Capitulo XIX- Quarta Estrofe
A terra clama por ti se o céu te rejeita.
No ar te sufocas, entre os teus não te cabes.
Quem és tu anjo, se não perfeito?
Queria eu ter poder de caminhar até ti.
Mas não sou digno de pisar onde tu caminhas.
ELES RECEBERAM O PACOTE PELA MANHÃ.
O entregador estava sendo interrogado por seus homens em uma das salas, mas Madara desconfiava que eles não encontrariam nada através dele. O garoto parecia apavorado demais para ter qualquer envolvimento real com aquele desgraçado.
A audácia era um aviso. Um aviso que Kyuubi sabia onde o garoto estava, que ele podia o alcançar. Madara poderia admirar inteligência, mesmo em um inimigo. Aquele monstro não teria ido tão longe se não fosse genial em sua loucura.
Isso não o salvaria de Madara, obviamente.
Encarou a pequena caixa e o envelope vermelho, que não chegaria nas mãos de Naruto se tivesse algo a dizer sobre isso. Ele não precisava abrir o envelope para saber que a quarta estrofe estaria lá, a caixa, no entanto, sempre seria uma surpresa. Era pequena, do tamanho de uma caixa de anel. Vermelha e com um pequeno bilhete grudado na tampa com apenas uma palavra: Veja.
Madara a abriu e soltou o ar devagar.
— Chame Itachi. — Avisou a Obito. — Imediatamente. Diga que chegou o quarto.
Mesmo quando Obito saiu, Madara não tirou os olhos do que estava na caixa.
Do globo ocular, ainda com sangue coagulado preso nele. A cor da íris também era familiar, de uma forma que não queria acreditar. Mesmo antes da análise de DNA ele desconfiava de quem seria. Aquela cor vermelha, com envolvimento com Naruto apontava para uma pessoa.
— Madara?
Ofereceu a caixa para Itachi. Podia admirar a calma do seu sobrinho, mesmo que soubesse que era falsa.
— Ao que parece. — Falou de forma cuidadosa. — A raposa alcançou Tobirama.
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Sua mente havia entrado em seu estado de névoa, que tanto aprendera para se proteger: Não via nada, não ouvia nada, não sentia nada. Não sabia que estava chorando. Era silencioso, sem soluços, como havia aprendido a ser.
Tentou engatinhar para longe, em um último esforço para se salvar, amassando os papéis pelo caminho. Sentia sua cabeça explodir em imagens e pensava se havia sido assim que to-chan havia se sentido. Eles estavam em toda parte, as sombras. Lhe contando a verdade todo esse tempo com sua mera presença.
Tentou se erguer, mas ele já estava ali. Um chute interceptou sua fuga, lhe retirando todo o ar e a resistência.
Eu vou morrer.
A verdade surgiu clara em sua mente. Ninguém conseguiria o salvar. Nem os vivos, nem os mortos. Ele logo seria só uma sombra também, como to-chan e ka-chan. Como Nawaki e Konan.
O pé o segurou no lugar no carpete, entre suas escápulas, em um aperto cada vez mais forte. Ele não conseguia gritar por ajuda, não quando nunca ninguém vinha. Seu corpo amoleceu.
O pé sumiu e foi virado, quase gentilmente dessa vez.
— Abra seus olhos. — A voz poderia ser gentil, se não soubesse a verdade. — Eu quero vê-los uma última vez. Vamos, abra.
Suas mãos caíram, inertes, apertando o tapete felpudo. Apertou os olhos com força. Não queria olhar. A verdade o faria encarar um pesadelo tomando forma.
Eu vou morrer.
Tentava controlar aquela dor em seu peito, pior do que a dor física que sentia no momento. Era como a destruição do mundo seguro que havia construído com esforço nos últimos meses. Tudo destruído. Todas as suas tentativas, agora via, foram tão bobas... Até mesmo o alívio de ver Sasuke vivo. Tudo acabaria ali.
Uma parte sua, sentia alívio. Uma parte que tentara fechar dentro de si, sentia que seria melhor assim. E a voz que o tranquilizava, era tão persuasiva.
— Vai ser o melhor. Toda a dor vai parar, meu anjo. Eu prometo.
