1. O BOSQUE PROIBIDO
HIGHLANDS, junho de 1989
Joshua ouviu o barulho dos passos pesados de seu pai indo em direção à cozinha, mas permaneceu deitado em sua cama olhando pela janela de vidro para o céu estrelado. Era lindo. Ele nunca se cansava de admirar o céu à noite.
Seu lar era um pequeno vilarejo, perdido em algum lugar da Escócia. Era calmo, silencioso, um lugar onde não havia muito que um garoto de quase dez anos pudesse fazer para se divertir, exceto explorar a natureza e aprender sobre ela.
O problema era que ele já havia explorado toda a área existente nas proximidades, mas o limite do quintal de sua casa dava para um bosque onde ele era terminantemente proibido de entrar.
Desde que começou a falar e fazer perguntas curiosas a seus pais, Joshua os ouvia dizer que aquele bosque era proibido. Ele cresceu ouvindo que jamais, em hipótese alguma, deveria transpor os limites da entrada daquele lugar sombrio, de onde se ouviam sussurros e barulhos estranhos na calada da noite.
Uma parte do garoto franzino de atentos olhos avelãs por trás de óculos de grau de lentes grossas, achava que tudo aquilo era bobagem dos adultos. Mas havia a parte curiosa, o lado de garoto muito propenso à fantasia, que imaginava quantos segredos mágicos deviam existir por trás daquelas árvores antigas e gigantescas que delimitavam a entrada do bosque que todos conheciam como o Bosque Proibido.
A bem da verdade, ninguém nunca soube explicar por que o bosque era vetado aos moradores do vilarejo, visto que um terço das casas ali tinham o quintal delimitado justamente pelas árvores na borda do bosque. Todavia, era assim que os pais ensinavam, e os avós antes deles, e os bisavós antes de todos os outros.
Vez ou outra, em noites calmas como aquela, Joshua tinha a nítida impressão de ouvir sussurros suaves que vinham das árvores, como se fosse uma música doce que flutuava até ele, convidando-o a ir até lá e conhecer os mistérios do bosque.
O garoto olhava para o céu quando, de repente, algo estranho atraiu sua atenção para as árvores. Ele levantou da cama e se aproximou da janela, seus olhos bem atentos.
Sim ali estava o que lhe chamou atenção.
Uma espécie de luz brilhante e multicolorida piscava de um lado a outro em meio às árvores, primeiro sutilmente, depois com mais força, como se todos os pontos de luz estivessem convergindo para um único lugar, para o centro do bosque. Elas foram se intensificando e começaram a formar padrões, como se ele agora pudesse ver descargas de energia que partiam das árvores imensas no limite da propriedade, flutuando para o interior do emaranhado de árvores.
Então, enquanto ele olhava, um clarão pareceu explodir ao longe, iluminando toda a extensão do bosque, que lhe pareceu bem maior do que havia imaginado. A explosão durou apenas dois segundos, se ele tivesse piscado não teria visto, e se não estivesse olhando, poderia pensar que era apenas a luz de um relâmpago, apesar de não estar chovendo naquele momento.
No entanto, ele havia visto e seu corpo agora estava todo arrepiado. Só não gritou porque, estranhamente, não estava assustado. O arrepio em seu corpo era adrenalina, como se o que acabara de ver fosse, de alguma forma, algo que mudaria sua vida para sempre. Algo que estava destinado a ele.
Naquela noite, quando Joshua dormiu, seus sonhos foram preenchidos com um par de olhos violetas tão profundos e belos como ele nunca tinha visto, e na manhã seguinte ao levantar e olhar para as árvores ancestrais, ele sentiu que elas o estavam chamando, convidando para entrar.
E ele foi.
Não sabia como havia chegado tão perto assim dos limites do bosque, parecia hipnotizado, apenas sentia a necessidade de entrar ali, de chegar ao centro, como se houvesse algo esperando por ele. Sentia, com cada fibra de seu corpo, como se o ar por entre as árvores pulsasse e ouvia um zumbido que sua mente traduzia como uma canção, uma doce voz que flutuava até ele pela brisa suave e envolvia seu corpo com uma energia eletrizante.
