Notas iniciais

Naruto está fazendo 17 anos, mas na verdade é 23. Como lidar com os conflitos entre sua idade real e mental e ainda assim se sentir mais velho do que os dois?

E como saber onde é casa?

Às vezes eu tenho medo do meu coração, de sua constante fome por seja lá o que ele queira.

Edgar Allan Poe

Cinco anos após a morte de Kyuubi

UZUSHIO ERA UMA CIDADE PARADA NO TEMPO, COM SUAS PAREDES DE GESSO BRANCAS E CALÇADÃO DA ORLA FEITO DE CALCÁRIO. Quando o sol de fim de tarde batia ali, tudo se coloria em dourado, como se a cidade fosse feita do mais puro ouro. Esse cenário era algo que havia marcado sua infância.

Dali de cima, da grade do farol antigo, ele conseguia ver a vila banhada pelo sol, o porto com os barcos de velas coloridas ancoradas, a cor dos containers da área de carga e o navio de pesca industrial ao longe no mar.

Naruto conseguia ver sua casa. Não o lugar onde Kyuubi quase havia o assassinado, mas o lugar onde foi mais feliz em sua vida. Onde podia ver os resquícios de sua família na orla. A pequena cidade banhada a ouro e perdida no tempo. Como Naruto.

O som das pegadas o tirou do seu devaneio, mas não precisou se virar para saber quem era. Apenas uma pessoa sempre o encontrava.

— Aqui está você.

A voz de Itachi tinha um toque de puro alívio e Naruto imediatamente se sentiu corar em culpa.

Naruto não queria preocupar de ninguém, ele odiava se sentir um incomodo, mas havia certas urgências que ele não conseguia controlar. Uma delas era querer ficar sozinho em certos momentos. Fugir e desaparecer por algumas horas que fossem.

Esse era um desses dias. Seu aniversário. Ele estava fazendo 23 anos de idade, um adulto em todos os sentidos. Ou seria 17? Ele não conseguia ter certeza mais. Como Uzushio, ele havia parado no tempo, como acordado de um sono profundo e todos haviam o deixado para trás.

Às vezes, Naruto não se sentia com a idade do seu corpo, nem com a idade de sua mente. Ele se sentia ancião e cansado, ou atemporal. Como Uzushio, com suas paredes tão resistentes que nada as derrubava, mas que nem assim havia passado incólume pelo tempo e a maré. Suas colunas infiltradas e os tetos que arrastados eram uma prova disso. Nada é resistente demais que não possa ser danificado.

Itachi estava falando com Kurenai no telefone rapidamente, Naruto podia ouvir a voz dela preocupada do outro lado antes que Itachi desligasse.

Ele não havia pensado antes de sair (fugir) no meio da madrugada, como sempre.

Por mais que amasse o distrito, havia certos momentos que precisava sair de lá, sentir que não estava em uma prisão.

Voltar para casa.

— Me desculpe. — Itachi o olhou com um sorriso, mas Naruto não ficou menos culpado. — Eu só queria...Um tempo, eu acho.

—Tudo bem, apenas tente avisar, sim?

Os dois sabiam que ele não faria isso, mas era um bom sentimento.

— Eu espero que isso não tenha sido para fugir da comemoração. — Itachi riu pelo olhar alarmado de Naruto. — Uma pequena comemoração. — Corrigiu.

Naruto o olhou com suspeita. Nunca era algo pequeno com Madara.

Itachi deu uma pequena risada e Naruto sentiu seu rosto aquecer, desviando os olhos para o povoado abaixo. Ele sabia, por momentos prévios, que Itachi não olharia para o porto, havia más lembranças para ele ali.

Pelo canto dos olhos, observou o perfil dele recostado na grade ao seu lado, os braços quase se tocando. Itachi tinha um perfil suave, um rosto atemporal, que ora parecia mais velho ou mais jovem do que era. Eles tinham 13 ou 14 anos entre os dois, se recordava bem. E ainda assim, havia alguns momentos, como agora, que essa diferença parecia não existir.

Desviou os olhos quando ele o pegou observando, o rosto esquentando ainda mais.

Naruto não sabia como definir a relação dos dois. Desde o beijo na festa de Hanabi eles pareciam mais próximos. Às vezes eles se beijavam, principalmente no último ano, mas Itachi sempre esperava que desse o primeiro passo e nunca ia além disso. Eles dormiam juntos na mesma cama, mas também não ia muito além do conforto. E Naruto...Naruto não sabia o que pensar.

— Você quer morar aqui? — A voz de Itachi interrompeu seus pensamentos e o olhou, surpreso. O outro sorriu com sua confusão, uma mão se erguendo entre os dois e tocando de leve seu rosto. — Em Uzushio. Por isso sempre vem aqui?

Naruto pensou sobre isso. Ele queria? Ele amava Uzushio, mas havia lembranças demais ali. Passado demais e Naruto gostava de visitar o passado, mas não queria ficar preso a ele.

E Itachi parece triste quando vem aqui. Pausou com esse pensamento, notando que sempre pensava em seu futuro com ele por perto.

Negou com a cabeça e Itachi largou seu rosto devagar. Naruto quase deu um passo em direção a ele, querendo que ele mantivesse o contato.

— Se mudar de ideia, podemos resolver algo para nós.

Nós.