Um peso em suas pernas, o corpo se reclinando no seu. Lágrimas caindo em seu rosto. Sentiu a testa encostar na sua suada. Sua cabeça parecia explodir com todas as imagens.
Abriu os olhos.
Naruto só conseguia ver morte o fitando de volta. Apenas morte.
Eu estou com medo.
Uma mão acariciou sua bochecha. Outra subiu por seu peito e a encontrou, tampando sua boca e seu nariz, impedindo sua respiração. Sua cabeça foi forçada contra o chão em um som abafado. O terror alojado em sua garganta saiu em um grito, inaudível com a mão em sua boca.
Naquele momento, apesar de tudo, a certeza que queria viver lhe veio, cortando a névoa e o torpor, o terror das visões e as dores em seu corpo. Menma, Karin e Sasuke estavam o esperando.
Eu não quero morrer!
Se debateu, mas não conseguia se livrar. Usou as duas mãos pequenas, as agarrando na do outro, arranhando, tentando removê-las de seu rosto em vão. Os olhos azuis desesperados se fixaram no rosto vindo dos piores pesadelos na penumbra da sala, nos olhos que o encaravam, e pareciam tão tristes
Não conseguia entender.
E não importava mais, havia perdido aquela luta.
Sentiu mais lágrimas descerem e tentou manter os olhos abertos em vão. Sua cabeça doía ainda mais.
— Você foi o começo de tudo, só você pode parar isso, meu anjo. Feche os olhos, vai ficar tudo bem. Tudo vai parar.
A voz sussurrou. Persuasiva, carinhosa, enquanto lhe tirava o ar. Enquanto o matava.
Estava cansado demais. Cansado de tentar consertar uma coisa que sempre se quebrava. Parou de lutar. Se entregou, as mãos caindo inertes ao lado de seu corpo.
Sentiu-se jogado na escuridão. À deriva.
Foi puxado de volta por um grito poderoso, algo caindo no chão e se quebrando com estrondo.
— NARUTO!
Menma...
Era a voz do seu irmão. Seu irmão tinha que sair dali, fugir do monstro.
Tentou abrir os olhos, sentindo as mãos largarem seu rosto, o ar entrando de forma dolorosa enquanto ofegava, o corpo saindo de cima do seu no chão. Gemeu um pouco mais alto e se encolheu no tapete da sala. Sem todo o peso que o imobilizava, levou as mãos aos ouvidos e os tapou, se enrolando em si mesmo.
Ouviu mais barulho, sua mente foi sumindo, estava caindo e caindo de novo. Ouviu seu irmão lhe chamando, gritando por seu nome, mas se entregou ao escuro. Não queria acordar. Não queria acordar nunca mais.
E em algum momento, ouviu os tiros.
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A equipe local em Kiri e Ame havia sido acionada, na tentativa de verificar o paradeiro de Tobirama e Jiraya, até agora sem sucesso. Foi encontrado sangue no apartamento dos dois. Havia enviado Kakashi logo pela manhã para Kiri. O policial havia dito que o apartamento mostrava sinais de luta e a quantidade de sangue, se fosse toda do homem, sugeria que seria improvável que o encontrassem vivo. Dessa vez o rastreio do telefone havia os levado ao cais, mas nenhum corpo havia sido encontrado ainda.
E nenhum sinal de Jiraya também, além de uma chamada no meio da madrugada de dois dias atrás. Uma vizinha havia reclamado sobre barulhos suspeitos no apartamento de cima. Havia uma janela estilhaçada e marcas de sangue e vidro quebrado abaixo dela no beco.
O globo ocular havia sido enviada para análise, mas Madara parecia certo de que era de Tobirama. Itachi conhecia bastante sobre Kyuubi para saber que a palavra naquele bilhete significava algo a mais do que um trocadilho. Havia mais sobre esse presente, não era só isso.
Veja. Veja o quê? O que vai nos mostrar?
E Itachi? Itachi não sabia como iria contar isso a Naruto. Ele sabia que não mentiria, ele havia prometido, mas só de pensar em vê-lo chorar novamente...
Isso é uma bagunça.
