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Broken

I wanna hold you high
Eu quero te abraçar forte
And steal your pain away
E levar sua dor para longe
[...]

There's so much left to learn
Há muito o que aprender
And no one left to fight
E ninguém restou para lutar
I wanna hold you high
Eu quero te abraçar forte
And steal your pain
E roubar sua dor

Broken — Evanescence feat. Seether

— Que oportuno. — Ace exclamou com um sorriso vitorioso estampado em seu rosto. As chamas que brilhavam em seus olhos claros exibiram o orgulho e a arrogância de alguém que estava prestes a abater a presa, conhecia bem para ter uma noção do que viria. — Veio saudar os velhos amigos, irmã?

Ouvir a palavra “irmã” ser vocalizada tão levianamente depois dele usar desse artifício para me envolver em sua teia de mentiras, me enfureceu mais. Ele parecia satisfeito em me aborrecer e instigar mais a raiva que borbulhava a fogo alto em meu interior. Por mais que meu nível de esgrima ainda fosse muito iniciante e carecesse um pouco de maestria, com o que sabia e se montasse uma boa estratégia improvisada, talvez, conseguisse pegá-lo.

Precisava confiar nas minhas aptidões e técnicas em um momento tão crucial. Sobretudo, ninguém tiraria o prazer da retaliação depois de tudo que passei com ele. A raiva descomunal que a custo ignorava e reprimia, agora, gritava ferozmente com a chance tão almejada e que, enfim, vingaria as atrocidades que fizera comigo e com o Dante também. Minha alma pedia para que acabasse logo com esse ridículo joguinho de poder que ele exercia. Ainda sentia a consternação, o ódio avassalador e adrenalina correndo pelas minhas veias queimando e corroendo como ácido.

Desliguei-me da realidade e da racionalidade focando somente no alvo na minha frente. Ele mostrava-se indiferente ao jeito defensivo que tinha me posicionado: Blood desembainhada e pronta para atacar caso chegasse a fazer algum movimento que considerasse intimidante. Normalmente, frente a um inimigo uma pessoa ficaria ou assustada — que obviamente não é o caso —, ou também se preparasse para atacar/defender. Ele não fazia nem uma coisa nem outra. Era estranho para os meus padrões, mas por Ace — que é meio fora dos padrões normais — já podia esperar muita coisa e nenhuma agradável. A aura que ele emanava era cheia de absurda confiança. Despreocupado, deu um passo em minha direção e parou, olhando-me com sua frieza comum.

— Cadê o Santo Graal?

— Bem longe. — respondeu. — Mas você logo descobrirá, minha cara.

Apertei o punho da Blood.

— Então, irmãzinha... — Ace desembainhou a espada que carregava consigo, ainda com a postura imperturbável. — Conseguiu recolher os restos do seu amante? — o sorriso dele se alargou. — A morte dele deve ter sido tão dolorosa.

Travei a mandíbula.

— Filho da... — atirei a bainha e me lancei em uma veloz corrida, praticamente esquecendo a parte de bolar uma estratégia e atuando no impulso. Tinha a esperança que se fosse sagaz o suficiente para unir a velocidade certa e um ataque bruto, iria retalhá-lo sem demasiado esforço. Claro que se tratando de Ace não seria tão fácil.

— Toquei numa veia sensível?

A lâmina ziguezagueou pelo ar e tilintar suave no chão de concreto evidenciou a falha óbvia em atingir o alvo.

— Esse é o melhor que aprendeu nesse período todo? — havia um tom severo em sua voz. — Isso é decepcionante.

— Eu não preciso disso pra lutar. — afirmei né colocando em uma distância segura.

— Me mostre do que é capaz.

Sem perder tempo, avancei novamente contra ele desferindo a todo custo ataques, alternando entre socos e chutes. Tudo que aprendi com Dante e os ensinamentos de Alexander para dominar minha aura e transformá-la em força, apliquei na luta, ainda que um pouco inexperta ao me munir com ambas. Segui todos os seus passos, tentando achar um ponto cego e acertá-lo em cheio e nocauteá-lo.

