Capítulo 34
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Pela manhã bem cedo, após um café da manhã em que não comeu nada, Michel se dirigiu para o carro e manteve-se em silêncio durante todo o percurso até sua faculdade. Não se sentia muito bem e se resignou a ouvir Volker e Andrey discutirem a respeito de sua mãe. Havia um consenso entre os dois a respeito de Vladímir poder ajudar a esclarecer o que estava acontecendo com ela, mas discordavam da real necessidade de se prepararem para algum problema. Michel preocupava-se com sua mãe, mas não possuía experiências anteriores com esse tipo de situação, restando, portanto, acompanhar e seguir as escolhas feitas pelos mais velhos. Despediu-se deles e se dirigiu para a aula tentando estabelecer um plano de normalidade para o seu dia.
O início da manhã transcorreu bem e os assuntos abordados durante a aula o distraíram, afastando-o daquela sensação incômoda que carregava desde que acordou. Durante o intervalo da aula, saiu do prédio e foi até uma lanchonete com seus colegas de sala, distraiu-se um pouco com as conversas e quando retornava tomando um refrigerante pôde observar mais adiante, próximo aos arcos do pátio, um grupo de homens que pareciam deslocados naquele ambiente acadêmico. Michel os avaliou: eram relativamente altos, estavam bem próximos uns dos outros, indicando que formavam um grupo coeso, e pareciam ter os olhos percorrendo todo o lugar, observando os jovens estudantes que passavam por eles. Michel até teve sua atenção tomada por eles, mas sendo muito jovem e incapaz de identificá-los, e também precisando retornar à aula, seguiu juntamente com seu grupo de volta à sala.
Não haviam se passado dez minutos desde que o professor fechou a porta e reiniciou sua aula quando todos no interior da sala puderam ouvir gritos abafados e o que pareciam ser sons de tiros vindos do corredor. Houve, então, um silêncio que se expandiu por dentro da sala. Na medida em que o eco da voz do professor se exauria, os pequenos ruídos e chiados dos movimentos dos alunos cessavam em um sopro. Por instantes, tudo foi silêncio e os baques surdos vindos de fora era tudo o que se podia ouvir.
Sem nenhum aviso, a porta se escancarou e todos voltaram suas cabeças para trás. Um dos homens altos que Michel vira no pátio entrou na sala segurando uma arma. O professor deu dois passos para trás ao mesmo tempo em que alunos se afastavam para a lateral da sala como uma onda derrubando e empurrando alguns objetos.
Michel, assim como alguns de seus colegas, não se moveu de seu lugar. Apenas tentou com raciocínio rápido identificar a gravidade da situação. Num primeiro instante, ao verificar a aparência do agressor, de feições carrancudas, pele clara, cabelo loiro e muito curto, usando roupas justas e escuras, pensou que poderiam ser terroristas ou sequestradores.
Enquanto o agressor apontava a arma para o professor e passava os olhos pela sala, outro atacante se aproximou da entrada no fundo da sala perguntando:
- Cést la bonne classe ?
Era francês. Michel não falava francês, não entendeu nada, mas pôde identificar a língua.
O primeiro agressor virou o rosto para o segundo, que entrava caminhando pelo corredor lateral às mesas da sala, e tinha uma aparência um pouco mais velha, era mais alto, com o nariz curvo e cabelos ralos e mais escuros que os do primeiro, que acenou com a cabeça afirmativamente e respondeu:
- II devrait être ici.
Michel, que não pôde entender o que disseram, viu que eles percorriam a sala com os olhos e ambos interromperam sua busca fixando o olhar "nele". Não compreendeu as palavras em francês, mas logo entendeu que procuravam por "ele".
Antes que Michel pudesse compreender o que aqueles estranhos ameaçadores queriam com ele, o professor fez um pequeno movimento com o corpo, sem nenhuma pretensão aparente, e o agressor mais jovem, em um movimento rápido, atirou nele. O agressor de cabelos escuros, em uma reação que era rápida demais para um humano, deu um soco no primeiro fazendo sua arma cair no chão:
- Je t'ai déjàdit de ne pas tirer !
No momento em que a arma escorregou pelo piso, a onda de alunos que havia se locomovido encostando-se na lateral da sala junto às janelas, precipitou-se aos poucos em direção à saída. Michel, que instantaneamente compreendeu que não eram humanos, viu que teria de fugir dali da maneira que pudesse. Sabendo que, mesmo não sendo adulto, ainda era capaz de se locomover mais rapidamente que seus colegas; esgueirou-se, então, entre eles avançando com agilidade para o corredor.