Itachi deixou a água correr por cada cicatriz do seu corpo e recostou a testa na parede fria. Estava impregnado com o cheiro de Naruto. Fechava os olhos e conseguia distinguir na mente cada traço dele enquanto dormia. A maneira como o rosto dele por vezes se contorcia em meio a algum pesadelo. Quando mesmo durante o sono ele procurava algum abrigo e segurança, coisa rara quando estava acordado. Acordado ele nunca se aninharia nele daquela forma, deixando seu rosto relaxar, como se um mero contato o acalmasse.
Ele acordado, Itachi nunca tocaria seu rosto daquela forma, testaria com seus dedos a pele de seus braços. Ele quase podia fingir que não existia Kyuubi, nada do que os atormentava. Ele quase podia fingir que um dia as coisas pudessem ser diferentes. Sem traumas, mortes e tratos absurdos.
Sua mente se condenava por pensar assim. E seu corpo o castigava. Porque ele não queria apenas proteger Naruto, ou vê-lo dormir. Não era suficiente ter uma parte de uma ilusão enquanto ele dormia. Ele queria muito mais. E ao mesmo tempo sabia que se apegar naquela ilusão era perigoso, para os dois. Aquela atração iria arruiná-los.
Segurou um gemido. Sua mente em disputa com o que queria, e o que era certo. O problema, era que quase sempre o que ele queria não era certo. E isso nunca o impediu de tomar o que queria. Se desfez com um gemido abafado e deixou a água limpar seu corpo, com o rosto para o alto, limpando sua mente de mais aquele problema e de mais uma culpa que sentia.
Itachi não tinha como negar mais, ele estava atraído pelo garoto dormindo na sua cama, isso era inegável. Ele não sabia até onde iria com aquilo, além da certeza de que ninguém teria mais poder de o destruir no momento mais do que Naruto. Se Kyuubi o levasse, toda a sua sanidade iria quebrar.
Ele nunca havia se sentido tão vivo como nos últimos dias, quando nos anos após a morte de Sasuke ele meramente existiu, apenas o desejo de pegar o assassino de Sasuke o fazendo acordar todos os dias. Até Naruto.
Uchihas. Madara havia dito. Ficam facilmente obcecados. Tenha cuidado.
Suspirou, se obrigando a esquecer disso no momento. Itachi era famoso por seu autocontrole, e não seria diferente agora. Ele tinha um problema maior no momento: contar a Naruto sobre a possibilidade de o tio e padrinho também já estarem mortos.
Se trocou no banheiro e saiu descalço, tocando os pés no chão frio. O quarto estava ainda mais gelado do que quando saiu, e começava a associar isso com Naruto em estresse, por mais absurdo que fosse. Havia notado que sempre quando ele ficava com medo a temperatura baixava.
Eu devo estar imaginando coisas. Mentiu para si mesmo.
Encontrou Naruto sentado na cama, abraçado com o gato que havia cochilado do lado dele.
Itachi o observou atentamente e viu de imediato que havia sim algo de errado.
Naruto estava olhando para a chuva que caia com a expressão ausente. Viu as cobertas no chão e seu olhar afiado notou resquícios de lágrimas no rosto pálido. Em vista que o havia deixado dormindo profundamente quando saíra, ele devia ter tido mais um de seus pesadelos. Naquele pouco tempo que convivência, ele já notara que Naruto quase não dormia por isso, apenas quando caia exausto se deixava levar pelo sono, e ainda assim era um sono inquieto.
Ou talvez fosse a visão do gato ao acordar e lhe lembrar o que havia acontecido com a dona dele. Ele parecia bem familiar com o bichano, que agora se esfregava em seu rosto, o consolando.
Sabia que ninguém teria o contado sobre o presente ainda, Itachi havia dito que ele mesmo explicaria a situação, então não poderia ser isso.
Naruto não lhe perguntou, como no outro dia, onde ele havia dormido. Ele desviou os olhos da janela para fitá-lo e Itachi pode confirmar suas olheiras e o os olhos avermelhados pelo choro.
— Me diga. — Falou suavemente, esperando o outro contar o que o atormentava.
— Meu irmão... — A voz saiu rouca, enquanto os azuis olhavam novamente para a janela com mesma expressão ausente de quando o encontrou. — Não cometeu suicídio.
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Pessoalmente ele não parecia nada com Menma, e agora Sakura podia notar isso. Nas fotos em que Sasuke a mostrara, sempre pensou em como os dois tinham traços em comum. Ou o tempo havia mudado isso ou a diferença de personalidade óbvia os fazia parecer tão diferentes.
