LUCAS ⇾ Sonho lúcido
●❯ ───── 「 🌐 」 ─────❮●
Celeste, como gosta de ser chamada, cresceu com uma habilidade que considera única: o poder de ter sonhos lúcidos. Todas as noites depois de dormir, Celeste é capaz de criar o seu próprio mundo com regras singulares, seres e inúmeras possibilidades de realizar o que não consegue quando está acordada. Governante desse universo imaginário, Chunghwa se auto nomeou Celeste, pois ama a tonalidade azulada entre a cor ciano e o azul, desejando acabar com as dúvidas do que é capaz de fazer assim como a cor celeste, que anula qualquer teoria que diz não existir até aparecer no céu do meio-dia.
Os últimos quatro meses esgotaram muito da energia emocional de Chunghwa. A garota começou a detestar a sua própria escolha de faculdade e enjoar dos hobbies que tanto ama, como desenhar. Todos os dias a caminho do cansativo trabalho de meio-período em um asilo, Chunghwa desenha o cenário que irá sonhar durante a noite. Presta bastante atenção aos detalhes e pensa exatamente onde este novo espaço irá se conectar ao seu mundo. Visto de longe, o seu universo imaginário é composto por ilhas flutuantes. Ela sente orgulho quando vê tudo o que criou em momentos onde não sabe exatamente o que mais colocar nas ilhas ou se deve criar mais uma; Celeste observa de cima o que nunca poderá realmente vivenciar.
A nova ilha é uma floresta escura. As árvores com folhagens densas deixam o caminho difícil de ser visto mesmo durante o dia, e é possível encontrar carros e vans abandonados por trilhas onde a grama é seca e não há vida animal. Chunghwa não sabe o porquê de repente este mundo veio à mente para ser desenhado, mas é como se algo estivesse chamando o seu segundo nome, Celeste, dia e noite durante os últimos quatro meses. Somente agora Chunghwa foi capaz de se acomodar em seus pensamentos torturantes sobre si mesma para, enfim, desenhar o cenário em seu tablet. A garota desenha com veemência, segurando de mão fechada a caneta touch. Não há como adicionar cores claras que representam vida no cenário, esta será a primeira ilha obscura de seu mundo imaginário, um marco que não se orgulha.
Satisfeita com os traços desenhados, Chunghwa tira a ponta da caneta da tela. O cenário carrega um grande peso visual. Ela não consegue explicar para si mesma o porquê de um lugar tão mórbido que poderia se tornar um cemitério pós apocalíptico. Olhando assustada para fora através da janela do ônibus, Chunghwa considera precisar de um terapeuta.
O dia em seu trabalho é, em sua maioria, muito calmo. Pode-se dizer que ajudar os idosos a se levantar e a locomover-se pela sala de entretenimento é a principal tarefa do dia, e isso é o que mais agrada Chunghwa. Muitos velhinhos não se lembram de seus familiares, e a jovem acaba se tornando uma filha para a maioria deles. Ao mesmo tempo que isso entristece o seu coração, uma pontinha flamejante flutua ao redor dele; um indício de felicidade por estar viva e ainda ser útil em poder ajudar outros.
Por gostar de criar as coisas imaginárias que vivem, Chunghwa não reage muito bem quando alguém passa por cima de suas criações, isto é: de alguma forma estragá-las, modificá-las ou dizer o que não deve.
Em seus momentos de folga, quando os idosos estão almoçando e sendo orientados por outros cuidadores condizentes com a tarefa, Chunghwa procura se aventurar pelos seus desenhos, seja para rir de si mesma ou só para admirar o mundo que criou.
Mas onde poderia ter deixado seu tablet? Chunghwa tem certeza que o guardou em sua mochila.
— Procurando por isso? — Uma voz bastante familiar para a jovem lhe desperta um sentimento aflito. — Eu gostei dos desenhos, achei todos eles criativos. — Apesar de um suposto elogio, a mulher em sua meia-idade reage com ironia.