O desesperador era que não surtiam o efeito desejado.

Absurdamente ele conseguia evitar cada um dos golpes de maneira que parecesse nada além de uma brincadeira simples e sem graça. Por um breve descuido da minha parte, Ace conseguiu me atordoar com um chute que certamente teria me atingido no estômago se não esquivasse a tempo.

— Está melhor.

Eu não podia avançar diretamente, precisava de uma estratégia detalhada e de muita paciência. E a voracidade crescia gradativamente como uma chama em todo meu sistema, não era algo que poderia reprimir facilmente. A fúria nunca foi uma boa conselheira em nenhuma situação e nem mesmo nessa. Porém eu tinha motivos mais do que suficientes para odiar profundamente Ace e sendo a oportunidade perfeita para dar um fim nele não hesitaria mesmo que significasse sofrer no processo. No entanto, o real problema era que não estava com cabeça para pensar em um plano de investida. A única coisa que tinha a mente era justamente: Ataque!

— Seu crescimento é notável — Ace pronunciou-se estoico, pegando Blood e a jogando para mim. — Mas ainda não está preparada.

Retomei a espada.

Blood estava estrategicamente posicionada diante do meu rosto, os braços firmes e seguros. Dessa forma, disparei com máximo de agilidade que minhas pernas permitiam e rasguei — de raspão em corte — transversal no peito de Ace. Ele encarou com descaso a minúscula lesão. Parecia tão indiferente que chegou a me incomodar, muito mais que o plausível.

— Mesmo que sinta tanta vontade de me matar, nunca conseguiria desse jeito. Você acredita ter instinto assassino e sangue frio, sinto lhe informar que tudo que você acha que possuí é a fúria incontrolável. Nunca vai matar alguém com tão pouca pretensão. — Ace provocou pondo em prova meu autocontrole, e cinicamente, continuou em tom de deboche: — Por falar nisso, seu amado Dante deve saber bem do que estou falando. A verdadeira vontade de matar alguém... Como eu o matei.

O ódio violento quase me sufocou.

A partir daquele momento, perdi completamente a razão. Apertei o cabo até minhas mãos doerem, permitindo que toda dor, raiva e agressividade eclodissem de uma vez em uma atitude protetora. Nem me importei em tentar um golpe direto, ou se teria forças para tal. Apenas senti a precisão e a graciosidade da lâmina, enquanto transferia-a toda minha vontade e unindo-a contra um único objetivo: Matar Ace. Nada podia me segurar, talvez nem o próprio Dante.

Então fui para cima de Ace, tentando cortá-lo com sequências de movimentos precisos que insistentemente ele subjugava e evadia. Fora questão de um breve segundo, e Ace desapareceu de vista. Aflita e confusa, o procurei olhando tudo ao meu redor procurando a mais significativa movimentação irregular. Abruptamente fui arremessada contra uma das paredes — e elas estavam muito afastadas de onde estávamos — por um poder invisível. O impacto além de machucar minha cabeça e deixar-me aturdida, fez com que largasse Blood em algum canto que não soube identificar ao certo — somente que se tratava de um lugar fechado. Tentei levantar-me, mas minhas pernas não tinha equilíbrio — tremendo como dois gravetos. Com as opções escassas, permaneci sentada no chão e respirei fundo. Pisquei contínuas vezes para dar foco à visão meio embaçada, e vi Ace aproximando-se calmamente com Blood em mãos.

Era o fim. Ele vai me matar.

Pela minha visão periférica, um vulto passou por nós e parou.

— Não vai matá-la, não é? — a voz absurdamente melodiosa indagou. — Sabe que esse não é o propósito.

— Eu sei. Não vou matar ela, apenas dar uma lição a ela.

Lutando contra a fraqueza, forcei meu corpo a correr ou pensar em algo que me livre da morte. Estava muito errado, não podia terminar assim. Não consegui grandes resultados apesar de tanto empenho. Assistindo a inevitável aproximação dele, fechei os olhos esperando pela dor. Primeiro senti uma suave queimação na minha bochecha direita e o fluido quente com o cheiro de ferrugem. De fato, era sangue. Meus olhos se abriram involuntariamente, mesmo vendo que talvez a última lembrança que tivesse fosse dele torturando-me.