Sua mente de raciocínio rápido logo avaliou que deveriam ser Selvagens e estavam atrás dele por alguma razão. Lembrou-se de que seu pai não se encontrava na faculdade neste dia, estava com Lars e logo estaria com sua mãe. Eles estavam longe do problema e ele teria que se arranjar sozinho para escapar dali.
Chegou a dar bons passos em direção à escadaria para sair do prédio acompanhando o fluxo de fugitivos, mas, de súbito, algo acertou a lateral de seu corpo arremessando-o contra a parede. Michel não era pequeno, estava com cerca de um metro e oitenta centímetros de altura, mas o Selvagem mais velho que o derrubou agarrou-o pelo colarinho e o ergueu contra a parede:
- Tu restes avec moi.
Michel nada pôde fazer para escapar, sendo arrastado pelo grupo de Selvagens.
**
Quando Andrey deixou Michel na faculdade pela manhã e foi com Volker para o ambulatório do hospital, ainda estava preocupado com Daina. Com o passar das horas e com tantos pacientes a serem atendidos, as preocupações foram se dissipando.
Já passava um pouco do meio dia; tirou o avental, enquanto caminhava pelo corredor em passos lentos dirigindo-se à saída. Iria se encontrar com Volker para almoçar quando, de súbito, sentiu uma forte dor: era Slauka, ele tinha certeza. Andrey, em uma avaliação rápida, concluiu que havia problemas e Slauka estava ferida. Pegou o celular e discou para o celular de Asia, enquanto corria para a porta da saída. Volker estava no final do corredor, caminhando calmamente enquanto ouvia a conversa de um colega. Andrey passou por ele e, segurando-o pelo braço, arrastou-o para fora.
- O que é isso? O que foi, Ondrej? - perguntou Volker assim que Andrey o segurou e o puxou.
- Aconteceu algo. Pelo menos Slauka está ferida. - informou Andrey no pátio externo enquanto corria para o carro e discava novamente o número de Asia, que não atendia.
Acionou a porta do carro e ambos entraram rapidamente. Volker também passou a tentar o celular de Laura, mas da mesma forma não atendia. Saíram do estacionamento com certa imprudência passando por cima de dois canteiros para encurtar a distância até a saída. Andrey dirigiu por entre os carros tentando apressar seu curso, mas o trânsito com excesso de veículos o impedia de ser mais rápido. Volker tentava o celular de Reinis, enquanto Andrey, impaciente, desviava por ruas paralelas para conseguir sair do bairro em que estavam e chegar a uma avenida com um fluxo de carros mais rápido. Enquanto dirigia, Andrey tentou o número do telefone de Laura e pôde ouvir a voz de Asia quando ela o atendeu:
- Asia! Meu Deus, vocês estão bem? ASIA? - Andrey estava muito nervoso e gritou quando, por um momento, ela parou de falar ao telefone.
- O que foi? O que aconteceu? - perguntava Volker, observando Andrey e pensando em tirar o telefone de sua mão.
- Você está bem? Quem atacou vocês? - Andrey continuou perguntando enquanto dirigia sem deixar Volker tirar o aparelho de sua mão. - Eu sei, eu sei. Eu também senti. Asia, você está bem? Quem está com você? Vão para casa, estamos indo para aí... NÃO! Vá para casa com Laura! Asia! ASIA!
Ele pôde ouvir o som de um baque, o que o fez pensar que algo mais havia acontecido com ela e, em seguida, ouviu pelo telefone os gritos de ambas.
- O QUE ESTÁ ACONTECENDO? - Andrey e Volker gritaram a mesma coisa ao mesmo tempo. Andrey dirigia com uma mão no volante e outra com o celular no ouvido e Volker, ao seu lado, tentou tirar o telefone da mão dele enquanto ele afastava o rosto para longe.
- Alô! Quem é? Vladímir? - Andrey pode ouvir a voz de Vladímir dizendo para alguém ir para trás. - Vladímir, o que está acontecendo? - continuou nervoso.
Andrey dirigia rapidamente ultrapassando os carros; tentava ouvir o que Vladímir dizia, através do aparelho, em meio às reclamações de Volker, gritando para passar o telefone para ele. Após ouvir de Vladímir que as levaria para casa, ele cedeu o telefone para Volker.
- Vladímir? Sou eu, Volker. Laura e as crianças? E Daina? Ondrej disse que Slauka está ferida! Não sabe?! Daina...? Está bem, obrigado.