Os olhos azuis, notava, eram maiores e de uma cor diferente, que ela nunca vira em lugar algum. Menma tinha olhos quase violeta, como havia visto em alguns Uzumaki. Era uma cor rara e o tornava ainda mais atraente.
(A miopia veio como castigo. O Uzumaki costumava dizer, enquanto procurava os óculos que estavam pendurados na própria camisa. Sasuke, como o bom amigo, a impedia de falar onde eles estavam, apenas para o ver se desesperar mais.
Sakura abafou a memória, negando a dor conhecida e como sentia falta daqueles dois se bicando, da garota Uzumaki fingindo que não os conhecia quando faziam isso em público.)
Os olhos do irmão de Menma eram ainda mais especiais.
Heterocromia setorial.
Agora ela entendia a razão de Sasuke dizer que os olhos dele mudavam de cor frequentemente. Não era apenas a incidência de luz, o humor causando mudanças na dimensão da pupila. Naruto tinha diferentes cores mescladas na mesma íris, o que causava a sensação de que os olhos mudavam.
E esses olhos a encaravam no momento, tão intensamente que era desconcertante, mudando de emoção tão rápido que era difícil acompanhar.
E ele não é parecido com Menma. Sakura esperava que fosse, ela esperava um pequeno Menma, deveria saber que não seria assim. Ela ficava aliviada que não fosse, que não veria mais um fantasma em alguém, como via sempre que olhava para Itachi.
Onde Menma era uma presença inegável, com sua excentricidade e exuberância, Naruto parecia uma ilusão, que sumiria ali, da sua frente naquela mesa da cafeteria quando piscasse.
— Eu lamento por Karin. — Falou finalmente, desviando dos olhos azuis desconcertantes e bebericando seu chá gelado.
Aproveitou para olhar de relance para o balcão onde Itachi conversava pelo celular. Ela tinha certa vontade de bater no amigo, por não entender o que ele queria trazendo o garoto para o assunto que eles falariam. No entanto, ela sabia que o Uchiha deveria ter uma boa razão.
E admitia que estava verdadeiramente curiosa.
— Imagino o que está pensando. — O garoto sorriu, os lábios carnudos dando uma curva sarcástica que a surpreendia em um rosto tão jovem, os olhos a fitando de forma analítica.
Apenas arqueou a sobrancelha delicada. Sakura havia convivido com dois Uchihas, morado com um que parecia ter apenas uma palavra no vocabulário até ingerir alguma cafeína. Aquele tipo de coisa não a intimidava de nenhuma forma.
— Que talvez eu não a amasse tanto, porque pareço tão tranquilo. Está esperando para ver como vou reagir, por isso não insistiu tanto com Itachi. — Sakura franziu a testa, mas não negou. Pressentia que aquele garoto perceberia sua tentativa. — Você quer entender.
Perceptivo.
— Quase certo.
— Quase? — Ele arqueou uma sobrancelha loira e novamente aqueles olhos mudaram, o rosto virando de lado em pura curiosidade e confusão.
Como uma criança. Sentiu seu rosto suavizar. É como Sasuke sempre falava.
— Eu não duvido que você amasse Karin. — Ela o viu quebrar o contato visual pela primeira vez, olhando para a janela. A voz dela estava suave, em um tom que poucas vezes usava, poucos conheciam. — Eu sei o que é perder alguém que se ama e ser obrigado a ser forte por algo maior. Eu venho fazendo isso há cinco anos. — Acrescentou a última parte muito baixo, mas ele ouviu.
Naruto segurou o queixo com a mão, a encarando novamente. E Sakura achava que não era normal alguém conseguir prender o olhar de outra pessoa tão firmemente.
E seja o que fosse que ele estivesse lendo nela, o fez sorrir de leve. Um sorriso quebrado, leve, mas o único sorriso sincero que ele dera desde que o conheceu naquela noite.
— Você é exatamente como Sasuke falava.
Isso a surpreendeu e arregalou os olhos verdes. Naruto havia perdido o sorriso sarcástico e seus azuis ficaram quebrados. E naquele momento ela viu Menma ali pela primeira vez, porque Menma tinha aquele olhar. Sakura soube ali o quanto aquele garoto estava sofrendo. Naruto estava chorando por dentro e ela não sabia há quanto tempo.
