Capítulo XVII - Terceira Estrofe
Não te lances ao sangue, mas ao sangue te lançam.
Teu pecado, é quem tu és...
Mas como tão puro podes pecar?
Ver e apenas ver, é tua sina.
Afogar-se na angústia de tantos, sem sossego jamais.
ERA UMA VOZ SUAVE, SUSSURRANDO DOCEMENTE UMA CANÇÃO DESCONHECIDA.
Ele não conseguia distinguir o que aquela voz dizia, mas o seu o deixava inquieto.
Abriu os olhos e a luz o cegou de forma momentânea. Quando finalmente ajustou a sua visão, viu-se entre tecidos brancos que tremulavam ao vento, formando um labirinto ao redor. Tudo era claro e luminoso, e aquela voz, aquela risada, aquela canção que continuava, se afastando, fugindo do seu alcance, brincando entre os tecidos em uma dança infantil.
"Itachi..."
Começou a segui-la, tocando os panos, os afastando, sentindo a urgência estranha aumentar sempre que a música se interrompia e ouvia a voz melodiosa e baixa chamar por seu nome.
"Itachi..."
Atravessou mais uma parede de tecidos, e a voz estava ali, logo do outro lado.
Finalmente conseguia entendê-la claramente.
"Olhai Anjo, olhai! Olhai onde todos não o podem... Onde todos não podem..."
Era uma música triste demais para uma voz tão bonita. Agarrou a mão por entre o tecido, impedindo que a pessoa fugisse uma outra vez. O sol bateu através dele e pode ver o contorno do corpo parado em frente ao seu.
Encostou o rosto no tecido em direção aquele calor e sentiu mãos frias em seu rosto através do pano branco fino. Fechou os olhos.
Dedos deslizavam por sua face, contornando sua testa, seu nariz, sua boca.
"Itachi..."
Afastou aquela barreira fina e o sol lhe cegou novamente. Tudo o que conseguia ver era o sorriso claro, os cabelos dourados espalhando luz em todas as direções, os braços o rodeavam com força e todo o seu ser se aqueceu. Era como se pura luz estivesse entre seus braços.
Até que de repente tudo acabou.
Aquela luz brilhou mais forte e sumiu em partículas brancas o deixando vazio. Olhou assustado, e tudo que viu foram penas flutuando no ar, os tecidos tremulando. E aquela voz, agora longe, muito longe. Triste e abafada.
"Itachi..."
Começou a correr em direção a ela novamente, afastando os tecidos com mais dificuldade. Estavam mais emaranhados, se enroscando ao redor de si, como tentáculos tentando o deter.
"Por favor..."
Não era mais tão branco. Estava tudo manchado, e seu peito se comprimiu ao perceber que era de sangue. Quanto mais corria, mas os via rasgados e sujos, mais se tornava frio, e mais ouvia aquele choro baixo e abafado.
"Itachi..."
Em algum ponto se perdeu em meio aquilo, a voz parecia vir de toda parte, lhe pedindo ajuda, desesperançada. Os soluços, o sangue, as sombras. Os tecidos agora escuros, aquela canção em toda parte misturada aquele choro baixo e triste.
Olhou para os seus pés, e havia água escorrendo no chão, tornando o terreno em um chão lamacento de um pântano já conhecido. A névoa o cegando ao redor, o fazendo render-se ao desespero.
"Itachi...Itachi... Não me deixe morrer, Itachi!"
Ergueu os olhos ao ouvir o som de um navio, um grito cortando o ar.
A última coisa que viu foi a luz de um farol em sua cara.
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Acordou assustado, os olhos se abrindo cegos para a luz da manhã que batia diretamente em seu rosto. Demorou segundos para situar-se, ainda preso na agonia do sonho estranho.
Não havia um labirinto de tecidos, um pântano, o mar ou aquele choro sofrido. Estava deitado em uma cama, e rapidamente começou a lembrar-se de onde estava: Na casa de Madara, em seu quarto antigo. Podia reconhecer as paredes brancas, o teto mais baixo, a janela com cortinas balançando e o barulho da chuva lá fora que o impossibilitava de saber que horas eram ao certo.
Porém, demorou um pouco mais de tempo para entender ao se virar na cama larga e dar de cara com alguém dormindo a seu lado, muito perto de si. E antes mesmo da madrugada anterior clarear totalmente em sua cabeça sonolenta sentiu impulso de sorrir divertido ao ver como o outro dormia: De lado, as pernas enroscadas nos lençóis com os quais o cobrira na madrugada, os travesseiros todos no chão juntamente a boa parte da colcha da cama. O cabelo em cima dos olhos, as mãos a frente de seu rosto e a boca entreaberta.