Volker desligou o telefone, colocou-o sobre o painel do carro e falou para Andrey que dividia seu olhar inquisitivo entre os carros em alta velocidade na rodovia e Volker:
- Ele disse que Daina foi ferida. Reinis está com ela.
- Era isso, então - concluiu Andrey entendendo que ali estavam os problemas que traziam sofrimento à Daina.
- Ele disse que pegaram três deles. Eles quem? - indagou Volker duvidoso.
Andrey olhou de lado para Volker por momentos, examinou-o com os olhos e depois virou o rosto para frente, para o fluxo de carros, e respondeu com uma pergunta:
- A quem Vladímir iria se referir assim?
Volker ficou pensativo por instantes e depois, como que adivinhando os pensamentos de Andrey, continuou:
- Nãããooo! Eles nem existem mais! Quero dizer, além de Slauka e de talvez um ou outro escondido por aí, não existe mais isso, Ondrej! Não nos dias de hoje!
- Acho que você ficaria surpreso, Volker, com o que existe por aí, sem que você saiba - Andrey não olhou para ele enquanto falava, dirigia observando os carros e caminhões que deixava para trás. - Como estão Daina e Slauka?
- Vladímir disse que Reinis está com Daina e que levaram Slauka. Lars e os gêmeos foram atrás deles.
- Levaram Slauka?
Quando ouviu que Vladímir estava com elas, levando-as para casa, Andrey não pensou que o problema havia persistido com os outros, acreditou que Vladímir tinha controlado e resolvido a situação.
- Ligue para Reinis, veja o que está acontecendo - pediu Andrey com a voz pesada.
Andrey, pensativo e calado, seguiu pelo caminho que os levava para casa, preocupado em ter notícias de todos. Volker insistia, com seu próprio aparelho, no número de telefone de Reinis, que não atendia; impaciente, seguiu tentando também o de Lars.
Andrey percorria com velocidade a rodovia expressa quando o seu telefone tocou novamente. Agilmente, agarrou seu aparelho sob o painel do carro antes que Volker o alcançasse:
- Alô! Oi..., você está bem? Estou indo para casa, logo estarei aí... Slauka... - Andrey respirou profundamente enquanto ouvia Asia desesperadamente pedir para que ele fosse buscar Slauka e Lars. Enquanto Asia falava, ele mantinha uma expressão de angústia no rosto, que foi percebida por Volker. - Irei sim, mas não saia daí. Prometo... Não saia daí!
Ele desligou o telefone, ainda sentia o sofrimento de Slauka e imaginou se Lars e os irmãos estavam bem. Pelo que Asia lhe contara, se também foram atrás de Michel, o problema era grande, não era só um ataque de Selvagens, deveria ser algo mais complexo. Andrey olhou para Volker e pediu:
- Ligue para Michel!
- O que foi? - perguntou Volker pegando novamente o próprio celular. Discou o número de Michel que chamou até cair na caixa postal.
- Ligue para Rainer - continuou Andrey, - peça para que ele vá até a faculdade ver se Michel está lá.
- O que foi? - perguntou Volker novamente, mas esperando a resposta de Andrey enquanto discava o número de Rainer.
- Asia disse que foram atrás dele, também.
- Rainer? - exclamou Volker assim que Rainer atendeu ao telefone. - Vá até a faculdade de Michel. Já está indo? Já te avisaram? Está na televisão? Está bem, mantenha-me informado.
Volker desligou o telefone e olhou para Andrey. Depois viu que ele indicava que entraria à direita com o carro, saindo da rodovia. Virou o rosto para a direção que estavam tomando verificando o acesso que deixava a rodovia. Tentando entender para onde se dirigiam perguntou:
- Onde você está indo?
- Buscar Slauka e Lars - respondeu sério, olhando para frente e prestando atenção no fluxo de carros.
- Onde?
- Vamos procurá-los, estão em algum lugar, mais adiante. Provavelmente, próximo ao parque.
- Não! Vamos primeiro para casa. Pegamos Vladímir e então vamos atrás deles! - concluiu Volker decidido, questionando a iniciativa de Andrey em sair à procura deles, sozinhos e despreparados.
- Quer que eles morram? Não dá tempo! - insistiu Andrey com um pouco de impaciência.
Volker o observou seriamente, pegou o celular e discou o número de Lars que caiu diretamente na caixa postal. Desligou, virou-se para Andrey e perguntou ainda duvidoso de sua iniciativa:
- Como você pensa encontrá-los? Nem sabemos para onde foram!
- Posso sentir Slauka. Chegando próximo, creio que posso localizá-la - respondeu Andrey com segurança e seriedade, enquanto tinha os olhos fixos no trajeto que percorria com o carro.
