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A gravadora fica num gigantesco arranha-céu de vidro espelhado em Hollywood, não tão longe de onde ficava o meu antigo emprego. Do lado de dentro, todas as pessoas parecem estar acostumadas com a magnitude do lugar e sabem muito bem para onde ir. Eu estou perdida e nervosa.
O cartão de visita aponta para vigésimo andar, o que não ajuda, porque odeio elevadores e o meu medo se agrava quando estou nesse estado de nervosismo. No instante em que as portas de aço se fecham, eu sinto como se as paredes começassem a se fechar em volta do meu corpo.
Em Santa Barbara quase todos os lugares eram acessíveis por um ou dois lances de escada. Não tínhamos prédios desse tamanho.
Só volto a respirar normalmente depois que as portas se abrem.
Um grande letreiro luminoso anuncia que eu cheguei ao lugar certo. "Club Records". O chão é de porcelanato, as paredes de tijolo são decoradas com discos de ouro e fotografias dos principais artistas da gravadora. Inclusive, é claro, da estrela mais reluzente da Club Records: Pedro Loth e sua amada French 75.
Eu me distraio observando o retrato, cada traço do maldito rosto que conseguiu ficar ainda mais bonito com os anos. Por que é que ele não podia ter definhado como aquelas pessoas na embalagem do cigarro? Isso tornaria a tarefa de odiá-lo muito mais fácil.
Um pedaço meu deseja nunca mais precisar vê-lo de novo, outro pedaço inconveniente meio que anseia trombá-lo por esses corredores.
— Pelo visto já está se familiarizando com o local — é Ian quem surge da ampla porta de madeira, me pregando um susto. Levo a mão até o peito.
Meu chefe veste um jeans largo demais, camiseta e uma jaqueta de moletom. O visual parece bem mais confortável do que elegante, nada a ver com o CEO de Armani que encontrei numa festa semana passada.
Tudo aqui tem um aspecto descolado. Começo a questionar a minha decisão de vestir uma blusa de cetim e saia lápis. Ian se aproxima do vidro e abre a persiana, revelando uma linda vista de Los Angeles.
— É muito bonito aqui — admito.
— Que bom que gostou, porque você vai trabalhar bem aqui. — Ele bate no tampo do balcão da recepção, que fica de frente para os elevadores. — Pode ficar a vontade, você logo pega o jeito. A Giovana já já aparece para te ajudar.
— Obrigada.
***
Giovana é uma ruiva baixinha e meio pilhada, mas muito gentil. Ela me explica as atribuições rapidamente, antes de sair correndo de novo para resolver um problema qualquer com o contrato de um novo artista.
Basicamente o meu trabalho se resume a servir cafézinho, atender o telefone, agendar compromissos e dizer "me desculpe, o senhor Thorne está muito ocupado e não pode falar com você agora". Isso me deixa com tempo de sobra para ouvir música no streaming e zapear pelas páginas da internet.
O ócio me leva a pensar outra vez em Thomas. Ainda não estamos nos falando, e essa deve ser a nossa briga mais longa. Eu odeio que ele ainda não tenha ligado porque pensa que está na razão, ele não está na razão. Tudo o que eu precisava era do meu namorado lá para mim em um dos piores momentos que eu já vivi, e ele não esteve lá para mim. Ele nem sabe sobre o Bertrand e sobre as merdas que eu precisei escutar do meu antigo chefe.
Bertrand. O nome dele volta como um golpe no estômago. Entro no YouTube para distrair a cabeça com uma transmissão ilegal de Programa de Proteção à Princesa. Ainda bem que existem os clássicos da Disney.
Fecho a janela rápido ao ouvir a campainha do elevador chegando no andar. Giovana surge com os saltos estalando no piso frio e o celular pendurado na orelha.
— Tudo bem, diga a ele que podemos fazer o Fallon na semana que vem. Isso, obrigada. — Ela puxa outro telefone do bolso. — Pois não? Claro... sim... tudo conforme o plano... sim, eles estarão lá amanhã. Obrigada!
