Capítulo IX - Caçada
'Que essa palavra nos aparte, ave ou inimiga!' eu gritei, levantando 'Volta para a tua tempestade e para a orla das trevas infernais! Não deixa pena alguma como lembrança dessa mentira que tua alma aqui falou! Deixa minha solidão inteira! Sai já desse busto sobre minha porta! Tira teu bico do meu coração, e tira tua sombra da minha porta!' E o Corvo disse: 'Nunca mais.'
Edgar Allan Poe
— EU NÃO IMAGINEI QUE VOCÊ VIRIA HOJE.
Tsunade comentou, enquanto olhava preocupada para o homem que caminhava ao seu lado. Ela havia conhecido Itachi quando ele ainda era apenas um garoto. Um garoto perdido, tentando fugir de um destino que não achava que deveria ser seu.
Aos seus olhos, por mais que ele crescesse, ele sempre seria esse garoto.
— Então você leu os jornais.
Sua voz era fria, monótona, como se não fosse nada. Como se ela não o conhecesse o bastante para saber que não era bem assim. O quanto ele devia estar gritando por dentro naquele instante.
— Impossível não ler esse sensacionalismo podre, está em todo lugar. E eu conhecia o pai do garoto. Eu realmente pensei que você estaria no rastro como um cão de caça agora. — Ela falou curiosa, enquanto seguia pelo corredor da clínica, em direção a sala de atendimentos.
— Temos um trato.
A mulher bufou.
— Você não precisa de mim, agora tem uma pista fresca daquele maldito.
— Não sou tolo a ponto de pensar que não preciso de ninguém, Tsunade. — Ele parou na porta e pegou a maçaneta. — Ainda preciso da sua ajuda.
Ela olhou desconfiada. Tinha mais ali. Sabia o quanto Itachi odiava aquele tipo de lugar, e se não fosse a necessidade nunca teria pedido para o garoto atender ali.
O problema inteiro começara há dois meses, quando um dos funcionários denunciou a ela que encontrou um dos internos amarrado na cama e dopado, com estranhas marcas no corpo. Ela tentou averiguar o culpado, em vão. E o funcionário desapareceu no outro dia.
Outro dia foi uma suspeita de abuso sexual, mas o paciente foi transferido antes que pudesse verificar a verdade, a família cortando contato e o caso foi abafado. Notou a piora em alguns pacientes depois disso. O dono do lugar mandou ela esquecer a história, mas Tsunade viu o caso de abusos aos pacientes aumentar gradativamente, e nenhum nome foi encontrado.
Ela estava de mãos atadas, e desconfiava que se o dono queria abafar o assunto, queria dizer que ele podia saber quem era, e devia ser algum dos médicos do lugar. Os pacientes não falavam, mas ela sabia que se existia alguém que poderia fazê-los falar seria Itachi. Ele sempre foi bom nisso, em ganhar a confiança dos outros.
— Está faltando um paciente. — Itachi lhe tirou dos devaneios, olhando as pastas. — Onde está a pasta do Namikaze?
— Ele não apareceu hoje. — Suspirou, aquele garoto era um problema. Estranhou o olhar de Itachi, de repente pensativo. Arqueou a sobrancelha loira curiosa. — Ele voltou a falar com você?
A face dele havia voltado a seu normal ao falar, mas a curiosidade da mulher já havia sido atiçada.
— Sim. Se ele aparecer avise. — Falou calmo, entrando na sala, fugindo de mais perguntas.
Tsunade ficou um tempo olhando para a porta, com vontade de puxar as orelhas daquele idiota por a deixar falando sozinha. Mas estava mais curiosa sobre aquele olhar no jovem Uchiha. Fazia muito tempo que não havia visto aquele olhar.
Parecia estranhamente... terno.
........................................................................................................................................
Sim, aquele era um bom lugar para pensar.
