Capítulo VI - Psiblablá
A ciência ainda não nos provou se a loucura é ou não o mais sublime da inteligência.
Edgar Allan Poe
O SOM DA MÚSICA INUNDAVA A CASA NO FIM DE TARDE. Até mesmo Kurenai e Shisui pararam de brigar para ouvir, enquanto entravam suados pela corrida dentro da mansão Uchiha, onde passavam boa parte do tempo quando não estavam na rua. Sempre em três, como uma cédula só, isso quando não levavam junto o mascote, ou protegido, como muitos costumavam falar pelo distrito Uchiha.
O que levava ao motivo do grande sorriso de Kurenai e Shisui naquele momento, seguida pelo simples e pequeno sorriso de Itachi. Eles trocaram olhares enquanto corriam pelo corredor em direção ao som.
Passaram por Madara, quase o derrubando, pedindo desculpas sem olhar para trás. O homem bufou e riu, sabendo o motivo de toda aquela agitação dos três adolescentes. Eles eram tão iguais quanto diferentes. Itachi era o mais alto e magro, tinha cabelos longos e uma pose imparcial em tudo, com o rosto calmo que escondia o que poderia ser quando provocado. Ele impunha um estranho respeito, não apenas pelo nome que carregava, mas algo no olhar dele.
Shisui era mais baixo e mais forte, tinha as feições Uchihas um pouco diferentes, com os cabelos espessos cacheados e um estranho sorriso que desarmava até mais que o olhar de Itachi. Era do tipo esquentado, e, por Deus, o que dava mais trabalho. Desde que os pais haviam morrido morava com uma prima da mãe no distrito Uchiha, mas praticamente vivia na casa de Madara, e só ia em casa para dormir, quando não dormia ali.
E havia a bela Kurenai. Com treze anos era um ser andrógeno, com um lindo rosto e cabelos negros rebeldes, uma meia Uchiha, mas com o temperamento praticamente completo da família, até mesmo na beleza aristocrática. Além do que, pelo o que Madara ouvira por rumores, dos três amigos quando provocada ela poderia ser a mais perigosa. O pai de Kurenai, mesmo tendo sido afastado do clã após se casar com uma Senju, era um dos mais perigosos Uchihas em artes marciais, e passara isso para a filha até dois anos atrás quando foi assassinado juntamente a esposa e a menina ficou aos cuidados de Obito.
Eram um trio estranho. Madara riu consigo ao ver os três passarem afobados em direção ao ponto de referência dos três.
Os três amigos entraram no quarto do piano e viram o menino pálido tocando com os olhos fechados. Por um momento ficaram parados, fascinados enquanto a luz do fim de tarde entrava pelos vidros da janela alta. Nem mesmo Itachi segurou seu sorriso agora. Quando o garotinho se sentiu observado e parou de tocar, olhou confuso para porta. Sasuke mal teve tempo de falar algo e praticamente foi sufocado por um abraço de Kurenai, enquanto se debatia desesperado.
— Sasuke!! — A menina gritou apertando a criança, que mesmo sendo mais novo estava quase do seu tamanho, mostrando o quão alto seria no futuro. — Você saiu da cama!! Que bom, estava tão preocupada, nunca mais fique doente, é uma ordem!
— Não... consigo...respirar. — O menino sufocou e Itachi correu em seu auxílio, afastando Kurenai com delicadeza e recebendo um soco no braço que fingiu não doer.
Sasuke tossiu vermelho pelo aperto e pela vergonha e fez uma cara emburrada.
— Você é um monstro Kurenai, quase manda o Sasuke de volta para a cama. — Shisui provocou recebendo um olhar mortal da garota enquanto Itachi permanecia entre ela e o irmão escondido nas suas costas, de braços cruzados e revirando os olhos.
— Vocês são tão infantis. — Sasuke zombou com a voz tipicamente rouca, mesmo infantil.