Volker encarou Andrey por um tempo, depois prestou atenção no caminho que os levava ao parque ecológico. Pensava em como iriam buscar os dois, sem Vladímir para ajudá-los. Volker sabia da necessidade de se resgatar Slauka. Lars estava com os irmãos, que deviam estar armados e mais bem preparados que eles dois, que estavam desarmados e sozinhos.
Depois de pegarem o caminho para o parque, Andrey entrou em uma estrada de terra e começou a dirigir mais lentamente até parar o carro. Fez sinal para Volker de que eles estavam mais abaixo descendo o terreno.
Volker saiu do carro e desceu rápido e silenciosamente na direção em que Andrey indicou. Chegou a um prédio, um galpão antigo grande e espaçoso. Aproximou-se da parede e espiou pela janela de vidro. Havia seis deles lá dentro, discutiam e pareciam nervosos com algo. Volker conseguiu identificar Slauka amarrada sobre o que parecia ser uma bancada ou uma mesa grande. Depois, uma onda gelada percorreu o seu corpo, no chão estavam caídos Bruno, Mario e mais à direita, mais para o interior do grande galpão estava Lars, também no chão e imóvel: "Há sangue..., estão feridos, como isso foi acontecer? Uma emboscada? Estamos desarmados, como vamos tirá-los de lá? Há muito sangue neles, precisamos fazer alguma coisa. Slauka está viva, está se mexendo, precisamos chamar Vladímir! Onde está Ondrej?" pensou Volker.
Ao mesmo tempo em que Volker colocou a mão no bolso para pegar o celular, virou-se para olhar onde Andrey estava. Nesse momento, Andrey passou por ele correndo e entrou no prédio carregando uma espada que Volker não tinha ideia de onde tinha saído. Sem perder tempo, Volker o seguiu correndo até a entrada do galpão, podendo ver Andrey os abordando lá dentro.
Andrey deslocava-se rapidamente com movimentos muito técnicos e precisos, demonstrando enorme habilidade no manejo da espada. Agiu decididamente e logo derrubou os dois primeiros que se viraram em sua direção. Avançou contra os outros, que pegos desprevenidos, correram em busca de proteção física enquanto puxavam suas armas.
Volker precisou se atirar no chão por trás da parede assim que foram disparados os primeiros tiros. Não conseguiu ver com clareza que Andrey acertou outro enquanto se desviava dos tiros disparados por ele e depois dos tiros que eram disparados pelos outros dois. Volker imaginou Andrey sendo alvejado e morto, mas logo ouviu vozes nervosas, sons de passos correndo e mais sons de metal batendo em algo. Ergueu-se e foi para a porta novamente. Viu que Andrey continuava em pé, girando e movendo-se com enorme agilidade para fugir das balas do atirador que sobrou enquanto partia para atacá-lo. Volker se atirou para dentro do galpão por trás de uma velha empilhadeira, tentando se proteger dos tiros que também vinham em sua direção, e estava absolutamente surpreso em ver que Andrey era capaz de escapar das balas. Volker chegou a acreditar que Andrey era capaz de fugir dos tiros, antes mesmo de serem disparados, tamanha era sua destreza, e mesmo estando acuado, isso o deixou impressionado, fazendo-o acreditar que tinham alguma chance em resolver aquela situação.
Andrey era incrivelmente rápido, e em algumas passadas alcançou o outro oponente armado. O atirador até se desviou de seus golpes de espada, mas Andrey tinha técnica e agilidade e terminou por acertá-lo.
No momento em que percebeu que os tiros cessaram, Volker ergueu-se e correu para dentro do recinto, depois parou, aproximando-se mais lentamente de Andrey, que de costas para ele, encarava o último atacante que também segurava uma espada.
Volker olhou para Slauka, adiante e à sua esquerda, que gritava por Lars, caído no chão não muito perto dela. Volker observou Lars, percebeu que ele se movia e que parecia olhar para Andrey: "Ele está consciente! Está ferido, tem muito sangue espalhado, preciso chegar até ele", pensou. Volker queria se aproximar de Lars, verificar seus ferimentos e ajudá-lo, mas ele estava mais distante que Slauka, teria de passar por Andrey para alcançá-lo, colocando-se na linha de combate.
Observando o último Guerreiro armado, que imóvel e com um sorriso desafiador afrontava Andrey, Volker deu alguns passos adiante em direção a Lars para socorrê-lo; sem tirar os olhos do atacante armado que os observava, agora, caminhando lateralmente afastando-se de Lars.
