IV
Eufrosina: na mitologia grega, era uma das graças. Personificação da alegria.
Paladino: Cavalheiro andante
Hyung : Na Coreia do Sul, é como um garoto/homem chama um garoto/homem mais velho que ele, podendo este ser um amigo ou um irmão.
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Capítulo 4
Folhas de Outono
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Hyunjin encarou as folhas em suas mãos. Achava errado de sua parte ter levado a pasta de Changbin consigo e ter lido cada palavra, cada pequena anotação feita com letra que mutava entre linhas emboladas e uma tão redondinha e bonitinha que nem parecia ter sido feita pela mesma pessoa. Conseguia enxergar com clareza toda a poesia envolta e os sentimentos mais profundos que se escondiam na timidez do Salteador e seu alter ego. Chegou ao ponto de sentir o gosto amargo da cobiça subir pelo esôfago, numa clara ascensão da inveja de sentimentos tão lindos e tristes, sentimentos estes que adquiriam forma e cheiro, cores quentes e frias, que conquistavam voz e melodia pelas mãos do Seo. O Príncipe se afogava em sua liquidez sentimental, em ondas constantes de algo indefinido, sem forma, volúvel como a àgua..
A noite em claro fora completamente acompanhada por sentimentos que não pertenciam a ele. Havia tanto transbordando das palavras, inundando completamente seu âmago e silenciando a Solidão. A sensação de conhecer quem era dono de tanto amor desperdiçado e de palavras que desenhavam Eufrosina adornada em simplicidade, o fazia não se sentir tão só. Havia um quê de conforto nas letras de Changbin, que exprimia sentimentos sobre amor, solidão e sonhos, bordando palavras permanentes.
Hyunjin deixou as palavras dançarem em sua língua, tomarem forma e acompanharem seu vazio. Quando já não haviam mais palavras para saciar sua solidão, encontrou-se com a branquidão das folhas, e tudo se tornou um grande e monocromático silêncio.
Deixou a frustração se tornar um suspiro, ao passo que seus olhos buscaram algo para se agarrarem. O relógio na parede, com suas engrenagens aparentes e seu tic-tac incessante avisava que o tempo passava vertiginosamente, porém trazia consigo dor lenta e em pequenas doses. O Conselheiro havia lhe mandado uma dezena de mensagens, estava lhe esperando na empresa para irem à uma sessão de fotos para uma revista nacional . Era hora de se despedir do vazio que habitava sua torre.
Se levantou da cama, a pasta do compositor ainda sobre a mesma, e apenas pegou um boné e óculos escuros. Afagou os pelos de seu fiel escudeiro, que parecia saber de tudo o que ocorria, e lhe deu vários beijinhos molhados nas mãos. O Príncipe fechou a porta de sua torre, iria buscar Yang Jeongin. Seu interior se agitava imensamente com a ideia de não ouvir mais a cantoria desafinada do silêncio todas as manhãs, de ter sua torre menos vazia e não encontrar as luzes apagadas a noite em sua calmaria distorcida.
As ruas vestiam o alaranjado das folhas secas, longe da hora dourada, e as árvores mostravam seus galhos retorcidos em completa nudez, enquanto a carruagem do Príncipe Solitário parecia deslizar sobre o asfalto. O sol iluminava o dia de forma preguiçosa e tímida, deixando seus raios dançarem entre as nuvens e tocarem o solo cinza. Hyunjin tinha as mãos no volante e a cabeça em viagem constante, via seu reino passar por si, como se corresse para longe, sempre tinha esta impressão. O zéfiro outonal brincava com as folhas caídas, deixando seu rastro de invisível coberto pelo laranja morto.
Estacionou o carro no endereço recebido, uma rua quieta com algumas casas simples e coloridas, soltou um suspiro pesado e saiu, ajeitando os óculos escuros para não ser reconhecido. O Peregrino estava o esperando em frente a uma casa amarela e simples, assim como tudo naquele bairro. Nada de castelos de vidro construídos por ganância e banhados a ouro, Hyunjin não disse nada ao Peregrino, apenas lhe entregou um envelope com dinheiro. Parte de si achava que era um erro entregar tanto nas mãos de Hwang Hyunbin, pois sabia que ele gastaria tudo em bebida e apostas, mas apenas não deu ouvidos à essa parte, e se agarrou na esperança de ele ser para Jeongin o que não havia sido para si.
