Twisted Fate
AGARRADA A NOÇÃO DE QUE NÃO DEVERIA DESVIAR O FOCO, alinhar minhas prioridades com a intenção de retornar ao meu mundo, comecei involuntariamente a idealizar uma história no qual Dante teria um papel permanente na minha vida e isso, essa fantasia surreal, me empurrou em uma espiral descendente perniciosa.
Alimentar esperanças e cultivar sentimentos, permitindo que tomasse um terreno perigoso dentro de mim, seria tudo menos uma boa ideia, na verdade, em um plano maior, era a decisão mais estúpida de todas e se inseria facilmente e com louvores no top 10 de burradas da minha vida. Não conseguia evitar a atração física tampouco a admiração crescente pelo charme que ele exalava a cada respiração, sua conduta e disposição em me ajudar validou minha paixão ingênua e inicialmente platônica, moldando-a e fortificando o que brotava ali, o resto foi gradual e orgânico, e o que seria uma mera afeição superficial se metamorfoseou em algo real demais para simplesmente soterrar, encobrir com inseguranças e autossabotagem.
Emoções são constituídas de atitudes, não?
Treinar com ele, conviver com sua presença calorosa e sorriso atrevido, escutar sua risada contagiante sempre que atingia um ponto débil do seu senso de humor quebrado, me cativou mais. Dessa vez, sem a visão limitada de uma fã aficionada e a euforia resultante dos hormônios somado ao ideal incorporado, pude dissecar com mais precisão a natureza e a profundidade do que, de fato, experimentava ao lado dele. Um exame rigoroso sem as lentes rosa para um prognóstico preocupante — e aceitar que tinha caído nas graças do Devil Hunter mais famoso de todos.
Quando me dei conta, a famosa revelação fantástica e mística de uma verdade superior, de que gostava de Dante mais que a alcunha de “meu personagem favorito”, tive certeza de duas coisas muito importantes: ele é o objeto de afeto mais inalcançável que tive o prazer de nutrir carinho e, apesar de ciente desse fator que deveria ser determinante para encerrar essa página, não me impedia de amá-lo mais e mais. E sua figura constante me causava uma vertigem, não as que enjoam e fazem o mundo girar, mas as que estremecem por dentro e enfraquecem as pernas. Os sintomas, a lista padrão de manifestações físicas e psicológicas de uma pessoa apaixonada, se tornavam mais claros e, a medida que nossa relação se desenvolvia, mais gostava dele e mais atrapalhada ficava.
Ele poderia até pagar um aluguel para mim de tanto tempo que cruzava meus pensamentos, em meus sonhos e ilusões esporádicas, um inquilino perene que admirava a distância. Abrir o coração para esse tipo de sentimento se infiltrar e se instalar era um erro que, talvez, fosse passível de arrependimento futuro, no entanto, lutar contra se provou ser ainda mais eficaz para a proliferação do desejo. Quem inventou essa bobagem de que amor platônico não pode se transformar em amor romântico não conhecia muito o contexto dessas duas maneiras de se afeiçoar e como a mente humana se embaralhava na própria narrativa.
Passado o processo de negação, não contive os olhares de ansiosos que, vez ou outra acompanhava seus passos. O azul cerúleo das duas gemas eram minha passagem só de ida ao céu, sua voz derretia minhas últimas barreiras gélidas e débeis e meu coração pulsava com um fervor renovado.
Disfarçar o quão estupidamente enamorada que estava me rendeu muitas quedas e gafes embaraçosas.
— Diva. — Alexander chamou elevando a voz. — Simpatizo com seu estado, porém deveria se concentrar na meditação.
— Tinha razão, Alexander. Realmente estou interessada no Dante, só que não como uma fã. Eu estou apaixonada mesmo. — murmurei aérea.
— Fico feliz que tenha achado o equilíbrio nessa consciência — ele afirmou com o cenho franzido. — Só que ainda precisa treinar, seus sentimentos afetam sua aura e seus poderes.
— E agora, Alexander? — balbuciei distraída. — E se ele descobrir?
— Acho difícil não descobrir... Afinal, você está praticamente transmitindo o que sente por ele através da sua aura. — Alexander balançou a cabeça, rindo discretamente.
Aturdida com o comentário, vislumbrei as memórias compartilhadas com Dante e como se reproduziam para qualquer um ver através de projeções holográficas tendo na minha aura uma fonte de energia — basicamente seria um projetor ambulante.
Arregalei os olhos e rompi a conexão, constrangida.
— Fica tranquila, Diva. — Alexander riu da minha reação perturbada. — Prometo não contar pra ninguém.
Era a primeira vez que fiquei contente de Alexander ser um fantasma e somente eu ter a capacidade espiritual para vê-lo e me comunicar com ele.
