6
O primeiro período passa rápido. O clima é dinâmico e, embora eu me perca nas quadras arborizadas do campus, procurando os caminhos entre um prédio e outro, consigo dar conta do recado.
Na hora do almoço, encontro Sarah na lanchonete perto do alojamento. Ela usa o cabelo preso num rabo baixo e veste uma regata branca sem sutiã. Ela não parece se esforçar, pelo contrário, é como se ser atraente fosse tão natural para ela que sequer percebe a maneira como os caras da mesa ao lado viram cabeça para observá-la.
— Tive que tomar um analgésico — ela diz, sentando-se na cadeira vermelha em minha frente, depois de pegarmos os sanduíches. — Minha cabeça estava pulsando.
— E melhorou?
— É... — Franze o nariz. — Mais ou menos. Então... vai querer começar a sua tour por onde? Eu posso te mostrar a biblioteca, e mais tarde tem treino de Futebol, a gente pode dar uma passadinha para assistir.
— A regra do sabonete sintético — eu faço questão de lembrá-la.
— Não dá bola para o que eu digo quando eu tô meio bêbada. — Sarah cobre a boca para rir, já que está mastigando. — Além do mais, quem disse que eu vou para ver os atletas? Talvez eu esteja indo para ver as líderes de torcida ensaiarem.
— Faz sentido. — Mordo um pedaço do meu lanche também. — Mas hoje eu não vou mais poder. Apareceu uma entrevista de emprego mais tarde.
—Entrevista? — Minha amiga ergue uma sobrancelha, o interesse parece sincero. — Onde?
— Um restaurante qualquer na região de Hollywood. — Eu checo a mensagem do meu pai na tela outra vez, confirmando o endereço. — Bistrô Paris.
— Tipo o Bistrô Paris do Chefe Adrian Bertrand?
— Já ouviu falar?
— Tá brincando?! — Ela arregala os olhos, quase engasgando com o lanche. Prossegue com a boca cheia mesmo: — Nunca assistiu o programa "Cozinhando para as estrelas?", ele apresenta. O Bistrô Paris é o lugar favorito das celebridades desde que as Kardashians começaram a frequentar. Você vai mesmo trabalhar lá?
— Bom, eu tenho uma entrevista.
— A gente tem que fazer você passar nessa entrevista! — Sarah salta da cadeira com um ânimo repentino. — Você tem noção? É acesso irrestrito às fofocas fresquinhas de famosos. Você acaba de ser promovida à minha informante. Não! Informante da Garota Hollywoodiana.
— Vai com calma! — Eu dou risada. — É só um emprego de garçonete.
— Não. É uma porta, Julie... Você tem que ter a visão! Que horas deve chegar lá?
— Às duas e meia.
— Duas e...? — Ela olha para o relógio no pulso e leva um susto. — Isso é daqui uma hora! Você já viu o transporte público dessa cidade? Sem contar o trânsito caótico. Vem, a gente tem que ir agora.
Ela me puxa pelo pulso, eu passo um guardanapo na boca.
— Mas e o meu... — Olho para trás, confusa.
— A gente come qualquer coisa pelo caminho. Anda!
Eu não protesto. Seria como nadar contra a correnteza ou impedir uma tempestade. Sarah Palmer é uma força da natureza, percebo.
Dois ônibus e quinze minutos de caminhada depois, nós chegamos ao endereço que o meu pai enviou. Sei que estamos no lugar certo porque tem uma imponente réplica da torre Eiffel logo na entrada, e toda arquitetura externa remete à capital francesa — com um toldo azul marinho e janelas de vidro.
— Ok. A hora é agora. — Sarah parece mais nervosa que eu. — Vai dar tudo certo. Só pareça confiante, mesmo que não esteja. Boa sorte! — Então ela me abraça bem apertado. —Agora vai lá, antes que eles dispensem você pelo atraso.
Sou praticamente empurrada para dentro. Um sino avisa a minha entrada. Eu paro junto da entrada e analiso os detalhes do interior. As mesas de madeira maciça são contornadas por cadeiras bem estofadas, lustres pomposos pendem do teto e a parede tem um tom vermelho-terroso. A voz feminina doce canta em francês nas caixas de som, sendo embalada por um ritmo agradável que parece datar dos anos 60. O lugar tem a típica magia hollywoodiana que te faz sentir como se estivesse em um filme.
