Capítulo XXI - Você vai morrer
A verdadeira infelicidade – o supremo infortúnio – é, na verdade, particular.
É o sofrimento bem perto. De um só conhecido.
Os extremos medonhos da agonia são sofridos pelo homem isoladamente
e nunca pelo homem na multidão.
Edgar Allan Poe
ERA UMA MANHÃ CINZENTA.
Uma chuva fina castigava o cemitério e as pessoas que estavam ali. O pequeno estava recostado contra o corpo do irmão, uma mão do mais velho reconfortante em seu ombro, a outra segurando o guarda-chuva escuro acima dos dois.
Todos estavam silenciosos. Não havia choro algum, nem mesmo da sua mãe parada mais à frente na lápide recém construída, observando a terra ainda remexida. Seu rosto parecia cansado, os olhos violeta sem brilho algum. Menma olhou para o lado, onde Tobirama se mantinha mais próximo dos sobrinhos. Não havia nada legível na face do tio, em sua roupa escura alinhada e seus olhos vazios.
Eram como estátuas do próprio lugar, de tão parados e silenciosos.
Menma grudou os olhos na mãe, nos cabelos vermelhos recém cortados na nuca, suas roupas escuras. Desde que o irmão mais novo acordara no hospital, ela não conseguia olhar a criança. Menma imaginava que fosse pela semelhança gritante entre Naruto e Minato, e queria acreditar que seria passageiro. Naruto não merecia sofrer mais do que já estava, sobre algo que não entendia.
Olhou para baixo e viu a cabeleira loira cacheada, a mão apertando a sua e estranhamente silencioso. Seu rosto pequeno parecia pálido demais, o que deixava a marca de estrangulamento em seu pescoço ainda mais evidente.
Ele não merecia isso. Nada disso.
A mão deles não podia abandonar Naruto. Não. Ela nunca faria isso, certo? Diferente de Menma, o caçula amava Minato. O amava tanto que se negava a acreditar que o pai tivesse tentado o matar mais de uma vez. Perder os dois...Sua mãe não faria isso.
— Vamos para o carro.
A voz de Tobirama o tirou do torpor e virou a tempo de vê-lo caminhar para o carro ao lado da mãe deles, que nem mesmo os olhou, parecendo alheia a tudo. Esperou alguns minutos o pequeno se mover, até que lhe apertou o ombro magro.
— Temos que ir. — Disse com suavidade. O loirinho não respondeu, olhando fixamente para a terra remexida. — Naru...está muito frio. Vamos...
— Menma, a mamãe me odeia?
A pergunta o pegou de surpresa e travou no gesto que fazia para caminhar com o mais novo. Com a demora da resposta o garotinho se virou para o encarar, os olhos azuis estavam confusos, desvendando o silêncio do mais velho com desespero.
— Claro que não! — Tentou soar confiante, curvando as costas para fitar o outro de perto. — Por que ela odiaria você?
— Porque to-chan morreu por minha causa. — A voz do outro saiu baixa, sussurrada, e novamente pegou o mais velho de surpresa.
—Quem lhe disse uma coisa dessas? — Menma perguntou debilmente. Viu um brilho de medo nos azuis. Sabia que o irmão não iria tirar aquela conclusão do nada, alguém havia falado algo para ele.
— Naruto?
O outro negou balançando a cabeça, os olhos marejando. O segurou pelos ombros o obrigando a olhá-lo.
— Ela me odeia... — a criança murmurou sentida. — E você vai me odiar também...e eu vou ficar sozinho...
— Naruto! Olhe para mim! — Menma se desesperou com o balbuciar do outro, atordoado. — Quem lhe disse algo assim? É uma mentira! — Disse levantando o queixo do irmão para que ele visse seu rosto sério. — Ela só está triste e confusa. Tudo o que aconteceu...nada foi sua culpa. Ela só precisa de um tempo, vai ficar tudo bem. E eu nunca odiaria você.