Talvez sua vida inteira.
— Ele me falou de você também. — Admitiu. E então sorriu. — Na verdade, ele só falava de você e de Itachi, eram seus assuntos favoritos.
Isso fez o garoto corar de leve e sorrir novamente.
E Sakura pensou que Naruto Namikaze Uzumaki ficava bonito quando sorria assim, ainda mais do que o irmão. Pena que era um sinal raro.
— Podemos começar. — Itachi quase a assustou, sentado do lado de Naruto e de frente para ela de repente.
De imediato ela notou de novo aquilo que vira desde que eles chegaram juntos. Algo que ambos não pareciam notar. A forma protetora de Itachi, seguindo cada movimento do adolescente. A maneira que Naruto relaxava as mãos apenas quando ele estava por perto. Era como se aqueles dois girassem na órbita um do outro.
E mais que tudo, pela primeira vez desde a morte de Sasuke, Itachi parecia vivo.
Sakura sorriu de leve.
Sasuke iria realmente gostar daquilo se estivesse ali, em como as duas pessoas que ele parecia mais amar encontraram um ao outro.
Pena que eles parecem cegos a isso. Observou de um ao outro. Itachi nem tanto, mas ele nunca vai tomar iniciativa.
— Muito bem. — Ela adquiriu seu ar profissional, pegando a pasta em sua bolsa no banco a seu lado. Então olhou incerta para Naruto.
Itachi pareceu entender sua hesitação.
— Pode falar.
Ela suspirou. Tinha que acreditar, se Itachi insistia tanto.
— Não fui eu quem fiz o laudo de Menma. Eu não trabalhava aqui, mas pelo o que pude ver, o médico que o fez era um imbecil. Os dados são extremamente superficiais, mal feitos. A investigação nunca deveria ter sido fechada, porque eles foram inconclusivos.
Ela empurrou uma pasta para frente e começou a explicar, enquanto Itachi a abria para que ele e o garoto lessem.
— De acordo com a autópsia, o tiro atravessou sua caixa craniana. Porém, houve algo que ele não notou, ou negligenciou. — Hesitou ligeiramente, mas por fim admitiu. — Ou omitiu.
De repente Naruto arregalou os olhos e puxou a pasta para ler melhor.
— Que porra é essa?
— Você notou. — Ela sorriu e viu Itachi puxar a pasta de Naruto, franzido a testa enquanto lia. Seus olhos clarearam em entendimento.
Os dois haviam percebido então.
— Os fragmentos. — Itachi concluiu. — Tem muitos fragmentos.
— A bala era um dundun. Quando essas balas com cortes são utilizadas, elas explodem em vários fragmentos dentro do alvo, sendo muito mais destrutivas. Por isso um tiro na cabeça a destrói quase que completamente. — Ela olhou hesitante para Naruto e Itachi, incomodada por estar falando aquilo para o garoto. — A bala se fragmentou na caixa craniana, lesionando tudo pelo caminho. Talvez por haver tantas lesões, o legista não atentou que havia mais uma entrada ou deixou passar que havia fragmentos demais.
Naruto ficou ainda mais pálido.
— Eram duas balas. — Ele murmurou, a pasta ainda na mão. Os olhos dele a encararam, pedindo uma confirmação. Ela assentiu, se recostando na cadeira enquanto Itachi suspirava.
Ela bem o entendia. Aquilo significava mais problemas pela frente.
— Sim, eram duas balas. E agora, eu pergunto: Quem se mata com dois tiros na cabeça?
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A volta para casa foi silenciosa em boa parte do caminho. Naruto olhava pela janela o fim de tarde enquanto Itachi encarava a estrada. De vez em quando ele fitando o garoto, então o carro de Deidara e Sasori que os seguia, os protegendo à distância.
— Como? — O homem quebrou o silêncio, fitando a estrada, esperando pacientemente.
A resposta demorou tanto que ele pensou que ela não viria.
— Eu lembrei algumas coisas daquele dia. Eu não estava fora de casa, eu estava no apartamento quando... aconteceu. E havia alguém lá. Alguém tentou me matar e Menma... Menma chegou na hora. — Ele falou baixo, os olhos na janela. — Havia alguém lá quando meu pai morreu também.