— Não fica assim, você está apaixonada. Não é o fim do mundo. — Alexander assegurou com gentileza. — Quem nunca se apaixonou afinal?
Arqueei uma das sobrancelhas.
— Você já? — rebati com uma pontada de ousadia.
— Sim, só não lembro. — respondeu sem perder o alento. — Eu já tenho certa idade, Diva. Claro que agora que não estou vivo isso não conta mais.
— Acha que devo contar a ele?
Alexander pareceu refletir sobre a questão antes de me dar uma base sólida pra decidir.
— Sou a favor da ideia de falar o que sente. O não já tem, pode buscar o sim.
Sorri com sua sensibilidade.
— Mas, agora, tente se concentrar no treino, sim?
— Tudo bem — estendi as mãos e moldei a energia, um tanto amorfa, em um material sólido. — Alexander... Será que algo que o Ace falou estava certo? — indaguei, pensativa. — E ter a possibilidade de sermos ligados, talvez... Sejamos mesmo parentes.
— Isso séria ruim? — ele me fitou com curiosidade.
— Não, você é um cara... Fantasma legal — me corrigi, rindo. — Mas meio que põe minha vida antes em cheque... Minha família e tudo que conheço, entende?
— Não se alarme com isso, ainda é cedo e nenhum de nós sabe nada além do básico.
— A única coisa certa é que você e Dante são meus pilares. — sorri, manipulando a energia pra formar uma esfera instável.
Alexander sorriu.
— Prometo fazer jus a confiança que dedicou a mim.
Continuei atenta ao treino e a lição aplicada a Alexander, dando novas estruturas a minha energia maleável e almejando melhorar ainda mais a cada grande logro. Minha mente oscilava com preocupações e minha epifania em relação ao que sentia por Dante, contudo, para meu bem, tive que expurgar tais distrações.
No intervalo de uma sessão a outra, observei Dante em sua rotina comum: o glamour dos jogos substituídos pela atitude rotineira dele igualmente excêntrica do que se retrata na ficção. Todavia, ao demorar minha atenção nele, ainda que inconscientemente, transpus a última e derradeira proteção que severamente estabeleci para não evidenciar meu interesse romântico.
Dante estalou o dedo frente a mim para me focar.
— Você terá todo tempo do mundo pra me admirar, mas vamos nos concentrar no que precisa no momento. — Dante declarou com um sorriso convencido.
Assenti.
— O que aprendeu com o seu amigo fantasma?
— É Alexander o nome dele. — disse, fazendo Dante arquear uma das sobrancelhas. — Aprendi a dar forma a minha aura.
— Me mostre.
Corei. Não sabia ao certo se seria de vergonha de errar, se era um constrangimento de fazer algo complexo diante de uma paixão ou estava aterrorizada com a ideia de pagar mico de graça.
Seguindo as instruções de Alexander, moldei a energia dourada em um arco e flecha.
— Estou esperando. — ele cruzou os braços desdenhosamente, indicando que não estava ali para ver uma amostra gratuita e sim ações.
Meus olhos focaram o alvo.
Como se, magicamente, tivesse um conhecimento maior como arqueira, ajeitei minha postura e disparei a primeira flecha que Dante desviou facilmente. Não influenciada pela falha inicial, atirei outras, uma de cada vez, que se uniram as outras na lista de fracassos, umas prendendo no tronco das árvores e deixando buracos nelas, outras queimaram antes de encostar em algo sólido. Parecia um interminável e enfadonho jogo de tiro ao alvo — no desenrolar Dante, que deveria ser a caça, se tornou o caçador. Minha respiração estava pesada e meu coração batia acelerado pela adrenalina que corria a mil por minhas veias.
Corri para perto e o arco sumiu, aquela seria uma boa oportunidade para testar ainda mais meus poderes de manipulação e ver se conseguia criar outras armas de energia além de arco e flecha. Concentrei numa arma e logo veio a minha cabeça: Ebony e Ivory. A massa de poder dourado tomou forma em minhas mãos e para minha — e de Dante — surpresa ela se tornou copias exatas das armas gêmeas, a única coisa que as diferenciava era o brilho e as cores — as minhas ainda possuíam o brilho dourado. Com um sorriso triunfante, apertei firme as pistolas em minhas mãos e disparei, a pressão das duas quase me empurrou longe. Podia ouvir claramente até o tilintar das cápsulas caindo no chão. Dante continuou desviando tranquilamente, mas depois de tanto desviar ele se deixou abater pelas balas de energia maciça que deixaram buracos fumegantes no peito musculoso dele. Recuei quando percebi que Dante se aproximava cada vez mais de mim.