Naruto sentia a terra fofa entre os dedos dos pés. Ouvia os sons das gaivotas ao longe, o barulho das ondas arrebentando nas pedras na encosta perto dali. As calças estavam dobradas até os joelhos, as mãos nos bolsos e a blusa de capuz erguida, balançando no vento frio. Havia deixado a moto no estacionamento perto do quiosque em que ele e Menma sempre iam quando crianças. O dono o reconhecera, surpreendentemente. Ele ia ali sempre que precisava pensar desde que chegara a Konoha há alguns meses.
A maioria das pessoas daquela época que viveu ali não o reconheceu mais, mas os poucos o olhavam com pena ou temerosos. Afinal, a tragédia da sua família ficara marcada. O suicídio de Minato, o assassinato de Kushina. E depois o suicídio de Menma, que fora reportado nos jornais, sendo eles sobrinhos de quem eram.
A familia Uzumaki era conhecida na política, eram poderosos. Um famoso ramo dos Senjus, mas com seu poder em separado. E eram igualmente conhecidos por serem perigosos, talvez tanto quando os Uchihas eram. Diferentes dos Uchihas, eles agiam por debaixo dos panos.
Kushina saíra de casa aos quinze anos, sendo deserdada, e nunca havia feito questão de colocar os filhos em contato com a sujeira que manchava o nome Uzumaki, assim como eles também não tiveram contato com a família Namikaze, exceto Tobirama, irmão do seu pai. Mas isso por motivos diferentes, uma vez que não existiam mais Namikazes vivos para contar a história. Todos tinham mortes trágicas, e jovens, ou acabavam em sanatórios. Um dia eles foram influentes no Japão, mas com um tempo foram considerados, pelos mais crédulos, como uma família amaldiçoada. Hoje em dia ninguém lembrava nem mesmo desse sobrenome.
Diferente dos Uzumakis.
E apenas quando sua mãe morreu, pode entender o porquê de ela tê-los afastado tanto da família. Eram todos sórdidos, egoístas e sádicos. Todos na família dentro do clã sabiam o que ele, o irmão e a prima passavam nas mãos de Nagato, mas fechavam os olhos, e apenas cuidavam para que a história não vazasse para a imprensa e sujasse o nome da família.
E enquanto os jornais mostravam as grandes e famosas festas dos famosos políticos e suas bem feitorias, por trás eles escondiam histórias de pedofilia, tráfico de pessoas, e incesto. Poucos sabiam o que de fato acontecia nas noites daquelas festas. Quantas vezes Karin fora humilhada servindo de moeda de troca pelo próprio pai para seus negócios com homens ricos. Ou todo o inferno que Menma passou, espancado por qualquer coisa, sendo oferecido para os serviços dos amigos do tio que tinha outras preferências que não Karin. De início, Naruto era apenas trancado dentro do quarto, ou em armários até que um dos dois viesse lhe ajudar. Isso foi até o dia em que Karin e Menma fugiram e o deixaram lá. A partir desse dia ele tinha toda a atenção só nele.
Afastou os pensamentos, sacudindo a cabeça. Ele tinha outras coisas com que se preocupar no momento, reviver aquele passado era a última coisa que precisava.
Ele passou bastante tempo pensando em quem estaria fazendo aquele joguinho sórdido. Aquele presente e aquela carta, toda a situação na noite anterior. O único nome que lhe vinha a mente era Nagato. E isso mostrava que o homem sabia que ele estava em Konoha, onde morava. Em algum momento isso teria que acontecer, mesmo ele mudando seu sobrenome, sabia que não ficaria invisível para sempre.
Ao mesmo tempo que pensava assim, havia algo de errado nessa conclusão, algo que não saia de sua mente. Nagato, apesar de ser do tipo que atormentava, era bem mais direto do que aquilo. Ele já teria lhe feito uma visita mais sem se esconder, sem medo de consequências.
Quando perdeu sua guarda após sua tentativa de suicídio, Nagato foi bem claro em dizer que fazia isso porque não o queria mais, que não tinha mais interesse nenhum nele. Que Naruto já estava "velho demais" para querê-lo por perto. Ele não tinha interesse em um objeto já quebrado. Ele deixou claro que estava deixando Naruto ir, que Naruto não tinha poder algum nessa escolha. Que ele poderia retornar para Nagato quando Nagato assim quisesse, e Naruto não poderia fazer nada sobre isso.