Itachi sentiu vontade de suspirar, com o quanto aquela história ficava cada vez mais complicada. Agora teria que pedir para Deidara e Sasori checarem a investigação do suicídio de Minato Namikaze também.
E ele não sabia o quanto daquilo estava ou não ligado a Kyuubi.
— Menma nunca me abandonaria de novo. — A voz do outro continuava baixa, o rosto contra o vidro. — E nunca deixaria Karin desprotegida. Ele não desistia...Eu fui tão idiota. — Ele disse com raiva.
— Não havia como você saber.
— Não tente me consolar! — Ele sibilou. Só quando ele virou Itachi notou as lágrimas caindo livremente no rosto contorcido de raiva. — Para o carro.
Hesitou apenas por um momento, mas parou o carro devagar no acostamento, sabendo que os outros também parariam. Ele sabia o que viria, melhor não arriscar o carro em movimento.
— Nagato sempre esteve certo. — Naruto riu amargo, tentando parar as lágrimas com os punhos. — Eu não passo de um demônio, destruído tudo...tudo.
— Não foi sua culpa.
— CALA A BOCA! — Naruto esmurrou a porta, tentando abri-la. — Eu estava lá! Foi por minha causa! Eu era para estar morto, era eu que ele ia matar. Eu devia estar morto...Abre a porta!
— Naruto...
— ABRE A PORRA DESSA PORTA, UCHIHA!
Naruto se jogou contra a porta. Itachi a destravou com um suspiro antes que o outro se machucasse. Em segundos ele havia saído e atravessado a estrada vazia correndo, a chuva o ensopando completamente.
Itachi pegou a arma e foi atrás.
Deidara viu o garoto pular do carro e partir em disparada para a mata que ladeava a estrada.
— Lá vem problema. —Resmungou, pegando sua arma. No mesmo instante viram Itachi indo atrás do adolescente, fazendo sinal para que esperassem enquanto sumia. — Devemos...
— Ele resolve. — Sasori disse, voltando a relaxar no banco. — Vamos ficar de olho por aqui.
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Naruto não foi muito longe até sentir dois braços rodeando sua cintura por trás. Chutou, tentando se livrar do agarre, mas o que conseguiu foi com que ambos caíssem no chão lamacento. Tentou o chutar para longe, mas ele o segurava firmemente.
A fúria o tomou completamente.
Itachi continuou o segurando, sem nem ao menos se defender dos golpes recebia, cegos e furiosos. O garoto gritava, xingava, esmurrava seu peito e tentava acertar seu rosto. As pernas se movendo furiosas, presas pelo peso do corpo que tentava segurá-lo no chão.
Quando ele finalmente parou, foi abrupto. Ambos se encaram, sem ar, sujos de lama e folhas, Itachi o segurando firme, mas gentilmente para que não se machucasse. Segundos de silêncio seguiram, quebrados apenas pelas respirações ruidosas e a chuva batendo na copa das arvores.
Foi quando finalmente a máscara dele quebrou.
Itachi ouviu o soluço alto e fitou o rosto vermelho abaixo de si, os olhos azuis marejados, assustados, desesperados, o queixo travado pela dor que ele deixava finalmente sair.
O puxou pelos punhos que segurava para o abraçar em silêncio. E pela primeira vez ele não ficou inerte. Os braços rodearam seu peito apertados, sufocantes. Uma mão sua foi para as costas que se sacudiam, a outra na nuca, seu queixo se apoiando na cabeça loira.
— Pode chorar. Pode chorar agora.
Como resposta os soluços aumentaram, os braços o apertando mais fortemente.
Sentia que era a primeira vez que ele chorava de verdade por tudo aquilo, deixando desabar sua barreira mental, cada uma de suas máscaras. Era dor demais, não entendia como ele tivera a força que guardar tudo aquilo por tanto tempo. Ouviu um grito rouco abafado e o apertou com mais força, fechando os olhos.
De repente lhe veio à mente o sorriso falso, a petulância, o atrevimento. Tudo o que Naruto era não passava de uma névoa que ele usava para se camuflar, afastar, não se ferir. E pela primeira vez ela se dissipava, mesmo que talvez apenas por aquele momento. Um momento é o que bastava. Itachi havia o visto.