O pequeno assentiu, mesmo não tendo certeza disso. Não era nenhum tolo, mas queria acreditar no irmão. Menma o abraçou de forma desajeitada, com uma mão só, fazendo barulho de suas solas na lama. Puxou o outro para cima, que se agarrou a seu pescoço, escondendo a cabeça em seu ombro quando erguido do chão.
— Vem Naru, vamos para casa. —Murmurou com o caçula nos braços, caminhando para o carro.
Já entravam quando o pequeno levantou a cabeça e mirou o túmulo do pai. Ali, olhando para a lápide, havia uma figura loira de roupa negra. Naruto não o reconheceu em meio a chuva fina de imediato, naqueles meros segundos em que o irmão mais velho abria a porta do carro, antes de deslizarem para o banco de trás.
Apenas quando a porta se fechou e mirou o vidro, o estranho virou para si, o fitando intensamente. Arregalou os olhos azuis e se soltou depressa dos braços do irmão agarrando a maçaneta para sair.
— To-chan!
O homem no túmulo lhe sorriu, abrindo os braços. Naruto gritou de novo, quase abrindo a porta, mas foi interceptado pelos braços do irmão que agarrou impedindo que saísse.
— Naruto! O que diabos...vai se encharcar!
— O to-chan, Menma! Ele está vivo! Olha ali!
O irmão mais velho conteve o outro que se debatia para se soltar.
— Não tem ninguém ali, Naruto. —Falou, olhando para onde o outro apontava.
— Claro que tem! Ele está ali! Me solta!
O loirinho começou a espernear, batendo no vidro com os punhos pequenos enquanto o irmão não sabia o que fazer, a não ser puxá-lo para que não se machucasse. Naruto não tivera nenhuma reação explosiva desde a morte do pai. Ele chorara, mas a psicóloga havia dito que ele provavelmente havia bloqueado as memórias difíceis do que ocorrera para se proteger, porém, essas memórias poderiam vir à tona ainda.
O adolescente agarrou o corpo pequeno do outro que tentava se soltar com violência.
— To-chan! To-chan!
Menma segurou suas mãos sem saber o que fazer, buscou ajuda em Tobirama, que do banco do motorista olhava para fora em silêncio, na mesma direção em que o sobrinho. Ao lado dele sua mãe fitava o próprio colo. Ambos não pareciam nem mesmo preocupados com os gritos da criança.
Eles pareciam saber exatamente o que estava acontecendo com ele.
— To-chan!
— Calado!
A voz autoritária pegou até mesmo Menma no susto. O pequeno parou de se mover, tenso e virou o rosto choroso para a mulher ruiva, que estava fitando o filho mais novo de forma fulminante do banco da frente.
Em toda a sua vida, Menma nunca vira a mãe naquele estado, e ela nunca falara com nenhum deles assim.
— Oka-san? — chamou receoso.
O loirinho se encolheu murmurando: — Ele está lá fora...está chovendo...
— Não tem ninguém lá fora! — Ela falou de forma dura. — Seu otou-san está morto! E acabou, ouviu?
— Oka-san! — Menma sibilou ao sentir o irmão se encolher ainda mais contra si, soluçando baixinho.
Tobirama fechou os olhos e suspirou, apertando a direção com força.
A mulher pareceu se dar conta do que dizia e balançou a cabeça, agarrando os cabelos ruivos atordoada.
— Desculpe... — Ela disse baixo, os olhos cinzas marejados. — Oh, desculpe meu amor. Naruto, eu só...olhe para mim. — O loirinho obedeceu, assustado, o rostinho vermelho enquanto Menma fitava a mãe duramente. — Eu não queria gritar com você, ka-chan só está nervosa.
O pequeno assentiu, desviando o olhar da mãe e fitando atordoado a janela. Fitando to-chan, que agora estava parada na porta, batendo no vidro, querendo entrar.
Ficando para trás quando o carro finalmente deslizou para fora do lugar.
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O resultado da análise do sangue no laboratório veio no fim da noite.