- Disseram para que não nos preocupássemos com os médicos. - dizia o desconhecido em francês, continuando a se locomover lateralmente sem tirar os olhos de Andrey. - Que eles não interessavam, não representavam perigo! - rosnou ironicamente - Que ficariam distantes e que não precisávamos dominá-los para terminar essa tarefa.
Andrey investiu contra ele quando percebeu sua intenção de distraí-lo com o falatório, enquanto se aproximava sorrateiramente de Slauka, que permanecia indefesa sobre a bancada. Foram trocados vários golpes tecnicamente bem elaborados. Como o seu adversário, Andrey segurava sua espada com ambas as mãos e por vezes soltava a mão esquerda, enquanto girava tentando acertar o oponente.
Durante o período em que duelaram, Volker havia se afastado para trás novamente, fugindo do Guerreiro que se lançou em sua direção defendendo-se dos golpes deferidos por Andrey. Volker voltou ao ponto de origem distanciando-se novamente de Lars, mas percebeu que Andrey se colocou em uma posição que se punha entre o inimigo e Slauka, o que permitia sua aproximação dela. O estranho se distanciou mais de Andrey, avaliando-o.
Andrey olhava para ele muito sério, não falava, não desviava o olhar, apenas esperava o momento certo de descuido do oponente, que percebia ser bem treinado e experiente, para feri-lo e desarmá-lo.
- Vejo que alguém não previu isso..., não previram você! - o estranho se referia a Andrey. - Mandaram-me aqui com esses despreparados - dizia o Guerreiro Selvagem mais velho, referindo-se aos seus aliados com certo desprezo e olhando para Andrey com indagação: - De onde você veio?
- Onde está Michel? - perguntou finalmente Andrey, também em francês, sem tirá-lo de sua vista. Ele prestava atenção em tudo ao mesmo tempo: nos olhos do adversário, em suas mãos, como movia o corpo, como respirava.
- Esse garoto..., é outro problema. - respondeu ele em um sussurro sério.
O movimento de Volker indo na direção de Slauka, por trás de Andrey, distraiu um pouco a atenção do estranho e Andrey aproveitou a oportunidade para atacá-lo.
Volker imobilizou-se por instantes observando o duelo que se reiniciara. Andrey, com o peso do próprio corpo, derrubou o oponente tentando desarmá-lo, mas ele rapidamente se recuperou reerguendo-se e investindo novamente contra Andrey, que o derrubou lançando-o ao chão. O atacante logo se recompôs, era bem preparado, mas Andrey era mais jovem, hábil e forte do que ele, o que estava ficando cada vez mais evidente para Volker e para ambos os combatentes.
- Entregue as armas. Renda-se e explique o que está acontecendo - disse Andrey calmamente, reiniciando o diálogo.
- Está bem. - respondeu ele. O estranho esboçou um sorriso, que chegou a convencer Andrey de que ele cooperaria.
No momento em que o estranho percebeu um relaxamento nos músculos do antebraço e na mão de Andrey, avançou sobre ele em um golpe rápido, que Andrey habilmente conseguiu defender.
Na luta que se seguiu, foram trocados vários golpes e Volker se afastou para trás ainda mais, porque o duelo insistia em vir em sua direção, impedindo que ele se aproximasse de Lars ou de Slauka. Enquanto a batalha prosseguia mantendo-o afastado, chamou por Michel várias vezes e foi prestar auxílio aos irmãos gêmeos assim que pôde se aproximar deles.
Era inevitável, Andrey era mais ágil e mais capaz que seu adversário, em um determinado momento da luta, tomou uma vantagem evidente e acabou por acertá-lo.
O estranho caiu no chão e Andrey aproximou-se perguntando novamente onde estava Michel. O estranho não respondeu: o golpe de Andrey fora mortal.
Após observá-lo inerte no chão, Andrey virou-se mais à sua direita em direção a Lars, correu para perto dele e gritou para Volker que estava bem para trás verificando os irmãos:
- Pegue Slauka! - Andrey passou a espada para a mão esquerda e tentou puxar Lars para cima.
Em meio aos seus gemidos de dor, tentou ajudá-lo a se erguer para levá-lo até o carro, mas Lars não conseguia andar.
- Vamos, Lars, precisamos sair daqui - insistia Andrey.
Semiconsciente, mais alto e mais pesado que Andrey, e sem conseguir andar, Lars era difícil de ser conduzido. Slauka, ao contrário, era fácil de ser carregada, pois era magra, não pesava muito e Volker pôde carrega-la com facilidade e colocá-la no carro. Em seguida, Volker desceu com o veículo, parando-o mais próximo à saída do galpão para ajudar Andrey com Lars.