Sasuke era o tipo de criança precoce. Com oito anos, tinha um vocabulário um tanto adulto demais que divertia a valer o tio, além de tocar piano muito bem. Ele e Itachi eram gênios, o que o fazia se gabar para os outros membros do clã. Além disso, tinha uma personalidade forte, era facilmente irritável, e era teimoso como o diabo, quando queria uma coisa nada tirava isso da sua cabecinha dura.
Mas uma coisa era certa, era impossível não se encantar pelo pequeno. A prova disso era os três guarda costas ali, que quase morreram a míngua por ele ter passado alguns dias de cama após uma crise severa de asma.
— Olha o adulto falando. — Shisui zombou e recebeu um olhar mortal do mais novo, que sumiu ao sentir a mão de Itachi em sua cabeça. Apesar de alto, Itachi ainda era bem maior que ele e teve que olhar para cima.
— Sentimos sua falta, Sasuke. Não nos assuste mais assim.
Sasuke resmungou algo, abaixando o olhar e sorrindo de leve. O único momento em que a personalidade dos dois se assemelhava era aquela, nos sorrisos contidos.
Sem nada falar ele voltou ao piano, com Itachi sentado a seu lado enquanto os outros se sentavam no chão da espaçosa sala branca e ouviram as notas recomeçarem em uma música suave, preguiçosa. E era como se tudo estivesse no lugar. Às vezes, Madara os comparava a uma matilha de lobos, lutando juntos, se protegendo, cada um com seu papel.
Naquela época, eles realmente acreditavam que nenhum mal no mundo os alcançaria enquanto estivessem juntos.
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Vinte minutos em total silêncio, rompido apenas pela batida do pé no chão, algo que ele parecia fazer sempre que se sentia observado. Os olhos azuis, que antes tentaram o encarar intimidadores, agora estavam olhando para a janela da clínica no terceiro andar. Mesmo que ele tentasse aparentar estar pensativo, Itachi sabia que o garoto estava atento a ele. Sabia por sua pose, pela maneira como franzia as sobrancelhas contrariado. Assim como sabia que ele logo falaria.
Itachi estava pronto para suportar um gelo por sessões, isso não era incomum, mas ao ouvir o suspiro exasperado sabia que aquele jogo silencioso estava perto de acabar. Itachi mantinha a face imparcial, com um calmo e quase imperceptível sorriso ao notar que a curiosidade do garoto havia ganhado.
— Pergunte o que quiser. — Falou calmo, antevendo o outro que fingiu não estar surpreso com isso e apenas resmungou.
Os olhos azuis se voltaram para ele. Eles mudavam de tom segundo o que sentiam, conseguia perceber. Itachi percebera que o tom azul escuro da raiva agora tinha um tom claro de curiosidade e um pouco de desconforto. O pé dele continuava no mesmo ritmo no chão enquanto ele estava jogado na poltrona de forma desleixada, afundado nela, como uma criança pequena. As roupas eram escuras e um tanto folgadas e ele não tirara os fones de ouvido, embora tenha baixo o volume de forma disfarçada pouco antes de Itachi falar.
Itachi analisou a face do garoto enquanto ele o encarava como uma criança desconfiada, intensamente, sem desviar. Como se medisse se podia conversar ou não com um estranho. Em vinte minutos de silêncio, Itachi percebera algumas dessas facetas. O garoto mudava de expressões com rapidez, de agressividade para inocência e tristeza pensativa. Nada parecia estável em sua face, e nem sua frieza que ele tentava impor parecia real ao encarar seus olhos que entregavam tudo. Eram tumultuosos, um caleidoscópio de emoções contraditórias, e Itachi se perguntava quais daqueles era o verdadeiro e quais era seus métodos de defesa.
O rosto jovem continuava o encarando, esperando qualquer tremor por parte do psiquiatra, como um estranho jogo do sério. Qualquer um ficaria intimidado, mas Itachi era um Uchiha, e isso não funcionava com Uchihas.