No apartamento de Jiraya havia sangue de três fontes diferentes: Do próprio Jiraya, de alguém desconhecido ao qual não conseguiram encontrar nas bases e uma terceira pessoa.
— Karin? O sangue de Karin Uzumaki?
Shizune, a técnica do laboratório assentiu.
— E em uma grande quantidade. O bastante para ser considerado como provável cena do crime.
Itachi franziu a testa. Karin havia sido encontrada em Kusa. Se ela havia sido morta em Ame, isso era quase uma hora de viagem. A viagem de Konoha até Kusa era duas horas e só acharam o corpo quando eles estavam chegando. O tempo tornava possível, mas isso significava que ele havia a matado em Ame, trazido o corpo para Kusa e o plantado daquela forma ritualística.
Isso significava também que eles teriam que procurar o carro de Karin possivelmente em Ame.
E que Karin foi morta no apartamento de Jiraya.
— E Tobirama?
— E isso é bem interessante...Duas fontes de sangue, um deles do Tobirama, outro do mesmo desconhecido encontrado no outro apartamento.
— Então esse desconhecido pode ser nosso suspeito.
Shizune assentiu.
— Vou continuar rodando nas bases de dados, expandir para outras bases. Se ele estiver em uma delas, vou encontrar quem é.
Itachi franziu a testa. Era muito conveniente.
Kyuubi nunca havia deixado amostras antes, nem uma digital, nenhum fio de cabelo. Era uma das suas marcas, ser completamente cuidadoso.
Se ele havia deixado agora, havia duas opções prováveis: ou o assassino estava se tornando descuidado, já que seria seu último crime, ou ele estava fazendo o que sabia fazer de melhor: Um truque.
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— Como ele consegue beber aquele monte de café e ainda dormir como uma pedra?
Deidara resmungou olhando de forma amuada para o sofá, onde o adolescente dormia torto e de boca aberta. E bem em meio a sua emocionante narração sobre como Sasori havia sido passado a perna por algum hacker — provavelmente um adolescente hormonal, segundo ele — pela primeira vez na vida.
— Ele não dormiu bem a noite. — Itachi respondeu calmamente, enquanto se erguia da poltrona para ajeitar o garoto no sofá. Sasori estava na mesa da cozinha no computador, ainda travando sua guerra pessoal para rastrear o suicida que havia invadido seu computador enquanto estava no cybercafé, balbuciando uma linguagem que para os outros podia bem ser marciana.
Exceto a parte que mandava Deidara calar a boca com um tom que intimidava a todos, menos ao loiro, que falava ainda mais animado.
Kakashi havia saído há pouco tempo para colocar em andamento a investigação sobre os Hyuuga, a única das três famílias que levantaram suspeita das quais não tinham acesso. Madara possuía uma cópia do dossiê sobre os Uzumaki, trabalho de Kushina Uzumkai e Sasuke de anos. E quanto aos Uchiha, o próprio Madara assumira, embora o envolvimento deles com Kyuubi fosse improvável, pelo único ponto que "Uchihas não matavam Uchihas".
Era irônico que a família onde o crime era público, fosse a menos suspeita.
Ainda assim, iriam ficar de olho, nada era descartado.
Itachi pedira para o Hatake encontrar a tal garota Hyuuga, o bem estar dela ficaria nas mãos dele. Tsunade estava segura, Madara havia tratado disso. O paradeiro de Jiraya e Tobirama ainda era desconhecido, embora quase ninguém da equipe tivesse muita esperança, como Naruto, de que eles estivessem ainda vivos.
Nagato ainda continuava inalcançável, mas havia pessoas vigiando sua casa, para ver seus movimentos de saída a partir de então. Se ele fosse a algum lugar, eles saberiam.
Itachi havia iniciado a pesquisa sobre o Senju que foi morto pela Kyuubi, procurando uma conexão com Naruto. Ele havia sido a vítima com a qual Itachi teve mais contato e a última que acompanhou. A morte havia ocorrido em novembro, dois meses depois Sasuke foi morto.