Naruto havia acreditado nele na época, e até hoje tinha suas dúvidas. Por todos os demais Uzumaki, Naruto poderia ser violentado quantos vezes Nagato quisesse, contanto que a história ficasse escondida. E mesmo que vazasse, Nagato tinha poder o bastante para que nada lhe acontecesse. Afinal, era a palavra de uma criança perturbada e seu irmão delinquente e filha vadia, como ele mesmo falara várias vezes para Naruto. E mesmo que tivesse provas, todos eles sabiam que aquilo não acabaria em nada nos meios legais e na polícia corrupta que era Konoha.
E isso levava a Naruto a Konoha novamente. Ele tinha muitos acertos de contas naquela cidade que vira o sofrimento via tanto sofrimento e virava as costas. Essa cidade havia tirado muito dele. Ele lembrava de cada rosto que havia lhe feito mal. E ele os faria pagar de sua maneira. Com os meios que possuía. Se ele era uma criança amaldiçoada pela morte, faria jus a sua alcunha.
Ele não sabia o que significava aquele presente macabro, ou aquela carta estranha, mas ele descobriria logo. Para quem conseguia ver mortos, para quem conseguia ver a morte de alguém apenas em tocar em sua mão, aquilo não era nada.
Naruto não se intimidaria fácil assim.
................................................................................................................................................
Ele era especial. Naquele momento, a certeza sobre isso o tomou.
Aguardou com uma estranha ansiedade sobre qual passo ele tomaria após as coisas finalmente terem entrado em movimento. Contrariando todas as caças anteriores, ele não entrou em desespero, ou ligou para os insetos fardados. Através da janela ele o observou se sentar no sofá com a caixa nas na mesa, olhando longamente. Todos antes dele eram fáceis de ler. O desespero e a confusão em suas faces eram um estranho deleite, mas ao mesmo tempo ia se tornando monótono.
Não havia nada de desespero naquele rosto, apenas uma expressão calculista. Mesmo de longe, era possível ver os olhos azuis que se erguiam e olhavam para a janela por um tempo, pensativos. Não havia nada neles. Não conseguia lê-lo, e aquilo fazia toda a caçada ainda mais interessante. Ele seguira seu dia como se nada houvesse acontecido.
E agora lá estava ele naquela praia a olhar para o mar, caminhando tranquilamente através da fina garoa e da névoa do lugar. Ele fazia parte da paisagem, a silhueta quase etérea ao longe. Sorriu com isso, se sentindo ainda mais interessado. Ele fazia o jogo finalmente parecer desafiador.
— Deseja algo mais?
— Apenas um café.
Em meio ao movimento do local, mal era notado. Era um dom seu, se misturar a multidão, se tornar invisível. Continuou a olhar o pequeno caminhando através de suas lentes escuras, bebericando elegantemente seu drinque. O vento do mar bagunçava seus cabelos enquanto ele fingia ler seu livro na mesa mais afastada.
Viu o menino parar perto das pedras e ali se sentar, olhando fixamente para algum ponto do oceano. De onde estava podia ver seu perfil pensativo. O vento que arrancou seu capuz enquanto ele parecia alheio, mostrando os cabelos loiros, e mais uma vez aquela expressão vazia.
Era uma criança realmente intrigante, com o tempo havia ficado ainda mais.
Sorriu e passou a mão no queixo machucado. Ele realmente o pegara de jeito. O pequeno e frágil animalzinho tinha garras. Conseguia lembrar da sensação quente da pele, do grunhido raivoso. Ele parecia uma raposinha arisca, e ele adorava animais ariscos. Adoraria quebrá-lo. Seria seu grande final, seu último espetáculo, o nono. Nele antevia toda a perfeição.