— Deixa eu adivinhar... você deve ser a garota da entrevista. — A voz de um sotaque estrangeiro carregado me traz de volta para o mundo real.
Eu pigarreio e me empertigo, encarando o homem de barba grossa que se aproxima com um sorriso amarelo. Ele veste um dólmã de cozinha branco, e carrega uma prancheta em mãos. É um homem bem apresentado, mas as discretas rugas no canto dos olhos denunciam seus algo em torno de 40 anos. Se eu ainda tinha dúvida, o bordado no peito revela que esse é o famoso Adrien Bertrand em pessoa.
— Isso.
— Julia, não?
— Julie — corrijo. — Julie Affonse.
— Tanto faz. Vamos direto ao ponto. — Se eu me assusto um pouco com a rispidez, ele não percebe, está encarando a prancheta. Registro isso mentalmente como a famosa grosseria pela qual os franceses são conhecidos. — Então, seu currículo... 18 anos, nenhum curso relevante, nenhuma experiência e, sejamos sinceros, é isso mesmo que escolheu vestir para uma entrevista de emprego?
Eu encaro meu próprio corpo. Talvez jeans e camiseta feminista não seja um look para se andar pelas ruas de Paris, mas, qual é? Estamos na Califórnia. Ele tem que se adaptar a cultura local.
— Vim direto da faculdade, mas... claro... eu... posso... se... — gaguejo.
Bertrand faz que tanto faz com a mão e eu me calo.
— Foi só uma observação — diz, fazendo uma anotação na prancheta. — Os garçons aqui usam uniforme social. Elegância é uma virtude, lembre-se disso. Mas diga, Juliana, por que você acha que se encaixa na vaga?
Estou plenamente consciente da minha tremedeira, mas não consigo obrigar as minhas mãos a ficarem estáveis. Educação também é uma virtude, penso em dizer, mas mordo a língua.
— Me disseram que estavam procurando mulheres jovens pro cargo.
— Bom, sim. Os meus clientes apreciam um bom vinho, uma boa comida, som ambiente, uma vista agradável, se é que me entende. — Ele corre os olhos por mim, de baixo a cima, então abre um sorriso torto. — Nesse requisito até que você não decepciona, embora essa roupa, se é assim que chama, não valorize.
— Obrigada — eu murmuro, sem saber se isso foi bem um elogio ou uma ofensa. Pensando bem, acho que soa mais como ofensa, mas é tarde demais para retirar o agradecimento.
— Além disso teve uma boa indicação, parece. — Ele bate a caneta no papel algumas vezes, pensando a respeito. — O que eu tenho a perder, afinal? Estou mesmo precisando de alguém pro turno da noite. Mas quero esclarecer desde já que eu cuido desse restaurante como um leão vigiando a presa. Se pisar na bola, está fora. Eu não sou um homem de segundas chances. Estamos entendidos?
Assinto com os lábios prensados.
—Tenho mais o que fazer, mais tarde a contabilidade envia os documentos de admissão. — Ele me dispensa com um gesto rude, sacudindo a mão. — Você começa na semana que vem.
Quando eu saio pela porta da frente, Sarah corre em minha direção.
— Como foi? — Ela pergunta toda animada, agarrando minhas mãos.
Várias definições passam pela minha cabeça: horrível, medonho, traumático, pavoroso, mas o que sai da minha boca é um simples:
— Consegui a vaga!
Então ela dá um gritinho e me abraça, e eu me deixo contagiar por essa alegria, afinal EU CONSEGUI A PORCARIA DA VAGA! Para comemorar, Sarah cumpre sua promessa de me apresentar o lado bom da cidade. Nós pegamos um táxi até West Hollywood, tiramos várias fotos na Rainbow Crosswalk — que é a coisa mais linda e colorida que eu já vi na vida — todas as cores do arco íris pintadas no asfalto, combinando com as bandeiras penduradas orgulhosamente nas portas dos bares. Terminamos a noite num deles, onde Sarah jura que tem o melhor Martini do planeta, e ela não mente. É bom mesmo.
Estranhamente eu me sinto em casa, mesmo morando nessa cidade há apenas 24 horas.
Eu sou apaixonada por Los Angeles, inclusive o meu sonho é conhecer a cidade. Então nessa nova versão resolvi melhorar a ambientação e dar pra vocês um gostinho de alguns pontos de turismo de L.A.
Rainbows Crosswalk — L.A.
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