Naruto recebeu a foto no parque em dezembro. As roupas eram similares as da cena do crime quando finalmente encontraram o corpo, já em putrefação avançada. A vítima havia sumido por uma semana. Itachi recordava que havia sido também mais brutal dos que as mortes anteriores.
Nawaki, a única conexão que conseguia pensar entre Naruto e esse sujeito, havia morrido aos oito anos, afogado em uma balsa durante um passeio em família. Onde todo o clã estava presente.
Inclusive esse Senju.
Era a conexão mais firme que podia encontrar. Se ele alguma forma estava envolvido na morte de Nawaki, essa seria a conexão e Naruto estaria certo. Eles poderiam até mesmo prever o que viria nos próximos dias. Mas como ter certeza? A morte de Nawaki foi atribuída a um acidente.
E Menma a suicídio. E ainda assim, cá estamos.
Ele teria que falar com Tsunade sobre o irmão. E essa seria uma conversa que estava esperando evitar.
— Ele ronca.
— Ele tem problemas respiratórios. — Itachi replicou o ajeitando no sofá, retirando seus sapatos sobre os olhos curiosos de Deidara. Naruto virou de bruços com um resmungo, agarrando uma almofada. O gato estava enroscado ao lado dele.
Itachi tentou conter um sorriso.
Quando se virou quase bateu em Deidara que olhava a cena por cima de seus ombros, e encontrou os olhos arregalados atrás de si, a boca levemente aberta. — O que?
— V.você... — Olhou do outro adormecido para o psiquiatra. — Caramba! Sasori! O Uchiha está caído pelo garoto!
Itachi o olhou de forma perigosa quando o grito que ele dera fez Naruto se mexer no sofá, quase acordando. Deidara cobriu a boca, ainda de olhos arregalados.
— Grande novidade. — Sasori replicou da cozinha, ainda em sua tarefa. — Você foi o último a perceber, estúpido.
Itachi os ignorou, pegando o celular para ligar para Tsunade, esperando que ela estivesse com Madara.
Mais chances de ela não tentar o matar quando falar sobre o irmão.
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Era quente. Suave e quente. Sentiu o toque gentil por suas costas. Beijos que deslizavam, subindo para sua nuca de forma preguiçosa.
Abriu os olhos molemente, sentindo o hálito quente em seu pescoço, a caricia dos cabelos enquanto um nariz gelado deslizava por sua bochecha, colando suas costas mais ao peito atrás de si. Por um momento sentiu seu coração acelerar assustado, em pânico com o contato, até ouvir uma voz suave e calma em seu ouvido, murmurando um ritmo melodioso, ritmando as respirações.
Duas mãos se uniram as suas, capturando-as e as juntando em seu peito acelerado, o prendendo com uma suavidade estranha, as acariciando entre os polegares.
"Está tudo bem, eu estou aqui."
Abriu mais os azuis com aquela voz, o coração voltando a acelerar, mas por outro motivo.
Foi manipulado facilmente, virado até ficar de frente aquele rosto que lhe sorria acolhedor. Sua voz saiu em um tom arrastado pelo sono, um sorriso se desenhando em seus lábios.
"Eu sei."
Abriu os olhos azuis, olhando ao redor atordoado com o sonho que permanecia claro em sua mente. Encarou o teto, se situando, o coração acelerado.
O quê...O que aconteceu?
Um sonho. Eles estavam dormindo juntos, na mesma cama, como na noite anterior. Era normal, certo?
É normal sonhar com eventos recentes, baa-chan me explicou.
Então por que seu coração estava batendo assim? Não havia sido um pesadelo. Só um sonho tranquilo, algo raro de acontecer.
"Está tudo bem, eu estou aqui."
Sentou-se no sofá em que dormira, derrubando uma colcha que fora colocada sobre seu corpo, o gato pulando de cima dele com um miado de desaprovação por ter o acordado também. Provavelmente dormira em meio àquela reunião estranha que tiveram, com aquelas pessoas mais estranhas ainda.