O observara por um longo tempo. Vira muitas faces naqueles olhos azuis. Vira a raiva crispando, a tristeza e o desespero. E vira o carinho, a curiosidade. Ele possuía tudo em um só pacote. A agressividade e a suavidade. Diferente de como o outro irmão havia sido. Lembrava daqueles outros olhos azuis cheios de raiva, mas ao mesmo tempo tão tolo. Com esse seria diferente. Ele era esperto demais, perigoso. Seria muito mais divertido fazer o medo se apossar aos poucos daqueles bonitos olhos azuis.
Seria sublime.
..................................................................................................................................
Já era quase noite quando Naruto finalmente saíra da praia e pegara sua moto para ir para casa. A chuva já caia mais forte, tinha que chegar em casa antes da tempestade que ameaçava cair. Olhou em direção ao céu escuro com chumbo e o mar revolto, com a estranha sensação de estar sendo observado.
Pegou as chaves nos bolsos, distribuindo um aceno para o dono no quiosque, que lhe mandava ter cuidado com a tempestade. Naruto, apesar dos anos e das evidentes mudanças em si e no comportamento, ainda era querido por algumas pessoas dali. Ele parecia tão pequeno e desprotegido de tudo, que as pessoas sentiam uma vontade natural, um instinto até, de cuidar dele.
Muitas pessoas estavam no estacionamento pegando seus carros e indo para casa, fugindo da chuva. Em meio a elas, um par de olhos o seguia. enquanto via o pequeno garoto acenar e sair em meio a neblina. Como se pressentisse algo de errado, o pequeno virou e seguiu o olhar por entre as pessoas, por segundos indo para o carro preto. Os olhos azuis no vidro fumê não viam quem estava lá dentro, mas ele se perdeu dentro da cor azul por instantes até a criança desviar o olhar e colocar o capacete.
Kyuubi sorriu de forma vulpina. Nunca ninguém o percebia até que fosse tarde. Aquele menino era mesmo bastante interessante, parecia farejar o ar.
Esperou que ele saísse.
Que começasse a caçada.
............................................................................................................................................
A moto parou em meio ao nada. A chuva já caia forte, e o garoto saiu da estrada para o acostamento. Não precisou de nem um minuto para perceber que alguém mexera na sua moto. O cheiro de vazamento foi que o alertara, e se não houvesse percebido a tempo, poderia ter tido um acidente sério. Agora não havia como sair dali.
Tentou se proteger, mas já estava ensopado e a noite já caíra. Deixara o celular em casa. Lembrava que havia um posto a pelo menos onze quilômetros ali, e nenhum carro passava. Por isso, quando avistou faróis vindo se sentiu aliviado. Alívio que durou pouco, pois enquanto seguia em direção ao carro que piscava os faróis e parava do outro lado no acostamento, quando a voz o golpeou tão forte que o desequilibrou, o fazendo paralisar em um passo que dava, terrivelmente alerta.
"Saia daí, Naruto!"
A voz foi desesperada e raivosa e o deixou paralisado por instantes. Não era Menma, mas ele reconhecia bem essa voz. Ele havia esperado por anos por isso, e agora finalmente ele aparecia. De soslaio, o notou na periferia de sua visão, quase como uma sombra apenas, mas ali, ao seu lado. Prendeu o ar em um som abafado.
"Corra agora!"
Balançou a cabeça, engolindo a emoção com a urgência do tom dele. Deu um passo para retroceder no instante em que a porta do carro se abria. Não conseguia enxergar quem saia, mas sentiu o senso de perigo gritar. O estranho parara recostado na porta, e mesmo que não pudesse vê-lo, sentiu os olhos sobre si e a mesma sensação da noite anterior lhe tomar.
"Naruto! Não deixe ele chegar perto de você!" Menma surgiu do seu lado, a voz saindo em um rosnado.
Retrocedeu mais alguns passos no instante que o outro começou a caminhar até si. Logo estava correndo. Pulou para fora do acostamento, para o chão enlameado que circundava a floresta ao redor da estrada, a chuva caindo forte. Quase gritou ao olhar para o lado, medindo uma saída ou possível luta, e ver um rosto pálido e etéreo, olhos escuros nos seus. A cada segundo ele parecia menos uma sombra.
