Capítulo II - Garoto estranho
O homem não se entrega aos anjos,
nem se rende inteiramente à morte,
senão pela fraqueza de sua débil vontade.
Edgar Allan Poe
SE PERGUNTOU QUE TIPO DE PERGUNTA ESTÚPIDA ERA AQUELA enquanto rolava o lápis entre os dedos rapidamente.
— Senhor Namikaze, o teste começou há vinte minutos, espero que tenha terminado, uma vez que não tira os olhos dessa janela.
Os outros alunos riram contidos quando o garoto continuou olhando para fora com ar pensativo. O homem caminhou irritado e arrancou os fones de ouvido que o garoto havia colocado de modo disfarçado entre os cabelos cobertos por uma touca preta, que cobria os cachos loiros espessos.
— Eu já lhe avisei sobre isso! - o professor falou quando o aluno finalmente acordou dos devaneios e o fitou confuso -Nada de ouvir música na sala, ainda mais em um teste!
— Qual é Iruka! Não dá para se colar em perguntas pessoais. - Rebateu, se ajeitando na cadeira. Colocou o indicador e o polegar na ponte do nariz enquanto o professor e alguns alunos o olhavam, fazendo uma leve careta incomodada.- Professor, hum... pode me devolver os fones?
— Claro que não! — o homem rolou os olhos. — E vocês, de olho no papel, não há nada para se ver aqui.
Os outros obedeceram ainda dando alguns risinhos. A maioria não tirou os olhos do papel. De verdade, eles não queriam confusão com o Namikaze. O garoto era por demais estranho.
Logo quando chegou na escola foi taxado como o alvo perfeito. Depois de uma semana, muitos descobriram da pior forma que não deviam se meter com ele. A história se espalhou, e mesmo os novatos preferiam não cruzar no caminho do garoto estranho.
Nem todos haviam aprendido isso.
— Pede para teus fantasmas te dizerem a resposta, Namikaze! — Um garoto de cabelos longos provocou algumas cadeiras atrás e ouviu -se algumas risadas.
— Hyuuga, calado e faça seu teste. — O professor ordenou irritado.
— Vou pedir para sua mãe me dar a resposta, quando ela for lá em casa a noite. — Rebateu de pronto e ouviu-se um "uh" coletivo.
— CALADOS!
— Ora seu... — Neji Hyuuga se ergueu derrubando a cadeira. — Eu vou...
— Me bater? — Respondeu sem se levantar. — Estou esperando Hyuuga. — Ele virou a cabeça para trás encarando o outro que recuou um passo.
Os alunos olharam a cena tensa, já sérios. Apesar de menor e mais esguio, o demônio do Namikaze sabia ser intimidador. Era quase como se ele possuísse uma aura escura e sufocante.
— Se não se sentar agora, Hyuuga, vou expulsar os dois da sala! — Iruka ameaçou já sem nenhuma paciência, se metendo entre os dois. Naruto continuou encarando o garoto que se sentou devagar na cadeira.
No momento em que o olhar dos dois se desfez Neji percebeu que havia ficado sem respirar. Nunca admitiria, mas sentiu alívio quando o professor se meteu. Aquele olhar nunca falhava em o aterrorizar.
— Foi como pensei. — Namikaze zombou virando para frente.
O garoto franziu a testa e fechou os olhos. O professor suavizou mais o rosto, ainda de frente a sua cadeira.
— Ei Naruto. Tudo bem aí?
Ele gostava dele, não era um menino ruim. Apenas um tanto rebelde, e um tanto antissocial também. Ele sabia como deixar todos loucos! Não seguia regras, fazia as coisas quando bem queria fazer. Estava sempre se metendo em problemas, aliás, tudo em si gritava encrenca.
Mesmo que aquela fosse um escola com todo tipo de figuras estranhas e inusitadas, nenhuma chamava mais atenção e ao mesmo tempo, tentava chamar menos atenção que Naruto Namikaze: sentava sempre na última cadeira da janela, não conversava com ninguém, tinha uma raiva contida que quando explodia resultava em catástrofes, e segundo os alunos, uma série de esquisitices. Pouco se sabia sobre ele, apenas que já havia sido expulso de tantas escolas que ninguém sabia quantas. Todos os tipos de problemas aconteciam ao redor daquela criatura.