Não havia o som de passos, nem de animais, o garoto só ouvia o sussurro das árvores e a atraente melodia que o chamava.
Até que um som estridente cortou o ar, soando alto demais aos seus ouvidos sensíveis:
— Joshua! Joshua, volte!... JOSHUA!
O rapaz abriu os olhos, assustado. Olhou ao redor e viu seu quarto, bagunçado desde sempre, as roupas espalhadas pelo chão e em cima do encosto da cadeira da escrivaninha.
Sentou-se e olhou para a janela. Era de metal e vidro escuro.
Ele esfregou seus olhos sonolentos e suspirou.
Havia sonhado. De novo.
Depois de tantos anos sem pensar naquilo, o mesmo sonho invadiu sua mente enquanto dormia. Os mesmos olhos violetas, a mesma melodia sussurrante, as mesmas árvores o chamando para o bosque.
Girou seu corpo e levou as longas pernas para fora da cama de solteiro, enquanto ouvia os barulhos matinais do trânsito de Londres. Pisou no tapete felpudo e tateou com os pés até encontrar suas pantufas do Bicuço, o hipogrifo de Hagrid na saga Harry Potter. Sim, ele havia se tornado fã da saga depois que seus pais se mudaram com ele para Londres, em busca de uma vida melhor e um futuro para Joshua.
E com muito esforço, eles conseguiram.
O rapaz levantou e andou até o banheiro, se espreguiçando e tirando seu pijama no caminho, jogando-o no chão. Sabia que era um péssimo hábito sair jogando suas roupas e sapatos por aí, mas não conseguia se desfazer do mau-costume. Depois ele cataria todas as suas roupas sujas e colocaria no cesto para lavar.
Chegou à pia só de cueca e olhou para o espelho na parede.
Seu rosto estava amassado, os olhos inchados de sono, e a passagem pela puberdade deixara em sua pele algumas irritantes marcas, que ele ainda tratava com cremes faciais. Estava muito diferente do menino do sonho, o menino que ele deixara de ser havia mais de quinze anos.
Seus cabelos continuavam cor-de-areia e os olhos continuavam cor-de-avelã, mas os óculos de lentes grossas se foram, sendo substituídos por óculos de descanso, grau baixo, usados somente para leitura. Ele havia passado por uma cirurgia delicada para corrigir sua visão, já fazia uma década.
Quanto ao corpo, não era mais um garoto franzino, porém também não era forte e sarado como muitos rapazes da sua idade. Pensava em si mesmo como um rapaz, mas na verdade já estava perto de completar seus vinte e cinco anos, era um homem. Um homem jovem com um corpo normal. Não magro, nem gordo, e muito menos musculoso, era só normal.
Joshua balançou a cabeça negativamente diante de seus pensamentos supérfluos. Mais um dia com inúmeros afazeres e ele ali, pensando em como seu corpo era normal e em como estava muito diferente de quando tinha nove anos.
Mas é claro que estava diferente.
Antes daquela noite, que ele não sabia se realmente acontecera ou se fora apenas sonho, Joshua era só um garoto de curiosidade aguçada, que gostava de explorar a natureza e brincar livremente. Era só um garoto que morava em um vilarejo esquecido pelo resto do mundo, um lugar que nem constava no mapa.
Agora, quase dezesseis anos mais tarde, ele era um homem com formação superior, pós-graduação, mestrado em andamento, e que ambicionava começar um doutorado tão logo terminasse sua pesquisa de campo necessária ao artigo acadêmico que encerraria seu mestrado.
Ainda morava com os pais, mas não porque não tivesse meios para se sustentar e sim porque usava boa parte de seu salário como pesquisador botânico para ajudar seus pais a garantir o futuro de sua irmãzinha.
