Capítulo XXVI - Oitava Estrofe
Acordai meu anjo, acordai.
Com os olhos limpos e as mãos sangrentas...
Daqueles que te tocavam, já não o podem fazer...
Dos que viam, não mais podem ver.
E finda as lamurias ao doce som da tua voz.
Acordai Anjo!
— SENSEI DISSE QUE MEU DESENHO ERA O MAIS BONITO!
O loirinho falava empolgado, segurando a mão da sua oka-chan. Naruto estava feliz, muito feliz! Sua oka-chan não ia lhe buscar na escola há muito tempo. Desde que to-chan se foi.
Sentia falta de sua mãe como ela era antes. Ela não cantava mais para ele dormir e sempre parecia tão triste e nervosa. Ela nem mesmo olhava Naruto nos olhos e estava sempre brigando com Menma.
Hoje ela estava diferente. Ela sorrira quando vira seu desenho, lhe levara para tomar sorvete. Ele nem mesmo havia ficado triste quando ela disse que iam ter que se mudar. Naruto amava Uzushio, mas se aquilo deixava sua oka-chan feliz, se ia devolver ela para Naruto, então não se importava em se despedir do mar.
Menma também não ligara quando a mãe contou, então devia estar tudo bem. Tudo ficou bem depois que o padrinho veio conversar com ela noites atrás. Ele havia chegado com uma sacola de presentes e eles falaram por horas na cozinha, enquanto Menma brincava com Naruto no tapete com seu novo conjunto de pintura.
Foi quando oka-chan lhes disse que iam se mudar, eles iam morar em Iwa com 'Raya.
Oka-cha sorrira naquela hora depois de muito tempo.
Agora os dois estavam voltando para casa, passando pelo beco que dava para a região do ancoradouro que sempre brincava com o irmão. Oka-chan segurava sua mão e até mesmo cantava, como há muito não fazia. Naruto olhava para cima, vendo os cabelos vermelhos da mãe no pôr-do-sol por entre os muros. Ela era a mulher mais bonita de todo o mundo.
Sua oka-chan o olhou, com um sorriso no rosto. E não havia aquela coisa ruim nos olhos dela, que fazia Naruto pensar que ela não gostava mais dele. Não, só havia amor ali, igualzinho ao Menma.
Sorriu de volta, sonolento. Sua oka-chan deu uma risada com sua expressão e o colocou nos braços. Era macio e quente e ela não pareceu ligar que Naruto era sempre frio. Se aconchegou melhor, pegando no sono com a música da respiração dela.
— Kushina.
A voz a fez parar. Naruto sentiu oka-chan lhe apertar. Por que havia ficado tão frio? Acordou, confuso. Olhou na direção da voz e piscou os olhos molemente, tentando ver quem era. Quando viu as sombras, tantas e tantas sombras ao redor dele, se retorcendo e subindo pelas paredes do beco, Naruto gemeu em terror e enterrou o rosto no ombro de oka-chan.
Havia algo de errado com as sombras e Naruto estava com muito medo.
— Eu soube que vão se mudar. Por que não me contou?
As mãos de sua oka-chan estavam trêmulas, mas sua voz pareceu firme e ela o segurou nos braços com mais força.
— Decidi há pouco tempo.
Ela deu passos, tentando se distanciar da pessoa, até perceber que estavam quase dentro do beco. Naruto sentiu as mãos dela o apertando cada vez mais forte, mesmo assim ficou calado.
As sombras não paravam de gritar. Uma delas tentava chegar perto de oka-chan e Naruto, podia ver as garras se estendendo no chão, os olhos brancos por trás da pura escuridão.
E havia algo de errado naquela voz. Sua cabeça começou a doer.
Naruto começou a chorar baixinho.
— Por um momento pensei que estava fugindo, mesmo depois de tudo o que contei.
Oka-chan ficou calada, a respiração ficando mais forte. Naruto a viu dar mais um passo para trás. O silêncio perdurou por segundos e uma sensação ruim percorreu seu corpo.
— Você não pode ir. — Ouviu a voz e parecia mais perto. — Sabe o porquê.
Aquele pareceu o limite para oka-chan.
— Fique longe do meu filho, seu saco de merda. — Oka-chan sibilou. — Coloque uma coisa nessa sua cabeça fodida, seu desgraçado. Ele não é seu.