Logo que se aproximou e observou Lars, Volker percebeu a gravidade de seu estado e todo o sangue que perdia. Ajudou Andrey a carrega-lo enquanto ouvia o celular no bolso de sua calça tocar sem que pudesse atendê-lo, e antes de chegar ao carro avisou:
- Os irmãos estão mortos. Eu verifiquei, não há o que se fazer por eles, Ondrej. - afirmou, fazendo esforço para juntos conseguirem carregar Lars que perdia totalmente a consciência. - Michel não está aqui, já verifiquei, tenho certeza. - afirmou tentando tranquilizar Andrey, depois, Volker continuou dirigindo-se para Lars: - Vamos, Lars, você precisa aguentar, temos que tirar você daqui.
Volker falava tentando mantê-lo consciente e prestando atenção, mas Lars já não ouvia mais nada: perdera completamente os sentidos assim que começaram a movê-lo e a dor se tornou insuportável.
Colocaram-no com dificuldade no banco de trás do carro. Ele, com seus quase dois metros de altura e corpo proporcionalmente largo, ficou deitado ao longo do banco entalado como podia: as pernas flexionadas e encaixadas de maneira que pudessem fechar a porta do veículo, precariamente acomodado com o braço e a cabeça pendendo para fora do banco. Volker entrou no veículo sentando-se do lado do passageiro com Slauka, que estava, agora, inconsciente. Puxou-a para si ajeitando-a da melhor maneira possível, enquanto tentava soltá-la de suas amarras. Andrey, com a espada ao seu lado, deu a partida manobrando o veículo para retornar para casa. Volker, então, limitou-se a segurar Slauka como podia, porque a prenderam de forma que ele não conseguia soltá-la e ele não queria machucá-la ainda mais.
Pegaram uma estrada mal asfaltada que cortava caminho e dava acesso à casa de Reinis sem passar pela estrada principal. Era uma estrada ruim e cheia de buracos e curvas, uma alternativa para chegar ao topo da serra cortando caminho. Andrey dirigia o carro loucamente sacudindo Lars que estava completamente largado no banco de trás. Volker, segurando Slauka no colo de maneira precária, esticava o braço esquerdo para trás, pelo vão entre os bancos dele e de Andrey, na tentativa de impedir que Lars fosse muito balançado ou batesse a cabeça a cada solavanco dado pelo carro.
- Cuidado! - gritava Volker. - Mais devagar, não consigo segurar Lars!
- Não há tempo! Vamos perdê-lo! - disse Andrey decidido.
Correndo pela estrada tortuosa e irregular, Andrey seguia um pouco atordoado por tudo o que precisou fazer no galpão. Mantinha-se preocupado se Lars aguentaria vivo até que chegassem e atormentava-se também com a ideia de que haveria outros, que tudo isso fosse parte de algo mais complexo e que poderiam atacar a propriedade deles e Asia.
Em sua pressa seguindo pela estrada, fez uma curva brusca com o veículo lançando Volker contra a porta e a cabeça de Slauka bateu no vidro fazendo barulho. Volker a puxou mais para perto de si arrumando a cabeça dela em seu ombro e voltou a segurar Lars esticando o braço para trás. Apesar da dificuldade em manter Lars estável no banco de trás e em segurar Slauka adequadamente, Volker observava Andrey dirigindo, intrigado com tudo que o viu ser capaz de fazer.
Finalmente, chegaram à propriedade. Andrey passou pelo portão e parou o carro ainda na descida, longe da entrada principal.
- Não, mais perto, Ondrej! - gritou Volker preocupado em estar próximo da casa para facilitar a locomoção de Lars. Mas Andrey não o ouviu, já havia aberto a porta, saíra arrastando a espada para fora do carro e se dirigia para a casa.
Assim que ouviu o barulho do carro chegando, Asia deixou a sala correndo sendo seguida por Vladímir. Ela passou pela porta de entrada e viu Andrey descendo do carro vindo em sua direção. Asia parou quando o viu sujo de sangue e empunhando uma espada ensanguentada. Não tinha certeza se ele estava ferido, se o sangue em sua roupa era dele. Pôs a mão direita acima do estômago, respirou fundo e caminhou mais devagar na direção do marido.
Andrey parou assim que a viu bem ao lado de Vladímir, soltou a espada na grama e caiu de joelhos abraçando a cintura de Asia quando ela o alcançou. Ela estava ali, segura, e isto quase o fazia retornar à realidade, o trazia de volta do estado de torpor em que se encontrava por tudo o que acabara de fazer.
