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As horas passam devagar. Ao menos Bertrand foi sincero sobre esse canto ser mais tranquilo. Embora o salão principal já esteja lotado, as mesas por aqui vão sendo abertas na hora marcada. O serviço é fácil. Eu repito o atendimento padrão, depois anoto o pedido na comanda eletrônica, que apita quando o prato fica pronto, então eu busco na cozinha.
Nesse momento, por exemplo, empurro a porta basculante com o ombro, equilibrando a bandeja de prata com um Grand Gateau que parece suculento. É quando ouço outra vez a voz rouca que se recusa a me deixar esquecê-lo, estremeço. Subo os olhos para ter certeza de que ninguém tenha percebido essa reação e então... a bandeja cai da minha mão, estalando no piso frio, todo o sangue abandonou o meu rosto.
É como se o mundo inteiro fosse um filme em câmera lenta, e eu fosse uma mera espectadora da realidade. Os olhos de cada pessoa ao redor se viram em minha direção. Os olhos dele. Pedro Lucas Loth, bem ali, em carne, osso e cabelos negros despenteados. Não, não é uma alucinação. Sua voz não veio de um aparelho de som dessa vez.
Eu me abaixo rápido para juntar a bagunça, com sorte, antes mesmo de ele me enxergar. Não deveria, mas ali, escondida entre as mesas, eu analiso as suas feições enquanto ele conversa com a recepcionista, que talvez seja uma fã confessa. Pedro está quase irreconhecível de terno e gravata. Nem parece o garoto de jeans rasgados e camisetas surradas que eu costumava admirar nos corredores do colégio, e — inferno! — está acompanhado.
A loira alta — em cuja cintura fina a sua mão habilidosa de guitarra repousa — traja um vestido vermelho justo e salto alto. Acho que eu já a vi em algum anúncio de televisão, ou talvez tenha sido numa novela. Claro que ele namora uma garota famosa e atraente. Claro que costuma levá-la para jantar em lugares como esse.
— Que bagunça é essa? — Bertrand grunhe com um sorriso falso em frente aos clientes.
— Foi um acidente!
— Vamos ter essa discussão depois. Acabou de chegar um cliente VIP e não tem nenhum garçom no pátio para atender. — Ele estala os dedos.
O quê? Tem que ser piada! Eu não posso ir lá! Pedro está lindo, rico, famoso, e, ainda por cima, acompanhado. E eu... Há... Eu sou a maldita garçonete desse lugar. É um emprego honesto e digno, claro, mas servir o ex-namorado que me traiu ainda é um atestado de humilhação.
— Eu preciso...
—Não tenho o dia todo. Vou chamar alguém da limpeza para arrumar isso aqui. E você... Anda logo!
Depois que ele sai, eu inflo as bochechas, bufando. Acho que não tenho como escapar. Encaro a imagem de Pedro sentado do lado de fora, conversando com a loira bonita do lado oposto da mesa redonda. Droga! Era mais fácil fingir que ele não me afetava quando eu só o via pela TV.
Chacoalho a cabeça levemente fazendo com que o nó do cabelo desate. Os fios caem com suavidade no ombro, escondendo a metade do rosto. Respiro fundo uma última vez, depois caminho até a mesa dele.
— Boa noite! — digo num tom de voz baixo, sem desviar os olhos da comanda em minha mão, em seguida sigo o roteiro de atendimento padrão, como tenho feito a noite inteira. — Sejam bem-vindos ao restaurante Paris, meu nome é Julie e vou servi-los hoje, espero que tenham uma refeição agradável.
O arrependimento vem no mesmo instante. Talvez eu devesse ter mentido o meu nome, não que o broche grampeado no peito fosse me permitir sustentar a mentira.
— Finalmente — a loira reclama. Eu a observo discretamente, por entre fios da franja que caem no rosto. Reparo nos olhos azuis, nos lábios espessos, no queixo fino, em qualquer coisa que mantenha a minha mente ocupada demais para olhar para o único rosto que eu quero olhar. — O que vamos beber?
Seu olhar recaindo-se sobre mim é uma sensação palpável. Eu não preciso encará-lo para saber que Pedro está me fitando por tempo demais. Meu corpo todo está gelado.
— E então? — A garota insiste, arqueando uma sobrancelha fina.