Quando minhas costas bateram no tronco da árvore, me dei conta que estava sem saída. As pistolas se desfizeram, desaparecendo das minhas mãos. Dante apoiou um braço próximo ao meu rosto, ficando perigosamente perto, quase prestes a me beijar — irracionalmente desejei isso com todo fervor.
— Isso não faz parte do script do treino — forcei uma risada. — Espero que esteja mesmo me levando a sério.
— Estou te treinando a sério. — rebateu serenamente. — Talvez esteja pegando até leve demais com você.
Girando nos calcanhares, ele deu meia volta e caminhou para onde estavam as suas armas. Num movimento rápido, Dante pegou Rebellion e me encarou, sem o ar petulante de outrora.
— Espero não fazer nenhum estrago no seu rostinho lindo, doçura.
Dante sorriu presunçosamente.
No segundo seguinte, ele tinha sumido da minha vista. Desesperada, meus olhos vaguearam por todo perímetro, buscando pelo rastro vermelho para identificá-lo.
Prestei atenção até mesmo no mínimo movimento. No entanto, nem sinal de Dante. Senti um intenso sentimento de medo e insegurança. A melhor maneira de lidar com um ataque de um inimigo é quando ele esta visível, assim pelo menos sabemos de que lado partira o golpe e podemos nos defender. Não tinha nada mais angustiante e amedrontador que esperar o ataque de um adversário que não se pode ver.
— Algum problema, doçura? — ouviu uma voz num tom de escárnio atrás de mim, muito próxima. Virei rapidamente, apertando o gatilho de ambas as pistolas. O impressionante de tudo é que em tão pouco tempo já estava me familiarizando no manuseio de armas. Era como se não fosse a primeira vez que usava uma. Apesar da minha rapidez, consegui atingir apenas mais árvores.
— Isso não foi o suficiente — antes que eu pudesse processar a situação, uma mão agarrou a minha e me puxou, fazendo-me girar. Com a mão livre atirei no responsável, mas novamente não consegui atingi-lo, tampouco vê-lo.
De repente, fui tomada por um forte senso de premonição. Seguindo minha intuição, ergui minha cabeça. E em vez de encontrar o céu azul, visualizei uma sombra. Tão negra quanto à noite, ela se erguera pronta para me atacar. A luz forte se fundiu com a sombra, dificultando minha visão. Talvez esse fosse o objetivo: um ataque furtivo por cima do alvo seria eficaz se misturada com a intensa luz do sol. O alvo ficaria incapacitado. Pisquei algumas vezes para me acostumar à luminosidade. Eu não tinha como fugir, e o ataque seria certeiro. Acuada e incapacitada, fechei os olhos temendo o pior e esperei pela dor. Mas ela não veio. Abri lentamente os olhos e vi que estava encoberta por uma espécie de redoma e ela me protegia. Dante não parecia muito impressionado apesar de nunca ter feito algo assim na sua frente, eu por outro lado estava com um misto de sentimentos: emoção, surpresa e alívio.
A redoma se desfez assim que tentei tocá-la. Consegui liberar a habilidade que usei no museu: um escudo protetor. Empolgada, olhei para minhas mãos que ainda mantinha o brilho dourado intenso e abrasador, que se esvaiu lentamente.
Me senti estranhamente livre.
Como se inconscientemente tivesse carregado um fardo por todos esses anos e só agora consegui me libertar. Não satisfeita, tentei criar algo com meus poderes. Obviamente, não sabia ao certo como ativar — já que sempre o fazia sem querer.
Há uma primeira vez para tudo, não é?
Tinha conseguido criar armas de energia e projetei um escudo com a certeza de que havia muito mais para explorar. Uma nova e desconhecida sensação me encheu, como uma voz que me dizia que podia fazer qualquer coisa.
Era a primeira vez na minha vida que me deparava com tamanha força e confiança... Mas era realmente a primeira?
Naquele momento, senti outra vida em mim, uma vida mais antiga e experiente, acostumada a lidar com todas essas incríveis capacidades.
Uma rajada de vento me acordou do transe, fazendo com que voltasse a realidade. Dante parecia despreocupado com Rebellion pousada em seu ombro. Ele me encarava esperando algum contra ataque ou mesmo uma reação.
Levantei a mão e certa de que poderia enfrentar Dante em pé de igualdade, esperei que a minha energia saísse. Foi frustrante perceber que nada acontecera. Absolutamente nada.
Tentei criar novamente arco e flecha, mas não consegui. Quando percebi que nada acontecia, decidi que daria um ataque direto, me posicionei e parti para a cima de Dante; o primeiro soco foi fraco e sem eficácia — até porque, de algum modo, me senti fraca e sem força suficiente para continuar —, Dante estava tão indiferente com os golpes que nem fazia tanta questão de me parar ou investir contra mim. Ele pegou meu braço, e mesmo que não fosse totalmente intencional — ou ele não pode maneirar na força sobre-humana que tinha — me jogou contra uma árvore. Bati a cabeça com força no tronco descascado e duro, desmoronando desnorteada no chão. Dante se aproximou as pressas, checando meu estado.