Seu coração disparou. Seus olhos passaram rápido para o rosto que não via há anos, até sonhar com ele noites atrás. Via o peito sangrento, o mesmo líquido rubro saindo da sua boca como em seus pesadelos. Ele encarou a sombra de quem fora umas das pessoas em que mais confiara na vida.
E que morrera por sua causa.
Seu momento de espanto durou segundos até a voz soar ríspida, sangue sujando dentes brancos.
"Fuja. Estamos com você."
Menma o flanqueou do outro lado e Naruto, apesar da situação de perigo, se sentiu protegido como há muito não se sentia. Não pensou duas vezes e correu para a floresta ao mesmo tempo que o estranho do carro o seguia, saltando da estrada em seu encalço.
Mal enxergava por entre as árvores, mas os dois pareciam guiá-lo. Seu irmão seguia ao seu lado, o outro tomando a frente agia como um farol o direcionando, o protegendo do mesmo modo que fizera em vida. O escuro o deixava em pânico, o som dos passos atrás de si parecia mais próximo.
Tropeçou, cortando as mãos em uma raiz e caindo com tudo na lama.
"Não pare, idiota!"
Até morto ele era um mandão. Estaria feliz em vê -lo, se não fosse a situação em que estava. Levantou-se voltando a correr. Se fosse por si pararia e lutaria com aquele imbecil que estava a brincar consigo, mas esse pensamento foi repreendido com uma corrente de xingamentos dos dois, e pela sensação esmagadora de morte que o estranho trazia. Era quase como um cheiro doentio, impregnado nele. Naruto nunca vira nada como aquilo antes.
Olhou brevemente para trás e prendeu o ar ao ver o número de sombras atrás, seguindo aquela pessoa. Ter essa quantidade de mortos atrás de alguém nunca era um bom sinal.
"Cuidado!"
Foi tarde demais. Sentiu o pé ceder e se retorcer em meio a lama e folhas, enquanto despencava do barranco. Rolou, passando perigosamente perto dos troncos das árvores, se arranhando nas raízes. Quando finalmente parou, sentia uma dor tremenda pelo corpo. Olhou ao redor, estava do outro lado, via a estrada, mas não conseguia se mover.
"Levante-se."
A voz parecia mais fraca, começava a apagar.
"Vamos! Levante-se! Logo a frente, temos que te levar até ele!"
— Não consigo. — Murmurou, ouvindo os sons de passos chapinhando na lama.
"Por favor, Naruto... Só mais um pouco."
Quase sorriu com isso. Logo ele pedindo por favor... Era estranho.
Foi fechando os olhos aos poucos, sem forças para ficar acordado.
— Desculpe, Sasuke. Não dá. — Murmurou fracamente.
"Ele está aqui."
A voz de Sasuke saiu em um estranho tom de alívio.
A última coisa que viu antes de apagar foram os pés de alguém.
...............................................................................................................................................
Quando Naruto abriu os olhos, encontrou um teto desconhecido. Seus olhos piscaram ao redor, confusos. Não havia mais qualquer sensação de perigo, ainda assim tentou se levantar alarmado. Notou que estava deitado em um sofá de uma sala clara e estranhamente impessoal, ainda sujo de lama e ensopado. Assim que colocou os pés no chão sentiu uma dor lancinante no pé esquerdo e gemeu, caindo de volta sentado no sofá azul escuro.
— Que merda!
— Não está quebrado.
A voz o fez virar rapidamente a cabeça e o viu no umbral de uma porta que dava da sala para algum outro cômodo, segurando uma bacia em mãos, e toalhas em outra. O rosto dele não mostrava nada, e estava tão ensopado quanto ele mesmo.
Naruto paralisou onde estava, mais confuso do que antes.
O que diabos estava acontecendo ali?
— Corvo psibláblá. — Murmurou, tentando se levantar mais uma vez e voltando a cair. O homem suspirou, balançando a cabeça negativamente e seguiu até ele. Naruto tentou recuar desconfiado. — O que diabos aconteceu? Que merda toda é essa? Fala desgraçado de uma figa, filho de...