E claro, corriam diversos boatos sobre os motivos, até mesmo que ele havia matado um professor, um aluno dissera que o ouvira falar com o diabo no banheiro masculino, uma outra falara que a prima da amiga do vizinho da enteada que havia estudado com ele em outra escola dissera a ela que ele havia incendiado sua antiga escola e por aí ia.
O fato era que, todos eram unânimes em dizer que havia algo não comum no garoto estranho, sempre com suas roupas estranhas e seus fones no último volume.
Porém, Iruka sabia que havia algo a mais além de toda aquela solidão e língua afiada pingando ironia. Era seu método de autodefesa. E bem sabia que por trás de toda aquela rebeldia, respostas prontas e tatuagens devia haver muitos problemas. O incomodava em demasia o olhar do garoto. Era cheio de raiva e solidão. A maioria dos professores evitava lidar com ele, para todos, significava problemas. Iruka, era o único que ainda tentava colocar algo naquela cabeça loira. E sabia que o menino era um tanto mais inteligente do que a maioria, e claramente do que mostrava.
Se ao menos usasse para algo produtivo...
— Naruto? — Perguntou um pouco mais preocupado quando o garoto balançou a cabeça e fechou os olhos apertados. Alguns alunos olhavam disfarçadamente. A estranheza os repelia, e ele mesmo não fazia questão de se misturar com ninguém.
— Ele deve ter forçado demais a cabeça para pensar, não deve estar acostumado. — Dessa vez a voz foi feminina. Namikaze, com a testa ainda franzida, encarou a menina pequena de pele pálida sentada duas cadeiras ao lado da sua. Encarou-a, mas ela não recuou como o primo, ao contrário, ergueu uma sobrancelha negra delicada e sorriu sarcástica.
— Quer defender o priminho também, Hyuuga? Ou está tentando apenas chamar minha atenção?
— Só em seus sonhos, Namikaze. — Ela riu. — E não tenho medo de cara feia.
— Deve estar acostumada com a sua todos os dias, princesa.
— Está perdendo o jeito com as piadas, Namikaze, já foi mais criativo.
— É meu último aviso. — Iruka falou sombrio. Qual era o problema daqueles garotos? — Sua situação também não está boa, Senhorita Hyuuga, estou em meu limite com vocês dois, toda vida é a mesma coisa. Fique calada e faça sua prova.
A menina deu de ombros e voltou sua atenção para seu teste. Havia uma rixa entre esses dois desde o dia que o garoto pisara na escola, era de conhecimento de todos os professores e alunos. Eles sempre conseguiam uma brecha para se bicarem. De pequena e delicada a Hyuuga apenas possuía a aparência.
Namikaze gemeu baixo capturando a atenção do professor. Começou a bater o pé direito no chão. Ele sempre fazia isso quando ficava nervoso.
— Eu tenho problemas sensoriais, pode ver na minha ficha. Os sons do ambiente são muito altos para mim, os fones me ajudam a me concentrar.
O garoto o fitou sério. Iruka o encarou duvidoso. Então suspirou.
— Se eu descobrir que isso é uma brincadeira... Você está a um fio aqui nessa escola, Naruto —falou bem baixo, mas alguns alunos ouviram. — Já foi expulso de sete antes, e em três meses aqui já se meteu em muita confusão. Você não está com crédito para mais nenhuma travessura.
O garoto nada disse, O professor lhe estendeu os fones e ele os colocou na altura máxima, logo suavizando o rosto para sua comum face entediada.
O professor voltou para sua mesa, o observando de longe.
O que você mais gosta em sua vida?
Nada, Naruto pensou. Será que era para falar a verdade?
Minha vida é uma merda.
Uma bela síntese.
Ficou desenhando na folha até o horário terminar. Saiu da sala antes de todos, jogando o papel na mesa do professor de qualquer jeito sendo seguido por um par de olhos muito claros.