— Usei mais do que deveria. Como se sente?
O sangue que escorria do corte desfocou minha visão. Pisquei para clarear a mente e ver melhor.
— Bem. — deu uma risada. — Doeu o impacto, mas estou bem... — me ergui, impulsionada pelo espírito da determinação, contudo, esse ato me fez cair pra cima de Dante. — Minha reserva de energia... Acabou.
— Tem certeza que não é uma desculpa pra ficar nos meus braços?
— Não sou boa em inventar uma desculpa tão elaborada. — dei uma risada.
— Não seja tão dura consigo mesma, aposto que você sabe uma ou duas coisas.
Fechei os olhos, rindo baixinho.
— Quem sabe?
Entreguei-me ao sono dos justos a medida que minha vitalidade decaia.
×××
A semana seguiu com o mais intensivo treinamento na manipulação dos poderes que possuía, uso de armas e no aprendizado de novas técnicas de combate — entretanto permanecendo no status quo quanto a nunca derrotar Dante. Alexander me auxiliava no quesito — e extremamente difícil e exaustivo — controle da aura e as possibilidades de coisas que podia fazer com ela, muitas das minhas habilidades latentes foram trazidas a tona. Consegui projetar escudos, curar, mover pequenos objetos com a mente e outras coisas que me faziam parecer uma X-men — nada muito grandioso no entanto.
Com todo esse tempo percebi que Alexander era muito rígido em relação a meu treinamento, às vezes ele dizia que foco e preparo faz muita diferença na liberação e controle de qualquer competência. Alexander me explicou que minha energia expandia irrefreadamente e se não aprendesse a manter e canalizá-la, ela traria muitos problemas.
Dante, me ensinou luta corpo-a-corpo e o manuseio de armas de todos os tipos, portes e formatos. Foi duro e cansativo, mas valeu a pena. Devo admitir que não foi fácil aprender tudo isso, obviamente não era nenhuma especialista muito menos tinha um bom controle, levei tantas duras que pensei que fosse dessa para melhor.
Apesar do cansaço além da conta, das dores que contagiam os músculos restringindo meus movimentos em alguns dias mais difíceis, enxergava um certo grau de satisfação em ultrapassar meus limites e ver que sou capaz de muito mais, me elevar a um patamar completamente diferente do que estava acostumada.
— Como essa semana foi o começo, ainda levará tempo pra se adaptar a rotina.
Balancei a cabeça para fitá-lo e, então, o vi. O homem estranhamente familiar se aproximando.
— Sparda? — pronunciei rouca, estendendo a mão numa tentativa de tocá-lo.
Uma visão? Um delírio?
Pisquei, recuperando a compostura.
— Não se recuperou ainda?
Esfreguei os olhos em frenesi, aturdida.
— Ah, não, não. Estou bem, talvez só um pouco sem energia no momento.
— Se não quiser passar mais tempo desmaiando que acordada, se cuide, doçura. — uma das sobrancelhas dele se arquearam denotando humor. — Por mais que tenha interesse particular em te carregar como um bom cavaleiro de armadura brilhante, não é dessa forma que seria ideal, não concorda?
Concordei não contendo o sorriso.
Se ele soubesse como isso soa pra mim agora que as coisas se encaminharam para um novo percurso, um no qual bloqueei por um tempo e que agora fluía livremente.
— Temos um longo caminho de volta pra ver se Eryna descobriu mais algo. — ele soou mecânico ao proferir a frase.
Uma brisa com cheiro suave de flores do campo passou por nós. Eu podia me acostumar a viver nesse mundo permanentemente, já que não achei uma forma de voltar ao meu mundo original. Sentia saudade da minha família, Lyana, meus amigos e até mesmo das pessoas que não iam muito com a minha cara... Contudo, essa dimensão também tinha seus méritos
— Amanhã vamos ver Eryna.
Tão rápido? Achei que não a veríamos por um período maior. Estranhei um pouco.
— Para que?
— Assunto de negócios
Dante evasivo fugiu um pouco do seu caráter.
Será que eu fiz algo errado?
Cataloguei mentalmente os possíveis motivos dele, repentinamente, parecer distante e se comportar de um jeito fora do comum.
Suspirei.
Amanhã seria um longo dia. Mas até que esse dia termine... Só queria me afogar nos meus conturbados sentimentos e nos braços do Devil Hunter que eu amava. Quero acreditar que essa noite o mundo é apenas nosso.
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