Nesse momento, Volker passou por eles carregando Slauka para dentro de casa. Andrey havia apoiado sua cabeça em Asia, extremamente agradecido por ela estar bem, sua mão esquerda deslizou pela cintura dela e parou na frente do corpo sobre a pélvis. Andrey olhou primeiro para sua mão sobre o ventre dela e depois, com olhar interrogativo, olhou para cima, para o rosto de Asia. Asia, por sua vez, passava ambas as mãos na cabeça dele perguntando várias vezes se estava ferido, sem ouvir dele nenhuma resposta.
Volker, voltando de dentro da casa, passou por Andrey puxando-o pelo ombro e pela manga da camisa com muita força, desequilibrando-o e derrubando um pouco seu corpo para trás, forçando Andrey a apoiar a mão esquerda no chão.
- Eu preciso de você! - gritou Volker, que correndo continuou até o carro para pegar Lars.
Depressa, Andrey recuperou sua postura e presença de espírito. Levantou-se e foi ajudar Volker. Logo que chegou ao carro, percebeu que Vladímir estava ao seu lado, se inclinando para também ajudar a carregar Lars.
- Os irmãos morreram, eu sinto muito. - informou Andrey de súbito e friamente.
Ao ouvir aquelas palavras duras, Vladímir fixou seus olhos em Andrey. Observou-o seriamente, deixando transparecer o impacto que a inesperada notícia lhe causara, mas continuou os movimentos que fazia, ajudando a carregar Lars.
Volker, mesmo preocupado com o estado crítico de Lars, não conseguiu deixar de notar a maneira dura que Andrey usou para dar a notícia sobre a morte dos filhos adotivos de Vladímir e lamentou que ele tivesse recebido a notícia dessa maneira.
Colocaram o ferido no chão da cozinha. Lars não cabia na mesa da sala e levá-lo para cima subindo as escadas, nesse momento, seria um problema.
Andrey permaneceu por instantes ao lado de Lars afastando suas roupas ensanguentadas e verificando quais eram seus reais ferimentos. Enquanto ele explorava os orifícios de entrada e saída das balas e examinava o profundo corte que havia logo abaixo do tórax, Volker, curvado, acompanhava a exploração de Andrey e avaliava a extensão do problema, deliberando o que providenciar para operá-lo.
- Laura! - gritou Volker para a esposa que estava na sala tentando desamarrar Slauka no sofá. Quando ela apareceu na porta ele disse: - Ondrej precisa de lençóis. Eu vou buscar o material cirúrgico e soro, temos que estabilizá-lo. Vou precisar de ajuda para doar meu sangue para ele, Lars vai precisar, os ferimentos foram extensos.
Volker saiu, foi correndo até o escritório de Reinis e retirou da estante uma antiga mala bastante equipada com material cirúrgico, mas muitos instrumentos não estavam esterilizados, ele sabia disso. Rapidamente, dirigiu-se à cozinha cruzando com Laura, que descia a escada com os lençóis e camisas limpas:
- Tome, Laura. Entregue a Ondrej e ajude-o a limpar os instrumentos.
Laura entrou na cozinha seguida por Asia. Volker subiu a escada correndo e foi ao quarto de Andrey procurar pelos materiais de primeiros socorros que sabia existirem lá. Tropeçou nas coisas que Laura, na pressa em providenciar lençóis, havia derrubado pelo chão. Pegou tudo o que precisava no banheiro da suíte e retornou à cozinha onde Laura e Asia limpavam os instrumentos com os produtos que Andrey entregou a elas.
Volker tirou a camisa manchada pelo sangue de Lars e aceitou a outra que Laura o ajudou a vestir. Ele se colocou ao lado de Andrey, que já havia aplicado um sedativo em Lars, e arregaçando as mangas, começou a lavar as mãos preparando-se para iniciar os procedimentos.
Andrey ignorou o fato de que Laura trouxe uma camisa limpa para ele, passou por ela sem lhe dar atenção, adiantou-se e se debruçou sobre o ferido para iniciar a assepsia. Lars precisava ser estabilizado; Volker pendurou no alto de uma cadeira da cozinha o soro fisiológico e o ministrou no braço de Lars. Teriam de localizar e estancar as hemorragias e verificar os órgãos que foram atingidos.
- Isso é tudo muito rudimentar. - Volker, iniciando os procedimentos com o material que dispunham, reclamava da precariedade com que socorriam Lars e sabia que logo teria de deixar Andrey continuar sozinho: seu sangue era O negativo como o de Lars e teria que providenciar sua doação.