— Peço desculpas, Senhorita Ahn, acabei por deixar minhas coisas espalhadas — Chunghwa diz com olhar sobre o seu tablet sendo segurado de qualquer jeito pela supervisora.
— É o que sempre diz, Chunghwa. Duas semanas atrás deixou que a pobre Sol machucasse o dedo em uma faca.
— Vale lembrar que a faca era de plástico, Senhorita Ahn...
— E isso importa? De qualquer jeito, você causou um ferimento em uma idosa. Nós não admitimos isso em nossa empresa.
— Não negligenciei nenhum cuidado, Senhorita Ahn, antes e depois do que aconteceu. Embora Sol seja esquizofrênica, em nenhum momento coloquei a culpa do ocorrido nela, aceitei de bom grado até mesmo a redução do meu salário neste mês...
— Está justificando o seu erro? Acha que é o suficiente?
Chunghwa não se atreve a enfrentar o olhar raivoso de sua supervisora. Porém, a forma como ela segura o seu tablet, a única coisa que a tira de seu profundo desespero, a preenche de ódio; sim, um profundo indicativo de vulnerabilidade.
— Volte imediatamente ao trabalho. Não quero vê-la causando mais nada a partir de hoje.
Chunghwa assente involuntariamente. A supervisora se afasta devolvendo em mãos de qualquer jeito o objeto.
Completamente arruinado.
— Eu não acredito que...
Aquela maldita supervisora conseguiu, de alguma forma, estragar a maioria dos desenhos de Chunghwa.
— Ela fez de propósito... Não tem como pintar aleatoriamente desenhos prontos!
Irritada, a jovem larga o tablet em cima da escrivaninha. Seu quarto, totalmente revirado, terá de esperar. Em seus planos, hoje seria o dia perfeito para arrumar toda a bagunça. Porém, repentinamente, Chunghwa terá de se acertar mais uma vez com sua mente, tirando todo desgosto e desalento que conseguir. O maior problema desses dias é que simplesmente não consegue levar embora nenhum sentimento negativo, todas as suas tentativas se tornam uma frustração sem fim, aumentando sua ansiedade com apenas uma pergunta: "até quando?".
Por que as pessoas não entendem as nossas prioridades? Quero dizer, não é tão difícil perceber que a escapatória da vida de Chunghwa no seu tablet, são os desenhos. Todos aqueles pintados, criados de forma triste, não deixam nítido como ela se sente?
Cansada de tentar, Chunghwa decide não se sentir viva hoje, apenas hoje. Os outros dias terão de esperar, e até mesmo o seu trabalho talvez possa entender o seu atraso de amanhã.
Agora é hora de dormir.
A lua minguante paira sobre o céu cor de rosa. Celeste ama observá-lo de perto enquanto caminha pela areia da praia. Seus pés sentem cada grãozinho e toda umidade da água, algumas vezes as ondas alcançam seus dedos. Criou esta paisagem quando se sentia feliz, e é por isso que a água do mar cintila na mesma tonalidade do céu. Respirar fundo traz o cheiro de peixes que tanto gosta; em seus sonhos lúcidos este é mais agradável do que na realidade. Dependendo do cenário, Celeste se imagina com um tipo de roupa. Neste a jovem se adorna em cores suaves de um traje tropical. Chunghwa se esqueceu da última vez que pisou na areia molhada da praia, mas Celeste não é capaz de deixar esse sentimento.
Um passo de cada vez, um sorriso por vez.
Ao chegar na beirada da ilha, Celeste avista o que criou hoje. Seu coração se enche de desânimo, sente seu peito doer muito. Porém, apesar das coisas ruins que sente, a curiosidade da jovem é maior do que o medo de sua própria criação.
Os pés de Celeste saem do chão, seu corpo sobrevoa entre as milhares de ilhas. Saindo de um radiante final de dia na praia, Celeste pousa sobre uma densa floresta.
