Capítulo XII - Segunda Estrofe
E mesmo quando a dor em demasia for,
Meus braços, neles terá teu alento.
Não chorai anjo, não chorai!
Se te quebram o corpo, ou te quebram o espírito...
Mas do fruto não provará jamais.
OS DOIS HOMENS OLHAVAM O GAROTO OBSERVANDO A NEVE. Eles haviam resolvido entrar no café para se esquentarem, mas pararam de andar ao notar que ele havia ficado para trás quando a neve começou a cair. O avistaram olhando para o céu com a expressão distante, um pequeno sorriso no rosto.
Tudo no parque estava coberto de branco devido a tempestade de neve da noite anterior, dando uma aparência melancólica. Mais cedo alguns adolescentes estavam fazendo guerra de neve e crianças criando figuras de gelo. Eles o haviam levado ali para tentar ao menos que ele se socializasse, mas Menma estava acreditando que era impossível. Era a primeira vez na manhã que ele havia demonstrado interesse em algo.
Algo se quebrara em seu irmão, ele não queria admitir, mas cada vez via que era difícil trazer de volta a criança alegre e espontânea que Naruto fora um dia. Ele havia se tornado completamente arredio com outras pessoas, principalmente homens. Exceto por eles dois, ninguém do gênero conseguia tocá-lo sem que ele se encolhesse ou ficasse agressivo. A tentativa de um aperto de mão o deixava em pânico e ele se recusava a tocar em qualquer pessoa fora de sua família.
Naruto estava a ponto de ser expulso de mais uma escola depois de suspensões sucessivas e Menma não tinha certeza sobre o que fazer mais sobre isso. As outras crianças não se aproximavam dele e os professores tão pouco se sentiam à vontade. Karin e ele estavam cogitando se a melhor ideia seria o deixar estudar em casa, mas isso não tornaria os problemas com socialização ainda piores?
Tobirama havia dito que ajudaria e estava sempre conversando com ele desde que se mudara de volta para a cidade. Menma não sabia sobre o quê exatamente, mas desde então ele nunca mais tivera um surto como o que tivera ao ver Sasuke. Ainda assim, Naruto apenas dormia quando o irmão aparecia para se deitar ao seu lado. Se Menma se ausentasse por algum motivo, Naruto passava a noite acordado.
Em nenhum momento, por nenhuma hipótese, ele tocava no assunto sobre o que aconteceu na casa de Nagato, ou no sanatório. Nem com Tsunade e nem mesmo com o irmão, Karin ou Sasuke. Se alguém tentava tocar no assunto, ele simplesmente aumentava o som dos fones de ouvido, ou então o fitava com aquela face vazia que Menma já odiava.
Por isso estava amando aquele sorriso, mesmo curto, mesmo tão diferente do que ele um dia tivera, na face corada pelo frio. Um cachecol laranja estava em seu pescoço, quase o engolindo. Uma touca azul cobria parte dos cabelos loiros, alguns fios escapando por sua testa. O agasalho também azul era frouxo no corpo magro e as botas de neve o faziam parecer mais infantil. Menma fitou o irmão com um grande sorriso e nostalgia.
Às vezes ficava impressionado em como Naruto era bonito, uma mistura que havia dado certo dos pais. Isso ficava ainda mais evidente naquele cenário: Os olhos azuis pareciam mais claros refletindo a neve branca, o rosto mais suave em seu fascínio. Ainda pequeno para a idade, mas isso era mais por culpa da negligência que sofrera nos últimos anos do que da genética.
Nessas horas Menma entendia o descontrole de Karin em não apertar Naruto. Quem o visse assim, calmo e parecido saído de um maldito conto de fadas, não imaginaria que ele quebrara o nariz de um garoto cinco anos mais velho que o chamou de gracinha no colégio. Nem mesmo Menma escapava do temperamento do irmãozinho quando ele o fazia perder a paciência.
—Eu fico impressionado em como ele pode mudar de uma hora para outra. — Sussurrou, mais para si mesmo. Sasuke riu a seu lado, brevemente. — Se ao menos ele pudesse sorrir mais assim.
O Uchiha fez um som baixo de entendimento, colocando as mãos no casaco. Seus olhos escuros seguindo Naruto que havia se afastado mais, largando a bolsa sem cuidado perto dos bancos para se pendurar na grade do píer e visualizar a superfície congelado do lago de uma distância segura.
— Ninguém passa pelo o que vocês passaram sem consequências, Menma. E você bem sabe, que mesmo que ele não fale, o que ele passou foi o suficiente para quebrar qualquer um, ainda mais uma criança como o Naruto era. É incrível ele ainda sorrir assim.
Menma sabia que ele estava certo, mas também sabia o quanto seu irmão era forte. Karin e ele eram fortes, mais forte do que Menma, do que qualquer um que já conhecera na vida.
E Menma temia muito pelo dois por isso. O quanto disso era verdade? Como ele podia entender a dimensão do sofrimento dos dois quando eles mão demonstravam nem metade do que estavam realmente passando?
— Ele me assusta às vezes. — Confessou, um pequeno sorriso triste no rosto.
Sasuke não respondeu a isso. Naruto assustava a todos, de várias formas diferentes.
— Falei com Madara. Ele me disse que vai resolver isso hoje mesmo. Nagato não vai se aproximar mais de vocês. Detesto ter que recorrer a ele, mas eu não sou arrogante ao ponto de achar que posso com aquele verme sozinho. E Itachi e eu nos desentendemos. Não posso contar com ele esses dias.
Nagato andava os cercando há algumas semanas. Apesar de abrir mão da guarda do Naruto após o escândalo da tentativa de suicídio, o maldito não os deixava em paz. A imagem da família havia sido manchada depois do incidente que levara justamente Naru para aquele inferno em Suna, com a ameaça de um escândalo ainda maior ele teve que escolher. A família não ficaria mais ao seu lado, e como sempre aqueles velhos do conselho só interferiram quando algo ameaçava sujar a imagem política deles.