Não recordava em qual momento pegou no sono. Estavam absortos com obsessão nos papéis, na canção que Naruto tentava lembrar todos os versos em vão. Em algum momento ao falar com ele não obteve resposta e o encontrara dormindo de boca aberta e babando com as pastas no peito, tomando toda sua cama. Não se preocupara em levá-lo ao seu próprio quarto, de alguma forma lhe parecia errado deixá-lo sozinho. Lembrava que havia decidido deixar Naruto dormindo ali e ir ele mesmo para o quarto de hóspedes, mas ao que parece havia cochilado antes de cumprir isso.
Ele não lembrava de ter ido para a cama, provavelmente nem mesmo havia se dado conta quando fez isso. E, no entanto, era quase... familiar acordar olhando Naruto. Era difícil admitir o quanto a presença daquele garoto estava se tornando constante demais em tão pouco tempo.
Balançou a cabeça com esse pensamento incomodo e voltou a fitar o rosto adormecido. Estavam muito perto, como se o garoto buscasse calor de forma instintiva.
Foi um impulso, mal percebera quando sua mão se esticou, diminuindo a distância e tocando o rosto do outro. Era frio.
Seus dedos contornaram suavemente as linhas do rosto adormecido, até pararem na boca bem desenhada e ainda um tanto infantil para alguém da idade dele. Apenas os lábios de Naruto eram quentes a seu toque. Sentiu o hálito entre seus dedos na respiração suave. Ouviu um gemido baixo. O rosto do garoto suavizou e viu um sorriso leve durante o sono que o fez sorrir de volta.
Itachi retrocedeu a mão, se sentindo culpado por ter o tocado sem permissão assim.
Parece que é fácil demais perder meu controle perto dele. Franziu a testa, se afastando silenciosamente do outro na cama e se sentando. Eu realmente estou com um problema.
Mesmo com o pensamento sombrio, Itachi se encontrou sorrindo. Continuou o observando por alguns minutos, decorando cada traço, ouvindo o ressonar baixinho. Tentando organizar o que estava sentindo.
Eu quero... protegê-lo. De tudo. Até de mim.
Puxou o lençol e o cobriu, o protegendo do frio por enquanto. Já era alguma coisa.
Saiu de perto da fonte dos pensamentos tão confusos, fechando a porta de forma silenciosa.
Tinha muito o que resolver.
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Naruto odiava o escuro.
Sentia que o ar poderia acabar a qualquer momento, que seria esquecido ali dentro. Sentia as sombras crescendo ao seu redor, como mãos o tocando, vozes em seu ouvido que não entendia. O pensamento o fez se encolher mais perto da parede, controlando a vontade de esmurrar a porta daquele armário. Tinha que ficar quietinho.
Era como Menma dissera, era só imaginar outro lugar que ficaria tudo bem.
Ouviu mais gritos do lado de fora e tapou os ouvidos. Quando percebeu já estava chorando, não tinha como evitar. Menma iria ficar triste por não ter conseguido ficar calado, mas não conseguia não chorar com Menma gritando daquele jeito.
Se arrastou engatinhando até a porta de madeira e colocou as mãos ali tremendo.
Por favor...não machuca Menma...
Quase gritou ao sentir um toque mais forte ao redor de si. Era como se alguém agarrasse sua cintura e o puxasse para trás, para longe da porta. O medo fez seu coração galopar no peito e se encolheu, mas a sensação mudou de forma drástica quando sentiu um abraço na escuridão e todos os gritos pararam, todas as sombras se afastaram. Não via nada, apenas sentia-se abraçado e protegido.
Logo o toque sumiu, mas a presença ainda estava ali. Estava aninhado entre dois corpos no pequeno espaço daquele armário de casacos e todo o medo se foi. Uma melodia calma começou a retumbar entre as paredes daquele lugar apertado.
Vai ficar tudo bem... To-chan e Ka-chan estão aqui.
Fechou os olhos e o tempo passou indefinido naquele lugar. A cada grito do lado de fora era abraçado.
Minutos, horas. Os gritos pararam. Vozes. Silêncio.
Estava sozinho de novo no armário. Sozinho com as sombras.
Quando a luz finalmente abriu uma brecha no lugar, encontrou os cabelos vermelhos e o rosto manchado de lágrimas da prima que lhe estendeu os braços em silêncio. Se ergueu cambaleante e saltou para os braços dela, as pernas rodeando sua cintura e escondendo a cabeça no ombro magro. Sentiu o agarre forte, a mão dela em seu cabelo, o acalmando.
— Tudo bem...está tudo bem...Eles foram embora.
Karin gemeu de dor e Naruto a largou com cuidado, deslizou para o chão em silêncio, mantendo os braços ao redor dela.
Naruto tentou olhar o quarto, mas Karin colocou a mão em seu queixo e ergueu seu rosto para cima, fitando seus olhos azuis aterrorizados. O rosto da garota ruiva estava machucado na bochecha e os cabelos úmidos, como se ela houvesse acabado de tomar um banho. Um vestido verde cobria o corpo magro e o olhar dela era triste e vazio.