Enquanto permaneciam nessa troca silenciosa, reparou nos detalhes que já havia visto e se sentiu incomodado levemente em como mesmo sendo tão diferente fisicamente, algo nele lhe lembrava seu irmão. Talvez a expressão levemente emburrada, ou algo que agora estavam nos olhos, aquela curiosidade inata que ele tentava esconder, talvez. O garoto tinha um rosto bonito, talvez fosse isso, como Sasuke tinha. Daquelas belezas naturais que atraem de forma instintiva.
— Deixe-me ver. — A voz rouca saiu irônica e defensiva, o garoto sorriu de lado virando a cabeça como um animalzinho curioso, os olhos brilhando em sarcasmo. — Esse é o velho jogo da confiança. Você me conta coisas sobre a sua vida na tentativa patética que eu me abra para você, que o veja como um amigo confidente e não como alguém que quer entrar na minha cabeça. Esqueci alguma coisa?
— Esqueceu a parte que está curioso sobre minha vida. — Itachi rebateu tranquilo. O garoto fez uma expressão de desagrado e virou o rosto de volta para a janela, desviando o olhar. — E que anda assistindo filmes demais.
O garoto o olhou com rapidez, mordendo a isca ao ser provocado.
— Eu já perdi as contas de quantos psibláblás como você fizeram esse jogo imbecil comigo. E coisas piores. — Ele falou a última parte trincando os dentes. — Eu não sou um relógio que podem abrir e ver como funciona, uma coisa quebrada que podem mexer em uma peça ou outra para ver se volta a trabalhar. Eu não preciso de ajuda de pessoas como vocês.
— Ok. — Itachi deu de ombros e pegou a pasta na mesa com um suspiro, se levantando e seguindo para a porta sob o olhar surpreso do seu paciente. Estava com a mão na maçaneta quando se virou, encontrando o olhar curioso com as sobrancelhas franzidas, enquanto a sua face continuava impassível. — Se não precisar de ajuda, estou indo tomar um café.
Saiu da sala deixando um garoto pego desprevenido para trás.
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Não era Naruto. Não o seu Naruto, o seu Otouto.
Ele continuava pequeno, ainda mais agora que estava tão magro. Continuava frágil, como se fosse sumir, se quebrar com um simples toque. Eram os olhos que haviam mudado. Lembrava dos olhos dele quando o vira pela última vez, do brilho inocente, das emoções ali dentro. Tudo havia sumido. Só restara uma sombra escura. Os olhos que saiam de foco fitando o vazio.
Memna não sabia por tudo o que ele havia passado nos anos em que ficou sozinho naquela casa maldita, e depois naquele lugar asqueroso em que o buscara há duas semanas, quando enfim conseguiu vencer uma longa e árdua batalha por ele.
Menma chegara tarde. Não esperava o encontrar tão destruído, tão vazio, mas deveria. Ele deveria saber que isso aconteceria, Menma sempre acabava chegando tarde demais para salvar seu irmão.
Menma olhava para aquela concha vazia e não via nada mais do seu irmão ali. Jiraya estava sentado na sua frente na mesa, tentando fazê-lo comer alguma coisa enquanto ele permanecia imóvel fitando o nada. Ele ficava assim boa parte do tempo. Só dormia quando era dopado, raramente falava, e sempre era sim ou não. Não chorava, não reagia. Não o olhava. Menma queria que ele o olhasse, nem que fosse para dizer que o odiava por não ter cumprido sua promessa de o proteger. Por ter o deixado sozinho naquela casa, por ter sido fraco demais, especulado demais sobre coisas que não entendia.
Por ter tido medo, simples e puro medo.
— Cheguei!
A voz feminina o tirou do transe de olhar o pequeno e o homem grisalho em um diálogo unilateral.
Olhou e viu Karin entrando na sala como um furacão ruivo que era, jogando sacolas no sofá e correndo até o pequeno, esbarrando em seu braço no caminho, deixando claro que ainda estava irritada com ele. Ela havia deixado em pratos limpos a situação um dia antes, mas Menma não conseguia reagir como ela esperava. Ele não conseguia olhar para aquela sombra e ver seu irmão. Talvez fosse medo, ou vergonha, com certeza culpa, só não conseguia.