Porém, Nagato não parecia tão disposto a deixar o menino em paz. Nem dentro do lugar em que ficara preso em Suna, eles descobriram, Naruto se vira livre dele. Nagato costumava o visitar toda semana e aqueles malditos lhe davam a chave do quarto do garoto como se não fosse um pedido estranho um adulto querer ficar trancado a sós com uma criança um dia inteiro. Menma pensava o que eles faziam para tampar os olhos, já que com certeza as evidências deviam ser óbvias no corpo do seu irmão quando isso acontecia.
Menma apertou os punhos ao lembrar disso. Ele se virou para Sasuke, a expressão demonstrando toda a seriedade do que diria.
— Se ele se aproximar de novo do meu irmão ou o mato, Sasuke. Eu não posso...eu não posso deixar isso acontecer de novo. Falhar de novo com ele.
Sasuke fez um som de consideração na garganta. A situação de Menma quando deixou Naruto com Nagato havia sido impossível, mas Sasuke sabia que nada do que diria mudaria a opinião dele sobre isso.
— Eu poderia mandar você manter a calma, mas não sei se manteria. — Sasuke confessou em um tom quase indiferente. Menma rolou os olhos. — Mas prefiro não ter que te livrar da cadeia também.
Menma murmurou um 'também?', curioso em quem mais Sasuke havia livrado da cadeia.
Considerado que ele era um Uchiha poderia ser muita gente. A família dele não andava exatamente no lado da lei.
— Okay, melhor nem saber. Tente trazer o menino da neve para dentro, ele obedece mais a você do que a mim, seu maldito. Vou pedir os cafés. Já que viciou meu irmão nesse troço.
Sasuke sorriu de lado, parecendo inteiramente satisfeito. Foi em direção ao lago, sentindo seu coração acelerar ao não ver mais Naruto onde ele estava momentos antes. Eles haviam desviado os olhos apenas por um minuto.
Seus passos aceleraram na neve, se estabilizando para não escorregar enquanto descia o calçadão correndo, temendo que Naruto tivesse se aproximado demais da superfície congelada e caído lá embaixo.
— Naruto!
Um medo sufocante subiu por seu peito e sentiu sua respiração acelerar de forma perigosa, como não acontecia há anos. A última coisa que precisava era ter um ataque de asma agora.
Alcançou a barreira que dividia a entrada para o lago, sua respiração acelerada criando nuvens de vapor no ar. Sasuke o avistou lá embaixo. Ele havia ultrapassado a barreira que separava a entrada do lago, uma proteção para que ninguém se aventurasse na superfície frágil.
— Naruto! O que faz ai?!
Ele não respondeu, nem mesmo pareceu o ouvir.
Sasuke xingou baixo e pulou a barreira, andando de forma cuidadosa no pequeno terreno que os separava da água. Naruto estava sentado nessa área, parecendo não se importar com a umidade nas roupas.
Sasuke notou, confuso, que a mochila dele estava jogada no chão, aberta com algumas coisas tendo escorregado para o lago congelado. Naruto estava agarrando algo com força nas mãos. Apenas ao chegar ao lado dele notou que era um envelope pardo, com um selo rasgado.
Se agachou ao lado dele de forma cuidadosa.
—Naruto?
Em segundos os braços magros estavam ao redor de seu corpo, derrubando Sasuke sentado na neve com o movimento abrupto.
— Ei ei ei, o que aconteceu?
Sentiu o corpo tremer agarrado ao seu. Com esforço conseguiu levantar o rosto do garoto e viu que os olhos azuis estavam aterrorizados, a respiração arfante.
— S.sasuke. — Ele gaguejou, enquanto o homem o segurava pelos ombros magros, o verificando para ver se estava machucado. Com os lábios trêmulos e azulados pelo frio, ele parecia segurar o choro enquanto os mordia, os olhos marejados. Ele não parecia conseguir falar qual era o problema, a voz saindo em quase soluços.
— O que é isso? — Perguntou gentilmente, pegando o envelope de forma cuidadosa. Ele soltou o papel sem resistência.
Sasuke o pegou e o abriu alternando o olhar para baixo, para o garoto que agora fitava o chão, as mãos agarradas em seu casaco e quase sentado em seu colo. O que teria o apavorado tanto? Naruto não era de assustar fácil, com tudo o que havia passado.
O envelope pardo estava rasgado onde havia sido aberto. Sasuke o ergueu acima da cabeça do garoto agarrado a ele. Se o conteúdo havia o assustado, não o deixaria ver novamente. Retirou o conteúdo e o que havia dentro o fez gelar. Era a foto de um corpo despedaçado, deitado de bruços em um chão de madeira. Sasuke soltou a respiração devagar pelo nariz, sentindo ânsia de vômito ao ver a cena tão explícita.
Virou a foto em busca de alguma informação e atrás havia algo escrito em uma letra elegante:
"Fiz por você. Vou purificar sua alma suja como fiz com ele."
Sasuke se controlou para não rasgar a fotografia, a guardando no envelope, controlando sua respiração. Se ergueu com cuidado do chão, ajudando Naruto a ficar de pé. No mesmo instante o garoto voltou a agarrar as mãos em sua camisa, como se temesse que ele fosse se afastar dele.
— Quem te entregou isso? — Perguntou com uma calma que não sentia no momento, se agachando de frente ao outro e limpando as lágrimas de seu rosto com o casaco.
— A mochila. — Naruto sussurrou, a voz entrecortada. — Minha mochila. Jogaram aqui. — Ele apontou para a barreira. — Lá de cima. Estava dentro.