Da penumbra, pode distinguir a figura que cochilava na poltrona perto de onde estava. O rosto apoiado na palma da mão, o corpo pendendo para o lado. Os óculos de leitura estavam tortos e os papéis no seu colo quase caindo no chão.
Naruto colocou a mão no peito, a testa franzida. Seus olhos vagando pela figura, pela primeira vez ciente do sentimento estranho ao o ver por perto, à vontade e relaxado. Sem o vinco em sua testa, sem a tensão em seus ombros, sem a sombra de Sasuke em suas costas.
Naruto desviou os olhos, fitando as próprias mãos, como se fossem algo desconhecido.
No sonho...No sonho ele pegou na minha mão.
Naruto não deixava ninguém pegar na sua mão. Exceto Hinata e Menma.
Mas é diferente deles. Como?
Deslizou para fora do sofá receoso, o coração ainda acelerado. Imaginou se realmente daria para ouvir ele batendo no silêncio na sala.
Era quase como algo além de sua vontade. Queria entender. Sua mente não conseguia processar. Naruto não entendia o que estava sentindo. Era algo estrangeiro, algo desconhecido. Sem Sasuke ali para lhe dizer o que sentia, se sentia perdido. Sasuke saberia explicar o que sua mente tentou dizer por meio daquele sonho. O que seu corpo tentava dizer agora.
É culpa dele, certo? Franziu o cenho. Eu sei que é.
Caminhou de forma hesitante até a poltrona e se curvou em frente a figura adormecida e calma. Seu rosto expressava toda sua confusão enquanto sua mão tocava de leve o rosto do mais velho, os dedos passeando na face, confirmando que sim, era ele. Era Itachi. Sonhara com Itachi.
Recuou devagar, olhando perdido a figura na sua frente.
Por quê? Eu não entendo.
Caminhou para a cozinha, o gato quase o derrubando ao passar por suas pernas, tentando acalmar seu coração acelerado e pensamentos turbulentos.
De forma quase automática, acendeu a luz e pegou uma chaleira. Seus olhos passaram para a máquina de café enquanto colocava água dentro dela.
Itachi disse que café no meio da noite não é bom.
Franziu mais a testa, acendendo o fogo automático.
Pegou as ervas de camomila, o infusor, o bule, colher e xícara. Como ele o ensinou.
Itachi amava chá, como Sasuke amava café.
Eles são diferentes.
A chaleira apitou, Naruto separou as folhas e as colocou no infusor. Ele deveria ter pegado apenas um saquinho, seria mais simples.
Ele odeia chá em saco.
Pausou, olhando para as ervas. Respirou fundo e limpou os olhos.
"Vai ficar tudo bem."
Naruto ignorou Sasuke ao seu lado e continuou a preparar o chá, limpando os olhos ocasionalmente.
Deixou as ervas na infusão no bule por algum tempo e se sentou.
Sasuke lhe sorriu, se sentando ao seu lado, olhando o bule.
Os olhos dele eram tão tristes.
Após algum tempo, Naruto colocou o líquido nas xícaras. Uma para ele, outra na direção de Sasuke, porque era a coisa educada a se fazer.
O sorriso de Sasuke ficou um pouco menos triste, uma pontada de diversão e afeição em seu rosto pálido. Os cabelos dele estavam ensopados e havia sangue em sua boca. Quando ele sorriu, sangue apareceu em seus dentes.
"Eu odeio chá."
Naruto tomou um gole. Estava amargo. Deixou tempo demais. Itachi sempre fazia ele bom.
Franziu a testa para a xícara: — Não é ruim só... diferente.
Havia água escorrendo do corpo de Sasuke, mas nunca chegava ao chão.
Naruto se perguntou quanto tempo ele ficou vivo enquanto tiravam seu coração.
Ele se perguntou se Itachi também se perguntava isso.
"Vai ficar tudo bem." Sasuke falou, uma mão gelada passando na frente da sua, sem tocar. "Não fique com medo com o que está acontecendo."
— Eu não entendo.