— Oi, meu Naru. — Ela falou doce, não usual para ela. Era o timbre que sempre foi apenas para Naruto. O garoto não reagiu a sua voz, mas se encolheu ao seu toque. Ela suspirou e se sentou ao seu lado, conversando baixo sobre seu dia, enquanto ele permanecia alheio a tudo e a todos.
Menma passou tanto tempo querendo ver eles dois juntos novamente, as pessoas que mais amava debaixo do mesmo teto, mas agora tudo o que se sentia era perdido.
Tão fixo estava nos dois, que se assustou quando a porta se abriu novamente, entrando mais dois conhecidos. Uma mão foi em seu ombro e acordou do torpor doloroso de observar seu irmão para encontrar o sorriso leve de seu melhor amigo ao seu lado. Tobirama passava por ele em silêncio e entrava na cozinha para ver o pequeno.
— Alguma melhora?
Negou devagar e ouviu um suspiro exasperado.
— Não o conheci como um covarde, Menma. — A voz soou dura e rosnou franzindo a testa, mas não tinha como rebater a verdade. — O conheci passando por cima de tudo, aos socos se preciso. Você lutou feito um condenado por ele, agora nem o olha nos olhos. Isso está me irritando, não quer me ver irritado.
Ia rebater algo, mas a voz da prima o cortou: — Não mais do que a mim.
— Não é fácil assim!
Menma rosnou e encontrou o olhar azul em seu rosto, se calando surpreso. Era a primeira vez que o via encarar alguém desde que havia saído do hospital.
Não, não nos seus. Os olhos estoicos olhavam o homem ao seu lado.
— Naru? — Karin quebrou o silêncio que tinha se instalado quando o menino se empertigou e gemeu. Os olhos se abriram mais e ele começou a hiperventilar, saindo da letargia pela primeira vez em semanas para algo muito pior.
— Você vai morrer. — A voz, que não ouvira com clareza por semanas, saiu sofrida. Menma e todos paralisaram. Passou o olhar do pequeno loiro para o moreno ao seu lado. O amigo enfrentava os olhos azuis turvos sem mostrar nenhuma reação.
— Naru... O que...
Karin tentou falar, mas tudo foi rápido demais. O garotinho colocou as mãos nos ouvidos de forma sôfrega, quebrando o olhar com o outro. O prato na sua frente voou para a parede e ele começou a arranhar a mesa de madeira com as unhas, desesperado, desenhando formas, tentando arrancar o que quer que estivesse em sua cabeça.
Karin foi a primeira a reagir tentando puxar suas mãos que começavam a sangrar, enquanto todos estavam em estado de espanto. Ele escapou dos braços dela em desespero pelo toque e pulou por cima da mesa com rapidez que sempre tivera.
Menma olhava a cena paralisado.
— Ele está indo para a janela! — A mulher gritou em desespero e Menma paralisou tremendo. Não queria ver aquilo. Não queria ver Naruto daquela forma, sem controle, a voz rouca gritando coisas sem sentido e nexo.
O menino era rápido demais, mas Tobirama o interceptou quando ele chegava perto da janela, pronto para pular e acabar com aquilo, com toda a dor. O corpo grande prendeu o pequeno no chão, enquanto a criança se debatia, arranhava os braços do homem e gritando. A sensação do contato aumentando ainda mais seu desespero. Os olhos muito abertos, as pupilas dilatadas.
—Não, eu não quero...por favor... — A voz saiu desesperada no surto, enquanto ele parecia distorcer a imagem do homem de cabelos brancos que tentava acalmá-lo em outra lembrança mais terrível, o contato sufocante. — Menma!
O nome saiu forte, desesperado. Menma pareceu acordar do torpor ao ouvir seu nome, atordoado encarava o irmão se debatendo e gritando.
— Menma! Menma!
Deu um passo confuso para frente e foi jogado contra a parede com força, encontrando os olhos negros furiosos do melhor amigo. Seus próprios olhos eram intimidadores, mas não mais do que os dele, sempre estoicos, agora em fúria homicida.