As queixas de Volker sobre a falta de recursos de que dispunham para salvar Lars eram bem fundamentadas. Andrey já passara por situações precárias em que precisou usar do que dispunha para socorrer pessoas feridas na guerra; não era algo novo para ele, mas entendia as complicações que a falta de recursos traziam. Sabia que Lars precisava de um centro cirúrgico adequado em um hospital. O arriscado procedimento que eles iniciavam era difícil sem o auxílio de equipamento hospitalar; trazê-lo para casa talvez não tivesse sido a melhor escolha. No período que se seguiu, enquanto trabalhava nele juntamente com Volker, Andrey pensava que após operá-lo, estancando as hemorragias e tendo recebido o sangue compatível que tiraram de Volker, teria que transferi-lo para o hospital.
Logo que os dois médicos iniciaram seu trabalho, Vladímir havia chamado Asia para ajudar com Slauka. Em um primeiro momento, Asia se recusou, pensando em poder ajudá-los com Lars, mas Vladímir insistiu que Slauka também precisava de ajuda. Asia, então, deixou Laura ajudando-os, e foi para sala com Vladímir.
Começou a desamarrar Slauka, que permanecia inconsciente, enquanto Vladímir conseguia um alicate para cortar os arames que prendiam os braços e pernas dela. Slauka estava muito machucada, eles a haviam agredido com violência, depois a prenderam com arames.
- Isso tudo parece muito improvisado, aqueles Selvagens provavelmente não sabiam o que ela era e tiveram trabalho para contê-la. Então, eles a amarraram assim. - ia dizendo Vladímir com pesar. Ele cortou os arames que prendiam seus braços para trás e também os que mantinham seus tornozelos unidos, depois retirou tudo soltando seus membros. - Venha, Asia, vou subir com ela para o seu quarto, cuide dela e veja no que você pode ajudar. Ela parece ter ferimentos internos, não está nada bem. Vou pedir para que um deles suba para vê-la, está bem?
Ao terminar de soltá-la, Vladímir ergueu Slauka nos braços e subiu as escadas sendo seguido por Asia até o quarto dela. Ele estava controlado, mas pesaroso com tudo o que estava acontecendo. Asia manteve-se absolutamente calma e o ajudou a arrumar Slauka na cama.
Quando Vladímir desceu, propôs-se a ajudar os médicos de alguma maneira, e assim que possível pediria que um deles pudesse subir e examinar Slauka; Asia foi até o banheiro, molhou uma toalha com água e um pouco de sabão e foi limpar os ferimentos visíveis que ela tinha.
Enquanto cuidava dela, Asia pensou no que Vladímir dissera sobre ferimentos internos e o fato dela estar desmaiada desde que chegou. Pensou no elo que haviam desenvolvido e quando sentiu que ela tinha sido ferida. Imaginou que, como Vladímir, talvez fosse capaz de sentir algum ferimento grave nela.
Ela apoiou sua mão direita no abdômen de Slauka e tentou sentir sua dor. A sensação veio como uma onda de choque. Sentiu que havia dor, muita dor, e instintivamente retirou sua mão. Depois, mais consciente do que esperava ao tocar nela, Asia recolocou a mão sobre Slauka, mas desta vez não a tirou, sentiu a dor dela. Deslizou a mão para o lado esquerdo de seu abdômen, onde fica o baço. Sentiu o ferimento existente como se fosse nela própria, sentiu sua mão quente, mas não a soltou e Slauka gemeu incomodada.
Após um tempo, Asia a soltou e permaneceu observando seu estado, depois, apoiou as mãos em seus ombros, desceu pelos braços até suas mãos e já não sentia tanta dor vinda de Slauka, só um pouco, como se estivesse ficando melhor. Sentiu-se confiante de que o elo que parecia existir entre elas lhe mostrasse que Slauka estava melhor. Depois disso, como se estivesse muito cansada e tudo em seu corpo fosse muito pesado, deitou-se de lado para descansar um pouco. Ainda ouviu quando Slauka falou:
- Lars, Lars.
Ela não conseguia responder, estava fraca demais, mas quando Slauka fez movimentos para se levantar, Asia segurou seu braço e disse com voz fraca:
- Fique, estão cuidando dele, não vai ajudar em nada se tiverem que parar de cuidar de Lars para cuidar de você. Comporte-se, vou lá para ver como ele está e ajudá-los, me dê só um minuto - Slauka obedeceu e ficou quieta.
"Deve estar muito fraca para estar se comportando tão bem", pensou Asia, que permaneceu deitada, enquanto recuperava suas forças.
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