Assim como em seu desenho, as árvores com folhagens densas deixam o caminho difícil de ser visto mesmo durante o dia, e os carros abandonados nas trilhas deixam o cenário ainda mais angustiante. Entretanto, Celeste sabe que nada e nem ninguém poderá causar o seu mal. Afinal, ela é a dona deste lugar. Tudo que existe foi criado a partir dela. Quem seria louco o suficiente para depreciar sua arte e matá-la em seu próprio mundo?
— Ai!
De repente uma voz grave se agoniza em dor.
— Por que isso está aqui?!
Celeste é rápida em ter o olhar sobre um jovem alto. Irritado, tira alguns espinhos do braço direito jogando-os no chão de terra; esta área é aberta próxima aos carros e vans deteriorados.
— Fala sério, meu deus. Pra que isso tudo?
Celeste engole seu medo, se é capaz de deixar que sua arte não a assuste, quanto mais um ser vivo em um cenário onde, claramente, não existe vida.
— Quem é você?
O jovem se assusta com a voz autoritária de Celeste.
Deixando ir sua raiva, ele encara assustado as roupas pretas da moça envolvidas em uma pequena massa escura flutuante.
— Eu quem te pergunto! Você por um acaso é a Dona Morte?
— Dona Morte? — Celeste arqueia uma de suas sobrancelhas. — Você tem algum problema? É uma coisa de verdade? Não era pra existir vida aqui.
O jovem ajeita sua roupa no corpo, consertando a jaqueta jeans nos braços.
— Eu tenho nome, não sou um... coisa.
Celeste se impressiona com a inteligência do rapaz. Normalmente nenhum ser vivo em seu mundo imaginário sabe que possui um nome.
— Então, coisa, qual é o seu nome? — ela pergunta.
— Lucas, Lucas Wong. E, por favor, não me chame de coisa. — O rapaz dá dois passos para trás olhando ao redor. — Esse lugar está uma bagunça! Olha só pra todas essas árvores cheias de espinhos e olhos amarelos te observando de todos os lados!
Nenhum ser reclamou de um cenário antes.
— O que você...
— Precisava mesmo criar uma ilha tão obscura? De noite não consigo ver nada aqui.
Lucas não espera nenhuma fala de Celeste, o rapaz anda em direção a maior das vans abandonadas.
Sem ter muita escolha e curiosa sobre ele, Celeste o acompanha.
— Esta é a minha casa. — Lucas cessa seus passos em frente à van. — Pra ser sincero não posso chamar isso de casa... Mas serve como meu esconderijo do escuro.
— Mas não existe... vida nessa ilha — Celeste diz absorta, surpresa com o falatório de Lucas.
— Eu tenho medo dele, do escuro, você não sabe o que pode encontrar. E mesmo que tenha desenhado essa ilha sem vida, vai que um surto momentâneo seu crie alguma coisa.
— Como você sabe?!
A voz alta e repentina de Celeste assusta Lucas, o garoto dá um passo desengonçado para o lado com as duas mãos próximas dos ouvidos.
— Não tem como você saber que eu desenhei essas ilhas. Ninguém sabe. — No mesmo segundo, Celeste abre a mão esquerda colocando-a próxima do rosto de Lucas, e dela surge uma espada. — Quem é você? Me responda!
Muito mais do que sentir medo de outras pessoas, Celeste teme se sentir ameaçada em seu próprio mundo.
— Ei, Ei! Vamos com calma, com muita calma. — Lucas coloca as mãos para cima em rendição.
— Calma? Acha que essa é uma situação de calma?
— O que você acha que vou fazer com essa informação?
— Tudo? Você pode arruinar todas as coisas que criei!
— Você é a governante desse mundo, eu sou apenas um... subordinado. O que eu poderia fazer? Contar aos outros seres sobre o seu poder? — Lucas sopra uma risada. — Eles nem sabem que são parte de um sonho.
A voz de Celeste vacila, ela não consegue retrucar o pensamento inesperado de Lucas. A mão que segura a espada treme quando o rapaz relaxa as mãos. Lucas respira fundo, abaixando com o dedo indicador a ponta da espada.
— Fica calma, é impossível que eu faça alguma coisa. E, além disso, eu não quero morrer tendo minha garganta cortada ou sei lá o que imaginou apontando a espada pro meu rosto.