Sasuke olhou para a barreira. Naruto havia largado a mochila perto dos bancos. Olhou para o lago, para os objetos que caíram da mochila aberta.
— Você estava aqui embaixo?
O garoto negou rapidamente, apontando para o píer.
"Alguém jogou a mochila dele para trás barreira e ele desceu para pegar. Provavelmente a mesma pessoa que colocou o envelope dentro. Nós desviamos o olhar por um minuto apenas, a mochila não estava longe do píer, a área dos bancos fica apenas há alguns metros."
— Okay. Você viu quem fez isso, Naruto? — Perguntou com o mesmo tom de voz.
A mochila seria uma evidência para a polícia, não o moveria do lugar. Começou a guiar o garoto para subir pelo barranco, se parabenizando por sua calma no momento.
Os dois alcançaram o píer quando ele finalmente respondeu: — N.não, eu estava distraído. Tinha um grupo e pessoas, eu não... me desculpe. Sasuke... Eu não sei. — A voz dele se quebrou e Sasuke suavizou o rosto, parando na sua frente e o puxando para um abraço. — Me desculpe.
— Tudo bem, se acalme um pouco.
Olhou ao redor, procurando. Havia muitas pessoas no parque e quem tivesse feito isso poderia estar longe. Ou ainda lá, observando as reações deles. Sasuke se sentiu ainda mais paranoico, um arrepio lhe percorrendo a espinha ao lembrar da foto. Teria sido algo de Nagato? Para aterrorizar os sobrinhos e a filha?
— Foi minha culpa? — Naruto perguntou em um sussurro quebrado. — Essa pessoa morta? É minha culpa também?
— Shh. — O acalmou, passando a mão em sua cabeça. — Claro que não, Naruto. Essa pessoa que fez isso é um doente.
— Mas eu... Eles... — Naruto se afastou, limpando o rosto, a expressão confusa, tão confusa entre os soluços. — Eu sou sujo? Minha alma é suja? Com o que aconteceu eu... eu vou morrer assim também?
Sasuke segurou a nuca dele com suavidade, o fazendo o olhar, uma mão no peito dele, o ancorando, como Menma sempre fazia.
— Me escute. Olhe para mim. Você não é sujo, Naruto. O que aconteceu não foi sua culpa, nem antes, nem agora. E ninguém vai encostar em você para fazer algo assim, não vamos deixar.
As palavras pareceram o acalmar finalmente, o choro parando aos poucos.
—Ei! — A voz de Menma os interrompeu e o viu vindo na direção deles, um copo descartável na mão. — Por que estão demorando? Sasuke, o que...O que aconteceu? Estão bem?
A voz dele se tornou séria, se aproximando rapidamente e olhando para o estado dos dois. Sasuke negou com a cabeça, os olhos alertas enquanto fazia sinal que explicaria logo.
— Você promete? — Naruto os cortou e Sasuke olhou para baixo, surpreso. Olhos azuis o fitaram com intensidade, vermelhos nos cantos e tão quebrados. — Promete que vai ficar comigo, Sasuke? Que não vai me deixar também?
O olhar de Menma se tornou sofrido e Sasuke soltou o ar devagar, surpreso com a pergunta. Ele ponderou devagar, antes de se agachar novamente, fitando a expressão séria no rosto vermelho pelo frio e pelas lágrimas, cílios loiros grudados, os olhos azuis incertos. Eles se encarraram e transmitiu toda a confiança em seu rosto. Naruto precisava disso.
— Eu prometo. Não vou a lugar algum.
O menino assentiu, limpando os olhos. Sasuke esfregou suas mãos em seus braços de uma maneira reconfortante enquanto se levantava. Menma se aproximou, acariciando a cabeça do irmão de forma desajeitada, perguntando freneticamente com os olhos. Sasuke lhe entregou o envelope e sussurrou em seu ouvido.
— Não abra, não deixe ninguém tocar nisso. Leve Naruto para o café, preciso ligar para a polícia.
Menma o olhou ainda mais alarmado.
— Depois. Vai.
Menma assentiu, apesar da curiosidade, um sorriso falso tomando seu rosto. — Vamos. Vamos logo tomar café, Naruto.
—Sasuke?
— Ele vem daqui a pouco, não é Uchiha?
Sasuke assentiu, já puxando o celular. Ponderou em ligar para Itachi, mas não sabia se ele o atenderia depois da última vez.
Kurenai seria.
Após a ligação e a certeza de que alguém cercaria o perímetro, Sasuke acenou para os policiais no parque que vinham em sua direção, ordenados pela central. Seus olhos correram ao redor, as crianças correndo, a multidão que estivera até então já quase totalmente dispersa.
Com um arrepio involuntário, foi até eles.
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O prédio era em uma zona afastada, há alguns quilômetros do centro. Parecia recém reformado, mas nada muito moderno. Era vermelho com uma cor escura e ficava espremido entre prédios maiores do que ele. Era o tipo de lugar tranquilo, habitado por pessoas aposentadas que queriam uma vida calma, tomando chá na varanda que dava para uma rua pouco movimentada e cheia de lanchonetes e cafeterias antigas. Itachi avaliou 4 andares, enquanto entrava na garagem após Naruto falar com o porteiro, o rosto até então emburrado formando um pequeno sorriso para o homem velho que se disse preocupado por ele não ter parecido na noite anterior.
E mais uma vez Itachi se viu com uma nova face de Naruto. O garoto corou e coçou a cabeça, se desculpando com o homem como uma criança recebendo um gentil sermão. Observou-o, intrigado, durante todo o trajeto até o elevador de portas de grades que não parecia muito seguro. Naruto declinou o elevador, mesmo com a perna machucada e foram de escada, com o garoto apoiando-se no corrimão, declinando de sua oferta de ajudá-lo. Por isso acabaram tendo que ir bem devagar.