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Ele caminhava pela neve, todo o seu corpo gritava e mal sentia os pés, enquanto o gelo os cortava deixando as pegadas de sangue para trás. Caminhava ao léu, atordoado, fugindo de algo. Sangue pingava por sua perna até o chão e imagens distorcidas tomavam sua visão.
As vozes gritavam em sua cabeça, as sombras pareciam querer pegá-lo e continuava se arrastando, até chegar a um beco escuro e cair de barriga para cima. Não sentia mais nada além da dor em seu peito, sufocante, das lágrimas congeladas em seu rosto. E aquelas vozes.
— Menma. — Soluçou chamando o único nome da pessoa que sempre o socorrera. Não havia mais ninguém agora. Continuou jogado ali com aquelas malditas imagens que não queria ver passando e repassando em seus olhos com a neve caindo em seu rosto.
— Parem, parem... — Sussurrou. -—Eu não quero ver nada... Por favor...PAREM! Menma! Faça parar, Menma...
Alguém se aproximava enquanto se jogava naquela estranha letargia. Sentiu algo quente o envolver e mergulhou no escuro pouco depois de um rosto pálido de um homem tomar sua visão.
Abriu os olhos atordoado com o sonho. Sentiu os braços da garota ao redor de seu peito o abraçando por trás e os removeu com cuidado. Ela resmungou durante o sono e se virou para o outro lado, agarrando o travesseiro.
Naruto saiu da cama procurando as calças jogadas em algum canto do quarto e as vestiu com agilidade. Tocou no chão gelado descalço, recordando da sensação da neve em seus pés machucados.
Mas não havia neve ali. Na verdade, era uma noite quente, abafada. Talvez no outro dia caísse uma tempestade.
O quarto era iluminado apenas por um abajur no canto e pela luz dos postes na rua que vinha pela janela aberta do apartamento. Mesmo assim, podia antever o espaço, conhecia de cor as paredes púrpuras do quarto dela, os diversos quadros, alguns seus, o piano no canto, as flores espalhadas e tantos livros que mal se caminhava por ali. A casa quase sempre tão vazia, o pai dela estava sempre viajando. No fundo, apesar de todo o ambiente rico, ela era mesmo tão sozinha e fodida quanto ele.
Ele parecia totalmente errado no ambiente, mas se sentia estranhamente confortável ali. Caminhou até a janela e ficou olhando para a rua do quarto andar. Devia ser por volta das 4 da madrugada naquele momento.
A garota despertou de seu sono, atordoada ao tentar tocar o outro na cama e não sentir o seu calor. Apalpou e abriu os olhos, procurando e avistando-o parado como uma estátua olhando pela janela, os braços cruzados e a expressão pensativa. Era raro vê-lo assim. Sem a expressão de sarcasmo tão comum sua. No fundo ela sabia que ele apenas usava isso para se defender. Admirou as costas largas. Ele não era tão alto para sua idade, era até um pouco baixo, mas o corpo tinha proporções que a deixavam admirada, sem exageros. Ele por vezes lhe lembrava um guepardo, com seus músculos longos e esguios sempre escondidos com as roupas escuras. E ela bem sabia que ele era tão rápido quanto um.
E havia a tatuagem gigante que cobria todas as suas costas, desde o ombro esquerdo até a curva da sua coluna. Era desenhos que ela não entendia, pareciam símbolos que cobriam tudo, até mesmo parte de seu braço esquerdo era tomada. Ela perguntara diversas vezes a origem, mas aquele idiota nunca lhe contava. Aliás, nada sabia sobre o passado do seu.... Namorado? Caso? O que o Namikaze era para si afinal? Vinha se perguntando isso há meses desde que começaram a se relacionar. Se é que podia se chamar aquela loucura de relação, ou apenas sexo casual, no fim das contas. Eles passavam boa parte do tempo fingindo se odiar na escola, e fora dela... Bem, coisas interessantes aconteciam.
Ela realmente dizia a si mesma que não passava disso. Afinal, apesar de lindo, gostoso e tinha que admitir, genial, o garoto era sim, como todos diziam, muito estranho. Ela nunca o encontrava na cama quando acordava, ele sempre sumia antes do amanhecer. Às vezes ele acordava no meio da noite agitado, e muitas outras coisas estranhas aconteciam ao seu redor. Fora que não sabia nada dele.