A lâmina de dois gumes desaparece da mão de Celeste sem que ela queira. A jovem se surpreende mais uma vez, sentindo medo de que agora não tenha total controle de suas criações.
— Eu não criei você. Não lembro de desenhar nenhum traço seu, absolutamente nada — Celeste fala com seriedade, uma ponta de raiva paira sobre o tom de sua voz. — Então, me diz: quem é você e por que, de todos os lugares, de todas as ilhas, está aqui?
Lucas percebe o medo de Celeste.
Ele explica amável:
— Quis conhecer o seu pior lado.
— Pior... — Ela não consegue terminar a frase.
— Apesar de existir outras ilhas sombrias, essa é a única que não existe vida. As árvores parecem estar mortas mesmo estando de pé. A grama, quando balançada pelo vento, exala um cheiro ruim de podridão e os automóveis destruídos não fazem sentido estarem em um ambiente de floresta. Deduzi que aqui seria o seu pior lado.
Celeste olha ao seu redor prestando atenção em cada detalhe dito por Lucas. As folhas das árvores são tão escuras que parecem ter sido queimadas. A grama realmente tem um cheiro esquesito. Já os carros, eles parecem cada vez mais estranhos quanto mais se olha.
Deixando que Celeste se sinta à vontade em seus pensamentos, Lucas procura se sentar, com as pernas para fora, na poltrona velha e rasgadas da van. Ele aguarda paciente que Celeste assimile a situação, mesmo que tenha certeza que ela não será capaz.
— Não faz sentido você prestar atenção em tantos detalhes. A única pessoa capaz de pensar lucidamente sou eu — ela diz, depois de muito.
Lucas sorri antes de afirmar:
— E eu.
Sua fala arranca um olhar abismado de Celeste.
— O seu dia foi ruim? — ele pergunta.
As pernas de Celeste tremem. Ao mesmo tempo que deseja responder e conversar sobre isso, se sente incapaz de incomodar Lucas com seus problemas.
Por este motivo, Lucas assente que sim em seu íntimo.
— É, as pessoas não levam muito em consideração os sentimentos de outras pessoas. Bastante comum.
— Para de falar disso.
— Está escrito nos seus olhos que quer conversar sobre.
Celeste balança negativamente a cabeça.
— Você só é um surto da minha mente. Não existe.
— Só por que estou no seu sonho?
— Quem em sã consciência iria querer conhecer o lado ruim do outro? Isso realmente vale a pena?
Lucas suspira baixo, um suspiro receoso de como poderá expressar o que sente.
— Queria te ajudar — diz com voz mansa, bastante concentrado no seu propósito —, saber dos seus problemas, ser um ouvinte leal e talvez em algum momento se tornar um motivo pra você não desistir. Um ponto de refúgio, aquela pessoa que você sabe que pode falar qualquer coisa.
Celeste permanece atônita, desacreditada de cada palavra de Lucas. Se pergunta internamente se a situação faz algum tipo de sentido, já que todo o seu mundo é uma mentira.
Sem perceber, Celeste se entrega ao choro. Seu peito arde em aflição, sua mente se esvazia incapaz de pensar em si. Todas as lágrimas que escorrem por suas bochechas são situações traumáticas que nunca foi capaz de contar.
Existiu mesmo uma pessoa que se importasse? Poderia ser um drama de sua mente? Uma insegurança tão forte capaz de achar que não é interessante para os outros?
Lucas não é capaz de apenas assistir o desespero de Celeste. O jovem se levanta se aproximando lentamente da alma desesperançosa, dona deste mundo imaginário. Carinhosamente, Lucas permite que o rosto de Celeste descanse sobre seu peito, colocando seus braços em volta do corpo da garota.
Celeste não se recorda de um abraço tão verdadeiro. É como sentir nos braços de sua mãe quando mais nova. Todos os problemas, inseguranças e paranóias parecem desaparecer nos minutos que Lucas a envolve. Para ela, no entanto, é estranho receber consolo de um desconhecido.