Naruto ouviu um suspiro da voz e prendeu a respiração. As vozes gritavam mais ainda.
Em aviso.
Um passo, dois. Oka-chan o segurou com mais força e se moveu abruptamente. Naruto fechou os olhos com força.
— Não toque nele, seu filho da puta!
Ouviu um som de dor. Sua oka-chan virou e começou a correr em direção a saída do beco.
Eles ainda estavam lá dentro quando Naruto ouviu o tiro.
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Naruto abriu os olhos, sua visão desfocada. Seu corpo estava letárgico e não conseguia respirar bem.
Olhou para os borrões ao redor, ouvindo o som da chuva. Alguém estava conversando por perto. Ele não sabia onde estava e estava tão frio.
Se virou e percebeu que estava nos braços de alguém, andando por um corredor escuro. Tensionou terrivelmente e se debateu de forma débil, um som confuso e de medo saindo de sua garganta.
— Está tudo bem. — Uma voz falou acima de sua cabeça, calma e suave. — Vai ficar tudo bem agora.
Naruto relaxou imediatamente.
— Ela não me odiava. — Informou, a voz baixa e áspera. — Eu não lembrava, ela não me odiava.
— Quem? — A voz suave perguntou. As luzes voltaram e ouviu o som de uma porta. Seus olhos desfocados viraram para uma sombra atrás, apenas para sorrir ao ver dois rostos conhecidos.
Menma sorriu em sua direção, a expressão preocupada. Sasuke parecia exasperado. Se Sasuke estava lá, ele sabia quem estava o segurando, mesmo em seu estado febril ele podia reconhecer aquela voz.
— Quem não odiava você?
Naruto piscou molemente, seus olhos ardendo com a luz.
— Oka-chan. Oka-chan não me odiava. O homem das sombras atirou nela. — Naruto murmurou, imagens dançando na sua cabeça. — E me levou, mas...
Naruto gemeu baixinho. Por que estavam tirando sua roupa? Ele não gostava disso.
— Naruto? Fiquei acordado.
— Eu não quero gravar um vídeo. — Sua voz saiu em um sussurrou assustado, tentando empurrar as mãos. — Por favor.
As mãos pausaram e sentiu ele segurar a respiração. As mãos largaram sua roupa e as sentiu em seu rosto, tentando o fazer focar. Era impossível.
— Só vou tirar as roupas molhadas. Preciso secar você, tudo bem?
— Menma pode ficar? — Pediu.
Ouviu um suspiro e então uma caricia em seu cabelo: — Claro que pode.
—Não me machuque, okay?
— Nunca.
Assentiu, fechando os olhos.
— Naruto? Fique um pouco mais acordado. Me fale sobre o homem das sombras.
Abriu os olhos: — Ele tentou me levar, mas me ajudaram.
— Quem?
Sentiu uma mão em sua boca e gemeu de terror, ele não queria nada em sua boca, ele não queria nada ali! Soltou um soluço assustado.
— Por favor. — Implorou muito baixo, mas não se moveu, nunca era bom se mover. Pedir por favor também nunca funcionava. — Por favor, eu não quero fazer isso.
A mão parou por um segundo, sua voz triste. Tão triste.
— É só remédio. Quem ajudou você?
Naruto não conseguia mais manter os olhos abertos, sua consciência vagando.
As sombras. As sombras me ajudaram.
Elas eram assustadoras, mas só queriam lhe ajudar.
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Namikazes são crianças da morte. Uma voz falou, com cabelos vermelhos como ka-chan. Anjos da morte.
Naruto era uma criança da morte, como to-chan.
O filho de Menma iria ser também, igualzinho a ele, ele viu. Ele contou a Menma, mas Menma não entendeu.
A morte amava tanto o filho de Menma e Karin que o levou com ela.
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Por que ele quase não via oka-cha mais? Para onde to-chan havia ido?
"Vai ficar tudo bem." Ouviu a voz de Menma perto de seu rosto. "Só mais um pouco."
Da última vez que Menma falou isso, Naruto ficou sozinho por quase dois anos.
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O vento açoitava a janela lá fora, as nuvens grossas de chuva tornavam o céu em uma massa cinzenta. Momentos antes a luz do local apagou, apenas para retornar junto ao ronco de um gerador. Era um lugar suspeito, mas limpo. E um teto enquanto a chuva lá fora parecia piorar.