— Ajude seu irmão AGORA! Ele precisa de você e não da droga desses melindres de culpa. Seja homem, Menma!
A voz pareceu acordá-lo e se livrou dos braços do outro. Correu para onde era chamado, onde Karin e Jiraya tentavam ajudar Tobirama, que mal podia com a força do garoto em meio ao surto.
Menma empurrou o homem de cabelos brancos e agarrou os braços do irmão, os prendendo no chão, colocando o peso sobre as pernas magras.
— Sou eu, abra os olhos Naruto. — Gritou em uma ordem dura. — Agora, obedeça a seu irmão!
O menino parou de gritar e abriu os olhos azuis, procurando em meio a névoa que parecia cobri-lo. Ele se focou no rosto à sua frente, ainda trêmulo, e parou de se debater. Por segundos ficaram se encarando, ambos tremendo, ofegantes.
Os lábios do mais novo estavam tremendo, a expressão desesperada se suavizou e os olhos se encheram de lágrimas que começaram a transbordar pelo rosto pequeno e machucado por ele mesmo, sujo pelo sangue das unhas que quebrara na pele.
— Você veio. — O menino balbuciou, baixo como se só então acordasse. Todos estavam em silêncio, olhando a cena dos dois no chão ofegantes, respirando igualmente rápidos pela adrenalina do momento. — Menma, me desculpe, eu sou um monstro, mas eu vou ser bonzinho, não me deixe... eu prometo que eu vou tentar.
Menma arregalou os olhos ao ouvir a voz baixa suplicando. E sentiu ódio de si mesmo. Soltou os braços do irmão e o puxou para si. Ainda no chão sentado o abraçou, o fazendo sumir em seu peito, sentindo a respiração rápida contra si, o rosto molhando sua roupa.
— Me desculpe, eu vou ser bonzinho... — Seu irmçao repetiu contra seu peito sem o abraçar de volta, o corpo tenso. — Me desculpe por ser um monstro... por ser louco... Eu vou tentar...
— Você não é louco, não é um monstro. — Falou duro, com pensamentos homicidas em quem havia feito aquilo com seu irmão. — Não peça desculpas, eu que...
— Eu matei o pai e a mãe não foi? — A voz falou abafada em sua camisa. — Ele disse que a culpa foi minha, você me odeia, não é? Por isso foi embora.
— Claro que não! — Gritou em terror e o outro se espantou e se encolheu mais. Respirou fundo e suavizou o tom. — Claro que não, eu te amo, eu não queria te deixar...Eu tentei...eu... Me desculpe Naru, me perdoe, me perdoe, me perdoe...
Repetiu muitas e muitas vezes com o rosto escondido nos cabelos loiros, as mãos nas costas magras, o protegendo.
— Você não tem culpa de nada, nada disso, nada do que aconteceu. — Falou abafado, sentindo o outro relaxando aos poucos.
Todos olhavam em silêncio a cena. Viram os braços do mais novo saírem da letargia e abraçarem o irmão, retribuindo, envolvendo-o. A voz que saiu foi quase inaudível, um sussurro rouco.
— Não chore, Menma.
Todos antes em uma bolha tensa sorriram aliviados ao ouvir a voz, já calma e rouca, confortando. Como se sua dor não fosse nada demais em comparação a dos demais.
Karin suspirou e limpou os olhos.
— Bem vindo de volta, meu Naru.
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Itachi recebia sua xicara fumegante de cappuccino quando sentiu o outro se sentar à sua frente, na mesa de divisórias do café que ficava de frente a clínica. Disfarçou o sorriso ao ouvir o resmungo exasperado e continuou bebericando a bebida.
— Você é estranho. — O garoto resmungou.
Itachi o manipulara direitinho, mas claro que não ia se gabar disso. Fora um risco, sua atitude, mas algo lhe dizia que o garoto iria fazer o que esperava e segui-lo. Pelo pouco que observara, ele tinha o pecado da curiosidade pelo não usual.