Quem era o Namikaze, afinal? O sujeito mais estranho da escola, não falava com ninguém, sempre arranjava encrenca, não tinha passado, não sabiam onde morava, com quem, quem pagava sua escola, como se sustentava. Tudo o que sabiam da vida dele eram boatos que criavam.
Ele bem podia ser um assassino. Mas, diabos, não conseguia se afastar daquele maldito!
Caminhou nua até ele e o abraçou por trás. Ele não pareceu surpreso, como queria.
— Maldito, nunca se assusta. — Sussurrou na ponta dos pés em seu ouvido.
Ele deu sua risada baixa e rouca, sem se virar.
— Eu sou vidente. — Zombou.
— Eu pensei que falava com o diabo, é o que todos falam. — Ela rebateu sarcástica.
— E que vendi meu fígado em uma aposta, e que vendi minha mãe, e que sou canibal, um serial killer...
— E que vê coisas, não esqueça.
— Eu vejo mesmo.
Ela nunca sabia quando ele estava falando sério.
— Claro que vê. — Rebateu sarcasticamente.
Ele nada respondeu, apenas se virou e a fitou, agarrando sua cintura enquanto olhava o corpo pequeno e nu com malícia. Ela fitou o rosto coroado pelos belos cachos loiros, sempre cobertos por aquela maldita touca dele, agora livres lhe davam uma aparência estranhamente angelical.
Os traços eram um tanto delicados para um homem, a fronte fazia uma bela curva em proporções ideais para com o nariz. Todo o rosto era bonito, desde o queixo, as maçãs do rosto e os lábios, ela fitou tudo. Os lábios eram cheios, um pouco mais o inferior. Os olhos tinham um azul perfeito, e ele tinha uma cicatriz na sobrancelha esquerda, que trazia uma falha leve. A pequena argola que usava na orelha direita, os olhos maliciosos, por vezes raivosos os irônicos, o faziam parecer um pirata. Um garoto mau e extremamente atraente, o que não devia ser para ela, uma garota rica e fina criada em meio a babados e Bethoven.
Se pelo menos seu pai a visse agora.
— Está me comendo com os olhos. Quer tirar uma foto, princesa?
— Ora seu bastardo...
Ele a segurou forte a jogando na parede tão rapidamente que ela ficou sem ar por instantes. Então ouviu a risada rouca em seu ouvido.
— Vai ficar olhando para minha cara ou fazer algo mais interessante?
Precisava responder?
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— O que vai fazer agora?
A voz de Kurenai o alcançou com a estática do outro lado da linha e Itachi suspirou olhando para o teto. Estava jogado na cama que um dia fora de seus pais depois de deixar a casa apresentável.
Ele sabia que ninguém mexeria com ele naquele lugar por enquanto. Por ser sobrinho de quem era, e pelo tio provavelmente tê-lo colocado sob vigília. Ainda assim havia espalhado armas por lugares estratégicos seguindo os padrões que ele e Shisui haviam aprendido com Madara desde criança.
— Procurar a ponta do fio. — Respondeu ao cabo de instantes e após ouvir um suspiro irritado da outra. Kurenai nunca foi o símbolo da paciência. E nem a idade a ajudara.
—Ok, entendi tudo. — Ela zombou. — Sabe que detesto esses códigos seus e de Shisui. São irritantes.
— Vou procurar a Senju. — falou resignado.
A outra se calou, e então soltou um riso abafado.
—Boa sorte.
— Eu sei. — Falou em tom um pouco temeroso. — E obrigado por me tranquilizar. — Ironizou no fim.
Ela riu mais. Kurenai podia ser tão cruel.
—Ela vai moer seus ossos por ter sumido.
Itachi sentiu-se apreensivo. Poucas coisas causavam medo no jovem Uchiha, mas com certeza Tsunade Senju era uma delas. Era algo como uma "mestra" para Kurenai e ele. Uma velha psiquiatra que como todo bom psiquiatra tinha um pé na loucura, resolvera ir trabalhar justamente no distrito Uchiha quando eles eram adolescentes, para ajudar os jovens do local, por assim dizer. Era um pedido para ser morta, já que os jovens perdidos eram a melhor mão de obra para o crime no lugar.