— Onde aprende tanto palavrão? — O homem perguntou de forma retórica, ignorando suas perguntas e vindo até o sofá. — Fique quieto, seu pé está com uma torção. Talvez tenha rompido algum ligamento. E já sujou minha sala demais.
Naruto bufou aborrecido, mas estranhamente se acalmou assim que Itachi tocou em seu ombro o fazendo voltar a deitar e pegando seu pé. Gritou de dor e começou a xingar o psiquiatra e toda sua família. O homem suspirou novamente.
— Boca suja.
— Boca suja é o caralho! Eu quero saber que porra eu to fazendo aqui, onde merda é aqui, e porque eu estou com um... Ai, cacete!
Itachi o ignorou, ainda olhando seu pé.
— Vá tomar um banho, preciso enfaixar isso, e está sujando todo o meu sofá. Vem, se apoia em mim. — Naruto cruzou os braços e virou a cara teimosamente. — Não vai querer me fazer te obrigar.
O tom foi tão frio que o garoto se arrepiou. Itachi parecia calma, mas novamente o censo de perigo o alertou e engoliu em seco.
Mesmo assim, tentou se levantar sozinho, segurando o grito de dor ao tocar o chão. Itachi ignorou seus protestos e passou os braços por sua cintura, se curvando por ser bem maior que ele, e colocou um braço seu por seus ombros, o levando ao banheiro onde ligou o chuveiro, o rastro de lama de Naruto sujando todo o piso branco. Ele o ajudou a se sentar na beirada da banheira, ignorando seus xingamentos baixos
— Vem.
Quando ligou o chuveiro, ele o ajudou a se erguer novamente. Naruto estava com dor demais para protestar agora, e começava a sentir uma letargia estranha tomar seu corpo. No instante que foi colocado embaixo do chuveiro gemeu.
— Eu posso tomar banho sozinho. — Protestou, mas a voz falhou, trêmula de frio. — Pervertido do caralho... — Completou quando Itachi não fez menção de sair, mas sim arrancou sua blusa. — Ei... Pare!
— Então não enrole. — O homem rebateu, o soltando ao perceber o olhar de terror no garoto com sua proximidade, diferente de toda a pose violenta de antes.
Ele está com medo de mim.
A lama escorria pelo ralo e franziu o cenho, calculando a situação. Era claro que se deixasse o garoto sozinho ele acabaria se machucando mais, ele estava quase desmaiando de novo, mas o medo dele era preocupante. Não o julgava, eles mal se conheciam, e agora Itachi estava o ajudando a remover suas roupas.
— Saia!
A voz dele estava com um tom de pânico ainda maior.
— Você mal se aguenta em pé... — Itachi tentou mais uma vez ao ver o outro bambear perigosamente.
— Então eu me sento no chão, apenas saia! — Itachi ergueu uma sobrancelha. — Não me toque... apenas...saia. Por favor.
— Tudo bem. Me chame se precisar.
Ele estava quase chorando. Itachi olhou para trás, preocupado, fechando a porta após colocar uma muda de roupas no banheiro.
Naruto deslizou até o chão, engolindo um soluço e o terror do que a situação no banheiro o fez lembrar. Removeu as roupas ensopadas, sentindo a água quente passando por seu corpo. Estava confuso com toda aquela situação estranha, sem saber como fora parar ali, quando a última coisa que lembrava era de estar caindo do barranco.
Se controlou aos poucos. Quando se sentiu limpo, desligou a água e passou um tempo ainda mirando os azulejos brancos até lutar contra a letargia estranha e se erguer. Gritou de dor, sentindo já as lágrimas escorrendo ao pisar no chão. Ainda assim não pediria ajuda. Se trocou com esforço e saiu do banheiro se apoiando nas paredes até onde lembrava ser a sala. Quando a alcançou, limpou as lágrimas de dor ao avistar Itachi já com roupas limpas e secas, colocando faixas e algumas coisas na mesa de centro. O homem parou para olhá-lo. Naruto ficou confuso com a expressão no rosto dele. Ele parecia mais calmo, pelo menos.