Se dependesse de Naruto, Itachi teria o deixado na porta do prédio e ido embora, ou nem mesmo teria o levado até o prédio. Tudo o que ele queria era um táxi, chegar em casa e descansar. Se ao menos o psibláblá não fosse um maldito Uchiha mandão, igualzinho ao irmão dele.
Praticamente fora jogado dentro do carro e cuspido o endereço após receber um olhar intimidador do Uchiha. Ele não conseguia intimidar Itachi, mas o psibláblá conseguia e aquilo era irritante ao extremo. Não que não houvesse gostado de passar a manhã na casa de Itachi, tomado café. Era tão fácil que às vezes se pegava pensando se...Balançou a cabeça.
Isso nunca.
Se aproximar de alguém era pedir para essa pessoa morrer. Mesmo que estivesse interessado em saber mais do irmão de Sasuke. O irmão que Sasuke idolatrava.
Mais um motivo para me afastar dele. Sasuke nunca iria me perdoar se eu fizesse o psibláblá ser morto por associação.
Itachi estava alheio aos pensamentos, apenas o observando. Se fosse impaciente, já o teria jogado nos ombros como um saco de batatas e o levado escada acima. Porém, não podia ter movimentos bruscos, ou forçar mais do que estava forçando o outro. E já ouvira palavrões por uma vida inteira enquanto o trazia para aquela zona afastada da cidade, onde o pequeno problema morava.
Então o seguiu devagar, o observando. E ficando surpreso por cada senhora que passava cumprimentar o loirinho com um sorriso correspondido, mesmo que pequeno. Estava certo pelo o lugar ser o lar de pessoas aposentadas, o que não imaginava é que Naruto, que parecia tão arredio, fosse aparentemente tão querido. O porteiro, as senhoras. E Naruto era gentil com eles, diferente do pequeno mal-educado que lhe era já familiar.
E então uma conclusão chegou a Itachi: Naruto era extremamente carente, mas não parecia saber o que fazer com carinho quando o davam. Via-se pelo seu desconforto com a preocupação do porteiro. Seu sorriso hesitante para as senhoras. As pessoas gostavam dele sem esforço, mas ele não parecia saber lidar com aquilo.
Chegaram à porta do apartamento 302. Naruto pegou a chave reserva, dentro de um vaso de plantas. Itachi controlou a urgência de rolar os olhos, exasperado.
Ingênuo. Para alguém tão esperto ele era bem previsível.
Quando o garoto abriu a porta, Itachi entrou sem ser convidado, invadindo o espaço e recebendo um xingamento nas suas costas por isso, que foi ignorado. Estava curioso demais, e nada melhor do que observar a casa de alguém para tirar alguma conclusão sobre a pessoa.
E a casa de Naruto era com certeza seu santuário.
Olhou ao redor e viu as paredes cobertas de pinturas. Uma delas feita na própria parede, que ficava de frente a uma janela de onde via as lanchonetes. Era o desenho de uma raposa, e parecia inacabado, onde alguns pinceis repousavam no chão cobertos de jornais. A casa era um pouco desorganizada demais para Itachi, mas tinha seu charme.
Havia uma estante pequena, com muitos livros, o que confirmava a teoria que Naruto se fingia de idiota. Havia um piano de canto e um violão jogado no sofá. Podia ver uma poltrona um tanto velha, que entrava em contraste com os móveis novos e uma mesinha de centro com várias folhas jogadas em cima, carvão e a pasta que lembrava ter visto com ele na primeira vez que o viu.
A sala era separada do outro cômodo que devia ser a cozinha por um balcão de madeira, assim como o chão, da mesma cor. Havia uma porta direita que estava aberta, que devia ser o quarto. Era pequeno, bagunçado, solitário, mas aconchegante.
Como seu morador.
— Vai ficar analisando minha casa mesmo? Nem disfarça. — O garoto falou, desconfortável atrás de Itachi, desistindo de o expulsar e fechando a porta. — Psibláblás, sempre previsíveis.
Itachi ignorou o comentário cortante, ainda olhando os quadros.
Não é só isso.
Ele não queria sair de perto do Naruto, depois de ter passado a manhã com ele. Parecia errado. Parecia que se saísse dali ele se meteria em alguma confusão.
E ele estava muito curioso sobre a pessoa que parecia conhecer seu irmão, mas o qual Itachi nunca havia ouvido falar até então.
Os quadros lhe contavam mais sobre Naruto do que qualquer conversa entre eles e era tudo tão solitário. Itachi lembrou então que todas as pessoas que Naruto amara pareciam ter morrido.
Estava pensando nisso quando Naruto passou por ele e, de modo disfarçado, pegou algo na estante de livros e guardou na gaveta. Itachi fingiu que não viu, olhando um quadro no corredor, mas observando o movimento pelo canto do olho.
Naruto colocou as mãos nos bolsos das calças largas e ficou mexendo os calcanhares sem saber o que fazer com Itachi na sua casa, ali, olhando tudo com curiosidade. Não era como se nunca recebesse visitas. Jiraya sempre aparecia sem ser convidado, como Karin. E às vezes Tobirama ligava quando estava na cidade e vinha tomar café. Eram raros, por culpa dele mesmo. Não queria ninguém perto de si, tinha medo do que aconteceria depois.
Era diferente com Itachi, os outros eram família. Parecia deslocado tê-lo ali. Coçou a cabeça sem saber o que fazer. Não podia expulsá-lo, por gratidão, e porque não queria de verdade.
— Oferecer uma água é o primeiro passo. Ou um chá. — Itachi falou sem se virar, com a voz divertida. Naruto resmungou, mas sorriu de canto.
— Só tenho café. — Falou cortante. — Não gosto de chá.
— Deveria imaginar. — O homem suspirou. — Água então.
Naruto saiu mancando, rodeando o balcão para a cozinha. Itachi ainda olhava os quadros. Todos eles tinham um aspecto envelhecido, não pelo tempo, parecia um efeito da pintura. Eram lugares da cidade, bares. Com pessoas saindo deles, cinemas antigos. Tudo parecia nostálgico. Havia uma praia e em muitas pinturas aparecia um garotinho loiro e outro moreno, e uma menina ruiva, de longe, mas nunca focava em seus rostos. Em outros apareciam os dois com uma mulher de cabelo vermelho e um homem loiro, mesclados a paisagem de tal forma que pareciam pontos em pano de fundo.
Em outro, ele via o mesmo garotinho loiro, mas dessa vez com dois morenos. Um deles tinha um repicado atrás da cabeça que o fez sorrir. Era Sasuke. Mesmo que não houvesse rosto nas pinturas, sabia que era Sasuke.
Parou em frente a outro quadro. Parecia recente e nele havia uma garota de cabelos longos e negros, sentada em um balanço, parecendo solitária.
Às vezes via um quadro mais obscuro. Como os outros, era na cidade, mas era sempre noite, e sombras nas paredes se transformavam em objetos, em pessoas. Às vezes o garotinho loiro estava lá, sozinho em meio a escuridão.
Itachi olhou de relance, vendo que Naruto mexia em algo na cozinha. Sentiu o cheiro de café.
— Vai morrer de tomar tanto café. — Falou alto o suficiente para o outro ouvir, enquanto voltava para a sala e caminhava para perto da estante, de olho na gaveta enquanto ele parecia muito ocupado.
— Foda-se, você.
— Vai urinar café.
— Há ha. Tentativa de piada fracassada, psibláblá.
Abriu a gaveta silenciosamente e de lá tirou o porta-retrato que o outro guardara. Na estante havia três outros porta-retratos. Em um deles havia um homem loiro muito parecido com Naruto, uma mulher ruiva, um garoto moreno e um loirinho. O garoto moreno, de um cabelo de um vermelho tão escuro que era quase negro, tinha o sorriso da ruiva e os olhos azuis, devia ter 10 ou 11 anos e fazia sinal de positivo. O loiro devia ter um ou dois anos, um garotinho, no colo da mulher ruiva. Itachi não precisava de esforço para saber quem eram na foto. Ele lembrara deles ao ver Naruto na sua casa. Então, era mesmo uma lembrança... Teria que pensar nisso depois.
A outra foto era com o mesmo garoto, um pouco mais velho, com um garotinho loiro que parecia um Naruto em seus cinco ou seis anos, pendurado em suas costas. Os dois estavam em um porto, aonde se viam os barcos ao longe.
E havia uma terceira foto com o mesmo garoto, já adulto, junto a um Naruto mais jovem e uma linda garota ruiva o abraçando feliz. Os três estavam em um sofá e Naruto tinha o mesmo violão que vira na casa no colo, o rosto virado para a garota ruiva atrás de si, como se estivesse falando algo para ela no momento da foto. O homem tinha uma câmera na cara, como se tirasse a foto de quem estivesse tirando a foto dos três. Itachi sorriu para a imagem espontânea e olhou para a foto que fora escondida, curioso.
A imagem o atingiu com tristeza e de imediato entendeu o porquê do gesto de Naruto em a esconder. Era Sasuke, sentado em frente a um piano. Parecia uma foto de surpresa. Do lado dele havia um Naruto criança, com um sorriso pequeno, enquanto seu irmão olhava para o garoto com um sorriso que Itachi conhecia bem: maroto, logo após fazer algo inesperado. O loirinho segurava fones grandes demais para ele na cabeça e olhava seu irmão com adoração visível.
Ficou olhando a foto por um longo tempo, bebendo na alegria da imagem, antes de a guardar de volta na gaveta.
Respirou fundo, sentindo a dor conhecida em seu peito. Itachi não sabia o que estava sentindo ao certo e isso era irritante, mas se um dia duvidara que Naruto conhecera seu irmão, ali estava a confirmação. E pela imagem, ele não apenas o conhecia. Aquele olhar do seu irmão... ele considerava Naruto família.
Como eu nunca ouvi sobre isso?
Primeiro aquela lembrança com Madara e os pais de Naruto, agora Sasuke. Quantos outros Uchihas estavam envolvidos com aquele garoto? Como Sasuke havia mantido contato com ele em todos esses anos, mas Itachi nem mesmo lembrava dele até dias atrás?
Ele não era importante para mim. Ponderou, lembrando da sua vida naquela época. Tentando sair do distrito, preocupado com Sasuke, em conflito com a situação de Shisui e Kurenai e discussões frequentes com Madara. Mas eles eram para Sasuke.
Ia se virar e ver o que o outro estava fazendo quando mais uma coisa lhe chamou a atenção. Dentro da gaveta que estava prestes a fechar havia um fundo falso, frouxo e que estava um pouco aberto. Lhe chamou atenção, porque conhecia aquele envelope: envelhecido de cor vermelha. Ele já havia o visto muitas vezes para não o reconhecer.
Seu coração disparou.
Não deve ser nada. Coincidência. Só parecido. Tentou se convencer, mas já estava tirando o fundo por completo. Com cuidado para não fazer qualquer barulho, soltando olhares furtivos para a cozinha.
O envelope estava acima de uma caixa. Escondido de forma ingênua, como Naruto parecia ser no fim das contas.
Não lutou muito contra a ética. Simplesmente abriu o envelope e lá estava a letra, tão parecida com a que já conhecia.
Não...não não.
Ao ler notou que não eram parecidas: eram iguais.
—Merda.
Conhecia aquele verso, era o mesmo verso que fora encontrado com a primeira vítima.
Seu coração batia de forma dolorosa ao abrir a caixa, nem mesmo fechando de volta o envelope.
Antes mesmo de abrir tinha uma ideia do que encontraria: os dentes de Neji Hyuuga.
Não teve tempo de formular um pensamento coerente, sua mente em desarranja com o que aquilo implicava, o nome Kyuubi escapando em um sussurro de seus lábios. Nesse momento Naruto gritou. Um grito surdo e apavorado que o deixou em mais alerta do que já estava. Ouviu o barulho de algo se quebrando na cozinha, vidro espatifado.
Em segundos já estava lá. Não lembrava se pulara o balcão, mas estava lá.
Seus olhos varreram a cena com instinto, arma já em mãos. Naruto segurava a porta da geladeira. Um vaso de água estava no chão a seus pés, espatifado.
— Naruto, o que...
O garoto largou a porta e recuou depressa. parecendo não ver que estava cortando os pés descalços no vidro. Só parou quando bateu as costas no peito de Itachi que estava logo atrás dele, tentando ver o que o assustara.
Ao contrário do que aconteceu na casa de Itachi, ao senti-lo em suas costas Naruto não recuou ou o empurrou. Ele parecia que iria cair, então Itachi segurou em cada lado de seus braços o amparando, sentindo o corpo trêmulo contra o seu.
Itachi seguiu a direção do olhar azul assustado e então viu.
Dentro da geladeira havia uma cabeça humana em um vidro.
E ao lado dela, um envelope vermelho envelhecido.
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Itachi reagiu em segundos e colocou Naruto atrás dele antes de fechar a geladeira com um chute. O garoto, quando o soltou do apoio, escorregou ainda em choque e Itachi mais do que depressa o apoiou no balcão, segurando seus braços e o firmando de frente a si. Itachi encarou os olhos azuis dilatados, notando a respiração acelerada. Naruto estava pálido e parecia a prestes a vomitar, uma reação compreensível diante das circunstâncias.
Olhou ao redor depressa e puxou com o pé a lixeira mais próxima. Bem a tempo, no mesmo momento Naruto estava se agachando e colocando o conteúdo do seu estômago para fora.
Colocou uma mão entre as escapulas dele em um gesto reconfortante, notando quando ele pareceu voltar a realidade ao tentar se livrar de seu toque, se movendo violentamente para longe ao terminar de vomitar.
Itachi o soltou, mas se agachou ao lado dele, que havia sentado no chão, abraçando os joelhos.
— Respire. — Falou com a voz calmante. — Se concentre na minha voz, apenas na minha voz.
Após alguns segundos o viu assentir, os olhos ainda fechados, mas a respiração mais compassada. Ao fim de longos minutos, a voz dele sussurrou, rouca e horrorizada.
— Que merda é aquela?
— Eu que pergunto. — Itachi perguntou, medindo a reação do garoto. Os olhos azuis se abriram, crispando incrédulos em sua direção.
— Você acha que fui eu? Que eu guardo cabeças na minha geladeira? Talvez queira procurar dentro das gavetas mãos e pés, ou então corações de criancinhas... — O garoto praticamente cuspiu com raiva, se erguendo de forma cambaleante do chão.
Itachi não tinha certeza do que pensar. A reação parecia real, mas tinha noção que parte disso poderia ser porque queria acreditar que ele não estava envolvido, apesar do que havia encontrado escondido naquela gaveta.
Naquele momento, ele era o policial Itachi novamente. Ou melhor, era o policial Itachi atrás do Kyuubi, que matara seu irmão. Opiniões pessoais sobre o garoto não ajudariam.
— Eu não disse isso. — Respondeu pacientemente, com uma calma que não sentia no momento. Segurou o braço de Naruto ao se erguer, o prendendo no lugar com firmeza quando ele tentou se afastar. — Mas não faz ideia de quem foi?
— Claro que não! Me larga agora, Uchiha. — Sibilou, tentando se soltar, notando os dedos marcando a pele pálida de seu braço.
— E quem sabe os dentes no fundo falso da sua gaveta, também não sabe de nada sobre isso?
Ele parou no mesmo instante, arregalando os olhos.
—V.voc-
— Chega. Chega de meias-verdades, Naruto. Isso é sério, se você não colocou isso aí, alguém colocou. E eu acho que sei quem. Se não confiar em mim, em nove dias estará morto, e eu não quero deixar que isso aconteça de novo!
Não vou deixá-lo ganhar de novo.
Naruto se assustou com o rosto de Itachi. Nunca havia o visto tão frio e ele nem mesmo parecia notar que estava o machucando. Não conseguia sentir direito seus dedos, mas não conseguia reagir, se encontrando paralisado, um instinto difícil de se livrar depois de anos. Quando criança, a única resposta aceitável quando alguém ficava furioso por perto era se submeter. Reagir ou tentar fugir sempre piorava a situação.
Naruto estava vendo Itachi como uma ameaça. Longe do homem calmo que havia conhecido até então. Por segundos, ao invés de olhos escuros e calmos, ele viu olhos cinzentos tempestuosos. Cabelos vermelhos no lugar de negros. Automaticamente seus ombros se abaixaram e seus olhos foram ao chão, se fazendo um alvo menor.
Eu estou com medo.
Como resposta ao seu terror o ar ao redor se tornou mais frio. Podia sentir Menma ao seu lado, talvez Sasuke também. Ouvia as vozes como um zumbido, desfocadas. Sua respiração ficou presa a sua garganta, mas não tinha coragem de erguer os olhos, de ver Nag...
Não é ele, Naruto. Você não está mais lá, otouto.
Itachi só percebeu que perdia o controle quando um gemido baixo escapou da garganta do garoto, que tentava o reprimir mordendo o lábio com força. Seus olhos focaram na postura submissa, nos ombros caídos e cabeça baixa.
Ele está com medo. De mim.