O barulho de algo caindo no chá o fez perceber que estava chorando, a xícara trêmula em sua mão. A colocou na mesa.
— O que... — Perguntou devagar, olhando para Sasuke com olhos largos e confusos. — O que está acontecendo?
Sasuke sumiu da cadeira. Sentiu os braços o envolvendo, quase tocando. Era quase real. Era quase como se fosse ele ali.
"Oh, Naruto." A voz verberou na sua cabeça, triste e gentil, como raramente Sasuke fazia. Só para Naruto, sempre apenas para ele.
"Não era para ser assim. Não era para doer."
— O que há de errado comigo, Sasuke? — perguntou desesperado.
"Não há nada de errado, Naruto. Você está apaixonado por ele. "
Naruto parou, ficando completamente paralisado. Sua respiração presa em sua garganta.
— Isso não... não faz sentido. Eu gosto dele como eu gosto...
O 'de você' morreu em sua garganta.
Eles são diferentes.
Sasuke foi quem o pegou em pequenos pedaços e se arriscou a os colocar no lugar. Foi quem pegou três pessoas perdidas e decidiu que eles seriam dele agora, que eles seriam família.
Itachi... Itachi foi quem...
— Oh.
"Era inevitável."
Inevitável. A palavra entrou na cabeça de Naruto, como um ritmo agourento.
— Naruto? — A voz repentina, mais alta e clara do que a de Sasuke, o assustou.
Seu joelho bateu na mesa e a xícara virou, derramando o líquido escaldante em suas pernas.
— Merda!
Itachi estava na porta, o cabelo bagunçado pelo sono, óculos tortos na cara e olheiras escuras abaixo dos olhos cansados. E Naruto apenas...
Inevitável.
— Está tudo bem?
Era inevitável que sentisse algo por Itachi. Principalmente quando ele o olhava assim, daquela forma que parecia não olhar para mais ninguém. Como ninguém nunca olhou. Como se visse através da névoa de Naruto, e olhasse para ele. Para quem ele era de verdade.
— Naruto? Sua mão. Deixe-me ver.
Era inevitável que Naruto se apaixonasse por Itachi, quando ele conseguia ver seu lado mais feio e ainda o olhar daquela forma.
A mão se ergueu para a sua, como no sonho. Como no dia em que ele o levou daquela delegacia, que o tirou do lugar em que estava preso por anos, a um inferno particular que não o largava mesmo quando havia ido embora daquela casa.
Inevitável.
— Vamos cuidar disso.
Era inevitável que Naruto amasse alguém como Itachi...
Suas mãos se tocaram, e era quente como no sonho.
... E era inevitável, que por isso, Itachi acabasse morto.
A visão o bateu com força e ele viu com clareza, uma clareza que nunca havia visto antes. Ele viu tudo, como se perceber aquele sentimento fosse a chave que precisasse para aquilo explodir.
Chuva torrencial. A luz do farol em seu rosto. Conseguia ver a si mesmo, olhos azuis muito abertos, um grito desesperado de aviso. Gritando para Itachi sair dali.
Tiro.
Sangue, tanto sangue.
Água. Havia água ao redor, cobrindo tudo. Ele não conseguia sair, não podia sair.
Eunãoconsigorespirar.
Arfou se encolhendo, se entregando a insanidade enquanto imagens e mais imagens dançavam a sua cabeça. Estava perdendo o controle, aquilo era o último fio de sanidade. Itachi era o último fio de sanidade...Aquilo doía tanto...tanto...
Sentiu mãos agarrando seus pulsos e sem conseguir se segurar mais, gritou.
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Foi um toque suave que acordou Itachi. Se conteve de seu movimento quase reflexo ao ver através dos olhos semicerrados que era Naruto. Naruto, o tocando. Seu coração acelerou, pois ali era uma cena que apenas imaginara, mas nunca pensou que aconteceria. Os dedos gelados deslizavam por sua testa, seus olhos, nariz e queixo. Podia perceber o tremor neles.
E então pararam.