A mulher enfrentara tudo, o crime, as tentativas de assassinato, e até mesmo Madara Uchiha. Na primeira discussão dos dois ela gritou com ele e o esbofeteou. Era pedir para morrer, mas a coragem da mulher (e a loucura) encantaram o Uchiha poderoso.
Se tornaram melhores amigos depois de acabar com a adega de vinho da casa e cantarem a plenos pulmões "Sabore de sale". Ninguém ousou mais mexer com aquele ser peculiar. Eles formavam uma dupla estranha demais para alguém se meter no caminho.
De certo modo, foi Tsunade que salvou Itachi daquele mundo. Por causa dela se tornara psiquiatra e enfrentara tudo, pois se um ser frágil podia entrar no meio do ninho de cobras e ficar imune a veneno, ele podia sair limpo daquele mundo obscuro.
Mas Tsunade não era nada frágil.
E continuava uma velha louca.
E Itachi morria de medo dela, principalmente depois de sumir por anos e não dar notícias.
—Ela vai cortar seu pênis e jogar para os cães, vai furar seus olhos e deixar que seu sangue banhe o...
— Chega, já entendi! — Interrompeu a outra que falava de modo sombrio.
—Não queria estar na sua pele!
Nem Itachi gostaria, mas se havia alguém que conhecia a mente de cada ser do distrito era Tsunade, ele precisava dela. Descobriu que a mulher agora trabalhava em uma clínica fora do distrito duas vezes por semana. Para ele, seria bem melhor conversar com ela fora dos muitos olhos daquele lugar.
Só esperava sair vivo dessa.
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Visualizou o local. Nunca imaginou que Tsunade trabalharia em um lugar daqueles hoje em dia. Era organizado demais.
Era, rico demais.
Às vezes se esquecia que a loira apesar de bancar a hippie tinha muito dinheiro. Os Senjus eram uma família milionária, uma das maiores da cidade de Konoha. Eles e os Hyuuga juntos tinham 70% do capital limpo que movia Konoha.
O capital sujo, por assim dizer, ficava com os Uchiha. Mas isso era uma longa história para se pensar, Itachi no momento queria arranjar uma maneira de convencer a mulher a o ajudar e não ser morto.
Entrou no lugar, se anunciando na recepção. Era uma clínica psiquiátrica, mas mais parecia um hotel, com um lindo jardim e dentro várias salas e salões onde circulavam os internos bem-comportados.
Itachi recebeu a ordem de esperá-la, mas começou a circular pelo local, com curiosidade. Nunca teve realmente ambição de trabalhar em uma clínica, sempre soube que seu ramo seria forense, mas achava curioso como elas funcionavam. Hoje em dia não era tão comum as clínicas que internavam pacientes em tempo integral. Estava se tornando algo ultrapassado, e com razão.
Tsunade mesmo sempre falou isso, não entendia como ela então trabalhava justo em um lugar como aquele.
Pensava nisso quando um som peculiar lhe chamou a atenção em uma das salas.
Tentando adiar ao máximo o encontro com sua loira assassina, colocou a cabeça para dentro da porta devagar, até porque o som era muito bonito. Era piano, uma sonata de Bethoven. Sasuke amava piano e amava Bethoven.
Aquele som o puxava por isso. Era quase como se pudesse ver o irmão ali, e seu coração acelerou ao imaginá-lo por trás da porta quando a abrisse.
Por um momento seus olhos lhe pregaram tal peça e ele o viu lá, sentado no piano de canto de madeira naquela sala cheia de instrumentos, por onde a luz passava pela janela, cegando seus olhos nas paredes muito brancas.
Abriu um sorriso surpreso.
Que morreu quando ele piscou com a luz e acostumou a visão. Não era Sasuke, longe disso.
Era um garoto totalmente diferente.