Karin, sorriu de canto encarando o olhar assustado do garotinho agarrado em sua cintura.
— Você fez bem em ficar quietinho. Vou te levar para o Menma, tudo bem? Mas tem que fechar os olhos. Não olhe nada no quarto.
Assentiu, fechando os olhos e só os abrindo quando ouviu o som da porta se fechando. Ela segurou sua mão, atravessando as escadas. Naruto notou cadeiras viradas na sala, havia um vaso quebrado. Podia ouvir som vindo do gramado, ainda havia pessoas na casa.
Se encolheu, apertando mais a mão da prima e apressou o passo. Chegaram no quarto escuro dela e ao abrir a porta mal viu quando ela a trancou atrás deles. Os olhos foram imediatamente para a figura do irmão na cama, na penumbra com a parca luz de fim de tarde que vinha da janela aberta.
Ele estava deitado de lado e viu o contorno dos cabelos úmidos. Menma estava vestido apenas com uma calça escura, encolhido. Havia tantos machucados que não conseguia ver a pele por trás deles. Ficou paralisado na porta, os olhos marejando.
— Menma...
Seu irmão virou a cabeça, sentando-se com dificuldade e então sorriu com aquele mesmo olhar vazio de Karin.
— Vem aqui.
Obedeceu, correndo. Subiu na cama e engatinhando foi até o irmão o agarrando com força já soluçando, recebendo um gemido de protesto.
— D.desculpa. — Tentou soltá-lo, mas o outro o segurava, deitando-se de lado e o levando consigo, escondido no peito, como se estivesse com medo de soltá-lo. — Menma...
— Me desculpe, Naruto. Não consegui te tirar do quarto a tempo.
— Tudo bem.
Não estava, não estava tudo bem e todos eles sabiam disso. Foi tudo tão rápido. Naruto estava dormindo com Menma dessa vez e eles começaram a esmurrar a porta. Menma o empurrou dentro do armário antes que eles conseguissem a abrir.
Naruto odiava o armário. Naruto odiava mais ainda ouvir o que eles faziam com seu irmão.
— Você está bem? Alguém entrou lá quando saí? Ele te machucou?
A voz ansiosa e o corpo tenso o fizeram querer soluçar.
— Não. — Respondeu depressa ao mesmo tempo que Karin o assegurava que o armário estava fechado quando o pegou.
Sentiu um alívio na tensão do corpo do irmão.
— Que bom... Ainda bem.
Voltaram ao silêncio, as mãos passeando em seu cabelo e suas costas. Logo sentiu outro peso na cama e Karin também o abraçou. Naruto sentiu uma sensação parecida com a do armário, dois corpos o abraçando, protegendo. Uma mão de Karin estava na sua cintura, a outra no braço de Menma, a de Menma estava em sua nuca, a outra na cintura de Karin. Fungou e sentiu um beijo na testa, o acalmando.
— Você ficou com medo?
Assentiu. Não tinha razão para negar.
— Vai acabar tudo bem. Nós vamos sair daqui e ser uma família. Você, Karin e eu. O que acha? — A voz do irmão estava suave e baixa, diferente do tom normal, atrevido e confiante.
— Karin vai ser como a mamãe e você o papai?
A voz confusa soou tão ingênua que os dois mais velhos riram baixo.
— Eu não vou ser mãe de marmanjo. — A ruiva protestou divertida e o loirinho emburrou. — Não faça esse beicinho. Não adianta. Peguei imunidade a sua fofura há muito tempo.
— Não sou fofo. — A carranca emburrada aumentou e Menma sorriu suavemente vendo a interação dos dois. Vendo a dor de Karin sumindo em seus olhos, e o medo do irmão se dissipando. Os abraçou mais forte, se possível.
— Vocês são insuportáveis. — Murmurou e ouviu protestos. — Não sei como posso amar os dois tanto, mas amo.
O silêncio perdurou de repente e o loirinho sorriu. Sentiu os braços do irmão o rodeando, a voz dele e de Karin o acalmando, contanto uma longa história sobre baleias.
Até que adormeceu.
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Havia um perfume confortante ao redor, desprendendo de lençóis macios.
Naruto não queria abrir os olhos. Sentiu uma caricia em seu rosto, suave. Lutou para acordar, ver até que ponto ainda estava em seu sonho, no seu refúgio em Menma e Karin. Desistiu, queria sentir mais daquilo. Estava frio, mas se sentia aquecido entre cobertas e aquele aroma cobria o ar. Sem sombras, sem pesadelos. Se sentir a salvo assim era algo raro.
Logo adormeceu novamente, resvalando em um sono finalmente sem sonhos.