Primeiro cuidou de Naruto. Se desfez das roupas encharcadas as jogando em um canto qualquer no quarto, o enxugou e colocou roupas secas de Shisui que encontrou na mala do carro, o deixando abaixo das cobertas. Ele acordou de forma momentânea quando estava na recepção, não parecendo coerente em seu estado febril, mas voltou a dormir quando empurrou o antitérmico pela garganta dele.
Imaginava que ele devia ter sido pego no meio do temporal da madrugada passada e se abrigado no galpão. O preocupava o tempo que ele passara encharcado. A saúde dele já frágil demais, aquilo cobraria um preço. Passou um longo momento o monitorando, ouvindo o chiado no seu peito a cada respiração, só se afastando quando finalmente a febre pareceu começar a ceder e ele começou a respirar melhor. Só então cuidou de si mesmo.
Tomou um banho e trocou a roupa encharcada. Persuadiu a dona da pousada a lhe dar as duas chaves do quarto e manteve a arma ao seu alcance todo o tempo. Tentara ligar para o departamento de Konoha e Madara, para avisar que havia o encontrado e que estavam ilhados, em vão. Segundo a dona da pensão a torre da cidade havia tido um problema, estavam sem sinal por tempo indeterminado.
Olhou para o relógio, notando a hora e todo o tempo que havia passado. Ele havia viajado para Kiri no meio da madrugado e encontrado Naruto na manhã. Ele havia dormido já quase o dia inteiro, já anoitecia.
É quase o oitavo dia.
Fitou o rosto que se movia durante o sono, em meio à algum pesadelo, uma palavra escapando de forma ocasional.
Ele devia estar furioso com Naruto por tê-lo usado, por ter quase jogado fora todo o esforço que fizera para mantê-lo vivo até o momento, mas tudo o que sentia era um alívio incontrolável apenas por tê-lo debaixo do mesmo teto no momento.
— Inferno. — Murmurou, passando a mão no rosto, o medo de o encontrar morto, de ele ter sido pego por Kyuubi, só agora passando. — Esse garoto vai me matar ainda.
Se ergueu e fitou a chuva lá fora, tentando ser racional e armar o próximo passo. Nunca se sentira tão fora de controle desde que perdera Sasuke: Aquele medo irracional, a raiva, a frustração.
Era como se tudo estivesse girando apenas ao redor de Naruto agora. Ele não saberia o que fazer se o perdesse agora. Provavelmente não restaria nada dele para ser colocado no lugar. Ter alguém com tanto poder sob ele era assustador. Alguém tão impulsivo era ainda pior.
— Psibláblá.
A voz fraca o chamou atenção para os olhos azuis que o encaravam da penumbra do quarto, iluminados apenas pela luz do poste do lado de fora e dos letreiros vermelhos. Não sabia há quanto tempo ele estivera acordado o observando, e tão pouco sabia quanto tempo estivera divagando.
—Você é real?
Franziu o cenho com a pergunta. Naruto havia alucinado com ele? Não o surpreendia com a febre que o encontrou.
— Eu estou aqui. — Sua voz saiu suave, mas seu tom menos afetuoso do que de costume.
Os olhos azuis pareciam mais focados agora. Se ergueu da poltrona onda estivera até então e caminhou até ele. Ignorou o que sentiu com a forma como ele se encolheu quando se aproximou, como se temesse que Itachi fosse fazer algo.
Sua expressão não deveria estar amigável para ter esse efeito.
— Você não deveria estar aqui. — Ouviu o sussurro e controlou a respiração e o temperamento com isso. Ainda mais quando Naruto parecia medir a distância até a porta, como se quisesse fugir. De novo.
— Eu sei. — respondeu e seu tom foi ausente de qualquer suavidade.
Agora que Naruto estava acordado, o alívio começava a dar espaço para a raiva. Naruto havia fugido, com um maníaco atrás ele, ele havia fugido. Itachi havia confiado nele para fazer besteira e foi exatamente besteiro o que ele fez.
Não estava com paciência no momento. Nunca tivera tão pouca paciência na vida.