Esperei outro golpe e este foi direto e extremamente doloroso. Então arfei perdida na tortuosa dor. Ace fincou lentamente a lâmina no meu ombro, deixando transparecer um brilho sombrio em seus olhos. Doía alucinantemente a forma que a frieza trespassou a minha pele macia até encontrar a dura parede. Não, ele tinha perfurado meu pulmão. Grunhi de agonia e cuspi sangue, tossindo repetidas vezes para desobstruir minha garganta que estava terrivelmente seca. Se o cheiro era ruim o gosto com toda certeza era muito pior.

— Você tem sido uma verdadeira pedra no meu caminho. Poderia ter sido uma boa garota e ter feito tudo que eu pedia, mas escolheu virar as costas pra mim. — afirmou com veneno em seu timbre.

Quase por reflexo — uma reação involuntária —, segurei sem energia a lâmina impedindo-o de persistir nessa tortura. Queria mais que qualquer coisa resistir, ser forte suficiente para manter-me firme e não fraquejar. Mas isso só me levava para uma escuridão angustiante. Ace agachou-se, ficando a minha altura. Em um gesto assustadoramente delicado, afagou meu rosto e perigosamente perto, murmurou:

— Eu poderia ter dado todas as respostas que você tanto queria. — ele agarrou meu rosto e esmagou minhas bochechas, virei à cabeça enojada — E todas as verdades que tanto busca sobre quem é e sobre todos que te rodeiam. Agora, me diga, irmãzinha, quem vai te salvar agora?

— Que desnecessário. — a voz desconhecida anuiu. — Eu vou procurar algo mais interessante pra ver. Sinto muito pela falta de cortesia, doce Diva, ainda nos veremos em outra ocasião. — escutei o estranho se afastar.

— Nunca seria seu fantoche. Nunca. — cuspi em seu rosto, ele limpou indiferente.

Tinha que fazer alguma coisa.

Ace sorriu.

— Eu não vou obrigá-la a nada. Será você vira até mim de boa vontade, através do incentivo certo. Não se preocupe com isso antes do tempo.

O que ele quer dizer com isso?

Um arrepio subiu pela minha coluna dorsal, e o medo irracional e incontrolável apoderou-se de mim. Arrepiando toda minha pele, do jeito desagradável. A velha e familiar sensação de que algo ruim esta prestes a acontecer. Não podia compreender o motivo, contudo, conhecendo a peça podia ser a pior hipótese possível. Tinha certeza que seria muito traumático. Tudo que vinha dele não era realmente boa coisa. O medo ensurdecedor apagou o pouco de bravura que queimava sutilmente em meu interior.

Ele afundou mais Blood em meu ombro, não satisfeito deu uma meia volta com ela. Abrindo mais o corte que já esguichava uma boa quantidade de sangue. Um grito de dor escapou pelos meus lábios, tentei controlar cada som perante o sofrimento que me infringia. De maneira nenhuma queria dar o gostinho a ele de me ouvir agonizar.

Se quisesse me matar seria muito simples para ele, mas não permitiria que me visse sofrer.

Em seus olhos não via sinal de piedade, e sim um olhar que estava disposto a eliminar, e se for preciso da maneira mais terrível.

— Como já disse: não se preocupe. — anunciou calmo — Não tenho intenção de te matar, você é mais valiosa viva que morta. Só que morta é mais fácil de lidar.

— Não conte muito com isso! — uma segunda voz surgiu, e parecia nervosa. No segundo seguinte, o que supus ser uma pessoa tirou Ace de perto de mim — que realmente foi um grande alívio — e o atirou com fervor para longe. Ele voou e aterrissou, sucinto e gracioso.

— Velhos rostos, huh.

