Choose Your Battles
I never thought I'd feel this
Nunca pensei que sentiria isso
Guilty and unbroken down inside
Culpado e partido por dentro
Living with myself, nothing but lies
Vivendo comigo mesmo, nada além de mentiras.
I always thought I'd make it
Sempre achei que fosse conseguir
But never knew I'd let it get so bad
Mas nunca pensei que deixaria ficar tão mal
Living with myself is all I have
Viver comigo mesmo é tudo que eu tenho
I feel numb
Me sinto entorpecido
I can't come to life
Não consigo vir à vida
I feel like I'm frozen in time
Sinto como se tivesse congelado no tempo
Living in a world so cold, wasting away
Vivendo em um mundo tão frio, me definhando.
Living in a shell with no soul, since you've gone away
Vivendo em uma casca sem alma, desde que você se foi
Living in a world so cold, counting the days
Vivendo em um mundo tão frio, contando os dias.
Since you've gone away, you've gone away.
Desde que você se foi, você se foi
[...]
I'm too young (I'm too young)
Sou muito jovem (sou muito jovem)
To lose my soul
Para perder a minha alma
[...]
So alone (So alone)
Tão sozinho,
I'm left behind
Fui deixado para trás
I feel like I'm losing my mind
Sinto que estou perdendo a cabeça
World So Cold — Three Days Grace
AS RISADAS SÃO LEMBRETES agridoces em conjunto com a cantoria e as palmas regadas a um júbilo compartilhado — celebrando mais um dia de vida. Na escuridão gentil, iluminada pelas velas, vislumbrei as faces de todos que amava, da minha família, dos meus amigos, e do excêntrico grupo da Devil May Cry, reunidos apenas para devotar esses poucos minutos a mim. Acompanhei o coro de vozes em dissonância de ritmo que mal sabia em que ponto da música estavam para se cruzar em uma melodia única e não se atrapalharem mais. Pra mim, a mistura de risadas acaloradas e a música descoordenada proporcionou algo muito mais especial para o dia que quaisquer outras coisas. Estava comovida por um sossego confortador e a sensação de plenitude gerada pelo meu estado de fragilidade.
— Feliz aniversário, doçura. — Dante entoou vindo diretamente me embalar em seu abraço. Inspirei o perfume dele me revigorando e me enchendo com uma energia completamente nova.
Mesmo ciente de que aquilo era um truque forjado pela minha mente para suavizar a carga que carregava desde que cometi o mais abominável dos pecados, não pude domar o prazer inefável de me deliciar da presença dele, tocar seu rosto com os relevos sutis e a perfeita harmonia dos seus traços masculinos e riscar a pele com sua barba mal feita tão charmosa quanto recordava. Permaneci teimosamente agarrada ao momento, brigando contra uma força que me puxava para longe e não importava o quanto resistisse mais me afastava. Todo esforço se provou inútil e a verdade me engoliu com tanta brutalidade que não mais sentia o chão sob meus pés e o tempo se desacelerando. Dante deslizou a mão pelo meu braço simplesmente permitindo que, seja lá o que fosse, me tirasse da segurança do seu abraço. Clamei por ele, chamei seu nome, pedi perdão pelo meu erro e que nunca deixaria de amá-lo. Dante, por outro lado, abriu um sorriso abatido como se encobrisse um sentimento que não pude identificar. Seu olhar melancólico quebrou meu coração, nunca o imaginaria tão vulnerável, desamparado e inconsolável.
Tentei segurar sua mão antes que ele a soltasse completamente e Dante, sem hesitar, proferiu um último e terno ensejo:
— Viva e seja feliz.
Pendendo entre os vestígios do sonho desastroso e uma realidade instável em um punhado desconexo de imagens dolorosamente claras demais e um pouco enevoadas, vi meus braços presos, atados um ao outro, e vários cateteres anexados em diferentes partes do meu corpo até onde minha visão distorcida alcançava e um pouco além. Havia algumas bolsas, como as que usavam para armazenar sangue, em suportes não usados. Todo o cenário simulava um tipo improvisado de laboratório.