Segurou-o pelo ombro quando ele fez menção de se levantar aos tropeços, o fazendo se sentar novamente. Apertou seu ombro em aviso.
Naruto fez um pequeno som de surpresa com a brusquidão, os olhos azuis arregalados. A última vez em que Itachi havia sido rude assim foi logo que encontraram a segunda estrofe, desde então ele não havia tratado Naruto com nada mais do que suavidade.
Naruto não gostava disso, ele odiava a forma glacial como ele estava o olhando. Não havia nada do Itachi que conhecia ali.
— Me solta. — Sussurrou, controlando o pânico na voz áspera e baixa. Tentou empurrá-lo, mas Itachi não cedeu, segurando seu pulso em retorno. — Eu não vou fugir.
O olhar de Itachi, que deixava óbvio o quanto não acreditava nisso, não devia o magoar tanto. Mesmo que fosse merecido, ele não queria ser olhado assim. Não por Itachi. Como se... como se Naruto fosse apenas um problema.
— Ainda está um pouco quente. — Itachi comentou, tocando sua testa com a mão livre. — Fique na cama.
— Estou bem. — Naruto falou devagar, a voz pequena. Itachi pode ver medo nos olhos azuis e o soltou, o vendo puxar a mão de seu aperto e se encolher.
Se ajeitou de pé, o olhando de cima. Quando finalmente voltou a falar, sua voz cedeu e soltou toda a frustração que estava tentando segurar com sua secura.
— O que achou que estava fazendo, exatamente?
Naruto não respondeu, olhando para baixo. Aquela falta de resposta pareceu o deixar ainda mais frustrado.
— Eu confiei em você! E olha a merda que você fez! — Falou alto e o viu se encolher mais. Abaixou o tom, a voz frustrada. — Eu estou cansado, Naruto.
— Então se afaste. — O outro replicou, ainda se abraçando, a voz em um tom petulante. — Se está cansado de mim, se afaste.
— Se pudesse eu iria! — Itachi respondeu, deixando a raiva fluir. Se afastou da cama alguns passos, vendo aquela figura pequena o olhando de forma desafiadora, mesmo que encolhido. —Você procura o perigo Naruto, você parece que quer morrer!
Será que ele não entedia isso? Não entendia o que a morte dele faria com Itachi?
—Eu não estou te segurando, Itachi! — Naruto rebateu imediatamente. —Não quer saber quem é o Kyuubi? Você nem sabe o que eu vim fazer!
Naruto se ergueu da cama, procurando algo ao redor de si, caminhando a passos largos até o monte de roupas molhadas no chão, vasculhando os bolsos.
Itachi perdeu a paciência completamente. Se aproximou, virando o outro pelo ombro com brusquidão, o rosto na sua cara.
— Olha para mim quando falo com você! Não haja como se eu fosse o errado aqui!
— Você não é meu pai, Itachi! — Naruto sibilou tentando se livrar do agarre.
Nessas horas a diferenças de idade deles era tão evidente, era com soco em seu estômago. Itachi havia tentado não pensar muito nisso, até agora.
— Dou graças a Deus por isso. Você só causa problemas para todo mundo, Naruto.
Os olhos azuis se arregalaram, magoados. Itachi também prendeu a respiração, quase se batendo pelo o que deixou sair. Toda a raiva evaporou com isso, sua voz saindo mais suave, o rosto culpado.
— Naruto eu... me desculpe. Não devia ter dito isso.
— Me larga — A voz dele saiu pequena, quase inaudível.
Itachi o largou, mas não se afastou.
— Eu sai da linha, mas quero que me ouça. Você mentiu para mim. — Falou devagar, o fazendo entender, o ouvir. — Eu pensei que iria encontrar seu corpo, Naruto. Que nem o corpo do... — Pausou, respirando fundo. — Eu quero saber quem é o Kyuubi, mas eu quero mais você a salvo. Se fosse apenas por causa daquele maldito, eu não estaria aqui agora. — O olhou nos olhos, passando a verdade das próximas palavras, sem deixar dúvidas. — E eu estou aqui, porque eu não suportaria perder você também.
Naruto o fitou por longos segundos, os olhos ainda marejados, até os desviar, se abraçando mais forte. Itachi se distanciou, dando espaço aos dois para esfriarem a cabeça. Com a frustração e raiva indo embora, só sobrou cansaço e tristeza. Havia uma razão para nunca falar quando estava com raiva. Não depois de Sasuke, do desastre que foi a última discussão dos dois. Ele nunca poderia voltar atrás no que disse a ele.