Tentou se manter impassível, mas bastou um passo para sentir mais lágrimas caindo de dor. O homem suspirou novamente, se erguendo e caminhando até ele. Desviou o olhar se odiando por se sentir tão fraco. Nunca chorava na frente de ninguém.
— Não precisa bancar o durão. Eu rompi o ligamento uma vez e chorei como uma garotinha.
Naruto fungou, aceitando a ajuda para caminhar. A presença de Itachi o irritava, mas também a voz era estranhamente calmante, e quando via já estava fazendo tudo o que ele pedia. Deitando-se no sofá com a perna sobre as pernas dele, enquanto ele passava algo gelado em seu tornozelo e o enfaixava. Tomou o remédio que ele lhe deu após ver a caixa e o verificar. O homem o olhou divertido com isso, parecendo quase satisfeito com sua paranoia.
— Como vim parar aqui? — Perguntou, sua voz atordoada pelos remédios, sentindo a dor sumindo aos poucos.
Ele estava guardando as coisas que usara nele enquanto o garoto continuava deitado no sofá com a perna sobre almofadas e a cabeça recostada no braço do assento.
— Eu estava voltando de uma visita a um amigo quando o encontrei caído perto da estrada, despencando de um barranco. Por pouco não atropelo você.
Naruto assentiu. Pareceu uma boa explicação, ou estava cansado demais para perguntar qualquer coisa. O silêncio os tomou um instante, se sentia sonolento. A mão grande foi para sua testa e ali ficou por alguns instantes. Nem mesmo tinha energia para protestar o contato.
— Namikaze?
Abriu os olhos que nem percebera que fechara e encarou os olhos escuros. Tão escuros que seriam negros, se fosse possível. Havia algo neles que lhe lembrava tanto...Seu melhor amigo. Talvez por isso aquele toque, que podia repelir vindo de outro homem, não o incomodava tanto no momento.
— Hum... — Murmurou ao chamado, sonolento.
— Você falou sobre os Uchiha quando nos falamos da última vez. Pareceu saber bastante sobre eles. Conheceu algum Uchiha antes de mim?
Murmurou um "uhum", querendo muito voltar a fechar os olhos, mas Itachi não permitia.
— Quem?
— Meu... amigo... — Murmurou em um bocejo. Queria dormir. E que se fodesse o perigo de estar na casa de um cara que bem poderia ser um maldito assassino. Estava com sono.
— Foi a ele que pediu desculpas, quando caiu do barranco?
Então ele tinha ouvido? Naruto franziu as sobrancelhas, mas assentiu antes de fechar os olhos.
A mão de Itachi ainda ficou um tempo em sua testa, seu cabelo, encarando o garoto adormecido em seu sofá. Decorando os traços, perdido em pensamentos, em conexões.
Encarando o garoto que achara parecido com seu irmão, e que agora se dizia ter sido amigo dele.
.................................................................................................................
Lá estavam os dois, juntos.
Vigiou o outro olhando longamente o garoto no sofá, medindo sua temperatura. Estalou a língua no palato, com desgosto. Fora do jeito que imaginara. Os dois juntos lhe dava prazer e ao mesmo tempo ânsia de vômito.
Olhou com desgosto a maneira compenetrada com que o Uchiha encarava o seu garoto. Previra que seria assim. Afinal, o menino era como um ímã que atraia a todos. O que sempre fora, acreditava, um dom e sua ruína. Lembrava a face assustada em meio a chuva na estrada quando o encarara, mas ao contrário do que pensou, ele não fora tolo, não ficara estático como os outros se sentiam diante da sua presença.
Ele era rápido, ágil. E tinha um censo de alerta fascinante. Era a caça perfeita, como pensou que seria.
Tudo se encaminhava para o grande final que sempre imaginou. Seu inimigo e seu anjo. E ele. Os personagens principais daquele enredo tenebroso.
Sorriu, mordendo o lábio. Seria o final que sempre almejou desde o princípio de tudo aquilo. O fim perfeito para seu poema.
Tragédia, amor e morte.
O anjo, o homem e o demônio.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro