Capítulo VII - Acordai
A perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano.
Edgar Allan Poe
ITACHI CONSEGUIA MANTER BEM SEUS SENTIMENTOS EM CLAUSURA. Por isso mesmo não havia matado nenhum dos investigadores. Ninguém mais ousava, como a minutos atrás, falar sobre um afastamento seu da investigação por envolvimento emocional. Embora ele tivesse certeza de que quando tirasse os pés daquela sala muitos iriam correr para o superior e encher os ouvidos de Ibiki Morino.
Aquilo lhe dava nojo. Eles pulavam como cães atrás da caça, apenas por status, apenas pela fama em ser o possível captor do Kyuubi. Nenhum deles se importava de fato, ao que parecia, com as vítimas, famílias. Alguns, como Kakuzo, só queriam aparecer por entre as câmeras. Dentro da sala do IML enquanto a médica legista passava informações sobre o corpo, os malditos conseguiam fazer piadas.
Itachi tinha um grande controle emocional, não podia ser afastado da investigação por espancar sistematicamente pessoas que supostamente eram seus superiores. Eles se achavam protegidos pelo distintivo, mas mal sabiam o que aconteceria se algum deles invadisse seu território, roubasse a sua presa. Kyuubi era seu.
Se entrassem em seu caminho, Itachi passaria por cima deles.
— ... uma única perfuração na região pleural foi a causa mortis, ocasionando um acúmulo de sangue na cavidade torácica, impossibilitando a respiração. Tempo estimado de sufocamento: meia-hora. Foi realizado a exodontia dos elementos dentários com o paciente ainda em vida, o mesmo com a sutura labial.
Itachi assentiu enquanto Haruno lhe explicava com o corpo sob a mesa. A médica legista era uma das poucas que faziam seu trabalho de fato por ali, por isso confiava totalmente em seus resultados.
— E quanto ao coração?
Ela não o olhou enquanto apontava para a mesa ao lado. No centro estava o órgão com uma cor amarelada, provavelmente pelo longo tempo em conservação no formol.
— Todos os exames provaram ser da vítima anterior.
Ela não falou o nome de seu irmão, e ele ficava agradecido por isso, seria mais fácil assim, se os dois deixassem a situação o mais impessoal possível.
Sakura havia sido a última namorada de Sasuke. Eles moraram juntos quando ele foi assassinado, mas naquele momento ela mostrava a frieza necessária que Itachi também representava. Todos os outros investigadores já tinham ido, e apenas os dois permaneciam no laboratório analisando cada evidência, cada detalhe passado. Tecnicamente por ser apenas um traçador de perfis, como muitos o alcunhavam, não deveria estar ali, mas pouco se importava, e a jovem médica, menos ainda.
— Se importa que eu fume?
Ela perguntou já acendendo o cigarro, antes mesmo que respondesse em negativo.
Itachi apenas olhando para o corpo do jovem. Ele possuía longos cabelos negros, o rosto era bonito e não parecia ter ainda vinte anos. A sutura fora removida, mas as marcas ainda eram visíveis. Ele se afogara no próprio sangue por meia-hora. Como a família estaria naquele momento? Ele poderia imaginar.
— Vão liberar o corpo amanhã. — A mulher falou como se lesse seus pensamentos. — Já temos tudo o que precisávamos. Aqueles bastardos queriam o manter aqui, mas eu mesmo assinei o relatório e liberei. E que vão se foder, aqueles urubus.
Itachi sorriu de canto. Era uma visão um tanto discrepante, a jovem médica: de um lado seu jaleco branco, corpo pequeno, rosto delicado e olhos verdes, do outro boca terrivelmente suja, cabelo pintado de rosa berrante e fumando na sala com os corpos.
Quem visse não saberia que a mulher era genial.
Ibiki Morino sabia disso, assim como Itachi, para ele, o resto que fosse para o inferno.
— Você tem um controle dos infernos, Uchiha. — Ela falou fechando os punhos. — Em não socar aqueles infelizes. Mas se um deles invadir uma vez mais minha sala, vão acabar sentados nessa maca com uma arma enfiada no traseiro.
— Não preciso dar motivo para me afastarem.
— Como conseguiu ficar? — Ela perguntou colocando o lençol sobre o corpo pálido e o devolvendo a gaveta.
— Ninguém sabe mais sobre essa investigação do que eu. Até mesmo o Morino sabe disso. Mas ele está sobre pressão para me afastar então...
— Sem espancar ninguém. Talvez depois. — Ela falou como se não fosse nada, apagando o cigarro no salto e removendo o jaleco para saírem da sala. Já era noite e eram um dos poucos que ficaram olhando as evidências, agora que os palermas haviam saído para se mostrar para a imprensa sobre o retorno do Kyuubi. — Viu o verso?
— Você viu?
— Fui eu que encontrei. Estava dentro de um plástico na boca dele, quando removi a sutura estava lá.
— Enviaram para a equipe de criptografia. — Itachi falou enquanto saiam pela porta para o ar frio da noite, caminhando para o estacionamento. Pararam quando estavam em frente a seus carros. Ela o olhou séria.
— Eu sei que você já sabe o que significa. Contou a alguém?
Ele negou. Ela se recostou na porta do carro e ele fez o mesmo ao dele, olhando para o chão. Por fim ele notou finalmente as lágrimas descendo silenciosas pelo rosto dela, finalmente tirando a máscara dura de todos os dias. Ela limpou o rosto enquanto ele continuava em silêncio.
— Eu sinto falta dele. — A mulher murmurou, abrindo a porta do carro sem encará-lo.
— Eu sei.
Ela assentiu e fechou a porta ao entrar.
— Itachi. — Chamou de dentro com um suspiro, abaixando o vidro. — Pegue o desgraçado. Esses idiotas nunca vão conseguir, só você pode fazer alguma coisa.
— Eu sei. — Ele repetiu, entrando em seu próprio carro e dando partida.
Acordai meu anjo, acordai.
Com os olhos limpos e as mãos sangrentas...
Os olhos limpos representam a inocência, as mãos sangrentas o sofrimento e a morte.
Daqueles que te tocavam, já não o podem fazer...
A primeira vítima havia perdido seus dedos.
Dos que viam, não mais podem ver.
A terceira vítima havia perdido seus olhos.
E finda as lamurias ao doce som da tua voz,
Hyuuga Neji, com sua boca selada.
A questão para Itachi era: Quem era o Anjo por quem aquele assassino matava?
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Naruto estava novamente naquela cafeteria. Porém, no lugar de Itachi Uchiha, à sua frente havia Menma e seu melhor amigo. Eles estavam conversando quando Naruto se virou para sua bebida e ao invés de café, havia sangue em sua xícara. O líquido era vermelho escuro e denso, o cheiro conhecido de ferrugem e sal em suas narinas era forte. Suas mãos trêmulas faziam o líquido chacoalhar.
Naruto olhou para os outros dois e viu que o mesmo conteúdo vermelho era bebido por eles, que pareciam não perceber o engano, engajados na conversa. O sangue lhes escorria pelo canto da boca, manchando os dentes de vermelho em uma cena perturbadora.
Abriu a boca para avisá-los, mas sua boca não se movia, não se abria. Tocou os lábios em desespero e percebeu que eles estavam selados, costurados.
Em desespero, tentou arrancar a bebida da mão do outro homem, mas ele agarrou seu pulso. Sua mão estava gelada e o aperto em seu pulso era forte, seus ossos estalando. Naruto sentiu seu pavor aumentar, seus olhos lacrimejando de dor.
—Naruto, ajude-o. — Ele falou, a voz trêmula. — Ajude-o.
Os olhos dele tinham um tom vermelho vivo, como o sangue que escorria da sua boca, pingando na mesa.
— Que cara de pavor é essa, Otouto?
Virou-se ao ouvir a voz de Menma, que havia sumido do outro lado da mesa e agora estava do seu lado. Da sua testa escorria sangue, na têmpora direita estava a marca do tiro que ele dera em si mesmo. Quando ele virou, Naruto podia ver a parte de trás do seu crânio estourada onde a bala havia saído.
— Não é dos mortos que precisa ter medo.
Quando olhou ao redor, todos na cafeteria os olhavam. A porta se abriu e Itachi entrou por ela, a roupa suja de sangue, os olhos no mesmo tom vermelho do outro. Atrás dele entrou uma cabeleira vermelha feito sangue que o fez tremer.
Seu tio seguiu até ele com um sorriso no rosto. Naruto queria sair, fugir, mas não conseguia se mover, sair do lugar, com seu pulso preso daquela forma. Tentou se levantar, derrubando a xícara com sangue por toda a mesa branca. Seu pulso foi solto, mas já era tarde demais e foi jogado contra a mesa de bruços. Sentiu o peso sobre suas costas, o sufocando. Seu rosto foi pressionado contra a madeira, contra o sangue. E a voz foi gelada, a mesma da sua infância contra seu ouvido, sussurrou em deleite:
— Vamos brincar, monstrinho.
Naruto não conseguia respirar. Seus pulmões estavam em fogo, o corpo o sufocando. Olhou ao redor, mas ninguém se movia para ajudá-lo. Todos continuavam bebendo o líquido vermelho-sangue enquanto ele era atacado. Ninguém iria ajudar.
Ninguém nunca ajudava.
Acordou com um grito vibrando da sua garganta e caiu do sofá da sala.
— Naruto!
Jiraya vinha correndo da cozinha, em pânico. Quando o homem tentou o ajudar, recebeu um soco no peito que o fez ser jogado para trás. O pavor do garoto aumentou, se arrastando pelo chão para longe de Jiraya, ainda preso no terror noturno. Seus gritos vibravam pelas paredes, apavorados e constantes.
— Não Não Não Não.
Jiraya se recuperou da pancada e tentou se aproximar novamente, seu coração batendo acelerado e os olhos lacrimejando de dor ao ver seu afilhado naquele estado. O adolescente saltou sobre o sofá para fugir dele, sem reconhecê-lo, virando o móvel no processo. Um abajur caiu no caminho, mas ele parecia não perceber os cacos cortando suas palmas enquanto engatinhava tentando fugir.
Jiraya tinha que fazer algo antes que ele se machucasse mais ainda.
O puxou pela cintura, aguentando os socos e mordidas, mas conseguindo o afastar dos cacos.
— Não! — O garoto gritou, a voz apavorada, a respiração estava entrecortada. — Menma! Menma! Me ajuda, Menma!
O peito dele subia e descia em velocidade alarmante, o ataque de pânico o tomando totalmente. Se continuasse assim, ele iria desmaiar. Jiraya o imobilizou no chão, sentando em suas pernas, sua voz o mais calma que conseguia no momento falando sem parar, tentando o alcançar, mas parecia em vão. Um soco alcançou seu queixo e segurou as mãos do pequeno, que tinha uma força absurda em meio aos surtos.
— Deus, por Deus. Naruto! Sou eu! — Chamou em vão. — Minato, Kushina, me ajudem.
Sussurrou, fechando os olhos. Naruto continuava gritando, mas sem ar havia perdido o volume. O coração abaixo da sua mão estava acelerado, muito acelerado.
Como último recurso, o prendeu com uma única mão e espalmou a outra.
— Desculpe por isso. Acredite, vai doer em mim também.
O tapa seco e forte fez o rosto do outro virar com força, deixando a exata marca dos dedos de Jiraya. O homem sentiu as lágrimas escorrendo em seu rosto também, a expressão em dor, mas funcionou. Os olhos azuis se abriram arregalados e o corpo parou de se mover.
Ele fitou Jiraya e a respiração se normalizou aos poucos, os olhos nos seus.
— Ei, Gaki.
Ele abriu a boca para falar, mas nenhum som saiu, a garganta machucada pelos gritos.
— Eu sei, Gaki, eu sei. Vai ficar tudo bem.
Ele não parecia lhe ouvir mais, sua atenção mudando de foco. Os olhos azuis desviaram de Jiraya e fitaram um ponto atrás dele, se arregalando, a respiração voltando a acelerar.
Jiraya viu o rosto coberto de suor e lágrimas empalidecer terrivelmente, a expressão horrorizada. Olhou para trás, mas não havia nada ali.
Para Naruto havia. Havia Hyuuga Neji com a boca costurada e sangue escorrendo de seu tórax e sujando todo chão. Ele chorava enquanto o fitava, sangue, lágrimas e sujeira escorrendo por seu rosto pálido, a expressão em horror do seu último momento, lutando para respirar.
Do mesmo jeito que ele o desenhara noites atrás.
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Notais finais
O trecho encontrado no corpo de Neji é de minha autoria e feito especificamente para a história.
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