Observei cada mínima ação, e minha mente não conseguia acompanhar. A perda de sangue mesclado com a dor fazia todo meu corpo zunir e minha consciência escapar por entre meus dedos. A figura se colocou protetoramente entre mim e Ace, usando seu próprio corpo de escudo. Desnorteada e cansada, reconheci que era meu salvador — salvadora no caso. Lyana agachou, pondo-se em posição defensiva.

Por que ela estava ali?

— Sabia que encontraria você por aqui. — Lyana acusou. — Diferente dos outros, não terei piedade em te matar.

Não entendi essa determinação dela para me proteger mesmo quando disse claramente não queria vê-la. Senti-me um pouco inútil. Toda vez que surgia a possibilidade de me superar sempre acabava comigo nas piores condições e isso, com toda certeza, não era digno de orgulho. Vincent tinha razão, como posso proteger os outros se mal posso proteger a mim mesma?

Nunca poderia me equiparar a Dante, Trish ou a Lady. Nem ao menos me comparar a Arya. Estando fraca e necessitando de proteção era patético... Praticamente manchei o nome de Arya. E pelo rumo das coisas continuaria assim se não me impuser.

Não podia ser dependente para o resto da minha vida.

— Pelo visto nossa pequena reunião foi adiada — disse apático. Tentei movimentar minha mão esquerda, ela estava dormente e fraca demais para sequer receber adequadamente os impulsos que meu cérebro enviava. Reuni toda força e coragem, e com a mão livre retirei a espada. Mordi os lábios contendo o grito de dor. O sangue espirrou e ignorei a corrente carmesim que caia descontroladamente. Tomada pela adrenalina, avancei em direção a Ace e por fim o cortei. Desmoronei perante ele, deixando Blood cair e usando a mão para estancar a ferida.

O suor se misturava com as gotas de sangue no chão.

— Sinto te decepcionar — Ace sorriu maquiavélico e seu corpo ficou escuro.

Diante dos meus olhos ele desapareceu em fumaça negra e vermelha, deixando para trás o aroma pungente de sangue e flores esmagadas. Possessa, soquei várias e várias vezes o chão.

Esse tempo todo era uma ilusão?

Pensei estar perto de por um ponto final nisso, mas não era real. Ace continua me manipulando de longe. E também era só uma forma de talvez me intimidar ou fosse para mandar aquele recado bizarro. No fundo ele tinha razão, ele pretende me quebrar aos poucos. Principalmente com essas duvidas e incertezas.

Lyana tocou meu ombro — não lesionado — chamando e pondo-me em cautela, eu apenas afastei do seu contato. Simplesmente pretendia ficar sozinha e refletir sobre meu estado e pela degradante perda, sem contar que queria tranquilidade. Ela sentou-se de costas para mim, ficando uma apoiada na outra.

— Sei que disse que não queria me ver. Mas não posso te deixar desprotegida. — explicou mantendo o tom íntimo e confidencial. — Fizemos uma promessa de que uma tem que proteger a outra. E fiz uma promessa para certa pessoa que nunca te abandonaria — a ultima parte fora em um sussurro quase inaudível, ainda consegui ouvir.

— Assim como aquela de que tínhamos sempre sermos honestas e nunca mentir? — indaguei venenosamente, entre crises de tosse.

— Devia cuidar disso... — disse referindo-se do corte.

— Eu estou bem — outra tosse, mais forte. Ela encostou a mão na minha que jazia de apoio para meu corpo.

— Seria tudo mais fácil se você não fosse cabeça dura e ouvisse o que tenho que dizer.

Um suspiro escapou.

— Eu não quero conversar nada com você.

— Que teimosa. — replicou com graça.

— Eu... — me controlei pra não falar nada que me comprometesse.

— Não vou insistir. Só... Cuide-se. — a tom dela era de ansiedade, ela se aproximou novamente para tocar meu ombro, dessa vez, por si mesma sem necessidade que eu interviesse, recuou e partiu.

Eu não fiz.

Dante me aconselhou a dar uma chance a Lyana, mas não pude.

Continuava magoada.