— Você é uma ferramenta, um meio para um fim. Isso nunca mudará. — uma voz murmurou antes de retornar ao limbo de confusão. Essa segunda parte do sonho, mais um pesadelo, não soube definir se era, de fato, produto de um devaneio ou um evento real.
Acordei num impulso incontrolável e com uma vontade exorbitante de chorar até que minhas lágrimas secassem totalmente, embora saiba que seria impossível. Apesar da dor suprida e as lágrimas que ardiam em meus olhos, impedia-me de lamentar.
Grunhi com uma cadência de dores que iam dos braços as costas, pensando se deveria ter dormido de mal jeito.
Atordoada pelo despertar abrupto, olhei lentamente para o quarto vagamente iluminado. A claridade suave do sol matutino provindo da grande janela não fornecia luz suficiente para o cômodo, de modo que ele parecesse sombrio e minimamente assustador. E é claro que não havia nada naquele lugar específico que não conhecesse, tudo ali era o mesmo de sempre: as paredes pintadas em tons de creme, uma janela com vista ao jardim bem cuidado e apinhado de flores exóticas e belíssimas, a cama dossel com lençóis impecavelmente claros, o guarda roupa cheio de longas e intermináveis peças de roupas, particularmente vestidos e dos mais sofisticados e por fim, a cômoda organizada com objetos estéticos — espelho de modelo vitoriano, pente, perfume e tudo isso. Nada singularmente fora do comum, além do cobertor jogado no chão e a cama revirada.
Minha gaiola, uma prisão dourada cheia de luxo que não desejava.
Abracei firmemente meus joelhos, depositando minha cabeça cansada neles e refleti por alguns instantes a respeito dos acontecimentos que me levaram até aqui. Fazia exatamente uma semana que estava nesse lugar sob custódia de Ace e não foram os meus melhores dias, eu preferia ficar trancada nesse quarto a confrontar Ace diariamente. Para mim esse jogo de cão e gato me dava nos nervos e exigia uma frieza absurda que não possuía. Considerando que estou lidando com uma pessoa cuja mera presença causava-me sentimentos negativos, dentre eles a fúria indomável. E, por enquanto, tive sorte de não cruzar com ele. Acho que perdi metade da determinação abrangente que tinha, contudo Ace não é o tipo que promove gratuitamente algo, ao menos, não sem um propósito. E assim que quiser estar comigo não medira esforços para obter o que deseja, se for necessário usando a força ou o poder de persuasão.
Ignorei minha linha de raciocínio, quanto menos pensava em Ace melhor. Esses momentos de auto piedade acabavam com todo meu dia — que, aliás, não é dos mais proveitosos. Digeri a minha condição atual e o fato que quando menos esperar serei agraciada com o ilustre causador desse tormento, talvez esteja a espreita, esperando a hora propicia para aparecer — ou ele levou a sério sobre querer ganhar minha confiança, e invadir meu quarto definitivamente não seria um bom primeiro passo. Com um suspiro relutante e derrotado, retirei os macios lençóis que me cobriam e andei entre tropeços para o banheiro. A primeira coisa que fiz assim que entrei foi ajoelhar frente a privada e debruçar nela, o gosto horrível subiu pela garganta enquanto meu estômago se embrulhava num enjoo repentino. Tentei controlar a súbita vontade de vomitar. Tossi algumas vezes em meio aos espasmos, doeu minimamente pela forte sensibilidade gerada pela acidez — até porque como não havia comido nada, o máximo que seria expedido seria o suco gástrico. Sentei perto da privada, respirando pausadamente. Toquei minha testa para checar se não tinha febre, então dei um longo e cansado suspiro. Encarando a parede de cerâmica perfeitamente polida, comecei a ter ideias absurdas e inventando razões para o mal estar. Geralmente meu psicológico afetava diretamente meu físico, e como ando sofrendo muita pressão ultimamente isso tem refletido diretamente na minha saúde, sempre foi assim: quando fico estressada isso tende a me adoecer. E essa é a única explicação lógica.
Ainda hesitante caminhei para o chuveiro, o ritual matinal do banho me fez refletir sobre incontáveis questões relevantes e o que tem me preocupado é o que realmente poderá acontecer. Apesar de não ter pressa, era muito estranho nada relativamente diferente ter ocorrido nessa primeira semana de isolamento. Podia concluir que Ace teria dado um primeiro passo, não fazia sentido me manter presa para somente brincar comigo. Se seu objetivo desde o princípio eram as minhas habilidades, poderia facilmente ter tomado sem todo esse teatrinho. As atitudes dele despertam suspeitas e tenho medo de baixar a guarda e ser apunhalada. Toquei a água sentindo a temperatura, ela exalava um aroma doce de baunilha. Fiquei observando as ondulações que a água formava conforme mexia nele, um estranho sentimento de impotência me atingiu. A razão para isso era minha consciência, não só a culpa ocupava minha mente, mas também a dúvida. Soube exatamente os planos de Ace e não tinha forças para lutar contra ele, o destino sombrio que me aguarda. A dor muda do desconhecido, tanto quanto os seres humanos temem a morte. A água morna relaxou meus músculos tensos e doloridos, dissipando a exaustão acumulada. Fechei os olhos apreciando a sensação de paz. Não me permiti relaxar completamente para não cair no sono durante o banho, se fizesse poderia me afogar. Ouvi um barulho na porta e, com todo cuidado possível armando-me com um frasco de vidro que quebrara, andei até a porta do banheiro. Nilin parecia um pouco alheia a minha presença, já que ela arrumava a cama e organizava tudo em seu respectivo lugar. Joguei a arma fora antes que ela notasse. Enrolada na toalha, procurei uma roupa para vestir — embora as opções fossem limitadas. Nilin me ajudou assim que terminou seus afazeres, o bom da companhia dela é a doce e harmônica sensação de quietude e serenidade. Considero algo que podia encher meu coração, mesmo que não completamente.
— Bom dia, Diva. — saudou com cortesia. Antes de respondê-la reparei que não via mais Nina com tanta frequência comparado aos primeiros dias. Será que alguma coisa aconteceu?
— Bom dia — suspirei. — Onde está a Nina? Ela está bem?
Nilin se prontificou a outra atividade no quarto evitando o assunto.
— Aconteceu alguma coisa com ela? — agarrei o braço de Nilin que arqueou.
— Ela está doente, nada grave, não se preocupe.
Franzi o cenho, não muito crente da explicação.
— Ace deseja falar com você visto que está muito reclusa. — Nilin noticiou, sorrindo amigavelmente. Pensei duas vezes antes de dizer algo grosseiro, engoli minha raiva e com o sorriso mais cínico que pude dar, disse:
— Diga a Ace que nem aqui nem no inferno vou perder meu tempo com ele — O sorriso sumiu do rosto delicado de Nilin dando lugar ao susto.
Depois de um breve minuto, conclui que não seria um plano tão ruim assim. Poderia essa chance para contra atacar Ace, justamente num momento vulnerável. Rapidamente me retratei:
— Desculpe, Nilin. Diga a Ace que irei com muito prazer. — proferi jocosamente.
Sem dizer mais nada, Nilin se retirou.
— Eu consigo, tenho que fazer isso — murmurei para meu reflexo no espelho. Virei-me confrontando a porta do quarto, já desejando não ter que me sujeitar à tamanha humilhação. Comer com o meu carrasco é demais para minha sanidade.
Indignada, marchei para o grandioso salão de jantar onde o banquete estava disposto. Procurei por Ace e nem sinal dele, aquilo me deixou ainda mais apreensiva. Quem ele pensa que eu sou para me fazer esperar?
Sentando na parte mais distante onde supus ser o assento de Ace. Observei os talheres prateados alinhados próximo ao prato, meu olhar bateu na faca brilhante e afiada. Cautelosamente escondi na manga do vestido tendo certeza que estava bem camuflado, quanto menos tivesse que esconder maiores às chances de que consiga atacar utilizando o artefato cortante. Ace apareceu poucos minutos após eu ter tomado meu lugar, ele pareceu sério e sorriu levemente quando me viu.