Os cabelos eram loiros e cortados de qualquer jeito, caindo para todos os lados em uma bagunça por debaixo de uma toca preta que o cobria, e tinha fones nos ouvidos. De onde estava, podia ver seu perfil, de olhos fechados. A pele tinha uma palidez um pouco doentia, como se houvesse passado muito tempo em um lugar fechado. A única coisa em comum com Sasuke era o perfil um tanto delicado para um homem, da curva da testa, nariz e queixo, tudo em linhas suaves de mais, como se fossem sumir com um sopro. As semelhanças acabavam aí. Ele era menor, mensurou 1,70 no máximo na análise rápida. E parecia ser mais jovem também, teria no máximo seus vinte anos.
Ainda assim, se fechasse os olhos, poderia imaginar seu irmão ali, com aquela mesma expressão concentrada. E isso o fez continuar olhando o garoto até que o som parou de forma abrupta e encontrou dois olhos muito azuis o fitando surpreendidos.
O garoto abriu um pouco a boca, olhou de Itachi para a porta, então franziu a testa com uma expressão irritada e voltou a fitar o teclado, agora com as mãos no colo em silêncio enquanto movia os dedos nervosamente.
— Desculpe, só estava ouvindo a sua música. — Falou com a voz serena que usava com seus pacientes.
O outro resmungou algo baixo como resposta e Itachi mais uma vez viu Sasuke naquele estranho. O garoto se levantou da banqueta rapidamente e pegou algo sobre o piano, uma pasta. Ao tentar sair apressado a pasta se abriu e derrubou tudo no chão.
Quando Itachi se abaixou para ajudar a pegar o que caíra perto de si o garoto gritou.
— Não toque nisso!
A voz era rouca e agressiva. Olhou para os papéis rapidamente e eram desenhos a carvão. Não teve tempo de analisá-los a fundo, pois mais rápido do que pensou possível eles foram arrancados da sua mão.
— Você é surdo, cara? Disse para não tocar, Corvo intrometido.
No instante em que as mãos se tocaram o garoto se retesou. Por alguns segundos ele apertou sua mão, então a soltou rapidamente e o encarou parecendo confuso.
Por alguma razão, os olhos desviaram de seu rosto e foram para algum ponto nas suas costas. Os olhos azuis se arregalaram, a expressão presa em um som baixo. A expressão antes confusa ficando momentaneamente temerosa.
— Você não devia ter voltado para essa cidade.
O garoto falou depressa e então mordeu o lábio como arrependido, olhos muito azuis nos seus.
— Como? — Questionou confuso a figura estranha.
A porta se abriu fazendo com que ambos quebrassem o contato visual e quem entrou por ela fez Itachi gelar.
— Peguei você!
— Tsunade... — falou desanimado. A loira parou com sua face demoníaca e olhou a cena que se passava, os olhos surpresos.
— Naruto? O que faz aqui ainda? Sua sessão terminou há horas.
O garoto resmungou e passou por entre os dois rapidamente.
— Itachi. — Falou o fazendo se virar já na porta.
— Como é?
— Sou Itachi. — Corrigiu um pouco divertido. — Não Corvo.
— Azar o seu.
O garoto deu de ombros, o encarando.
O olhar dele era cheio de raiva e talvez estivesse errado sobre a idade, o vendo de perto, ele parecia mais novo, um adolescente ainda. Uma cicatriz fina e branca na testa, e algo que agora chamava sua atenção: as cicatrizes nos pulsos.
Tentativa de suicídio, talvez.
O contato foi quebrado quando o garoto saiu batendo a porta. Tsunade assobiou.
— Ele falou com você? — Perguntou curiosa, esquecendo que queria matar o jovem na sua frente.
— Claro. Por que a surpresa? — perguntou confuso.
— Ele faz terapia a pedido de um amigo meu aqui há meses, e ele nunca falou com nenhum dos médicos. Simplesmente fica calado durante toda a sessão e vai embora. Seu caso é bem complicado, e não está progredindo em nada.
— Não estávamos em uma sessão.
— Talvez... — A mulher ficou pensativa. E então virou para ele e o olhar dela o fez recuar. — Temos assuntos né, Uchiha? Não mude a conversa.
Definitivamente, Tsunade Senju era assustadora.
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