Quando finalmente voltou a acordar, foi com o barulho da chuva. Se esticou. Virou e revirou, afundando a cabeça em um travesseiro, ficando de bruços. Gemeu sonolento, se encolhendo. Quase voltou a dormir.
Isso até sua mente reiniciar de uma vez.
Abriu os olhos depressa, atordoado, sentando-se e sentindo o mundo rodar por instantes. Seus olhos azuis, agora alertas, vasculharam ao redor em buscar de ameaças, tomando o ambiente. Até cair no rosto divertido de alguém.
Itachi, que havia acabado de sair do banho, já vestido para sair e com uma toalha no pescoço, se deparou com a cena de Naruto acordando, se revirando, esticando, gemendo. Os cabelos eram uma bagunça terrível, que nunca imaginou possível. Nem o cabelo de Shisui ficava daquele jeito quando acordava.
Estava fascinado quando percebeu os olhos azuis confusos o analisando.
— Você acorda muito atordoado. —Falou seriamente e para seu divertimento o viu ficar corado de constrangimento e erguer-se depressa da cama.
— O que diabos eu... — Naruto olhava para a cama como se ela fosse um bicho que quisesse lhe morder.
— Você pegou no sono. Já são duas da tarde.
Naruto franziu o nariz, lembrando aos poucos da madrugada. Curioso, Itachi o viu morder o lábio, pensativo, a testa franzida em concentração.
Ele parecia realmente atordoado ao acordar.
Sua expressão finalmente clareou e ele soltou um suave 'oh'. Quando ele fitou Itachi ele parecia sem jeito.
(E Itachi imaginava se era saudável estar tão focado nessas mudanças de expressões dele, porque Naruto parecia tão... genuíno agora. Vulnerável. A vontade com ele. E quando isso aconteceu?)
— Eu roubei sua cama, desculpe. Onde você dormiu?
— No quarto de hóspedes. E sem problemas. — Mentiu dando de ombros e viu o outro assentir. — Agora coma alguma coisa, vamos pegar suas coisas em seu apartamento. A equipe já o liberou. — Itachi vasculhava o closet, separando roupas. — Tome um banho, vou deixar uma roupa antiga de Sasuke na sua cama para quando terminar.
Naruto assentiu, bocejando até parar no meio do ato.
— Equipe?
—Seu apartamento teve que ser revistado. Ou achou que deixariam uma cabeça na sua geladeira?
Naruto bufou com o tom divertido do outro e cruzou os braços emburrado.
— Claro que não, psibláblá idiota.
— Que bom que não, se não acharia que sua inteligência de ontem foi golpe de sorte.
— Bastardo. — Xingou e Itachi quase riu da carranca do outro, que não espantava ninguém. E então o loirinho sorriu de forma divertida. — Se bobear resolvo esse caso antes de vocês.
— Moleque convencido. — Resmungou, jogando uma toalha para ele.
— Vasculharam meu apartamento? —Naruto perguntou, voltando a seriedade.
— Conversei com a equipe pela manhã. Foram achadas escutas por todo o lugar e um grampo em seu telefone. Havia um sistema de vigilância ligado a um apartamento do prédio em frente, mas quando tomaram ciência disso ele já estava abandonado. Agora mesmo uma equipe está lá, mas está tudo muito limpo, sem impressões digitais por enquanto.
Naruto estava com a boca levemente aberta, o encarando em incredulidade e fúria.
— Esse... esse filho da puta estava me vigiando?
Itachi quase ficou surdo como grito do outro.
— Ele sempre vigiou as outras vítimas. Não sabemos ainda como ele consegue acesso as casas, mas, assim presumo, ele consegue saber todos os seus passos e usar o conhecimento contra as vítimas. — Itachi foi até a mesinha e pegou um celular, o jogando para o garoto que surpreso viu que era seu aparelho. — Desculpe, o levei essa manhã para análise. Ele estava grampeando seu aparelho de celular também.
Naruto olhava sem reação para o objeto na sua mão.
— Já tiraram o grampo, pode o usar agora. Não removemos o grampo de seu fixo, de propósito, assim ele poderá pensar que está em vantagem e poderemos usar isso contra ele. Se ele ligar de novo, saberemos de onde veio a ligação.
Naruto se sentou na cama, ainda atordoado.
— Ele é inteligente, Naruto, não é à toa que nunca foi pego. O único jeito é sermos mais espertos que ele. Não vou esconder o que está acontecendo de você, prometi isso, e você já provou que pode ajudar e muito, mas em troca não quero que esconda nada de mim, entendeu?
Naruto assentiu, o encarando com atenção.
— Quero que faça uma lista de suas pessoas próximas, ao menos as que costuma ligar com frequência. Se estivermos certos, ele já sabe sobre todas elas por suas ligações e pode tentar usar isso contra você. E quanto a nossa conversa de ontem, peço que continue tentando lembrar da música, seria uma vantagem enorme contra ele se soubéssemos o último verso porque...
— Saberia como ele vai tentar me matar, eu sei. — Ele completou, parecendo repentinamente distraído, fitando um ponto no quarto.
— Isso, e precisamos saber o porquê de ele usar algo que aparentemente apenas seu pai conhecia. Vou lhe colocar a par da situação. — Itachi se sentou a seu lado e viu que o garoto não fizera nenhum movimento de se afastar. Um sorriso quase adornou seus lábios com isso. — Posso confiar em você?
Naruto o encarou de lado, olhando para cima e assentiu seriamente.
— Entenda o risco que eu corro contando tudo isso, eu estou lhe dando uma prova de confiança.
— Acha ainda que eu posso ser o Kyuubi? — Naruto arqueou uma sobrancelha loir, os olhos curiosos o analisando. Itachi sentiu vontade de passar em sua testa, removendo o vinco nela.
E está ficando cada vez pior.
— Sinceramente, não. Mas muitos acham. E se eu estiver errado...
Itachi não terminou a frase. Naruto se perguntava se Itachi o mataria se ele fosse Kyuubi.
O encarou intensamente.
Não duvidava nem por um instante que sim.
— Eu não sou.
Itachi assentiu, uma mão se erguendo e tocando seu ombro. Naruto olhou para a mão de forma curiosa, mas não a removeu.
O desconforto usual tão pouco veio, o que o deixou ainda mais confuso.
— Não é apenas isso. Se você perder o controle pode colocar tudo a perder.
— Eu não vou perder o controle.
— Não sabe como é, Naruto. Ele vai infernizá-lo, destruí-lo nesses nove dias. Ninguém conservou a sanidade até o quinto, todos eles morreram justamente por se desesperarem e fazerem besteira, acabando caindo diretamente nos braços dele.
— Itachi. — Naruto o interrompeu com um sorriso. — Eu passei um ano em Suna. Eu conheço o inferno. Eu aguento. E minha sanidade eu já perdi faz tempo.
Itachi o olhou, encarando o humor apesar do assunto sério. Naruto era resiliente, tinha que dar a ele crédito por isso.
Assentiu, torcendo para não estar fazendo a coisa errada. Porém nenhuma outra forma funcionou antes, iria seguir o que pensava ser o certo.
— Ok. Encontrei Ibiki pela manhã. Nem ele tinha acesso as fichas policiais corretas das vítimas. Ao que parecia, o delegado anterior tratou de camuflar esses dados ao longo dos anos. Ibiki deixou dois policiais de confiança encarregados de providenciar isso, assim como procurar pistas no seu apartamento que os outros policiais houvessem deixado escapar. O que me fez ter acesso em poucas horas, depois da ligação, a todos os dados. Não sei como, não vou perguntar, eles têm os meios tortos deles. Você pode imaginar quais.
Naruto sorriu, bem familiar com esse tipo de ação ilegal depois de conviver com Hinata.
— O próprio Ibiki está com as mãos amarradas. Se ele sair da linha, sairá do cargo, e as coisas ficariam bem mais difíceis com alguém que seja uma marionete dos clãs de Konoha. Ele já fez muito fechando os olhos para o que estamos fazendo, o que torna essa investigação agora por nossa conta.
— Quem está nela?
— Uma equipe de confiança, você vai conhecê-los. Eles me ajudarão a manter você vigiado. Embora seja difícil alguém conseguir encostar em você estando no Distrito Uchiha com Madara, não duvido que Kyuubi possa tentar. Teremos que ser cuidadosos e pegar ele antes que ele pegue você.
Naruto não disse nada. Ele não sabia o que dizer sobre ter tantas pessoas invadindo sua vida de repente, mesmo que fosse para o manter vivo. E não ia nem entender como foi parar aos cuidados do maior chefe da máfia em Konoha e proteção policial ao mesmo tempo.
Seus olhos vagaram para a sombra atrás de Itachi, que sabia ser Sasuke. Ele parecia menos sólido do que da última vez que havia o visto, mas melhor do que quando o viu pela primeira vez atrás de Itachi.
Naruto ainda não tinha certeza do que havia acontecido com ele na noite anterior, a razão da perguntar ter o machucado ao ponto de quase o banir, mas ficava feliz por ele não ter desaparecido de vez.
Sentiu um beliscão em sua bochecha e piscou, voltando sua atenção aos vivos. Itachi tinha uma sobrancelha erguida, com certeza nada impressionado por ter devaneado no meio da sua explicação.
Naruto não pediu desculpas, esfregando a bochecha com um muxoxo, ignorando a risada de Menma pendurado na janela.
Não era sua culpa se aqueles dois o distraiam tanto, que já era distraído por natureza.
Itachi suspirou: — Apenas... não faça nada precipitado. Ou vai colocar tudo a perder.