Não queria sentir aquele arrependimento pulsante em si quando notou a tentativa hercúlea do outro para conter o tremor nas mãos, como ele relaxou quando finalmente se afastou.
— Por Kami. — Sussurrou, sentindo o coração bombear sangue ao corpo perigosamente rápido. Colocou a mão ali e respirou fundo, se sentindo levemente zonzo, tentando controlar a os batimentos ao se acalmar. — Eu não vou machucar você, Naruto. Por mais irritado que eu fiquei, eu não vou levantar a mão para você.
— Eu sei. Não é porque eu quero. Meu corpo apenas... — A voz do outro saiu baixa e frustrada e Itachi se sentiu ainda mais culpado. — E eu não menti.
Itachi suspirou, indo se sentar na cama, o rosto entre as mãos.
— Eu não menti, Itachi. — Naruto repetiu, a voz mais triste. — Eu não menti.
— O fato de eu ter que vir buscar você aqui prova o contrário. —Rebateu baixo e derrotado.
Sua resposta foi o silêncio.
Levantou a cabeça quando sentiu as mãos frias em seu rosto. Viu Naruto de pé na sua frente, se surpreendendo pelo outro se aproximar mesmo depois do ataque de fúria que tivera há pouco. Os olhos azuis estavam tristes, de um acinzentado que o deixou hipnotizado por um momento.
— Você não acredita em mim. Você não entende? — A voz dele saiu em um tom quase desesperado, o rosto avermelhado ainda pela febre. — Você diz que eu menti, mas a verdade é que eu falei a verdade e você apenas não acredita. Como eu podia confiar em você? Você nunca teria acreditado no resto, na razão de eu ter que vir aqui.
— Naruto... — murmurou cansado, tocando a mão em seu rosto, pronto para tirá-la dali.
— Eu vou ter que mostrar a você.
Não teve tempo de perguntar do que o outro estava falando.
Sentiu as mãos frias e menores apertando seu rosto, o obrigando a olhá-lo.
Os olhos ficaram desfocados e sentiu um choque frio percorrer seu corpo.
Mergulhou em um pesadelo que nunca sequer imaginou existir.
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Eles não conseguiam encontrar Nagato Uzumaki.
Ao que parece, a casa que estavam vigiando, só havia serventes nela. Nenhum deles havia o visto há dias.
Eles haviam recebido de um deles uma ideia de onde ele poderia estar, de quais propriedades ele poderia estar usando para se esconder. Ele não havia saído do país, disso tinham certeza. O que não ajudava muito, mas se ele havia atacado a garota Hyuuga, com a patrulhamento das fronteiras após a fuga de Naruto, as chances de ele ter ido longe eram poucas sem ser reconhecido.
Kakashi se controlou para não jogar o celular pela janela do carro ao ouvir novamente a secretária eletrônica. Usava roupas negras de operação, assim como todos os outros. Ao seu lado, Deidara aprontava o coldre com seu armamento.
— Nada ainda?
Negou. Olhou para a pequena equipe na van, prontos. Sasori ao lado de Deidara estava calado como sempre. Asuma estava pensativo, nos lábios um cigarro apagado. E havia Gai, murmurando comandos para si mesmo, como o louco de sempre.
A equipe mais desajustada, mas também a melhor da corporação. A única em que Ibiki confiava, e por isso, a única em que Itachi confiava.
— E os primos?
— Estão procurando. Se conhecemos os Uchiha, eles acham, mas será difícil manter comunicação com eles nesse temporal também.
— Espero que eles estejam bem.
— Itachi está lá. Se ele disse que sabia onde o garoto estava, ele encontrou. Eu conheço aquele infeliz. E por nada ele deixaria algo acontecer com o menino. Não precisamos nos preocupar com isso. — Suspirou engatilhando sua arma.
— Então, para que todo esse desespero de vocês? — Deidara resmungou, impaciente.
— Estamos prontos. — Sasori avisou — Vamos invadir em dois minutos.