— Fico feliz que tenha aceitado meu convite, Diva. — pronunciou afável. — Deseja algo em particular, minha cara?
Sua cabeça numa bandeja de prata, ironizei mentalmente.
— Não, nada mesmo. — respondi desanimada. Mal prestava a atenção em que colocaram em meu prato. Tudo que conseguia pensar era uma forma de atacar sem falhar, um único e definitivo golpe.
— Sei que foi repentino meu convite, mas queria fazer algo sobre a situação para que possamos viver mais harmonicamente. Tenho consciência que não posso mudar o modo como você me vê em pouco tempo e acredito que uma boa maneira de ficarmos em paz é civilizadamente. — informou sutilmente passivo. — Estou ciente que hoje é o seu aniversário e quero fazer dessa reunião um novo começo, inclusive pra esclarecer algumas coisas.
— O quê, por exemplo?
— Bem, creio que saiba que Alexander me adotou, correto?
Assenti.
— Meu nome de batismo é Tristan Alistair Clockwell — Ace suspirou, apoiando os cotovelos sobre a mesa e unindo as mãos de maneira enigmática. — Ace é um nome que adotei depois da morte de Alexander.
Engoli em seco com a revelação, nunca esperaria que ele fosse se aprofundar tanto assim.
— Minha mãe veio de uma família rica e influente, porém quando soube que estava grávida ela fugiu comigo. Creio eu, que meus avós eram intransigentes em relação a isso. — Pela primeira vez desde que o conheci pude contemplar um olhar benevolente e sincero nele, aquilo me deixou desconcertada. A mãe dele deve ter sido extremamente importante para ele.
— E seu pai? — interrompi confusa.
— Meu pai? — repetiu indiferente. — Meu querido pai nunca cheguei a conhecer, aquele imprestável também não me fez falta. Se eu o encontrasse, certamente não pouparia sua existência miserável. — um arrepio subiu pela minha espinha ao ouvir tamanha frieza. — Quando conseguimos nos instalar num lugar razoável, as pessoas eram... Digamos, moralistas - hipócritas. Elas foram contra nossa estadia na cidade, algo como preservar os bons costumes. Eles não tinham pudor em mostrar seus descontentamentos com a nossa presença. Posso lembrar detalhadamente: os olhares atravessados, as ofensas e... — Ace pausou, a odiosidade audível brandindo em cada frase. — Minha mãe morreu num incêndio e perdi tudo que tinha. A única família que possuía. — o semblante de Ace adquiriu um aspecto melancólico, quase tive pena, um sentimento forte, mas não o bastante para superar a mágoa.
Deve ter sido terrível perder a mãe.
— Poucos anos depois Alexander me acolheu e essa parte já deve conhecer.
— Por que está me contando tudo isso? — questionei ainda meio absorta.
— Quero que escute meu lado também, não sou esse vilão cruel... Pelo menos não totalmente.
— Não estou muito certa desse motivo... — expus exigente. Seus olhos se encontraram com os meus, automaticamente a respiração ficou presa em minha garganta. — Você me perseguiu, mentiu pra mim, me sequestrou e matou Dante. Pra mim isso te configura como um vilão.
— Você prefere viver um conto de fadas com aquele demônio que salvar o mundo?
— O quê? — gaguejei pelo tom bizarramente sério dele. — Você está blefando, não vou cair nesse papinho. Se está tão disposto a ser gentil, por que não fala a verdade sobre o que pretende em vez de ficar de rodeios?
— Convencer você será mais difícil do que imaginei.
— Impossível. Minha vida está em jogo afinal.
— Preste atenção: não acontecerá nada a você se escolher ficar ao meu lado.
Apertei firme a faca tendo cuidado para não forçar demais e me cortar.
— O que não faz sentido é o fato de querer destruir os humanos sendo que sua mãe era uma — pontuei transparecendo severidade.