Quando o choro diminuiu, depois de um tempo que pareceu se arrastar, Itachi sentiu a respiração lenta em seu peito. Pensou que ele havia adormecido, mas quando tentou se afastar as mãos o apertaram com mais força.
— Quando eu tinha cinco anos, alguém atiçou meu pai para me matar e ele acabou morto. — A voz saiu baixa, rouca e abafada em seu peito. Itachi continuou acariciando suas costas em conforto. — Uma pessoa...estava me machucando quando Menma chegou e Menma acabou morto.
Itachi sentiu a tensão nos ombros dele, a respiração ficando mais rápida em seu peito.
— Nagato disse que minha mãe tentou me proteger naquele beco e acabou morta. Sasuke tentou me ajudar...morto. E agora Karin... todos eles...
— Não é sua culpa. — Itachi repetiu suave.
— Não minta para mim. Não minta... — A voz saiu suplicante.
— Eu não mentiria, eu prometi. — A voz saiu firme. — Confia em mim?
— Eu... — O abraço apertou mais. Uma tábua de salvação mútua. — ...confio.
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Livre da lama, Naruto se jogou na cama e ficou olhando o nada na penumbra do quarto. O gato, se jogou em seu peito. O gato que haviam encontrado na rua anos atrás, que Karin o deixou nomear. O último pedaço dela que ainda tinha.
E agora Menma. Era como entrar de luto outra vez com ele. Era como o perder de novo.
Abraçou o bichado e fechou os olhos.
Ele não sabia o que pensar ao certo. Tinha certeza de que estava a um fio da insanidade e o que o sustentava era Itachi. E aquilo o estava atormentando ainda mais. Ele odiava se sentir tão malditamente assustado. Não podia abrir uma brecha...não podia abrir mais brechas.
Mas Itachi...
Ele não conseguia entender.
Sentiu um toque suave em seu cabelo, uma sombra se estendendo em sua cama, tomando forma. Ele não precisava olhar para saber quem era. O cheiro dela estava em todo lugar. Não queria olhar e ver seus machucados.
— Me perdoa, Karin. — Sussurrou. — Me perdoa...me perdoa...
Ele também não precisava olhar para o outro lado e saber que o outro peso era de Menma. Era como quando era criança. Os três deitados na cama, ele entre os dois mais velhos. Assustado. Se tivesse mais lágrimas depois da tarde, choraria.
Se encolheu mais. Não abriu os olhos.
O carinho em seus cabelos parecia tão real. Quase poderia fingir, pelo menos por uma noite, que eles estavam ali, vivos, com ele.
Durma, Naru. Estamos aqui. A voz da garota foi suave, diferente de seu tom mandão usual, e que agora sentia tanta falta. Era aquele tom doce que ela usava apenas para ele.
A obedeceu, seguindo o cantar suave em seu ouvido da voz de seu irmão, prendendo-se com desespero naquele carinho que sabia que nunca mais teria.
Acordou com seu celular tocando ao seu lado e por um momento temeu atender. Ficou o olhando brilhar na penumbra, até estender a mão e ver o nome de Hinata piscando.
Seu coração apertou e fechou os olhos, o atendendo, temendo ouvir o mesmo que ouvira no dia anterior. A voz que lhe atendeu foi urgente, mas também aliviada.
— Hinata. — Sussurrou.
— Naruto? Onde você se meteu?
— Aconteceram algumas coisas. — Falou evasivo. Então ouviu o silêncio do outro lado da linha.— Hinata?
— Diz onde você está, eu vou até aí.
— Hinata.
— Você não viu ainda, viu?
O tom foi nervoso. Naruto se sentou na cama, tendo a certeza de que não gostaria de saber do que ela falava.
— Não vi o quê?
— Naruto...
— Hinata! Não vi o quê?
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— Desliga isso. — Deidara pediu, se sentindo nauseado com os gritos da criança no vídeo.
Kakashi fechou o notebook, ele não queria ver aquilo também, alguma outra pessoa teria que analisar o vídeo.
— Consegue apagar? — Perguntou a Sasori, quem vira primeiro aquilo.