— Não ligue para mim, esquece. — Ela desfaz o contato. — Finge que não viu nada disso. Na verdade, você não viu porque não existe. Mas, pelo resto de dignidade que preciso pra continuar a viver, esqueça o que presenciou agora.
— Chunghwa, por que eu—
— Por favor, não use meu nome.
Frustrado, Lucas pressiona os lábios; porém decide continuar.
— Mas esse é o seu nome. Como deveria chamá-la?
— Meu nome é Celeste, Chunghwa não existe aqui.
— Tem tanto medo assim de ser a Chunghwa?
— Eles não precisam saber que eu tô recebendo consolo de uma pessoa que não existe. As pessoas não precisam ver o meu outro lado.
— Não entende? A sua capacidade de sonhos lúcidos é fantástica. Você se permite criar mundos inimagináveis, criaturas místicas e de dar vida a seres perdidos em outros sonhos. Qual o problema de afirmar algo bom sobre você? Falar "eu sou estranha" é quase uma desculpa por gostar de algo ou ser do jeito que você é, uma desculpa pras pessoas te aceitarem. Mas isso só te diminui.
— Por que, Lucas?
O jovem ergue uma de suas sobrancelhas ao perguntar:
— O quê?
— Porque tá me dizendo essas coisas? Eu nunca te vi na minha vida, eu não preciso que sinta pena de mim...
Com voz calma e um leve sorriso, Lucas responde:
— Não é pena, me identifiquei com sua situação. Fiquei tão triste pensando que você não deveria passar por nada do que passou e ainda passa... Não queria que suportasse tantos sentimentos negativos sozinha. Eu me senti assim e por várias vezes pensei em desistir. Não desejo que sinta da mesma forma.
Não é exatamente como eles, aqueles que lhe causaram mal, pois não havia verdade no que falavam, suas bocas transbordavam desprezo e desconsideração, gostavam de menosprezar as mesmas fraquezas que tinham a fim de escondê-las.
— Há quanto tempo você tem consciência de ser parte de um sonho? — Celeste sente receio ao perguntar, parte de si não deseja obter uma resposta.
— Algum tempo atrás me vi sem vida no seu mundo. Não me recordo de experimentar a realidade. Apesar disso, conheço todos os sentimentos existentes, diferente das outras criações com personalidades, conceitos e ideias programadas.
No entanto Lucas, o ser que aparentemente possui compreensão de que não é real, se mostra ser tão sincero quanto aqueles que Celeste tem certeza existir. A jovem não é capaz de criar um ser que a consolasse, uma vez que sente raiva de quem lamenta a sua situação, e de forma alguma cogitaria ela mesma dar vida, mesmo que inconsciente, a alguém como Lucas.
— Isso é impossível — ela diz em uma risada irônica. — Eu vou acordar.
Celeste aproxima sua mão direita do seu braço esquerdo, mas seus dedos são impedidos por Lucas antes de encostar em sua pele.
— O que tá fazendo?! — o interroga veemente com o olhar.
— Não volte agora.
— Eu vou voltar. — Celeste tira rudemente seu braço da mão dele. — Não quero fugir da minha realidade e encontrar um louco nos meus sonhos.
— Você está sendo enganada por eles.
— O quê? — interpele, indignada. — Como pode dizer que tudo o que criei até agora foi um engano meu?
Lucas engole antes de dizer:
— Todos eles dizem que apenas os seus sonhos são reais, que quando se sonha é possível conseguir fazer qualquer coisa e, por fim, realizar o que não foi capaz na vida real. Mas isso é uma desculpa pra continuar a não fazer nada. Os dias repetitivos que você tem... eles não são cruéis?
Chunghwa sente seu peito doer, mais uma vez.
— As pessoas se escondem quando você conta os seus problemas, ficam de costas quando você mais precisa de ajuda. — Lucas inspira ar a fim de se acalmar. — Chunghwa–
— Não me chame assim.