— É tolice acreditar que algo bom existe na humanidade. Acha que me importo se sou metade humano? — Ace riu. — Veja da seguinte forma, Diva: o tempo que viveu como uma simples garota humana, quantas experiências boas teve em relação as ruins? Quantas vezes eles te trataram com gentileza? Que eles entenderam sua dor? — os olhos dele refletiam repúdio e ferocidade. — Sabe o que eles fazem com seus semelhantes? Eles matam por prazer, roubam por egoísmo e mentem por satisfação e ainda quer defender seres tão desprezíveis.
— Se eu for condenar toda humanidade pelas pessoas ruins não seria exatamente igual? — repliquei querendo conservar a postura. — Os humanos são imperfeitos, condenam, julgam e mentem, mas não são o próprio mal. Dá mesma forma que existem pessoas que são boas e gentis e lutam pra proteger o pouco de bondade e aqueles que lhes são importantes e acima de tudo amam profundamente. Não há ser perfeito. A maior dádiva que lhes foi dada é a liberdade de cometer erros.
— Que belo discurso. Diz isso como Diva ou Arya? — desafiou apático. Nunca gostei da constante comparação da pessoa que sou hoje para minha antiga encarnação, apesar de realmente sermos a mesma pessoa é como se fôssemos diferentes — não faz sentido, mas é assim que vejo. É parecido com a Kagome e Kikyo de Inuyasha.
— Estou dizendo pela humana que sou, durante dezoito anos tive uma vida normal e convivi tempo bastante para ver todas as faces dos seres humanos. Meus pais são humanos, meus irmãos são humanos, meus amigos são humanos, o homem que amei é meio humano. — admiti com toda confiança guardada em meu espírito, as chamas ardentes da enorme ligação que tenho por todos os seres humanos. Embora saiba das minhas origens, sempre serei uma garota humana. Ace ficou imóvel diante da minha sincera declaração, talvez pensando.
— Se os ama tanto, não quer o melhor pra eles?
— Sua oferta soa mais perniciosa que benéfica.
Ace abriu um sorriso.
— E em parte você também é humano. Você julga os humanos como maus e egoístas e mostra ser pior que eles.
— Não me compare a eles.— vociferou visivelmente possesso, os olhos claros tornaram-se vermelhos e sua indefinida aura ameaçadora cresceu, violenta e selvagem.
Arfei.
— Por eles perdi a única família que possuía. Eu sofri por anos de negligência por parte desses seres que você tanto defende. — Ace rosnou descontrolado, uma fúria selvagem e implacável. Era como se presenciasse o seu lado mais feroz, o ódio contido e a natureza violenta que ele guarda atrás da postura incógnita. O medo se alastrou por todo meu corpo, correndo pelas minhas veias juntamente com o sangue quente. Todo terror tomando posse. — Eles mataram minha mãe! Mataram a única parte boa que tinha! Tiraram-me tudo! Acima de tudo aquilo que eles tocam vira cinzas!
— E o que diferencia você e eles, então? — gritei aflita, porém com resquícios de coragem.
Ace olhou para mim, e vi que seus olhos tingiram-se de vermelho e sua pupila dilatada com um formato anormal. Ele respirou fundo, antes de voltar a sua postura usual. O ar aristocrático e altivo retornou a sua postura.
— Você tem uma língua ferina, não quero ter que cortá-la.
— Sinto muito se meus comentários sinceros não foram do seu agrado — retruquei sarcástica.
— Deveria saber escolher suas batalhas, cara Diva. Essa atitude hostil pode te levar a queda.
— Não tenho medo. — lembrei as palavras de Alexander e as tomando como uma espécie de ressalva pessoal. — Se estou aqui não entrarei no seu jogo.
— Mesmo que signifique permanecer ignorante ao que realmente é?
Estagnei, procurando alguma prova em sua expressão monótona que ele blefava.
— Dentre muitas coisas, tenho certeza que procura informações precisas sobre seu povo. — franzi o cenho, intrigada com o rumo que à conversa tomará. Eu meio que descobri ser uma amante de conhecimento em relação a essa civilização, todo tipo de revelação ou um fato irrelevante me deixava encantada — fazer parte de algo grandioso muda a forma como enxergamos o mundo, inclusive antigos ideais. Visto que havia conseguido me despertar interesse, Ace sorriu pretensiosamente.
— Você teve escassas fontes de pesquisas, realmente não há muito que saber sobre os Peregrinos - Unchant ou Sophians como preferir. Mas existem algumas estão sob minha posse há anos. — Ace focou os olhos em cada movimento ou expressão minha, aquela vigilância me deixou tensa, principalmente com a possibilidade dele descobrir a faca. — Existe uma lenda que foi bastante conhecida na época onde os Unchant tinham seu espaço no mundo, a história consiste em duas existências distintas e importantes no equilíbrio do mundo: O poder da luz e das sombras, ambas coexistindo.
— Não há particularmente nada de estranho nisso, na verdade, seria algo bastante clichê.
Ace sorriu com minha impaciência.
— Essas duas forças nasceram nesse mundo, e acreditavam que a própria Arya era a reencarnação da luz. — ele passou esperando alguma reação de minha parte, fiquei estarrecida. — As trevas julgaram que pertenciam aos demônios, por esse motivo os repudiavam. Então já consegue imaginar que tipos de ações tiveram com Sparda quando o conheceram. Aparentemente a luz e as trevas não estavam tão separadas, ambos nasceram no mesmo meio afinal.
Ao ouvir a afirmação cheia de clareza e — que pude reconhecer—, leve sarcasmo, grunhi com a dor evasiva que atingia violentamente minha cabeça. Balancei-a para afastar a dor que se tornou pontadas sem importância.
— Como assim?
Ace sorriu diabolicamente.
— Isso são apenas lendas, no entanto.
E o que ele ganhava contando tais "lendas" para mim, ele sabe muito bem que tenho relativas memórias da minha encarnação passada. Minha teoria era que ele queria usar minhas recordações para verificar até onde esses contos mirabolantes falavam a verdade.
— E você... Como sabe tudo isso?
— Certos segredos devem ser mantidos, minha cara. — Ace levantou-se caminhando elegantemente em minha direção enquanto digeria tantas informações novas.
Só me dei conta do que ocorria no momento em que Ace estava muito próximo de mim, sua respiração roçando em meu ouvido.
— Tem coisas que devem ser tomadas para si, mas, digamos que conhecimento é um dos fatores essenciais. Além disso, minhas habilidades permitem que saiba certas coisas... Como por exemplo: a faca que esconde. Se me permite dizer, deixe a faca e retire-se, meu pequeno pássaro enjaulado.
Estava prestes a tirar proveito da situação e proximidade para acertá-lo om a faca, porém minha posição não favorecia muito um ataque. E sem contar a injusta desvantagem, não teria uma maneira de lutar sem me machucar — ou até me matar — gravemente.
— Eu posso realmente querer que você seja minha aliada, mas não teste minha paciência. Não sou o tipo que dá segundas chances. — o olhar frio dele perfurava-me tamanha intensidade. — Estarei de olhos atentos em você, seja uma boa garota.
Larguei o objeto, saindo em passos apressados para fora de vista. Não há como escapar das garras de Ace, estou condenada. Praticamente joguei-me na cama assim que cruzei a porta, ainda sentia-me fragilizada e ao mesmo tempo irada.
— Se estivesse aqui saberia o que fazer... Dante — sussurrei afundando meu rosto nos travesseiros macios. — Feliz aniversário... Pra mim — afundei o rosto no travesseiro.
Disposta a ficar tranquila pelo resto do dia, decidi que a melhor forma era dormir ou me ocupar dentro do quarto, embora não houvesse muito para ser feito. Intuitivamente encarei a parede próxima à cama, meus olhos fixaram-se ali e sem nenhuma razão aparente. Dizem que quando se olha atentamente para o nada é que os espíritos estão tentando chamar sua atenção — historias que são apenas isso, historias. Chacoalhei minha cabeça, despertando do estranho transe.