Quando o Yang apareceu, com a mochila nas costas, os cabelos caídos sobre o rosto e o olhar fixado nos tênis amarelos, a Solidão se incomodou no âmago do Príncipe, soltou um grito rouco e afônico, quando o garoto entrou na carruagem do Hwang, e dormiu profundamente no interior do modelo. Jeongin parecia ter perdido algo imensurávelmente importante e, talvez, compartilhava da mesma ausência que a de Hyunjin.
O carro deixou para trás o Peregrino, e também o mundo que Jeongin conhecia e que Hyunjin desconhecia completamente. Era pressa e saudade antecipada, ansiedade e receio misturados.
Jeongin olhava pela janela, como se tivesse a intenção de guardar cada detalhe daquele bairro na memória. Sabia que não voltaria tão cedo, mesmo que ninguém lhe tivesse dito nada.
O silêncio era confortável entre o Príncipe e o Paladino. Sabiam que não havia muito a se dizer, e não queriam um monólogo de nenhuma das partes. Apenas se vestiam de calmaria, olhos vidrados no mundo em movimento, ambos em suas bolhas particulares. Pelo retrovisor, Hyunjin viu que o mais novo se parecia em demasia com Hyunbin, assim como ele mesmo, e voltando a prestar atenção na estrada, percebeu que, naquele momento, o Yang estava tão só quanto o próprio modelo. Talvez o mundo os tenha amaldiçoado com a sina da solidão. Apenas os sons exteriores se pronunciavam.
O Príncipe Solitário carregou uma das malas do Paladino até a sala de seu vazio apartamento. Cheio de luxos e escasso de calor. Kkami apareceu, animado com a aparição de outro humano que não fosse a simpática senhora que era paga para cuidar de si quando seu dono não estava em casa, e deu beijinhos molhados em Jeongin, que finalmente retirou a expressão desatenta de seu rosto e vestiu um sorriso animado. Hyunjin encarou o Yang sentado no chão, acariciando seu fiel escudeiro, e o outono se tornou um pouquinho de verão naqueles instantes, com os poucos raios de sol brincando na rua movimentada da cidade de vidro frágil e pessoas de olhos presos no chão, o céu numa mescla de azul e cinza e a risada do mais novo preenchendo todo o silêncio torturante.
— Eu preciso ir para a empresa agora.— o Príncipe disse, vendo as inúmeras mensagens de um Jisung desesperado em seu telefone. O mais novo o encarou como se esperasse algo mais, mas Hyunjin simplesmente colocou o aparelho no bolso e se direcionou até a porta.
— Obrigado por me deixar ficar, hyung.
O modelo encarou o Paladino, por breves segundos, e fechou a porta atrás de si.
A torre do Príncipe Solitário não estava mais mergulhada em um inverno inacabável, mas ele ainda sentia frio.
[...]
Jisung se aproximou, assim que a sessão chegou ao fim, e tinha com ele uma sacola com a logo de um fast-food. O Conselheiro Real sabia sobre a completa negligência de Hyunjin acerca de sua alimentação e, mesmo que hambúrguer e batatas fritas não estivessem em sua dieta, ele precisava comer algo.
— Você se atrasou, problemas para dormir novamente?— o manager entregou a sacola para o modelo, que esbanjava ferocidade, com os olhos negros marcados a lápis e a maquiagem ressaltando-os.
— Eu sempre tenho problemas para dormir, Jisung. — Hyunjin colocou uma batatinha na boca, sentindo o sabor nostálgico em sua língua, antes de voltar a falar: — Mas, dessa vez este não foi o motivo. Jeongin está em meu apartamento agora.
O Príncipe Solitário andou até o camarim, sendo seguido pelo Conselheiro, que em silêncio tentava assimilar o nome de alguma pessoa conhecida.
— Jeongin? Seu meio-irmão?
— Sim.— tirou a camisa estampada usada na sessão fotográfica e, como era outono e o tempo estava frio, a trocou por uma camisa de cor escura, um casaco azul, um cachecol e seus óculos, que usava em raras ocasiões, principalmente as em que estava tão desgastado que não queria lentes de contato lhe incomodando.— Hyunbin está repleto de dívidas, a mãe de Jeongin foi para o Japão e não voltará tão cedo. Ele precisava de alguém.
O Conselheiro não disse nada, apenas tentou decifrar o Príncipe, mas o modelo havia sido esculpido para ser incognoscível. Era difícil para o Han entender as ações e a forma de ver o mundo do modelo.