O macchiato foi servido à frente de Naruto que olhou a mulher, confuso. Ela sorriu para os olhos azuis e piscou antes de sair. Naruto resmungou mais uma vez. Então o maldito tinha tanta certeza de que ele o seguiria que até pedira seu café? E, por sinal, seu favorito.
— Chute de principiante. — O psibláblá explicou, com um pequeno sorriso a pergunta muda. Naruto apenas revirou os olhos e voltou a bater o pé, enquanto bebericava o seu café, sentado na cadeira de qualquer jeito. Era um bom café.
O sujeito nada falava, apenas o encarava por entre a fumaça de seu drinque.
Os olhos azuis se prenderam nele como de uma criança teimosa.
— Você é um Uchiha. — O garoto falou de repente, quebrando o transe, ainda o encarando para medir suas respostas.
Era isso, Itachi tinha que provar que era de confiança antes.
Não era uma pergunta, ainda assim respondeu, era o que tinha em sua ficha, de qualquer forma.
— Culpado.
— Todos vocês têm esses traços e essa cara vazia. — O garoto sorriu zombeteiro.
— Você conhece Uchihas realmente. — Respondeu sereno e isso pareceu desarmar o garoto, que esperava que se ofendesse.
— São um tanto estranhos também. — Ele resmungou e então se ajeitou na cadeira. Suspirou novamente como se tentasse conter a próxima pergunta em vão. Era interessante, e Itachi não podia não compará-lo a uma raposa desconfiada farejando o ar. — Você cresceu no distrito Uchiha?
— Sim, fui criado por meu tio, meu irmão e eu.
— E seus pais?
— Morreram quando eu era criança.
— Você viveu a vida inteira no Distrito Uchiha?
— Fui embora e voltei há um tempo.
— Por que voltou? — O garoto perguntou rápido e então pareceu se arrepender e desviou os olhos pela primeira vez.
— Eu precisava resolver problemas pessoais.
— Que tipo de problemas? — Ele mandou rápido e então se inclinou na cadeira, colocando os cotovelos na mesa enquanto voltava a encarar Itachi, provavelmente esperando que ele não respondesse e pudesse se livrar dele de uma vez.
— Meu irmão morreu há alguns anos, vim resolver algumas coisas sobre ele.
O garoto assentiu, então se virou para a janela olhando a rua e ficou em silêncio.
Itachi esperara, e como imaginara, ele voltou a falar.
— Você também costuma ir a muitos velórios. — A voz soou irônica, mas não enganou o jovem psiquiatra.
— Ouvi falar que você também.
— Mais do que você. — O outro rebateu com sarcasmo.
— Não estou competindo. Felizmente. — O tom funcionou e o outro desfez o rosto defensivo e riu sem humor, mas riu.
— Felizmente. — Ele falou baixo. E Itachi sabia como proceder.
— Velórios são terríveis. Aquele café frio... Quase sempre instantâneo.
O garoto tentou disfarçar o sorriso mordendo o lábio, e não conseguiu.
— E o fato de quase sempre trazerem as flores erradas, quando não trocam até o corpo. Pode acontecer. O que acha?
— Possível. — Seu paciente murmurou incerto.
— Além dos nomes das funerárias. Partida, Caminho do Céu, Viagem, Vai com Deus...
O garoto riu com a última. Tinha uma risada bonita, inocente. Que tentou disfarçar logo depois, como se houvesse cometido um deslize, mas sua face séria não parecia intimidadora mais.
— Sério — Itachi continuou — Ouvi falar até de "A próxima vítima."
— Esse você inventou. — O garoto acusou, ainda sorrindo disfarçado, o rosto defensivo havia sumido de vez. E Itachi pressentiu que aquele era o verdadeiro dos tantos personagens que ele criava para se esconder.
— Juro que não! — Falou com falso ultraje.
— Meu irmão inventava nomes estranhos para cemitérios comigo. — O garoto falou e então o sorriso morreu um pouco e ele se encolheu quase de modo imperceptível.