Kakashi suspirou se erguendo, fazendo um sinal com as mãos enquanto saiam do carro e se misturavam a escuridão. Chovia ainda, embora em Konoha o temporal não houvesse chegado, havia uma garoa fina que não havia parado por um instante sequer.
Olhou para o flat que possivelmente abrigava Nagato. Era a ordem de prisão que o Hatake mais teria o prazer de cumprir desde que entrara para aquela profissão.
— Porque ele vai perder toda a ação.
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A luz do farol iluminou seu rosto.
Sua mente racional queria achar caminhos para bloquear o que havia visto, seu coração batia em um descompasso perigosamente rápido. Podia ainda sentir a dor do tiro, a sensação de sufocar em água e sangue.
Era como se emergisse de uma água escura e sufocante. Ouvia uma voz distante, o chamando, mas era como se não estivesse ali ainda, mas sim em meio aqueles containers, a água invadindo, o ar indo embora, sufocando, sendo puxado para baixo e mais baixo até... Era como em seu sonho, caindo naquele lago com seu irmão morto o puxando para o fundo da água sufocante.
Sentiu a mão fria em seu peito, pressionando, no rosto, em seus ombros, tentando movê-lo. Seu coração estava tão acelerado que quase podia o ouvir. Assim como ouvia vagamente sua respiração falha. Sentiu algo sendo colocado em sua boca, de forma forçada, quase indelicada, abaixo de sua língua. E aquela voz, o chamando repetidas vezes.
— Itachi, por favor...por favor...
Pareceu uma eternidade até que seus olhos entraram em foco, seu coração voltou ao seu ritmo e a primeira coisa que ele viu, além da desfocada parede rachada, foram olhos grandes, azuis, assustados e cheios de lágrimas. O nariz pequeno estava quase tocando o seu, enquanto mãos frias agarravam seu rosto com firmeza desesperada.
— Naruto?
Sua voz saiu baixa, quase um sussurro. Sentiu de imediato, para sua surpresa, o peso do outro todo em cima dele, o rosto se escondendo em seu pescoço, respirando rapidamente e de forma entrecortada.
Em algum lugar da sua mente percebeu que era a primeira vez que Naruto o abraçava por conta própria.
— Naruto? — Repetiu, incerto ao ouvir os soluços sentidos em seu ouvido.
— Eu pensei...que seu coração ia parar... — Ouviu a voz baixa, quebrada, pequena. — Por um momento...eu pensei que ia te matar...
Sua mão foi para as costas do outro, tentando acalmá-lo ao sentir como ele tremia.
Sentiu a umidade se formando em seu ombro, mas nada falou. As mãos estavam agarradas as laterais de seu corpo com força, os dois deitados na cama. Tentou entender o que havia acontecido, o que estava acontecendo.
Depois do que...havia visto, uma arritmia não era uma surpresa e devia ter sido exatamente isso que havia acontecido. Por isso desmaiara. Seu coração entrara em um ritmo acelerado o bastante para quase desencadear uma parada cardíaca. Minutos passaram enquanto assimilava o que havia acabado de acontecer. O que havia visto, ouvido.
Era real. Foi real.
Ele vira de fato a própria morte? Aquilo era possível? Ele podia ainda sentir a sensação de minutos atrás. De como era estar morrendo.
Ele estava falando a verdade. Virou o queixo e olhou a cabeça loira, com culpa, confusão e terror. O tempo todo.
— Como você consegue? — A pergunta escapou fraca de seus lábios antes que se contivesse. Sentiu o corpo menor tenso. Deixou uma mão repousar no cabelo coberto de suor, o acalmando. — Você vê esse tipo de coisa...todo o tempo?
Não houve resposta além das mãos o apertando com mais força.
Itachi não conseguia assimilar o fato de alguém conseguir passar a vida inteira vendo coisas como essas e reter algum tipo de sanidade. Ele vira apenas uma e seu coração quase parara em terror. Imaginava se Naruto vira aquilo exatamente como ele vira, não como expectador, mas como se realmente estivesse morrendo. Sentindo o ar sendo bloqueado, o peso esmagador da água. O desespero sem saída alguma. Naruto realmente sentia aquilo sempre que via...algo assim? Como se "ele" mesmo estivesse morrendo? Sentindo a sensação de abandono absoluta que só a morte pode trazer?
Por isso Minato enlouquecera?