— Eu preciso falar com a Chunghwa e não com a Celeste. Escute, acredite em mim. Eu não quero que fique presa a uma mentira, a uma ilha cinza onde você acredita fortemente ser a sua salvação, como se pudesse ser o seu futuro.
Chunghwa tem um profundo relance sobre seus desenhos. Cada um possui um significado e traço especial. Porém, todos eles têm algo em comum: um sentimento angustiante difícil de ser superado.
Lucas talvez esteja certo.
— Eu não preciso ser nada pra você em questão de relacionamento. Pra mim é suficiente que seja encorajada através dos seus sonhos, como estou fazendo agora. Não me importo de todas as noites, ou em qualquer horário, te abraçar e dizer que vai ficar tudo bem.
Celeste não compreende uma só palavra. Para a governante, o pensamento de Lucas é sem fundamento e bastante infantil. Todavia, para Chunghwa, é como um cobertor quente em uma noite de muito frio. Lucas parece ter chegado no momento certo. E, embora, Chunghwa esteja suspeita do comportamento bondoso de Lucas, quer muito aceitar o seu abraço e ouvir "vai ficar tudo bem" depois de muito.
— Você não é real, Lucas. — Chunghwa dá um passo para trás. — É impossível que a gente se encontre.
— Nada é impossível. Pode dar certo.
— Como?
Lucas abre um grande sorriso, genuinamente feliz por Chunghwa aceitar a sua proposta.
— Precisamos ter algo comum no sonho e na realidade, no mesmo momento.
— No mesmo momento? Eu não consigo dormir de repente e muito menos de dia. Se eu acordar agora não vou conseguir dormir de novo tão cedo...
— Essa é a sua preocupação? — demanda risonho. — Precisamos pensar primeiro no que é real no seu sonho e na realidade. O que você mais faz durante o dia?
— Acho que... ouvir música. Definitivamente não sou capaz de fazer as coisas sem música.
Lucas pensa um pouco, no fundo acha bastante fofo saber dessa curiosidade.
— Nas ilhas aqui perto sempre tem uma música tocando. Acho que podemos usar a nosso favor — ele diz entusiasmado.
Chunghwa se pergunta internamente o porquê de Lucas se sentir tão feliz em ajudá-la. Para ela é estranho que o garoto não pense em si mesmo ou em alguma coisa importante que deixaria de lado se a ajudasse.
— É uma música bastante importante pra mim. É de um jogo onde a protagonista tem uma história quase igual a minha — Chunghwa explica tímida.
Não é como se tivesse muitas oportunidades de contar os seus gostos.
— A música é muito forte e emocional. Eu não imaginaria que instrumental poderia ser tão emocionante de ouvir. De fato, me surpreendeu — Lucas afirma com um sorriso.
Os passos dos dois cessam na beirada ao fim da ilha. Chunghwa vira o rosto para Lucas para perguntar se ele consegue voar assim como ela. Porém ele é mais rápido. Lucas segura a mão de Chunghwa para realizar um grande salto. Ninguém além dela é capaz de voar entre as ilhas, de poder saltar tão alto e distante flutuando entre as criações.
— Ótimo, é essa música mesmo — Lucas fala quando tem seus pés nos chão.
Chunghwa se recupera envergonhada do contato inesperado.
— Agora eu vou prestar bastante atenção nela enquanto você escuta na vida real. — Lucas fecha os olhos podendo sentir a brisa fria em seu rosto. Ele aos poucos parece recuperar sua própria felicidade.
Chunghwa sente medo.
— E se não der certo? — ela pergunta.
— Vai dar certo porque é o que nós dois queremos. Ninguém precisa interferir nisso. Aliás. — Ele abre os olhos. — É o que você quer, não é?
Chunghwa não sabe o que responder. Seu coração grita um desesperado "sim", enquanto que sua mente possui tantas dúvidas que não é capaz de dizer algo.
Sentindo respingos no rosto, Chunghwa acorda subitamente. Sua respiração está acelerada, sente suas costas molhadas de suor. Seus olhos percorrem todo o quarto parando na janela. Está chovendo.