Ouviu um arfar, e com os olhos ainda semicerrados, viu a expressão confusa. Pensou que ele havia percebido que estava acordado, mas apenas o viu lhe dar as costas e praticamente correr para a cozinha. Quase se erguera de supetão pensando que ele sairia de casa.
Abriu os olhos na penumbra, deveria ser quase quatro da manhã, pelo horário que os outros saíram. Esperou alguns minutos, em dúvida do que fazer.
Por fim se ergueu, seguindo silencioso pelo corredor ao ouvir a baixa, falando com alguém. Pegou sua arma no coldre, a colocando a postos, pronto para ver a situação e se amaldiçoando por não ter ido para a casa do tio quando a reunião terminara. Não quisera acordar Naruto, ou levá-lo para o quarto. A presença dele o relaxava, o acalmava. Ficou o vendo dormir.
Seja quem fosse que estivesse ali, se Naruto não estivesse falando sozinho, não deveria estar.
Kakashi estava com os Hyuuga, Deidara e Sasori haviam voltado para a central, ou já teriam ido para casa. Os outros recrutas da equipe só viriam amanhã. Obito, Shisui e Kurenai estavam com Madara, e nenhum deles, o conhecendo, apareceriam no meio da madrugada daquela maneira, sabendo que Itachi era como um animal que quando ameaçado, podia atacar sem olhar antes. Os seguranças de Madara, estacionados do lado de fora, sabiam que não deveriam entrar a não ser que fosse necessário.
— O que há de errado comigo, Sasuke?
Congelou, sem entender, na porta
— Isso não... não faz sentido. Eu gosto dele como eu gosto...
Olhou para a cena. Naruto estava sentado na mesa, uma xícara na sua frente, outra de frente a outro canto da mesa.
Uma alucinação? Ele está alucinando com Sasuke?
Itachi sentiu seu coração apertar ao perceber que ele estava chorando.
— Oh.
Estava sem reação, o viu ali, encolhido, lágrimas silenciosamente descendo por seu rosto. Guardou sua arma no coldre e entrou.
A cozinha estava gelada.
Se aproximou com cautela, não querendo assustá-lo, porém, ele nem parecia notá-lo até eu falou.
— Naruto?
Com um xingamento baixo, Naruto bateu os joelhos na mesa, derrubando a xícara em cima dele mesmo.
Itachi caminhou até ele, preocupado com as queimaduras com o líquido escaldante.
— Está tudo bem?
Naruto estava com os olhos azuis ausentes, apesar da dor que deveria estar sentido. Esses olhos, azuis, largos e vazios seguiam seus movimentos, se fixando em seu rosto enquanto falava.
Não parecia ter uma queimadura grave, o líquido não estava tão quente, mas notou que a xícara havia quebrado e sangue podia ser notado da mão dele.
— Naruto? Sua mão. — Silêncio, Naruto continuava o fitando, dessa vez com os olhos mais vivos, levemente arregalados. — Deixe-me ver. Vamos cuidar disso.
No momento em que Naruto tocou sua mão, algo aconteceu. Foi apenas alguns segundos até ele a soltar abruptamente, mas nesse momento a temperatura da cozinha pareceu ainda mais baixa. Naruto arfou, as mãos se enfiando nos cabelos, se encolhendo tanto na cadeira que Itachi teve que apoiá-lo para não cair.
— Não. Não. Nãonãonãonãonão.
— Naruto! — chamou, algumas vezes, sem resposta.
Ele começou a se balançar. Se agachou, com cautela, até ver que o outro começava a se machucar, as unhas curtas no rosto. Agarrou seus pulsos, tentando deter a automutilação.
E então ele explodiu. O ouviu gritar, se jogando para trás, caindo da cadeira. Itachi o segurou antes que batesse no chão. Naruto começou a se debater, tentando o esmurrar, os olhos fechados com força. Sempre gritando, em surto. Sentiu que ele escapava por entre seus braços.