A pequena Julia tinha apenas sete anos de idade e se parecia muito com seu pai: cabelos castanhos encaracolados, pele clara e olhos da cor de chocolate ao leite. Era uma criança alegre e arteira, e quando sorria, uma covinha solitária aparecia em sua bochecha direita.
Julia havia nascido quando Joshua já estava quase no seu décimo oitavo aniversário e nem imaginava que seus pais ainda pudessem ter filhos. Foi uma surpresa para todos, obviamente.
Na época em que a garota nasceu, Joshua terminava o colegial. Não muito tempo depois, sendo um dos mais inteligentes da escola, ele foi aceito por algumas das maiores universidades do Reino Unido, mas foi em Oxford que fez sua graduação em Ciências Biológicas.
Depois de ter concluído seu curso superior, ele começou a trabalhar no setor de pesquisa botânica de uma empresa que visava a preservação e plantação de árvores e outras plantas nas áreas urbanas da Inglaterra, em projetos como jardins comunitários ou privados para visitação e educação das próximas gerações sobre a importância das plantas para a vida humana.
Desde que começou a trabalhar nessa empresa foi que fez sua pós-graduação em Botânica e seu mestrado em Etnobotânica. Seu trabalho como pesquisador era feito em parceria com pesquisadores de fitoterapia, para a descoberta de remédios e curas para doenças através das plantas.
Joshua terminou de escovar seus dentes e tomou um banho rápido, penteou seus cabelos lisos para o lado e se vestiu com a habitual calça social, camisa de gola e botões com gravata, cinto e sapatos de couro. Pegou sua caixinha com os óculos e um jaleco, colocando-os na maleta junto com seus materiais de trabalho e seu celular Sony Ericsson Z1010. Para a maioria das pessoas em 2005, esse modelo era ultrapassado, porém tinha câmera e era um dos primeiros a ter acesso à internet 3G, uma verdadeira revolução na história dos celulares e da internet, então era um luxo que ele economizou bastante para poder comprar, e servia ao seu propósito de registrar e catalogar espécies de plantas para seu artigo de conclusão do mestrado.
Puxou um casaco e um guarda-chuva do armário bagunçado ao lado da porta, pois era primavera em Londres e a chuva era comum. Ao sair do quarto se deparou com sua irmãzinha parada no corredor, mexendo as mãos nervosamente enquanto o olhava com os olhinhos brilhantes. Ela respirou fundo e soltou de uma vez:
— Mamãe disse que você vai me levar na escola hoje.
— O quê? Mas eu não posso, sempre vou de trem para o trabalho.
— Eu sei filho. — Sua mãe apareceu com um cesto de roupa no braço. — Mas o carro foi para a oficina, seu pai também vai de trem hoje e eu tenho uma consulta médica em uma hora. Entre nós, você é o que trabalha mais perto da escola da Ju.
Ele suspirou, derrotado. Sua mãe tinha razão. Pena que ele não podia pegar um táxi, pois a distância a ser percorrida custaria bem mais do que ele poderia se dar ao luxo de gastar.
Joshua viu sua mãe levar o cesto de roupa para a área de limpeza, onde tinha uma máquina de lavar e uma secadora, deixar o cesto e voltar para pegar algo coberto com papel-alumínio e uma garrafa com suco verde. Ela entregou o pacote na mão do filho.
— Você vai precisar comer algo no caminho, para não se atrasar. É um sanduíche de tomates com queijo e presunto. Sei que você gosta com picles, mas o picles acabou. A Julia já tomou café. Vão, vão!
Joshua pegou o pacote ainda quente com o sanduíche, mas dispensou o suco verde.
— Não é porque eu sou botânico que gosto de tomar suco de alface pela manhã, mamãe.
A mulher magra de longos cabelos lisos cor-de-areia colocou as mãos nos quadris e olhou seriamente para seu filho.
— É de melão, limão e couve. Faz bem para a saúde e sua irmã tomou tudo sem reclamar, Josh.