Deitei ali mesmo, esperando que meu corpo fizesse sua parte no processo de cura. Nada de diferente aconteceu. O sangue já formará uma poça em minha volta. Dante tinha razão pelo fato de não ser uma simples humana e não tão ter nenhum problema com a perda excessiva de sangue. Lembro até da vez que cortei meu braço no museu, claro que não era a mesma coisa.

Virei-me e encarei o teto, a luz adentrou por uma janela que ficava em um ponto paralelo a minha cabeça. Ergui as mãos e as abri olhando para o líquido rubro e viscoso que impregnava não somente minhas mãos, alastrava-se por toda extensão do meu braço. Meu sangue. Aos poucos, pontos pretos surgiram na minha visão. Contudo não me permiti desmaiar.

Era hora da verdade. Rasguei pequenos pedaços da minha roupa e usei meu casaco como tipoia, quanto às tiras coloquei por cima do corte para parar o sangramento.

Arrastei-me para fora.

Tempo passou rápido, pensei desanimada.

Os últimos raios da luz do sol sumiam na linha do horizonte. Andei disfarçando que havia um enorme ferimento — claro que é muito normal ver uma pessoa usando o casaco de uma maneira estranha —, mas não pude evitar as caretas de dor toda vez que alguém esbarrava em mim. Meus pés moviam-se em ritmo constante, a dor atrapalhava não importava o quanto cuidadosa eu estava sendo.

Pensei em me teletransportar, porém, não tinha forças pra realizar a ação sem acabar mal.

Pela grande quantidade que de sangue que pingava pelo caminho era provável que corte estivesse se abrindo mais. E para piorar ainda — o que eu achava ser impossível — forçava desesperadas e profundas respirações, meu coração protestava tanto pela falta de correta de oxigenação quanto pela tristeza e o cansaço. Eu devia ficar contente quando alcancei em passos lentos e sôfregos, Devil May Cry. Sinceramente, não queria nem ver a cara que Dante vai fazer quando eu chegar assim, toda quebrada.

Eu parei e, sem entusiasmo, empurrei a porta. As lágrimas brotaram em meus olhos, borrando momentaneamente minha visão. Minha mente estava a mil, e não saberia o que devia fazer. Eu queria ficar sozinha e, embora fosse maluco acreditar nisso, só de pensar de estar sozinha comigo mesma era pior.

Tomei coragem e entrei. A princípio o escritório parecia vazio, porém havia uma única alma que por sorte era Lady. Praticamente me joguei no chão entre tosses sufocadas. Já não conseguia respirar direito. Vendo meu estado Lady me socorreu.

— O que houve com você?

— Eu... — balbuciei, contendo o choro.

Sem energia para explicar, desabei de encontro a Lady e fui apagando até ceder a reconfortante escuridão.

×××

Não sabia ao certo se tinha dormindo ou desmaiado. Na verdade não me importava. O bom é que definitivamente não estava morta.

E como tinha tanta certeza?

A morte não deveria ser tão dolorosa. E já tive experiências suficientes para comprovar. Talvez até tenha estourado minha cota.

Eu podia respirar e meu coração batia normalmente. Porém algo estranho estava acontecendo. Meu corpo não respondia aos meus chamados, não podia me mexer. Estava deitada em uma superfície macia que deduzi ser a cama, e lençóis quentes acalentavam o frio que percorria pelo meu corpo. Pelo menos ouvia, mesmo que bem sussurrada vozes que não identifiquei ao certo quem eram. Tentei me concentrar na conversa, mas a densa névoa me puxava de volta à sonolência. Meus sentidos estavam um pouco entorpecidos e um leve pulsar queimava o ombro esquerdo.