Rapidamente tateia o lençol à procura do seu celular. Abre velozmente o YouTube e dá play na música em questão.
Chunghwa sente seu coração ser apertado em aflição e ansiedade. Sua mente está tão perturbada que não consegue se lembrar do rosto de Lucas. São raras as vezes que esquece de seus sonhos, e desta vez é quase impossível de lembrar.
•••
Os dias continuaram a ser chuvosos. O céu nublado não ia embora, as nuvens não deixavam o sol transparecer.
Chunghwa desistiu de ser a Celeste. Não porque um tal de Lucas insistiu que era uma péssima ideia, longe disso! Somente, nitidamente por isto, assentiu com as palavras dele: "Eu não quero que fique presa a uma mentira, a uma ilha cinza onde você acredita fortemente ser a sua salvação, como se pudesse ser o seu futuro".
Chunghwa não deixou de desenhar, pois, apesar de tão melancólicos, seus desenhos deixam fluir a sua habilidade, também, considerada um hobby. E então, enquanto desenhava um navio em alto mar, uma música familiar começou a tocar na estação do metrô. Normalmente o canal de voz é usado para informações cotidianas e anúncios de crianças e objetos perdidos. Porém naquele dia, "Anxiety", a música que representa os dois: Chunghwa e Lucas, começou a tocar. Lucas desapareceu dos sonhos dela, mas permaneceu abundante em seus pensamentos. Se Chunghwa costumava desenhar mundos para seus sonhos todos os dias indo para o trabalho, naquele momento estava escutando a música que Lucas disse ser o ponto em comum para encontrá-la.
Os olhos da jovem percorreram todo o lugar, desde às pessoas concentradas em seus smartphones ao mínimo movimento do papel no chão levantado pelo vento. Lucas permaneceu escondido nos pensamentos de Chunghwa, a garota não sabia como suportar a agonia de não tê-lo e ansiava na expectativa de quando ele iria aparecer. Por este motivo, ao ouvir aquela música, todo seu corpo estremeceu.
— Com licença, mas acho que você perdeu alguma coisa comigo.
Não dava para acreditar. Como isso poderia ser real?
— L-Lucas? — ela disse desacreditada o nome dele. E repentinamente aquele sonho lúcido retornou como uma boa lembrança. — É você mesmo? De verdade?
Chunghwa abaixou o rosto quando pensou estar sonhando, com medo de toda ansiedade que sentiu nos últimos meses voltar de uma só vez.
— Sim, sou eu.
Mas a fala de Lucas levou embora todas as dúvidas dela.
Em um dia nublado, onde as nuvens não deixavam o sol transparecer, Lucas surgiu como a chuva: de repente. Nem o melhor meteorologista poderia prever que surgisse na frente de Chunghwa, e ainda mais que ela o reconhecesse tão claramente.
Ele contou a ela que é um Viajante de Sonhos, uma pessoa com uma habilidade incrível de entrar nos sonhos de outras pessoas. O ponto negativo é que Lucas não pode escolher o sonho que irá entrar e, por isto, algumas vezes, acaba viajando para onde não queria ou devia. De livre espontânea vontade, Lucas disse a Chunghwa que os sonhos dela o deixavam abismado. Ambos tinham tudo a ver um com o outro, ele a entendia muito bem e queria ajudá-la.
Chunghwa estava muito feliz. Há muito não sorria e chorava ao mesmo tempo, lágrimas de felicidade, e Lucas compartilhava da mesma alegria.
— Agora precisamos cuidar de você. — A garota o encarou com sorriso.
— De mim? Mas estou bem! — Ele sorriu alegremente, realmente estava bem.
— Você disse que desistiu muitas vezes. E, tristemente, ao dizer que seria o meu porto-seguro, você confessou ter desistido de si mesmo.
Não houveram palavras que pudessem contestá-la.
— O meu desejo é que possamos superar nossos desafios juntos para, enfim, encontrar uma grande vontade de continuar vivendo.
●❯ ───── 「 🌐 」 ─────❮●
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro