeceu, lembrando de quanta dor sentiu ao entrar no bosque pela primeira vez. Sua cabeça parecia a ponto de explodir de dor.
— E não existem exceções?
— Foram raras as vezes. Mesmo quando a intenção é pura, eles são testados, passam pela dor, mas só a ponto de ter lágrimas ou sangue, esses são os pagamentos exigidos pela invasão às terras mágicas, pois são manifestações da dor.
— Mas quando a intenção é pura, por que exigir pagamento de dor?
— Porque no passado os humanos nos causaram tanta dor e destruição que fomos obrigados a nos esconder deles. Com o tempo eles pararam de nos ver e começaram a acreditar que éramos apenas lendas. Foi melhor assim, mais seguro. Por isso, quando um humano que ama a natureza invade nossas terras, ele paga o preço por sua linhagem sanguínea humana. — Ela o fitou nos olhos. — Por isso você pagou o preço.
— Você sabe disso por causa da sinapse?
— Não, a sinapse não nos dá acesso às memórias de outro ser, somente ao seu conhecimento e intenções. Por isso eu pensei que você era de outra tribo, não descendente de humanos.
— Então foi por causa do que fez com meu sangue, não foi? Me diga o que descobriu.
Ela se esquivou e pulou no chão, fazendo um gesto para que o galho baixasse Joshua até ela.
— O ritual sanguíneo dá acesso à sua história sanguínea, sua linhagem, e com isso dá para acessar todas as suas memórias relacionadas à sua família.
Ele ofegou, surpreso.
— Então você agora conhece minha família e toda a minha linhagem. Todo o seu povo invade a privacidade das pessoas assim? Acessa memórias à força?
Ela abaixou a cabeça e Joshua percebeu que estava chorando.
— Não, esse é um dom meu e dos meus ancestrais. Desculpe-me, Joshua, eu não deveria ter feito isso, só fiquei assustada por um humano saber coisas que não deveria sobre o bosque e ter chegado até aqui.
Ela limpou as lágrimas e sentou em uma raiz exposta de carvalho.
— Depois que um humano paga o preço, ele pode ir e voltar para o bosque, mas nas raras vezes em que nossa história mostra isso acontecendo, os humanos escolheram viver entre nós e abandonar o mundo lá fora. É a primeira vez que vejo alguém que transita entre os dois mundos livremente, sem ficar aqui para sempre.
— Então nunca aconteceu de alguém ir e voltar entre o bosque e o vilarejo?
— Houve uma vez em que um humano entrou no bosque e pagou o preço de sangue. Dizem que ele conheceu uma ninfa e se apaixonou por ela, mas em vez de escolher se ligar à terra e à tribo por ela, eles fizeram o ritual da conexão sem o consentimento dos pais e dos chefes, por isso ele foi condenado ao exílio e ela seria obrigada a se conectar com um poderoso guerreiro da tribo para criar o broto humano dentro da nossa sociedade e costumes. No entanto, o guerreiro descobriu que ela não era mais donzela e exigiu que a semente de sua conexão com o humano fosse destruída, por isso ela fugiu de Grradhy, mas por ser filha da terra mágica, seus descendentes pertencem ao bosque.
— Interessante. Você conheceu essa ninfa?
— Não, essa história é contada pelos anciãos, eu tinha acabado o processo de germinação havia pouco tempo quando aconteceu.
Ele a olhou, intrigado.
— Germinação é quando, através das condições propícias, com água, temperatura, oxigênio e luz solar, a semente começa a formar as raízes de uma planta, para que ela seja estruturada até formar as outras partes. Vocês são como plantas?
— Nós germinamos na barriga da mãe, depois brotamos e somos alimentados por um tempo da sua seiva branca, que só as mães produzem, e quando paramos, começamos a nos alimentar dos nutrientes da terra e nossos poderes são passados a nós das raízes da árvore onde nascemos.
— Você está descrevendo o que chamamos de gravidez, parto e leite materno, exceto a parte dos poderes. Como funciona seu crescimento?