Uma mão quente me tocou, acariciando meu rosto. O cheiro, a respiração e a reação instintiva ao contato sem dúvida quem estava ali era Dante. Seus lábios encostaram levemente no meu, sabia o que veria a seguir. Esperei ansiosamente que ele me beijasse, muito mais do que isso, queria ardentemente que ele o fizesse. Agora sua respiração batia em meu pescoço, causando arrepios. Delicadamente puxou-me para perto, então meu desejo foi atendido. E diferente do que imaginava, o beijo veio com o gosto de sangue. A língua de Dante forçou passagem para que líquido viscoso descesse pela minha garganta. Eu não conseguia parar, muito menos cuspir. Em estado de choque, engoli todo sangue que ele deixou em minha boca. Meu coração disparou no peito. Aquilo pareceu familiar, a mesma sensação, mas de outra maneira. Como se fosse uma memória distante.

Dei um soluço.

— Deu certo? — uma voz feminina perguntou.

— Só saberemos se ela acordar. — Dante respondeu limpando meus lábios com o polegar.

— O processo de cura dela é estranho. Se fosse humana certamente teria morrido de hemorragia. Ainda assim, ela não se cura com a mesma facilidade que você.

Nunca tive problemas para me curar. Tudo bem que nunca tive um ferimento dessa gravidade. Só queria entender por que Dante me deu o sangue dele.

— Ao que tudo indica quanto mais grave o ferimento mais demorado é a recuperação.

— Bem, é o que parece... Agora é só esperar que essa teoria dê certo.

— E você via outra opção? — rebateu. — Oh, olhe! Esta dando certo. Seu sangue acelerou a cura.

Podia sentir cada ferimento pequeno se fechando.

Paulatinamente uma onda de letargia imbuiu a parcela de consciência que detinha, suprimindo-a. Respirei fundo e desci pela precipitação, meu corpo, que se agarrava as correntes de lucidez, se soltou por completo. O mundo de sonhos com a pluralidade de cores pastéis e sombras delicadas se assemelhavam, pelo estilo e a estética onírica, das obras de Alois Arnegger. Claro que apreciação artística durou menos do que previ antes de se converter em um pesadelo, indo de um clássico ao macabro em um piscar.

Ele está vindo.

Me debati para não deixar que ele chegasse perto de mim.

— Ei, doçura, sou eu... Acorde.

No momento que abri meus olhos as lágrimas desceram lentamente pela minha bochecha, e usei minhas mãos para enxugá-las. Não lembrava quando comecei a chorar. Elas só saiam descontroladas. Meus olhos pousaram imediatamente no rosto do homem que eu apreciava. Os olhos azuis me examinaram com preocupação.

Sem julgamentos, Dante me recebeu em seus braços.

Trish e Lady também estavam presentes.

— Vamos deixar vocês dois as sós. — Trish anunciou saindo e Lady foi atrás, mas não sem antes de dar um meio sorriso de consolo para mim.

— Não posso mesmo tirar os olhos de você, não é? — Dante cuidadosamente rasgou uma parte da faixa que cobria meu ombro. Diante de nossos olhos a ferida cicatrizou, até que não houvesse mais nenhuma deformação.

— O que...?

— Shh — sinalizou. — Trish tinha razão, funcionou. — Dante sorriu, acariciando minhas bochechas. Ele enterrou a cabeça no vale do meu pescoço, ficando ali, imóvel, por alguns segundos. Seus braços me apertaram com tanta delicadeza que me comovi pelo cuidado que ele tinha ao me tocar, os dedos roçaram dengosamente meus braços. Durante o gesto, não houve interrupções, trocas desnecessárias de palavras, somente o contato, o calor e o carinho compartilhados. Controlei, por um curto minuto, minhas reações para que não denunciassem minha fragilidade antes da máscara cair.

— Acho que mereço uma boa explicação.

Afundei a cabeça em seu peito e reprimi o choro, não queria chorar na frente dele de novo. Suas mãos afagaram meus cabelos, roçando o nariz no topo da minha cabeça.

— Eu achei que podia... — me agarrei desesperadamente a camisa dele. — Se não fosse você, conhecer você... Acho que a experiência toda de viajar pra outro mundo teria sido aterradora. — me encolhi mais. — Mas... Tudo que aconteceu com você é minha culpa também.

— Esse tempo que passei com você tem sido bastante divertido, não tenho muito o que reclamar. — Dante assegurou com um tom afável. — A sua estádia aqui agitou bastante a loja e não é algo que acontece com frequência.

Fitei o encantador meio-demônio que conservava em si o sorriso mais carismático de todos.

— Daremos um jeito nisso, tem a minha palavra.

×××

Observei os dias passarem feito areia numa ampulheta: ininterruptamente escoando pela abertura e enchendo a área inferior, repetindo um ciclo. Sem opções interessantes para me distrair da corrente de frustrações, dores e dúvidas, me restava exclusivamente pensar e como é de conhecimento comum, encher a cabeça vazia com pensamentos acabava empurrando-nos a um terreno desconhecido e inóspito. As semanas iam monótonas em uma rotina conhecida, comigo na cama sem vontade de fazer nada. Ocasionalmente escrevia no diário para desabafar um pouco e me atormentava com questões não muito relevantes. Dante ocupava-se com missões e quando podia, vinha me ver, o que me deixava tranquila. E não tocou mais no assunto do que aconteceu comigo, talvez não querendo me fazer ficar desconfortável.

Tudo que aconteceu com ele se ligava a mim, não podia deixar de sentir que personificava um grande problema na vida dele.

Às vezes tinha a impressão que ele me evitava já que não dormia comigo. Quando acordava no meio da noite o encontrava dormindo no sofá. No começo, fiquei triste, mas percebi que ele não queria forçar a barra. Se eu queria ficar sozinha para refletir ele respeitaria essa decisão. Parecia que eu o expulsara do próprio quarto.

Então sempre que dormia no sofá, eu me acomodava no curto espaço e dormia ali. Em nenhum momento ele negou ou afastou-se quando eu o fazia. Era recebida de braços abertos — literalmente. Conforme as coisas progrediam, tudo voltou ao seu devido lugar. Menos é claro, a mim. Ainda estava em estado de eterna apatia, no mínimo, lamentável.

Certa ocasião, acordei com algo lambuzando meu rosto. Não importava o que eu fazia, seja lá o que fosse, era irritantemente persistente. Levei um tremendo susto, vendo um filhote de labrador poucos centímetros de mim. O pequeno balançava animadamente o rabinho. Seus olhos grandes e pretos mostravam uma coisa que perdi com o tempo: a pureza e a alegria. Com passadas largas o cachorrinho saltou para cima de mim, pedindo para me juntar a ele na brincadeira.

— Ele gostou de você — Trish falou, sentando-se na cama.

— Trish? Por que o trouxe?

— Ninguém queria adotar o pobrezinho, — explicou calmamente — e seria bom que tivesse alguém para brincar com ele. E como você anda muito deprimida, decidi unir o útil ao agradável.

Sorri.

— Obrigada! — peguei o filhote, ele lambeu minha mão.

— Não me agradeça. Que nome pretende dar a ele?

— Não sei...

Eu pensei em Marley como o do livro e filme Marley & Eu. Mas lembro de que era um pouco triste.

— Que tal Kane?

— Hm, um bom nome.

Kane deu um latido, não sei se de felicidade pelo nome ou por ter alguém para brincar com ele. Acho que as duas coisas. Coloquei-o no meu colo e massageei atrás da orelhinha caída dele.

— Dante sabe?

— O que eu tenho que saber? — Dante, apareceu repentinamente, e encarou o cachorro e vice versa.

— Posso ficar? — perguntei sem esperar que ele tivesse uma reação. Fiz minha melhor expressão fofa e ainda aproximei filhote do meu rosto para dar mais apoio. O pequeno me lambeu, interrompendo a magia do momento.

— Por favor! Por favorzinho!

Dante suspirou designado.

— Fique com ele. Que tipo de homem eu seria se negasse um pedido seu?

— Obrigada Dante. Agradeço a vocês dois por me ajudarem nesse momento difícil.

No fim eu estava enganada. Mesmo passando por tantas coisas horríveis ainda podia contar com Dante e de todas as coisas, a que jamais me arrependerei é de ter a oportunidade nessa vida de conhecê-lo.

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