A voz de Itachi era estranhamente gentil para falar algo tão duro.
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Naruto saiu do banho enrolado em uma toalha e olhou seu celular, jogado na cama onde havia deixado ao chegar no quarto. Desde que soubera que estava sendo vigiado era como se ele fosse um bicho que iria mordê-lo a qualquer momento. Poucas pessoas tinham acesso a seu contato telefônico, não seria uma lista muito grande. E por lembrar, não havia nada de comprometedor ou perigoso que tratava através daquele aparelho. Ainda assim, saber que estava sendo vigiado era desagradável.
E ainda saber que seu apartamento havia sido revistado. Ficou aliviado que não deixava nada de importante em casa, ao menos nada que lhe prejudicasse. A pasta de desenhos estava no armário do vestiário da escola.
Se aqueles desenhos fossem encontrados, estava ferrado. Como iria explicar cenas de assassinatos reais que não deveria saber ali? O desenho de Neji? Tinha coisas ali que ele nem mesmo tinha certeza do que era, sempre evitava olhar depois que havia finalizado, para não ceder a tentação de interferir.
Hesitou um pouco, até apertar a tecla e ver o registro de chamadas. Viu que havia 14 chamadas não atendidas e mensagens.
Ao menos dez das chamadas eram de Karin.
Naruto olhou para isso com culpa, notando que ela havia deixado uma gravação na caixa de entrada no lugar de enviar uma mensagem, o que dizia o quão puta ela deveria estar.
"Naruto." Menma falou com reprovação por cima de seu ombro. "Não seja medroso."
— Não estou com medo.
Ele totalmente estava. Se havia algo que odiava era decepcionar Karin.
Suspirou e apertou o número que o direcionou a caixa de mensagens, ouvindo a voz da prima chegando aos seus ouvidos. E pelo tom ele tinha razão, ela estava furiosa.
"Naruto Namikaze Uzumaki, quando você iria me contar que estava sendo perseguido por um maluco? Eu nem sei o que... eu sei o que dizer! Eu estou indo para Konoha e quando chegar aí eu trazer você arrastado para Kusa. Eu estou me fodendo por você ter 18 anos, seu merdinha. Vou te acorrentar comigo até você ser idoso, está me ouvindo?"
Naruto empalideceu com o tom histérico. Como Karin sabia sobre Kyuubi? A informação já havia sido divulgada? Eles haviam vazado sua identidade?
"Eu...eu não deveria ter deixado você ir aí. Eu sei que quer se vingar deles, Naruto. Eu sei, eu entendo, eu odeio eles também, eu odeio esse clã pelo o que...por tudo, mas...Eu não quero perder você também, Naruto."
Karin era muito boa em o fazer se sentir culpado. Ouviu o som abafado, ela estava caminhando. Uma porta abrindo. O som de alguém ao fundo. Ela afastou o celular para responder algo. Quando retornou sua voz parecia menos nervosa.
"Me retorna quando ouvir isso. Ou quando ver você, vou te chutar de Konoha até Kusa, ouviu?"
Menma o olhou e Naruto suspirou. Ele sabia quando estava vencido.
Com um xingamento baixo, retornou à ligação, mas agora o número dela que caiu na caixa de mensagem. Respirou em alívio com isso. Olhou para Menma e apontou o telefone com uma expressão de 'viu?'
Menma revirou os olhos.
"Deixe uma mensagem."
— Eu já ia deixar, seu mandão.
Após uma mensagem breve onde pediu (em vão) que ela não viesse a Konoha, olhou as outras chamadas. Uma de Jiraya. Tinha duas mensagens dele também. A data era da noite que passara na casa de Itachi. Ele havia focado tanto nas mensagens de Karin no dia anterior que havia negligenciado as de Jiraya.
Gaki
Ligue para Karin, ela está me deixando louco.
Cuide-se.
E faça sexo seguro.
E a segunda
Acharam sua moto na autoestrada para seu antigo distrito. Me deixe saber que está bem.
Respondeu com um: Estou vivo. Avisei Karin.
Havia uma chamada da clínica com uma mensagem de voz de Tsunade perguntando porque faltou o atendimento: "...Se faltar a mais uma consulta, vou buscar você por essa orelha até arrancar esse brinco que tem aí."
Havia uma chamada de um número desconhecido, seguida de uma mensagem de texto do mesmo número. Era Tobirama, deixando saber que viria para Konoha no final do mês e enviando o link para uma pesquisa que havia pedido ajuda sobre os Namikaze.
Naruto, lembrando o que havia conversado com Itachi na noite anterior sobre a música, retornou a chamada, mas não foi atendido. Por fim deixou uma mensagem também, perguntando ao seu tio para lhe retornar.