O interceptou, o segurando contra seu peito. O imobilizou com dificuldade, diante da força triplicada do outro durante o surto. Naruto continuava se debatendo e chorando. Se ele não voltasse, teria que desacordá-lo com um calmante.
Não era como na floresta, era diferente. Naruto não parecia consciente do que fazia dessa vez. Ele realmente estava em surto.
O que teria desencadeado algo tão violento?
— Volte, Naruto... — Começou a falar, como um mantra, o imobilizando totalmente com seu abraço. — Volte, volte...eu estou aqui...vai ficar tudo bem...volte...
Minutos, que pareceram horas, passaram até que ele parou de gritar...um pouco mais de tempo, ele não se debateu mais. Itachi continuou o abraçando, arfante. Mesmo que já tivesse passado por aquilo tantas vezes em seus anos de residência e profissão, nunca sentira tanto medo, até aquele momento. Um medo sufocante, com dedos e garras.
E agora um alívio quase doloroso ao ver a respiração do outro se acalmar, mesmo que ele ainda soluçasse baixo, a cabeça agora enfiando em seu ombro. Podia sentir as lágrimas ensopando sua camisa ali.
— Vai ficar tudo bem, tudo bem... — Falou baixo, massageando as costas que pingavam suor do outro. — Só respire.
— Itachi...
Fechou os olhos apertado, ouvindo a voz rouca pelos gritos.
Um pouco cedo demais, o soltou, com cautela e fitou o rosto machucado. Tocou o queixo, o erguendo para ver os ferimentos. Itachi suspirou. Pegou Naruto pelas mãos e as sentiu tremer, os olhos azuis fitando onde as mãos se encontravam, quase com terror.
Quando sentiu que ele estava mais estável nos próprios pés, o guiou até o banheiro. Naruto ainda parecia atordoado, apenas o seguindo, os olhos fitando as mãos deles.
Itachi não sabia o que pensar disso.
Abaixou a tampa do vaso e o fez sentar, ao que ele obedeceu docilmente. Pegou o kit de primeiros socorros e se ajoelhou de frente ao garoto, segurando seu queixo para ver os riscos sangrentos causados pelas unhas. Depois olhou para a mão, verificando se não havia nenhum caco de vidro antes de começar a cuidar dela.
O gato miou da porta, se sentando ali, os observando com olhos azuis como os do garoto na sua frente, enquanto Itachi passava para os ferimentos em seu rosto. Ambos continuavam em silêncio. Os olhos de Naruto, com os cílios grudados pelas lágrimas, começavam a focar aos poucos.
Quando Itachi colocava o último esparadrapo na face direita dele, aconteceu.
Naruto cobriu sua mão com a mão não ferida, os olhos azuis tristes se encontraram com os seus.
Ele abriu a boca, uma, duas vezes, parecia querer falar algo sem sucesso. Itachi esperou impassível. O garoto parecia tentar encontrar algo em seu rosto, em desespero, a respiração acelerada, os olhos em fendas em dor. Quando ele pensou que ele realmente iria ter um ataque de asma ou um surto novamente, para sua surpresa, não foi isso que aconteceu.
Sentiu a mão menor agarrar seu rosto quase com indelicadeza. Quando deu por si, os lábios macios que tanto imaginara estavam nos seus, apertados. Itachi ficou sem reação, por segundos, surpreso demais. Quase caíra por cima do outro, mas se recuperara quando Naruto o soltou do ato quase infantil, o fazendo cair para trás no chão frio.
Itachi mirou os olhos azuis assustados, ambos parecendo confusos pela ação abrupta, continuavam se encarando, sem conseguir reagir.
Controlou-se para não sorrir quando viu Naruto levar os dedos aos lábios, tocando-os, como uma criança. Apenas para sentir seu coração apertar quando o rosto dele se quebrou em uma expressão tão visceralmente desesperada que o assustou.
Daquele momento em diante as coisas ficariam ainda mais complicadas.
— Itachi. — Seu nome saiu em um sussurro, os olhos azuis turbulentos e tão desesperados. — Você vai morrer, Itachi. Por minha causa.
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