Havia um nós para Itachi também. Entre os beijos breves e o conforto. Na forma quase hesitante com que ele afundava seu rosto no cabelo de Naruto às vezes, dando pausa para o deixar fugir. Mais de um ano e ele continuava fazendo isso, como se esperasse algo que Naruto não sabia o que era.

Um nó de ansiedade cresceu em sua barriga ao pensar nisso, porque ele percebeu que queria mais. Naruto havia percebido que seu jeito de gostar de Itachi era diferente de como gostava dos demais há muito tempo.

E Itachi o olhava daquela forma, como agora, com olhos tão suaves e ternos e Naruto sentia que tudo ficaria bem. Ele sempre havia o olhado assim, como se Naruto fosse especial e importante e precioso demais.

Às vezes, ele queria perguntar a Itachi porque ele o olhava assim. Ele queria saber o que havia acontecido entre eles antes, entre aquele Itachi e aquele Naruto que não lembrava. Que era ele, mas também não era. Se Itachi amava aquele Naruto. Se ele o amava também.

Por que ele hesitava tanto?

Você tem medo do quê, Itachi?

Naruto não tremia perto dele, de nenhuma forma. Era o único toque que não lhe gerava nenhuma reação negativa há anos. Seria sua idade? Ou talvez ele achasse que Naruto era quebrado. Itachi havia visto o seu pior e isso devia o assustar. Então por que ele o olhava assim? Era terno, mas diferente. Não era como ele olhava para os outros. Havia algo ali, algo mais.

— Você me ama? — A pergunta saiu sem filtro e se encolheu, arregalando os olhos. Itachi havia paralisado ao seu lado, os olhos escuros indecifráveis. Naruto se empertigou. Agora que havia falado, ele iria continuar. — Por isso me olha assim?

Por alguma razão Itachi sorriu, largo. Diversão óbvia nos olhos que quase o fez se encolher em mágoa. Algo deve ter se passado em seu rosto, pois logo a expressão dele se alertou e as mãos tocaram seus ombros, uma delas subindo para o seu rosto.

— Calma, não estava rindo de você. Isso só foi...familiar. — O olhou confuso. — Não importa agora. E respondendo sua pergunta, sim. Eu amo você.

Naruto sentiu seu coração acelerar, o rosto ficando vermelho. Piscou lentamente e assentiu em entendimento.

— Romanticamente? — Questionou para ter certeza.

— Romanticamente. — O lábio dele se retorceu. — Não te beijaria se não fosse assim.

— Ah. — Naruto assentiu e Itachi ergueu uma sobrancelha. — Eu amo você também, claro. — Ele falou em um tom óbvio e o homem soltou uma pequena gargalhada.

— Claro. — Ele o imitou. — Você é realmente alguma coisa, não é?

Naruto virou o rosto, um pequeno sorriso nos lábios, finalmente mais aliviado.

— Uma coisa boa?

Itachi o puxou para perto e beijou seu rosto, sua testa, seus lábios.

Quando ele o soltou, estava o olhando daquela forma novamente, mas parecendo mais leve do que jamais havia o visto. Naruto não sabia o que havia feito para o deixar assim, mas tinha a sensação de que as coisas mudariam depois disso. Alguma barreira havia sido derrubada.

Ele o beijou novamente e dessa vez foi algo mais urgente e profundo, que fez seu corpo derreter no lugar. Sem hesitação alguma. Quando o largou, Naruto suspirou, um pouco zonzo.

— Algo bom. — Itachi beijou sua testa suavemente. — Algo incrível.

E Naruto? Naruto, naquele momento, acreditou nisso.

E de repente, não importava se ele amava o outro Naruto, porque ele o amava também. Ele o amava e Naruto tinha certeza disso. E não importava o passado. Era a mesma razão de ele amar Uzhushio, mas não querer morar ali.

Não se valia passar a vida olhando para trás e acabar deixando passar o que havia na sua frente.

— Vamos para casa.

Itachi sorriu, o puxando pela mão para as escadas, os dois caminhando em silêncio pela areia da praia.

Uzushio havia sido casa por anos, mas ele sentia que sua casa agora era outra.

Era Itachi.

...................................................

Notas finais

Momento análise.

Um detalhe que vi enquanto escrevia isso, que é uma das principais diferenças entre Naruto pós Kyuubi e antes dele: Esse Naruto se curou de forma diferente. Seria como ele teria sido caso Tobirama não tivesse tirado a segunda família dele, Karin, Menma e Sasuke. Ele teve sua cura interrompida pela tragédia e não conseguiu evoluir como deveria, como merecia. O que é, é um tanto triste de perceber. Pelo menos nosso garoto teve sua chance de viver agora.

A hesitação de Itachi era ele esperando por Naruto, mais do que qualquer coisa. Ele só o alcançaria até metade do caminho, o resto ele teria que vir sozinho.

E algo que irei trabalhar em outro capítulo, quem leu antes já sabe: Pela própria situação, os dois se tornaram dependentes um do outro e tudo o que Naruto conheceu foi o amor dessa forma vindo dele, o que pode ser um problema. Como ele vai saber que Itachi é o melhor para ele? Caso Naruto não viesse até ele, caso ele, por exemplo, amasse outra pessoa dessa forma, seria algo que Itachi teria que aceitar. Enfim, tudo acabou bem.