— Eu só queria que você entendesse... — A voz saiu baixa em seu ouvido, rápida, quase hiperventilando. — Eu não sabia que isso ia acontecer...eu não queria... você começou a passar a mal e não acordava... Igual o to-chan, a ka-chan, Nawaki, Konan, Menma, Sasuke, Karin...
— Naruto...shh, calma...
— ...Eu só não quero que você morra também. Você prometeu...você prometeu pra mim...
— Shh...tudo bem. — O confortou sentindo a dormência em seu corpo sumindo aos poucos, apenas a exaustão o impedia de se mover. — Vai ficar tudo bem.
Os dois ficaram em silêncio depois disso, preenchido apenas pela respiração rápida do outro, se acalmando aos poucos, nenhum deles querendo dizer que Itachi estava mentindo.
Nada iria ficar bem.
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Enquanto Naruto e Itachi estavam em Kiri, em um povoado perto do mar, depois de dias em um estado febril e incoerente, sendo cuidado pelos moradores locais que não tinham ideia de sua identidade, um homem finalmente acordava.
Seu primeiro pensamento, em uma onda de desespero e urgência, foi um único nome: Naruto!
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Duas da manhã eles entraram.
Tudo estava em total escuridão, exceto pela luz da televisão na sala, jogando sombras pelas paredes cobertas de pinturas.
— Você parece cansado, Naru.
A voz vinha da televisão, o som alto ecoando pelo espaço vazio. Kakashi não se deu ao trabalho de olhar. A arma em riste, vasculhando ao redor.
— Não consigo dormir. — Ouviu-se uma voz infantil suave, parecendo triste vindo da televisão. — Sinto falta do Menma. Quando ele volta?
— Você já está grandinho para dormir sozinho. E Menma não volta. Ele vai ter um bebê com Karin, ele não pode mais cuidar de você.
Kakashi podia sentir Deidara atrás de si, todos silenciosos. A sala estava vazia, um cheiro estranho tomava todo o ambiente. De algo...em decomposição.
— Ele... não volta? — A voz infantil tremeu um pouco.
Ouviu-se o som de uma cadeira se arrastando, ainda da televisão. Kakashi seguiu o cheiro, até os quartos, os passos de todos eram suaves. Fez um gesto de comando com um breve som, e viu as sombras do que imaginou serem Sasori e Asuma seguirem para a cozinha e outros cômodos.
— Não. Nunca mais. Ele deixou você aqui comigo.
— Não é verdade! Ele não ia me deixar sozinho... não ia. — A voz ficou um pouco mais baixa.
— Eles vão ter a família deles agora, Naruto. E nós temos a nossa. Ora, não chore.
— Não estou chorando. — Ouviu -se uma voz fungando. E então uma pequena pausa. — Para quê isso, ji-san?
Kakashi sentiu algo grudar sobre suas botas logo que entrou no cômodo. A lanterna acima de sua arma foi para baixo e viu o rastro de sangue coagulado que cobria todo o piso, junto com algo que parecia ser vômito. Seguiu ela pelo chão.
O cheiro estava mais forte e não se deteve de tentar cobrir a respiração.
— É uma câmera Naru.
— Ah... — A voz do menino ainda estava um pouco chorosa, mas curiosa. — O que está fazendo?
— Nós vamos fazer um filme, uma brincadeira. Gosta de filmes?
— Acho que sim... — o menino respondeu incerto. — Como se brinca?
— Primeiro, você tem que olhar para cá. Largue esses pincéis. Sente aqui.
O sangue seguia até a varanda da suíte, o odor sendo trazido pelo vento enquanto as cortinas da porta de vidro tremulavam, também sujas pelo mesmo líquido escuro.
— Agora, você tem que ficar paradinho.
—Não gosto de ficar parado.
— Precisa. Agora...Vai tirar suas roupas.
— Mas está frio...
— Tire.
...
— Tudo.
— Eu não quero.
— Estou mandando. AGORA. — Ouviu-se um som assustado. E logo um som de um tapa estalado e alto. A criança começou a chorar.
E foi no mesmo tempo que Kakashi chegou a varanda da suíte do apartamento e encontrou a fonte do odor.
Eles encontraram a oitava estrofe.
Notas finais
Só observando: Naruto herdou a boca suja de algum lugar.
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