A outra ligação era de Hinata. Sentiu um aperto ao lembrar dela e ficou olhando para o celular. Ele sentia-se confuso em relação a Hinata. E uma culpa tremenda pela morte de Neji, por não ter interferido. E depois de tudo isso ele havia a deixado sozinha quando disse que iria ajudá-la.
Ele sabia que não tinha controle sobre isso, sobre a bagunça que se tornou sua vida, mas o sofrimento dela lhe causava um gosto amargo na boca. Naruto raramente deixava pessoas entrarem na sua vida e ele tentou manter uma distância emocional dela durante esse tempo todo, mas era difícil não se apegar a alguém como ela.
A vida deles dois havia sido diferente. Hinata tinha uma família que a amava, mas era distante. Ela tinha dinheiro e segurança e a certeza de que seu nome a protegeria, mas ainda assim era uma das pessoas com uma máscara mais perfeita que conhecia. Tão perfeita que ela nem mesmo sabia ao certo quem existia por trás.
E nisso eles eram iguais.
Olhou a mensagem dela. Era da noite passada.
Pq n veio p escola? Me liga
— Hinata...
Se jogou na cama, olhando para o teto.
Naruto não tinha certeza sobre o que fazer com Hinata, mas talvez ele não precisasse fazer nada. Não era como se ela esperasse algo dele.
Discou o número, ouvindo depois de poucos toques a voz conhecida.
— Ei, princesa Hyuuga.
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— Agora alguém me explica o porquê de a gente ter que subir pela escada. — Shisui reclamou pela terceira vez no trajeto.
— E alguém me explica o porquê de você ter vindo junto. — Naruto rebateu, subindo devagar, ainda mancando pelas escadas de seu prédio.
— Naruto está sob proteção policial. Se ele subir de escadas, eu tenho que vir junto. — Itachi respondeu calmamente andando ao lado de Naruto, no mesmo passo devagar que ele. Shisui ia na frente, saltando de um degrau para o outro como o ser imaturo que era. — Shisui está aqui porque Madara é um paranoico.
— Triste verdade. — O primo concordou.
— Como se ele fosse servir de alguma coisa.
— Itachi, olha ele! — Shisui choramingou, falsamente. — Vai deixar ele falar assim comigo?
Itachi o ignorou. Shisui fungou em ofensa.
— Grande primo é você. E você é mau, loirinho. Devia agradecer por eu vir junto te ajudar a pegar suas tralhas.
— Grande ajuda vai ser se rolar escada abaixo do jeito que está pulando, idiota. Qual a tua idade hein?
Itachi suspirou. Estava se tornando uma mania sua, suspirar. Olhou de soslaio para o menino carrancudo ao seu lado. Os olhos azuis irritadiços, o lábio inferior levemente projetado para frente, o que caracterizava um bico discreto que só havia visto em Sasuke na vida. E que, tinha certeza, geraria a mesma reação de revolta que seu irmão quando Itachi levantava esse fato. Quase podia ouvir a voz dele ali, "eu não faço beicinho, Itachi, vai se ferrar!"
Ouviu um rosnado quando Naruto avistou a porta de seu apartamento com uma fita amarela da polícia, lacrada. O garoto apressou o passo, mancando e empurrando Shisui da frente, arrancando a fita ao abrir a porta com a chave.
E então arfou.
— Inferno! Filhos da puta desgraçados! Vou arrancar os olhos desse malditos! — O loirinho rosnava, olhando para sua casa em completo caos. Tudo revirado. Seus livros, seus quadros. E então ele gemeu em desespero. — Arranharam meu piano!
Ele entrou como um furacão, com Shisui rindo atrás.
— Psibláblá maldito! — O loirinho gritou do quarto e Itachi novamente suspirou. Claro que a culpa seria sua. Olhou ao redor para ver se estava tudo limpo, sem nenhum perigo e logo se sentou em uma cadeira, após coloca-la de pé, com a arma ainda na mão. — Isso é tudo culpa sua. — Ouviu a risada abafada de Shisui que havia entrado no quarto para provocar o outro. Ouviu um som de pancada e o gemido do primo enquanto algo quebrava. — Eles mexeram na minha gaveta de cuecas!
— Ei! Isso são histórias eróticas? — A voz de Shisui saiu interessada.
— Sai do meu quarto! — A voz de Naruto respondeu furiosa.
— Shisui! — Itachi chamou. — Deixa ele em paz.
O primo riu e entrou na sala enquanto um sapato voava por cima de sua cabeça.
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Itachi viu Naruto sair ainda chateado, com uma mochila nas costas após meia-hora.
Shisui estava fuçando os livros com curiosidade, os colocando na estante.
— É só fazer uma faxina. — Seu primo falou depois de trocar um olhar com Itachi ao verem o ar desolado do garoto olhando ao redor.