— Minha irmã é estranha. Que criança prefere comer brócolis e acelga em vez de uma boa torta de carne?
— Eu não gosto de comer animais fofinhos, Josh! — exclamou Julia.
— Mas você come salmão e aves, qual o sentido, pirralha? Agora vamos, vou comprar um chá pelo caminho.
Ele colocou o sanduíche quente na bolsa, pegou um sobretudo e deu um beijo na testa da mãe antes de sair com Julia. Como o céu estava nublado e finas gotas começavam a cair, ele mandou a menina vestir sua capa e puxar o capuz, enquanto abria o guarda-chuva acima de suas cabeças. Julia era uma criança que mal chegava a 1,20 m de altura, e Joshua tinha 1,85 m, então o guarda-chuva ficava muito acima da cabeça dela, por isso precisava da capa.
Antes de chegar à estação de trem, o rapaz entrou em uma lanchonete onde se via uma bela jovem de madeixas escuras por trás do balcão, atendendo aos clientes. Todos os dias ele passava ali e comprava o mesmo chá, mas a verdade era que não se importava com o chá, só queria ver Celina.
A moça acenou quando o viu, e Joshua arrastou Julia atrás de si enquanto passava pelo meio dos clientes em fila, irritados porque ele chegou ao balcão e apenas estendeu a mão, onde Celina colocou um copo de papel com o chá especial do estabelecimento, que era uma mistura de ervas aromáticas, realmente delicioso.
— Sem leite e com apenas um cubo de açúcar, como você gosta, Josh.
Joshua entregou o dinheiro à moça, que corou e olhou para baixo.
— Obrigado, Celina.
— Bom trabalho.
Ele agradeceu, sorrindo, e saiu bebericando seu chá. A pequena Julia acompanhou seu irmão, rindo e tirando sarro dele.
— Você parece um bobão sorrindo desse jeito, Josh. É assustador, para!
— Ah, me deixa, Julia.
Eles foram para a estação e pegaram o trem, sempre conversando e brincando entre si. Mesmo implicando com a menina e ela zombando dele e de sua paixão platônica pela garçonete, os dois se amavam muito, não podiam imaginar suas vidas um sem o outro.
Cerca de quarenta minutos mais tarde, Josh chegou ao prédio onde trabalhava, tendo deixado sua irmã na porta da escola.
Ao chegar ao seu laboratório, mal teve tempo de tirar o jaleco da maleta e higienizar as mãos quando um de seus colegas veio cumprimentá-lo.
— Ei, Woods! Como vai?
— Já disse que meu sobrenome é Wood¹, sem o “s”, Taylor.
O moreno barbudo levantou as mãos em sinal de rendição.
— Tudo bem, desculpa se eu sempre esqueço. Mas e aí, já ouviu as novidades do chefe?
Joshua balançou a cabeça negativamente.
— Ele firmou parceria com um empresário riquíssimo que vai financiar uma expedição a um lugar da Escócia com fins de exploração e pesquisa. Você é escocês, não é? Ou só os teus pais que vieram de lá?
— Eu sou também. Viemos para Londres quando eu era criança.
— Qual a profissão dos teus pais? Quer dizer, Londres é um lugar difícil para começar uma vida.
— Meu pai trabalha em uma construtora e minha mãe é professora de botânica.
— Ah, então é por isso que você se tornou botânico.
— Em parte, sim. A verdade é que eu amo o meu trabalho, acho as plantas seres vivos fascinantes.
O outro concordou.
— Eu também adoro. Estou curioso para saber quem vai ser escolhido para a equipe de pesquisa que vai explorar esse lugar.
— Qual o nome do lugar, mesmo? — questionou Joshua, curioso.
— Não sei o nome da cidade, mas ouvi dizer que o local a ser explorado é um tal de Bosque Proibido.
¹ Na Escócia, Wood é um nome de origem ocupacional, relacionado a homens que trabalhavam em florestas ou com madeira, geralmente lenhadores. A família paterna do Joshua é escocesa tradicional.
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