— Já tentei, mas já se espalhou. Tem 15 deles também. Estou tentando descobrir de onde veio a publicação, mas tudo que consegui foi um IP de um cyber. Sem câmeras de segurança no local.
— Vão interrogar, saber quem andou no lugar na data. Vou ligar para o Itachi.
Pela manhã, ele tinha certeza, Konoha estaria um inferno.
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Itachi olhou a descrição do vídeo, que deixava claro quem fizera aquilo.
"Veja."
Abaixo uma lista de nomes, seguido do nome do clã do envolvido e links para outros vídeos.
— Os outros vídeos?
— Alguém está os analisando. — Kakashi pareceu hesitar. — Tem do irmão do garoto e da prima também e mais algumas crianças que estamos tentando descobrir quem são.
Não ouvia mais a voz de Kakashi no telefone, ele o perdoaria depois por ter desligado em sua cara.
— Veja. Então era isso que significava. Quando vai mostrar a ele? — Madara perguntou a suas costas. Itachi fechou o computador sem conseguir ver mais.
— Alguém vai pagar por isso.
Madara conhecia aquele tom de voz de Itachi.
— Desconfio que não esteja falando apenas de quem colocou isso na rede.
Itachi não respondeu. Encarou o homem a sua frente, com a face fria e perigosa.
Alguém havia aberto a porta do garoto para aqueles desgraçados entrarem e fizerem o que fizeram, e ainda filmarem como se tudo não passasse de uma brincadeira. Alguém havia o trancado lá com eles, o deixando sozinho enquanto ele era torturado e violentado por aqueles dois sádicos. E os gritos infantis ainda ecoavam nos ouvidos do jovem Uchiha.
E alguém pagaria por aqueles gritos.
— Você não pode alcançar Nagato ainda. Os Uzumaki ainda têm poder substancial para ele se esconder atrás.
Ele sabia disso, mas Nagato não poderia se esconder para sempre.
— Os outros dois não tem a mesma sorte.
Itachi não poderia ir atrás de cada homem e mulher em todos aqueles vídeos agora, mas aqueles dois... Eles machucaram Naruto. Os gritos de Naruto ecoavam em sua cabeça. Vulnerável, sem defesa. Sozinho.
Itachi se ergueu e Madara sabia que nada do que diria o faria parar. Itachi, mesmo tendo feito tudo para fugir do nome, era um Uchiha. E Uchihas não paravam quando colocavam algo na cabeça, mesmo que tivessem que destruir tudo pelo caminho.
Ele não queria que ele parasse.
— Apenas... não deixe rastros. E leve Shisui e Obito com você. Eles sabem o que fazer.
— Não se preocupe, tio. Não vai sobrar nada deles para que possam encontrar rastros.
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Kurenai estava o esperando no quarto de Naruto quando retornou.
— Ele não está reagindo. Estava vendo o vídeo quando entrei.
Itachi fechou os olhos e fez um sinal de agradecimento a prima, que os deixou sozinhos. Naruto estava deitado na sua cama, olhando para o teto. O gato estava miando no seu peito, sendo ignorado.
Naruto continuou imóvel, os olhos sem vida fitando o teto, mesmo quando Itachi se deitou do seu lado e o puxou contra seu peito, o chamando sem resposta. Ele não o abraçou de volta como o fizera na tarde, parecendo inerte, vazio.
Em dissociação.
Se aquilo era apenas uma amostra do que ele havia passado, Itachi temia saber mais.
— Itachi... — Se sobressaltou ao ouvir a voz sussurrada ao cabo de minutos. Virou o rosto para baixo e viu os azuis fechados, a respiração suave.
Ele havia dormido, finalmente.
Ficou algum tempo ali, até se erguer. Encarou o gato que o fitou de volta, olhos azuis parecendo o analisar.
— Cuide dele enquanto não volto.
O bichano saltou na cama.
Shisui estava o esperando na garagem.
— Obito foi na frente, ele já os tem.
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Como Kakashi previra, no outro dia, a bomba explodira em Konoha e na mídia internacional. E dessa vez, não haveria influência que salvaria os clãs envolvidos no grande escândalo.
Na madrugada, dois corpos foram deixados em um terreno baldio nos arredores de Konoha.
Carbonizados além da possível identificação.
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