— Nós crescemos dentro da árvore, nos alimentando de tudo que seus galhos nos oferecem, até alcançar a idade do desabrochar, quando podemos nos aventurar para fora da árvore e descobrir os segredos do bosque e da nossa sociedade. Eu desabrochei há quase dezesseis anos atrás, tinha quinze anos.
— Quinze? — Ele arregalou os olhos. — Isso é impossível, você parece ter no máximo vinte anos, não pode ter trinta!
— Vou fazer trinta e dois, na verdade. Até o desabrochar, somos crianças vivendo na proteção da nossa casca. — Ela tocou no tronco do carvalho. — Então vem o ritual do desabrochar, quando as almas ancestrais que protegem os limites do bosque mandam descargas de energia que se fortalecem a cada árvore viva e chegam aos brotos, isso nos dá força para conseguir romper a casca e nos fundir com a árvore onde nascemos. Assim começamos a explorar e nos ligar à natureza.
— Mas como você pode parecer tão nova?
— Nossa vida é três vezes mais longa que a de um humano, por isso nosso processo de crescimento é mais lento. Pelos padrões humanos que aprendi ao fazer a sinapse com você, eu tinha o tamanho de uma criança de dez anos quando rompi a casca, e somente aos vinte e cinco alcancei a maturidade, o que significa que posso me conectar a alguém e produzir sementes. Eu tinha a aparência de dezesseis anos.
Ele coçou a cabeça.
— Isso é como a puberdade humana, mas de um jeito mais estranho. Vocês se casam quando amadurecem?
— Não funciona assim. Temos que encontrar nosso companheiro designado pelas almas ancestrais, mas não é tão fácil. Os machos demoram mais tempo para amadurecer, entre trinta e cinco e quarenta anos, o que para os humanos seria em torno dos vinte e cinco. Enquanto eles não amadurecem, não dá para encontrar sua companheira. Estou madura há sete anos e nunca encontrei meu companheiro, por isso acredito que ele ainda não amadureceu.
— Uau. São tantas informações que me sinto meio tonto. Mas você, de novo, não me falou o que descobriu sobre a minha linhagem.
Ela ia falar alguma coisa quando ouviram um barulho semelhante a um bocejo, e a árvore menor que as outras se moveu.
— Minha avó está acordando, você deve ir.
— Espera, essa árvore é realmente sua avó? Então eu peguei mesmo nos...
— Peitos dela? — completou a morena. — Sim, mas ela estava dormindo, por isso você continua com as mãos grudadas aos punhos. Agora vai, as outras ninfas não serão tão abertas à sua presença quanto eu.
— Eu vou, mas antes me diz seu nome.
— Me chamam de Frshivssya — falou naquela linguagem consonantal áspera.
— O quê?
— Na sua língua é Freesia. Meu nome é Freesia.
¹ Grradhy é como as ninfas chamam o bosque, em gaélico escocês seria Gàrradh (bosque).
² Para quem não conhece a mitologia grega, ou uma parte dela, vou explicar sobre Atena ter nascido da cabeça de Zeus:
A princesa Métis, deusa da prudência, tinha o poder de transforma-se em qualquer animal. Quando descobriu a sua gravidez, o marido lhe pediu uma demonstração dos seus dons. Métis transmutou-se em mosca, mesmo sem saber das intenções de Zeus, que acreditara na profecia de que um dos seus filhos nasceria mais forte e lhe roubaria o trono.
Na figura de mosca Métis foi engolida pelo marido. Com o passar dos tempos, o pai de todos os deuses começou a sentir intensas dores na cabeça. Cansado da dor incurável, pediu ao filho Hefesto que lhe arrancasse.
Hefesto deu-lhe uma machadada, abrindo o cérebro do pai (nem um pouco bruto ele, né? Huahua). Então Atena, já crescida, saiu armada e entonando um forte grito de guerra. A deusa logo mostrou-se extremamente inteligente e dona de inúmeras estratégias militares. Atena era tão imbatível que nem o deus Ares, o senhor da guerra, conseguia vencê-la.
Por ser mulher, Zeus considerou que ela não era o filho da profecia, capaz de roubar seu trono, por isso permitiu que ela fosse parte integrante do Panteon dos deuses. Ele era um babaca machista, como vocês podem perceber.
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