5
— Mas que merda...?! — começo e não termino.
Não penso em averiguar a fonte do barulho. Sinto que meu coração vai saltar pela boca. Me pego apavorada demais para não me direcionar para saída daquele lugar para jamais voltar.
Minhas mãos tremem pondo a chave no trinco. Depois de girar a maçaneta não chego a abrir a porta.
Um zumbido toma conta dos meus ouvidos. Perco a noção do tempo em que estou no escuro absoluto.
Começo a me lembrar de um tipo de rosnado entre meus gritos. Mordidas seguidas de terríveis... sucções. Lembro de sentir minha pele sendo dilacerada e de ser facilmente arrastada, por um ou dois metros pelo piso de madeira, com dentes afiados cravados no meu ombro. Nem o som nem minha resistência dura muito... Numa fração de segundos, me sinto absurdamente fraca.
Para minha surpresa, minha visão embaçada ainda é capaz de me revelar algo. Além das diversas feridas pulsantes no meu corpo, tingindo minhas roupas de vermelho, a porta aberta do quarto da bagunça no ateliê. Não consigo me mexer.
Há uma criatura me farejando. As presas enormes e disformes gotejam meu sangue. Sua aparência é monstruosa, assemelha-se a um morcego de dois metros, com quatro orelhas e patas de três dedos com garras. Apesar disso, noto traços humanos, que me lembram...
— Sr. Samuel...
Ao ouvir a voz jovial, que se apresenta enquanto entra no ateliê, a criatura se assusta e corre para dentro do quarto da bagunça por conta própria. Calmamente, um rapaz albino com os cabelos platinados até os ombros, entra no meu campo de visão, fecha a porta e acrescenta um aviso direcionado a ela:
— Não tenho que cuidar do teu juízo como pensas que tens de cuidar do meu. Eu disse para não tocar na Srta. Amélia. Da próxima vez que desobedeceres às minhas ordens, não escaparás da uma digna punição.
Não ouço nada em resposta.
Ele volta a atenção completamente para mim e me surpreendo com sua juventude. Não parece ter nem vinte anos. É como um boneco de porcelana, com uma beleza esquisita e surreal. Me sinto idiota por ainda sentir certa curiosidade. O que importa, quando se está à beira da morte?
— Não morrerás se não quiseres — ele lê minha mente, talvez literalmente. — Me ensinaste tantas coisas nesse meio tempo... Sou Aquira de Albuquerque e sinto muito por tudo que passaste aqui.
Ele segura o copo de leite que eu tinha levado à tarde, dispõe ao lado da minha cabeça e se senta tão perto que sinto o tecido do roupão de camurça preta tocando minha pele.
— Eu pensava que eu só podia transformar vida em morte incompleta e cheia de escuridão. Transmutar algo mais simples à forma primária me trouxe uma perspectiva diferente. — Aquira toca na bordar do copo com as pontas dos dedos e todo o conteúdo branco torna-se gradativamente vermelho-vinho. — Sabias que leite é sangue filtrado?
Aperto os olhos. Todo medo que sinto dobra a intensidade ao pensar na minha filha. Uma lágrima me escapa. A dor que me paralisa não é mais uma preocupação.
Outra dor interage, mais intensa do que a anterior, como se uma corrente elétrica atravessasse o meu corpo. É impossível conter um gemido instantâneo. Perco o fôlego. Reabro os olhos quando os dentes de Aquira soltam o meu pescoço, quase gentilmente. O sorriso sanguinolento é tudo que vejo.
— Tens mesmo um gosto particular...
O som da campainha me apavora. Mais lágrimas despencam e seguro a manga do roupão de Aquira para prender sua atenção.
— Por favor... Não... machuque eles... Por favor...
Estou quase certa de que Aquira pondera meu pedido. Agonizar é o máximo que consigo fazer então, mas não quero morrer... Não posso morrer ainda...
— Não viverás nas trevas pela eternidade. Sei que serás diferente dos outros. És realmente uma obra prima.
Não posso morrer ainda...
Não posso...
Não...
...
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