Itachi soltou a respiração, odiando a reação e se xingando mentalmente por perder o controle. Ainda mais quando ele o fitou por entre os cabelos de forma hesitante e viu os olhos azuis dilatados em um rosto terrivelmente pálido.
O soltou devagar, se afastando com cuidado. Viu de imediato as marcas vermelhas de seus dedos no braço dele. Ficariam roxas com toda certeza. O deu espaço, silenciosamente, deixando sua presença menos ameaçadora possível.
— Eu não vou machucar você. Me desculpe.
O viu respirar devagar, se abraçando. Aos poucos, vagarosamente, ele pareceu voltar a si, como acordando de um sonho. Os ombros se ergueram, os olhos piscando lentamente, a respiração voltando ao ritmo. Olhos azuis olharam ao redor, parecendo confusos por alguns segundos, como se estranhasse onde estava.
Por fim, longe de qualquer flashback que seu ato impensado e estúpido havia o levado, olhos azuis focaram em Itachi novamente.
Imaginou que aquela seria a hora que ele surtaria e tentaria lhe expulsar da casa, e pior, se fecharia e Itachi perderia qualquer progresso que havia feito. Itachi não o culparia, em seu desespero havia perdido o controle da situação.
Tudo recomeçou. Agora é Naruto. Sua mente repetia sem parar. Kyuubi quer Naruto, que parece com Sasuke.
Naruto o olhava confuso, o leve tremor que tentava disfarçar mostrava a Itachi o quão jovem ele era. Certas reações são difíceis de fingir, achar que Naruto era algo mais que uma vítima se tornava difícil a cada segundo.
— Eu conheci Sasuke, seu irmão.
O encarou surpreso ao ouvir o sussurro. Havia sido algo inesperado. Naruto estava olhando um ponto acima de seu ombro, como costumava fazer de vez em quando, a voz ausente.
— Ele era melhor amigo do meu irmão, foi quem me ajudou a voltar para casa.
— Voltar para casa?
— Do hospício, em Suna. Sasuke, Karin e Menma me tiraram de lá. Ele chantageou meu tio e o clã Uzumaki. — Naruto desviou o olhar e abaixou a tampa do lixeiro, o empurrando para longe. Itachi se manteve imóvel enquanto ele ia até um armário e pegava uma vassoura e pá. — Ele me ensinou a tocar piano. E sobre Hermann Hesse. E sobre ser um Namikaze. Ele pesquisou por meses, para me ajudar.
Era a primeira vez que o via falar tanto, não o interrompeu. Naruto começou a varrer o vidro e Itachi viu o rastro de sangue que ele estava deixando, mas não sabia como ele reagiria se se aproximasse no momento.
— Sasuke me deu os fones que uso o tempo todo, para espantar as vozes. Menma estava sempre sorrindo, eles ficavam brigando... Eu queria apenas... — A voz dele se quebrou e Itachi o viu ofegar, mas não fez nenhum movimento para pará-lo. — Ele não achava que eu era louco, ou um monstro. Ele não tinha medo, ou... nojo. Ele só era... ele. Então ele... E Menma, e todo mundo... — Naruto soltou a vassoura no canto da pia e colocou as mãos nela, se apoiando. Itachi não conseguia ver o rosto dele, mas o tom de voz lhe dizia que ele estava se controlando para não chorar — Ele acreditou em mim. Ele confiou em mim. Ele me dizia sempre que nada era culpa minha, que nada era por eu ser... assim. Ele nunca devia ter confiado em mim, ter ficado perto de mim. Nunca, nunca... — Os olhos se viraram para os seus, cheios de lágrimas não caídas e confusão. — E vocês são tão parecidos... Eu não entendo.
— Por que não me contou antes? —Perguntou de modo mais suave.
— Você não entenderia. — Ele balançou a cabeça. — E.eu só não... — A voz foi sumindo e silenciou.
Itachi sabia que eles não tinham tempo para isso. Não sabia há quanto tempo Naruto vinha recebendo as cartas, se era isso que estava acontecendo. Porém, não queria parar Naruto.
—Naruto, olhe para mim. —O garoto obedeceu, se virando e se recostando na pia, mantendo a distância da pequena cozinha entre eles. Os olhos azuis estavam quebrados, de uma maneira que ele até então não havia visto. — Eu lhe disse ontem, talvez você não lembre, mas eu estou aqui para ajudar. Eu sou quero lhe ajudar. Mas eu preciso que você me deixe ajudá-lo. Que me ajude a ajudá-lo.
Itachi via em seus olhos que ele estava lutando por dentro para aceitar as palavras. Não o culpava, depois do que havia acontecido, de como havia perdido a cabeça.
O viu olhar novamente para um ponto acima do seu ombro, e então para baixo.
Naruto, no momento, estava ignorando Sasuke e sua insistência em aceitar a ajuda. Menma estava calado, uma mão transparente em seu ombro, sem tocar.
Ajude-o. Era o que havia ouvido naquele sonho.
Naruto sacudiu a cabeça. Seria isso? Ele não sabia o que fazer.
Sua mente foi a uma cena, de anos atrás, de quando havia encontrado aquela imagem horrível em sua bolsa. Um corpo sem cabeça, agora uma cabeça sem corpo. Dois Uchihas o oferecendo ajuda.
Ele sabia como um deles havia terminado.
— Me ajudar, você diz. Eu vi em seus olhos. —Sussurrou, ainda fitando o chão, ignorando o caco de vidro preso em seu pé. — Você nem mesmo acredita em mim, me acusou de... o que quer que seja isso. — Ele apontou para a geladeira. — Eu vi que pensa que sou louco, como todo mundo. Acha que sou algo quebrado que pode ser concertado. Como todos acham!
Ele gritou a última parte.
Itachi continuou o olhando com calma, enfrentando os olhos azuis raivosos e repletos de lágrimas.
— Não me olhe com pena, Uchiha! — Bateu com a mão na xicara que estava na pia, a jogando contra a parede.