Itachi lembrava da impressão que teve de Naruto da primeira vez que viu a casa. Em como o lugar era seu refúgio do mundo. Ter seu refúgio violado daquela forma devia ter tirado a pouca sensação de controle que tinha ainda sobre sua vida no momento.
Para uma criatura de hábitos como Naruto, aquilo devia ser ainda mais terrível.
— Vamos sair daqui de uma vez.
Naruto suspirou, abraçado com a case do violão em conforto, o rosto pálido.
Shisui se ofereceu para pegar a bolsa, parecendo culpado por ter rido, provavelmente notando os olhos avermelhados do outro.
No momento que Itachi se ergueu, o telefone tocou.
Itachi fez menção se atendê-lo, mas Naruto, que estava mais perto, colocou a mão no aparelho olhando o identificador e espalmando as mãos para que ele se detivesse.
— É minha prima. Ela deve estar pirando agora...
Seu celular havia ficado na casa de Madara. Mesmo com Itachi dizendo que estava tudo bem, ainda ficava paranoico sobre alguém localizar seus movimentos com ele. Naruto estava seguro no distrito Uchiha, mas fora dele já seria outra história.
Os homens o encaravam esperando alguma atitude enquanto o loirinho olhava de forma sofrida para o aparelho, imaginando os gritos que receberia. Ele não havia contado a Itachi ainda que ela viria para Konoha e que provavelmente não sairia de perto de Naruto.
No fim levou o aparelho ao ouvido em um gesto cansado.
— Estou vivo, Karin. Já chegou? — Falou de prontidão. — Eu apenas tive alguns... Karin?
Franziu a testa ao não ouvir os comuns gritos o xingando.
Podia ouvir uma respiração pesada do outro lado. Que não parecia de Karin.
E então um choro abafado ao fundo. Um choro conhecido, que fez seu coração acelerar no peito, sua respiração prender em sua garganta.
Um barulho repentino se fez ouvi e logo uma respiração mais acelerada tomou a ligação.
— Naruto... — A voz trêmula da prima falou baixo, um fio de voz. Fraca. Em dor.
Havia outra voz ao fundo, distorcida. Seus batimentos aceleraram.
— Karin? – perguntou em um fio de voz. — Quem está aí com você?
—N.não te lances...não te lances ao sangue... — Empalideceu bruscamente, reconhecendo o que aquilo era, na voz soluçada e dolorida da prima.— Ao sangue...
A terceira estrofe.
A voz dela estava rouca, como conhecia de outras épocas, quando criança.
De tanto gritar.
Naquele momento, ouvindo a voz da sua prima — Por favor, por favor, ela também não. — recitando aquelas palavras, que agora sabia que significavam morte e não conforto, nos segundos que se arrastaram ouvindo a voz maltratada, a lembrança mais estranha e fora de contexto lhe veio à mente.
Lembrou de quando entrou pelos portões da mansão Uzumaki pela primeira vez. Saindo do carro do serviço social, a mão bem segura na do irmão mais velho, os olhos assustados no ambiente estranho. O tio que deveria ter os buscado, nem mesmo estava lá. A menina, que devia ser um pouco mais nova que seu irmão, estava.
Eles a avistaram sentada na escadaria da entrada da casa. Era ruiva, e parecida com a oka-san. Naru a achou pálida, e triste. Os olhos desconfiados, mesmo que estivesse ali para lhes dar as bem-vindas.
Nenhum dos três sabia o que dizer, apenas ficaram lá parados, se medindo, o vento da tarde fazendo os cabelos dela voarem ao redor. Como fogo. Como sangue.
Ela olhou para Naruto, ainda agarrado na mão de Menma. Ela olhou para ele, e ele teve medo de que ela lhe estendesse a mão.
Ela não o fez. Ela o fitou. E fitou. Fitou mais um pouco. E então um sorriso tão pequeno estava ali. Os olhos brilharam com um fogo determinado, de um castanho que parecia vermelho naquela luz. Naruto apenas pensava que era como uma chama, como os cabelos dela. Ela e seu irmão se encararam, e havia um entendimento entre os três naquele instante, sem palavras.
—Eu sou Karin. – A voz era forte para um corpo tão frágil. – Eu protejo vocês.
De forma abrupta ela parou, a voz mais alta e forte em um grito urgente, interrompendo o maldito poema: — Naruto! É el-ARGH.
O grito que saiu de sua garganta se misturou ao urro doloroso de Menma.
—Karin!
As luzes da sala começaram a piscar, a temperatura caindo abruptamente ao redor. Itachi sentiu algo escuro e pesado no ar. O grito o colocou em movimento. Tomou o telefone da mão de Naruto, vendo a palidez mórbida na face dele, os olhos azuis nublados de terror.
Era tarde.
Ele já havia começado a ouvir os gritos da prima do outro lado. Os pedidos de socorro desesperados enquanto era assassinada por Kyuubi.
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