Ao desligar, ela deixa um embrulhinho sobre o balcão e finalmente me encara.
— Essa encomenda chegou na portaria. Estava com o seu nome.
— O meu nome? — Eu franzo o cenho, pegando o embrulho prateado para analisar e chacoalho. — Eu não me lembro de estar esperando nada.
— Bom, eu é que não faço ideia do que se trata... Será que o Ian já está pronto para o almoço com os executivos da Capital One? É melhor eu verificar.
Então ela parte em passos apressados para a sala dele, me deixando sozinha com o embrulho. É quando noto o cartãozinho preso no fecho e puxo para ler o recado.
"Acho que o salário podia ser melhor".
Não tem uma assinatura. Não precisa. Subitamente a conversa que tive com Pedro na festa me volta à mente. Eu disse a ele que compraria um celular novo se... ele não teria feito isso!
Rasgo o embrulho com pressa e ali está: um Iphone de última geração novo em folha, na cor vermelho intenso.
Ele fez isso.
Eu não posso aceitar, penso. Mas você está precisando de um urgente. É caro demais para um presente, penso. Mas não é como se o dinheiro fosse fazer falta para o Pedro. Onde estou com a cabeça? Eu não vou ficar com esse celular. Mas dar só uma olhadinha não tira pedaço.
Antes que eu possa me impedir, estou abrindo a caixa e ligando o aparelho para testar. Pedro se deu ao trabalho de salvar o próprio contato ali na agenda com o nome, adivinhe só, "Super Pedro". E o seu super-poder-aquisitivo ataca de novo.
Eu mordo o lábio e meneio a cabeça. Digito uma mensagem para ele.
Eu: Ótima tentativa de comprar meu perdão, mas n tá à venda.
Ele: kskkks já recebeu o presente?
Eu: sss, e vc bateu com a cabeça? N vou ficar com esse iphone, Pedro.
Ele: rlx... n é nada d+ tá? Considere um "parabéns" pelo cargo novo.
Eu: Vc dá um desse pra tds recepcionistas da gravadora?
Ele: n, só pras q são minhas tietes ;)
Meu sangue ferve.
Eu: Se você me chamar de tiete mais uma vez, juro que arranco as suas cordas vocais e você nunca mais vai voltar a cantar.
Assim que aperto o botão de enviar, me pego com um sorriso idiota estampado no rosto. Obrigo-me a fechá-lo imediatamente. Quem o Pedro pensa que é pra me fazer sorrir para o celular feito uma adolescente apaixonada?
Ele: Vc não costumava ser tão violenta, Ju.
Tudo bem... "Ju" ainda é intimo demais, mas é infinitas vezes melhor que tiete. Tiete é um apelido humilhante e degradante, honestamente eu não sei como é que eu cheguei a gostar quando ele me chamava desse jeito. Eu não sou sua tiete idiota. Não mais.
Eu: Você não costumava ser tão idiota! Ah, não, costumava sim...
Só pra constar, o sorriso bobo que insiste em decorar meu rosto é o sorriso de quem está vencendo numa discussão por mensagens, e não o sorriso de quem está recebendo mensagens do carinha que gosta. Eu nem gosto do Pedro.
Ele: Poderia brincar disso a tarde toda, mas tô entrando no meu super jato agr. Preciso salvar Gotham City (isso ou fazer um show pra 20k pessoas em NYC, é qse igual).
Reviro os olhos. O Pedro é tão arrogante. Acho que o tamanho do seu ego consegue superar o da sua gigantesca conta bancária. Por mim, ele pode pegar ambos e enfiar no currículo de músico otário dele.
Eu: espero que o avião exploda.
Ele: o carma vai te perseguir se isso acontecer.
Eu: *emoji revirando os olhos* 🙄
Ele: *emoji do avião* 🛫 até mais, tiete.
É oficial, se o avião não explodir, eu mesma explodo ele pessoalmente.
–♥–
Enfim, voltei! Espero que todes tenham curtido e descansado nesse feriado. Eu descansei ☀️🌴
E voltamos a programação normal de capítulos!
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