— Passatempo bem comum. — Itachi agiu rápido falando de um jeito confidente e ele relaxou mais.
— Acho que sim... — Falou e então sua face mudou enquanto ele franzia a testa e pensava em algo. — Como seu irmão morreu?
Itachi tentou não recuar com isso. Naquele momento ele poderia mandar Tsunade as favas e sair dali, mas havia algo de errado, ele também era curioso. Algo naquele garoto atraia sua atenção. Era quase uma familiaridade com ele. Se perguntava se já havia o visto antes.
Mais que tudo, tentava entendê-lo. Era como se algo sussurrasse para si, que não saísse.
Era quase como se Sasuke estivesse ali.
— Ele foi assassinado há alguns anos.
O outro abriu bem os olhos e então desviou, bebendo seu café.
— Você gostava muito dele. — Ele comentou, suavemente. — Quando fala dele... Era ele que tocava piano?
A pergunta o pegou de surpresa e o garoto deu um pequeno sorriso presunçoso.
— Você não é o único que observa, Corvo psibláblá.
Itachi não se ofendeu, apenas assentiu sem detalhes, mas pensando em como um garoto conseguia lê-lo.
— Qual o veredicto? — O garoto o interrompeu. E revirou os olhos quando ele o encarou calmo. — Qual é, você sabia qual era meu café. O que descobriu mais?
Itachi tinha uma vozinha interna que lhe avisava que aquela consulta não estava saindo bem comum. Então mandou a merda o profissionalismo, optando por ter a confiança do outro.
— Você gosta de arte. Suas unhas têm resquício de tinta a óleo usadas em telas e sua roupa também, além de ter um pouco de carvão na digital do polegar. — O menino olhou a mão quando ele falou e a escondeu. — Você toca piano, mas também violão, tem calos por isso. Não dorme direito há algum tempo, e provavelmente mora sozinho e precisa comer algo além de comida instantânea. Pratica algum esporte, talvez ginástica. Não, acho que corrida, sua musculatura se assemelha mais a corredores. É muito esperto, talvez tenha um QI acima da média. Anda brigando muito, seus punhos mostram isso. Duas vezes por semana? Talvez. — O garoto revirou os olhos e Itachi ignorou. — E está saindo com alguma garota. Na verdade, esteve com ela hoje ainda. Tem uma marca de batom em sua gola e um perfume feminino em você misturado com o seu, além de uma marca suspeita em sua nuca.
O garoto franziu a testa, escondendo as evidências, e resmungou desviando os olhos.
— Que ótimo, um Sherlock da psiquiatria.
Itachi riu do humor ácido, se surpreendendo por isso.
E como se se lembrasse de algo, de repente, o garoto o encarou curioso.
— E o café?
— Isso não conto. Segredo.
— Pensei que estivesse tentando ganhar minha confiança. — Rebateu sarcasticamente.
— Estou apenas tomando um café.
O garoto ia rebater quando o celular de Itachi tocou. Ia desligar, mas o seu paciente arqueou uma sobrancelha e replicou: — Não estamos em uma consulta, apenas bebendo café, psibláblá.
Itachi olhou o celular e viu que era Shisui. O primo nunca ligava para seu número, para não o envolver a seu nome. Devia ser importante.
— Fala. — disse calmo, sob o olhar curioso do garoto estranho na sua frente.
— Vá para o distrito onze da polícia em Konoha. Acharam um corpo mutilado sem os dentes e com a boca costurada no distrito dos Hyuuga.
— E o que eu...
— É ele. Ele voltou. — Shisui o interrompeu seriamente.
— Como tem certeza? — Itachi falou frio, tenso, se erguendo sob o olhar confuso do loiro.
— Itachi. — A voz de Shisui pareceu incerta, como se tomasse coragem. Estava na porta quando ele finalizou. — Acharam o coração de Sasuke ao lado do corpo.
Itachi não ouviu mais nada.
Havia começado de novo.
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