De repente, o ar antes calmo começou a exalar uma tensão de grande magnitude. O peso e a maldade permeavam o ambiente criando uma sensação de estar em um cerco fechado, sem ter como escapar ou esconder. O ar pesava, de modo que dificultava demais a respiração. Era como estar escalando uma montanha e chegado a um determinado trajeto que fica rarefeito, não possibilitando que oxigênio entrasse por completo mesmo com a enorme força. Meus pulmões protestaram devido a falta de ar e também pelo esforço demasiado que fazia para continuar respirando em meio aquela pressão atmosférica. Tudo aconteceu rápido demais para poder absorver, a familiar aura emanando crueldade e puro ódio não seria de outro que não fosse Ace — quase insustentável. Por algum motivo além de minha compreensão, Ace estava furioso. Não, furioso não é classificação adequada, ele estava incrivelmente possesso. A quietude foi perturbadora, pois só atiçou minha curiosidade para saber. Permaneci imóvel, mas realmente congelei assim que ouvi um som ensurdecedor provindo do andar inferior.
×××
Dante
AS NOITES PERVÍGEIS cobravam um preço caro demais para saudar — a mente declinando e os músculos enfraquecendo tornaram toda espera ainda mais extenuante. Ela, devido a sua natureza inumana, não carecia de um sono prolongado para restaurar sua energia, mas depois de um longo período de negligência severa, já não suportava mais. Sempre que se recostava para descansar, lembrava de ter falhado como guardiã de Diva e em cumprir a promessa feita, se castigando por não ter sido atenta o suficiente ou por sua deficiente percepção. Seus dedos acariciaram o pingente que recebeu de Alexander e pensou na ironia das circunstâncias: era o aniversário da Diva.
Lyana encarou Dante que não estava melhor que ela. A convivência de alguns dias sob o mesmo estresse trouxe uma nova óptica sobre o meio-demônio, muito mais que a opinião parcial de uma mulher apaixonada que o adorava. O caçador, de fato, gostava da Diva na mesma proporção que ela dele — uma definição certa de redamância.
— Hoje é o aniversário da Diva — comentou sem muito entusiasmo. — Nós nunca passamos o aniversário dela separadas, é a primeira vez.
— Quando trazermos ela de volta, poderemos comemorar. — Dante assegurou.
— Então... Vai dizer o que você e a Eryna conversaram ou é um daqueles assuntos confidenciais?
Dante ponderou sobre antes de emitir um suspiro demorado.
O silêncio desolador encobriu o espaço por intermináveis minutos, durante esse tempo todos os presentes olhavam atentamente para a bruxa que fazia o possível para concentrar-se o suficiente e descobrir a localização exata de Diva.
Uma semana se passara e nenhuma pista fora encontrada, tornando as buscas mais difíceis enquanto a determinação e adrenalina enchiam aos interessados. Muitas coisas estavam em jogo, entre elas o futuro do mundo e a vida da garota. Cada segundo sem resposta poderia ser o fim.
O tempo não era um aliado confiável.
Eryna usou tudo que conhecia sobre magia, porém o conhecimento já não fazia tanta diferença. Ela se empenhou a buscar através da aura que era sua maior especialidade, o poder se deslocou crescente, expandindo-se potencialmente atravessando os limites que seu corpo recém-recuperado exigia. A força esmagadora começou a recolher-se gradativamente trazendo nada além de informações superficiais, com aquilo só afirmou o que sabia: como não queria qualquer tipo de intervenções apagou os rastros da aura de Diva, de modo que parecesse que sua existência tivesse desaparecido por completo. Algo simples, mas muito eficaz. Ainda cheia de coragem, tentou quebrar a barreira negra que obscurecia seus sentidos aprimorados. No entanto, da mesma maneira que esta bloqueava também protegia, seria a pedra no caminho, uma no qual ela não poderia passar. Percebendo que não havia jeito de romper algo fortificado tão facilmente, resolveu voltar e esclarecer o ocorrido. Eryna abriu os olhos, recompondo-se do choque de realidade. A primeira pessoa que capturou sua atenção fora Dante, ele emanava preocupação quase palpável ao passo que fitava um precioso anel. E ela não precisou dizer com todas as palavras que sua procura não teve sucesso.
— Há uma grande e impenetrável barreira cobrindo a aura da Diva — informou frustrada, o cansaço aumentando devido a algumas noites sem dormir. — Preciso de uma força extrema para penetrar.
— E o que será necessário? — Lyana perguntou, seus olhos escurecendo em vigília e inquebrável vontade.
— Um poder enorme, transcendente. — esclareceu solene, seus automaticamente fixaram-se no mestiço. — O cordão prateado, por exemplo.
— Então essa parte é comigo — disse, expressando que típico sorriso convencido. — O que eu devo fazer?
— Empreste sua conexão com ela, talvez consiga uma ponte direta até onde ela possa estar. Tente estabelecer a sincronia e se foque nela! — Eryna estabeleceu categórica. — Use sua aura, espalhe-a e conduza no cordão que os liga. Do jeito que Diva fez para encontrar sua alma no Inferno.
Dante fez um gesto positivo com a cabeça antes de pôr-se a meditar. Apesar do termo concentração não ser sua melhor qualidade, julgou que seu propósito valia o trabalho árduo. Aos poucos pôde sentir a energia transcorrendo seu corpo, tal como sangue em suas artérias. Esse poder circulava firme e potente, passando por cada membro dando um impulso extra. A aura vermelha intensa e radiante como fogo, pulsou controladamente o que deixou Eryna fascinada com tamanha destreza e habilidade. Deveria esperar uma coisa assim vinda do mestiço, filho do lendário Sparda. Eryna tocou o esterno de Dante, traçando sua passagem com a ponta dos dedos até onde ficava o coração, apertando delicadamente o local. Ela introduziu a própria aura em junção com a dele, compartilhado momentaneamente uma linha direta de pensamentos. Poderia inclusive saber os sentimentos mais obscuros que ele guardava, mas não ousou invadir sua privacidade. Dante sentiu a nova força moldando-se e envolvendo-o. Não havia palavras no mundo para descrever a sensação que experimentara, a leve descarga elétrica que se espalhava de seu peito para outros pontos de seu corpo. Seus batimentos cardíacos aceleraram, as pequenas ondas de estática chegaram aos dedos dormentes e a energia oscilou para dentro do espiral criado por Eryna, facilitando a indução de poder. A aura conduziu um caminho que ressoava para o fio, agora visível, cordão que emitia o brilho reluzente da lua cheia. Eryna teria que ser breve, pois logo não teria mais como fazê-lo novamente, esses preciosos segundos terão que ser suficientes. Ela não controlou o sorriso de satisfação quando seu objetivo fora alcançado: viu a aura dourada fraca e perdendo o brilho, contudo pode enfim localizá-la Se Diva ainda está viva significa que ainda terão tempo para salvá-la. Dante tentou tocá-la e Eryna o impediu rapidamente, por que poderia causar problemas se eles mostrassem suas presenças ao inimigo — praticamente indicando suas posições, além de pôr tudo em risco adiantariam o ritual. Ela compreendia o sofrimento de ambos por estarem separados, por mais a jovem que pensava que o amado estava morto. Entretanto teriam que adiar o tão esperado reencontro, quando a vida de Diva não corresse mais perigo. A jovem repentinamente virou-se, procurando com olhos cansados algo no vazio. Eryna sorriu ao perceber que Diva ainda possuía sua sensibilidade. Dante mostrou um genuíno sorriso de júbilo pelo simples fato de vê-la, estar com ela mesmo que não pudesse tocá-la.
Eryna levou sua consciência de volta, agora totalmente alerta. Dante parecia estar se recuperando, em comparação quem mais perdera energia fora ele.
— Ela está viva — ele sussurrou mal contendo a felicidade, seu corpo pedia descanso e não se importou, sua vontade de salvar a mulher renovou as forças.
— Mas onde exatamente? É bom sabermos a localização exata e estarmos preparados para eventuais problemas. — Lady anunciou.
Antes que pudesse responder, o telefone da loja tocou e Trish foi atender.
— Devil May Cry — ela cantarolou de praxe. A mulher demônio ficou séria. — Amara, o que aconteceu...?
— Isso confirma minha hipótese — Dante murmurou com um sorriso. — Que tal preparamos os instrumentos? Faremos um show no inferno.
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