— Eu sei que está assustado, Naruto. — Continuou com o mesmo tom calmo, os olhos sem desviar dos azuis. — Não sabe em quem confiar. Eu sou um estranho para você ainda. Mas se você conheceu Sasuke, se ele falou sobre mim, eu sei que sabe que não vou lhe fazer mal.
Viu os olhos azuis em dúvida. Era aquela conversa que definiria tudo. Até agora, tudo estava subentendido entre os dois. Havia ido devagar, mas agora não podia mais dar o tempo que o outro precisava. Agora a questão não permitia mais isso. Seja o que fosse que estava acontecendo, se Naruto era uma vítima, ou um culpado. Ele não podia mais esperar.
— Eu sei que você passou por coisas difíceis, mas eu quero realmente lhe ajudar. — A medida que falava isso via que era verdade. Os olhos do garoto crisparam de volta para si, confusos.
— Você não sabe de nada. — Ele sibilou. — Não sabe de nada!
Itachi suspirou e fechou os olhos.
— Você me falou algumas coisas ontem à noite.
Abriu os olhos e encontrou os olhos azuis arregalados. Ele havia ficado mudo. E então foi como se começasse a lembrar, algo como reconhecimento tomou sua face e os olhos se quebraram ainda mais. Itachi odiou a cor deles naquele momento.
— Naruto... — Chamou baixo quando o menino voltou a baixar a cabeça, ficando estranhamente quieto, o silêncio agourento tomou o lugar depois dos gritos anteriores. — Quando eu encontrei você, tocando piano, eu lembrei de Sasuke. Seus gestos, alguma coisa em você em certas horas me lembram dele. Eu não quis ajudar você apenas por ser meu paciente. E agora que eu sei que Sasuke gostava de você, ao ponto de ajudá-lo, eu entendo o porquê de eu sentir isso. Sasuke não ajudaria alguém que não merecesse. Ele era teimoso demais, seletivo demais com as pessoas que gostava.
Silêncio foi sua resposta. Itachi soltou o ar devagar, ponderando sua própria frase cuidadosamente.
— Se estiver acontecendo, se a pessoa que lhe enviou isso for a mesma que penso, foi ela que matou Sasuke, Naruto.
O garoto levantou o rosto rápido, os olhos muito abertos.
— Sei que não confia em mim, mas você pode fazer isso pelo meu irmão. Eu sei que você o amava, porque isso você não esconde em seus olhos.
— Sasuke... — Naruto murmurou e depois de quase um minuto suspirou e falou baixinho. — Tudo bem.
Itachi esperou.
— Duas noites atrás alguém invadiu minha casa. As luzes tinham falhado. Nós lutamos. — Naruto mostrou a nuca machucada virando um pouco a cabeça. — Eu apaguei. Quando acordei no dia seguinte a caixa e carta estavam na mesa da sala. Eu pensei que fosse... — ele ponderou. — Outra pessoa brincando comigo.
— Outra pessoa?
— Sim. — Ele pareceu desconfortável. — Eu tenho algumas pessoas que se divertiriam mandando dentes para mim, pode ter certeza. — Retrucou com um fraco sarcasmo que Itachi ignorou.
— Então a casa estava vazia? Você saiu? — Questionou, guardando certos detalhes para pensar rapidamente.
— Sim. Precisava pensar e sai. Sabotaram minha moto e o resto... — deixou morrer. Já havia lhe contado sobre isso.
Itachi o olhou intensamente, sendo retribuído. Apesar da reação inicial ele parecia muito calmo agora e Itachi não sabia o que pensar disso ainda. Naruto havia se provado bom em criar máscaras, tão bom que Itachi ainda não tinha certeza de qual era sua face verdadeira.
Itachi queria acreditar em suas palavras, mas não descartava que poderia ter sido o próprio Naruto a fazer aquilo. Mesmo que de forma inconsciente. Os abusos que ele sofrera podiam ter levado a um transtorno dissociativo de identidade que nem mesmo o próprio Naruto tinha conhecimento sobre. Já houve casos, não era impossível. Porém, seria supor que Naruto matou Sasuke. E de alguma forma, isso parecia algo impossível, cada instinto seu descartava essa possibilidade.
Continuava o fato que a reação não era normal. Ele estava reagindo diferente de qualquer vítima que lembrava. Ele não podia ceder a um sentimento para julgar isso como 100% de certeza.
— Você acredita que a pessoa que sabotou sua moto foi a mesma que deixou isso na sua casa? — Perguntou a cabo de instantes em que o outro o encarava.
— Eu não sei, Uchiha. — Naruto suspirou o passou a mão no rosto, cansado. — Eu não sei. Diga você.
— Por que não avisou a polícia?
Naruto riu. Riu com um sarcasmo puro, uma amargura evidente: — A polícia de Konoha não é a exatamente um lugar onde eu poderia pedir ajuda, psibláblá. — Seu rosto se contorceu em desgosto. — Um antro de corruptos, comprados, abanando a caudinha para as famílias ricas de Konoha. Cada vez que eu precisei de ajuda, tudo o que recebi de lá foi um chute e uma passagem de volta para o inferno.
O silêncio depois disso foi ensurdecedor. Itachi sentiu seus punhos se fechando e abrindo, os olhos no rastro de sangue. Ele queria colocar Naruto no sofá e cuidar disso imediatamente, também queria o arrastar para a delegacia e fazer um perímetro naquela cozinha logo, ligar para Ibiki, falar que finalmente havia descoberto a nona vítima.
Era confuso. Itachi não sabia qual instinto seguir no momento.
— Agora, eu quero que me dê um maldito motivo para tudo isso. — Naruto falou por fim, drenado após tudo que havia contado.
Não precisou explicar mais.
— O que sabe sobre Kyuubi?
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