— Desculpa... é... ãhn... — O som da voz rouca e eu estremeço. Maldito. Ele pigarreia, tirando os olhos de mim. — O que... o que quiser.
Ele é um astro do rock, não é como se fosse lembrar de todas as adolescentes histéricas de quem ele provavelmente tirou a virgindade. Eu não apareço na TV e no rádio todos os dias, ele não se lembra de mim como eu me lembro dele. Deveria ser um alívio, mas algo no meu coração murcha com a indiferença.
Não posso evitar. Ainda me lembro das tardes fumando cigarro ilegalmente, o cheiro da cama dele, o sabor das primeiras vezes que ele prometeu me tirar, a voz rouca só com um violão acústico, cantando uma canção que ele escreveu para mim. Achei que aquilo era tudo especial, mas talvez ele escreva uma canção para toda garota de olhos brilhantes que cruza o caminho e lhe entrega a sua primeira vez. Então, nesse instante, percebo que fui só isso: uma numa extensa coleção.
— Pra mim vinho rose e uma salada caeser, por gentileza.
Com as mãos trêmulas, digito o pedido na comanda.
— E você? — Eu o encaro.
Pedro me encara de volta. Olhos verde-intensos, como um incêndio na selva amazônica, devastador.
— É... ãh... O mesmo que a moça.
Quando foi que ele mudou? Trocou a vodca barata pelos vinhos importados? Os cigarros frequentes por uma salada? As roupas surradas por ternos caros? Já não é o Pedro que eu conheci, por quem me apaixonei, então por que o meu coração ainda fica tão inquieto com a sua presença? Por que me importo?
— Vou buscar o vinho — aviso.
A salada fica pronta rápido, e logo a mesa já está servida.
Durante o tempo que dura a refeição, eu tento não ficar observando demais, mas o sorriso de Pedro é do tipo que atrai facilmente qualquer olhar, inclusive o meu, e eu o pego me encarando de volta uma vez ou outra, como quem se pergunta "eu não conheço essa garota de algum lugar?", mas continua não lembrando de mim.
Quando ele faz um sinal com a mão, minha barriga gela.
— Pode fechar a conta?
— Claro.
Mantenho os olhos fixos na comanda, que faz a soma automaticamente. A sensação dos seus olhos verdes é a mesma que um peso de cem quilos sobre os ombros. Pedro puxa um cartão black do bolso e desliza em minha direção. Quando eu pego, sinto o contato quente da sua mão tocando a minha por meros instantes, é só o que basta para o meu corpo responder com um espasmo.
Tento enfiar o cartão na máquina algumas vezes, mas minha mão trêmula parece incapaz de acertar a direção do buraco. Inspiro fundo e me obrigo a manter a concentração.
— Tudo bem? — Pergunta com um riso breve e, imediatamente, eu sinto o ódio inflamar meu peito. Para ele, isso é tudo piada. Eu sou a piada. Só a garçonete destrambelhada que não consegue passar um maldito cartão porque fica nervosa na presença magnifica dele.
Acerto o buraco na força da raiva. Bato a maquina na mesa e peço sem me preocupar com falsa simpatia:
— A senha, por favor. — Ele digita, e o aparelho imprime rapidamente um comprovante azul claro. — Sua via?
— Não precisa.
Então entrego o cartão de volta tomando o cuidado para que nossas mãos não se toquem, nem por acidente.
— O restaurante Paris agradece a sua preferência, espero que tenham apreciado a refeição — sigo o roteiro.
— Obrigado.
Não o encaro. Apenas viro e me afasto rapidamente. Depois, assisto pelo canto do olho enquanto Pedro se levanta da cadeira e coloca o casaco sobre os ombros da namorada, como uma perfeita encenação do cavalheirismo que ele nunca teve.
Ele não é mais meu Pedro. Digo, o Pedro que conheci em Santa Barbara e que nunca foi de verdade meu. Isso deve ser algo bom, de alguma maneira. Um tipo de encerramento —traumático, claro, mas ainda um encerramento. Pelo menos agora tenho certeza que o que quer que tenhamos vivido juntos realmente acabou. Talvez eu comece a concordar com o Thomas sobre odiar esse cara. Porque esse cara não é o garoto por quem eu me apaixonei.
Deu pra ouvir os corações partindo daqui. 🤭
O que estão achando desse Pedro 2.0?
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