— Temos outra reunião com Changbin, amanhã. — quebrou o silêncio de minutos, assim que o Hwang terminara de se trocar.— Aproveite e devolva a pasta dele. — a última parte soou como uma repreensão, por mais que o semblante do Han fosse pacífico.
— Certo. — foi a última palavra trocada, antes do modelo sair, sem olhar para trás, deixando o prédio em passos largos.
Hyunjin se misturava à multidão de forma inimaginável. Sentia calor, sentia o nervosismo e a ansiedade. Andava encarando o chão, de forma apressada, cada vez sendo mais e mais engolido pelo comum. Até mesmo esbarrou em alguém e não foi reconhecido.
No outono ele não era luz de palco, ele era apenas luz de estrela, em meio a outras milhares. Entre supernovas, binárias eclipsantes e gigantes azuis.
Quando chegou a sua torre, assim que a cortina neon despontou pelo céu, Hyunjin soltou um longo suspiro ao ver o Paladino deitado, todo encolhido, em seu sofá. Jeongin exalava serenidade, abraçava um travesseiro e parecia uma criança indefesa naquele reino de vidro, prestes a se cortar.
O Príncipe Solitário estava tão cansado que não poderia evitar que seu mundo de luz artificial e colunas de espinhos ferissem o Yang. Kkami pareceu não notar o quão seu dono parecia saturado, ou talvez tivesse percebido e por isso dava seu melhor tentando doar-lhe um pouco de animação.
— Cuidou dele direitinho durante o dia?— o Hwang se abaixou, sentando no chão, pegando o cachorrinho nos braços. — Será que ele comeu algo?
Levantou-se, correndo os olhos pelo apartamento que parecia cada vez mais sufocante. Bagunçou os próprios cabelos, se rendendo ao cansaço. A sessão havia sido exaustiva, encenar ser alguém era torturante, principalmente para Hyunjin, que não fazia ideia de quem era, e se perdia entre suas máscaras. Soltando sua exaustão em um suspiro baixo, colocou um cobertor sobre o garoto que dormia na sala e deixou um pouco de ração para seu Escudeiro. Sentia a cabeça doer.
Precisava de calmaria, mas como poderia alcançá-la se era tormenta? Precisava atingir a superfície, mas como faria se pesava como uma âncora? Pegou os cigarros que deixava na última gaveta da cômoda de seu quarto, também pegou a pasta preta de Changbin e foi para a sacada, era o único local onde podia respirar.
A fumaça dançava, enquanto o modelo relia cada trecho pela enésima vez, sentado na poltrona cara e que havia sido escolhida por ter uma cor que agradava ao Hwang, enquanto tentava, num esforço vão e inútil, entender as entrelinhas das letras do Salteador. Nunca pensou muito sobre a profundidade que as palavras poderiam ter, mas lá estavam elas, prontas para lhe acolher, lhe machucar, lhe despir a alma e afogá-lo. Palavras que pesavam, que aliviavam, que eram simples e sinônimos, antônimos e preposições.
Em seu mundo de cristal, a tinta da caneta parecia muito mais bela à luz do satélite natural. Sem brilho opaco, sem transparência cortante, apenas linhas pouco emboladas, formando arte de brilho estelar, de mistério da consciência e de delicadeza inexplicável. Hyunjin quis transformar algo em arte pura, sem corrupção de seu ser, sem máscaras ou busca pela perfeição inexistente. Entretanto, o Príncipe Solitário já estava corrompido, perdido e perfeito. Sim, perfeito, pois a perfeição subjetiva como é, para o modelo era como ácido corrosivo e danificava tudo o que entrasse em contato.
O barulho de seu toque de telefone se espalhou entre a noite. Entre a agitação da cidade. Era um número desconhecido, possivelmente uma fã que havia descoberto seu número de alguma forma. As chamadas persistiram enquanto o Hwang olhava para as estrelas, até que adormeceu, sentado na não tão confortável poltrona.
Naquela noite, Hyunjin teve pesadelos, mas ao menos foi abraçado pelo sono. Era outono, e folhas secas caíam para que novas crescessem.
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Chegamos a mais um capítulo de Nessie! E, wow, 300 views em tão pouco tempo? De verdade, muito obrigada, pessoal.
Qual o personagem preferido de vocês até o momento? O que estão achando do desenvolvimento do Hyunjin? Contem aí, eu adoro saber as opiniões de vocês :)
Bem, como de praxe, nos vemos dia 30/08
Dêem muito amor ao novo trabalho dos meninos<3
Diretamente da Torre Cinzenta,
mxoonbebe
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