
Capítulo 32
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Com o início das aulas, Michel foi morar com Andrey e Asia no apartamento deles. Ele adaptou-se rapidamente ao ritmo da faculdade e era sempre apontado como o filho de um dos professores. Michel estava com dezoito anos, havia ficado mais alto que Reinis e estava fisicamente mais parecido com o primo do que com o pai. Apesar de Lars também ser muito parecido com o tio, ele tinha um tipo físico mais alto e robusto, e Michel seguia na mesma direção. Michel estranhou um pouco ir morar com Andrey e Asia, mas entendia que assim teria mais tempo para estudar.
Era o segundo ano de Asia e Slauka na faculdade, elas faziam parte de um grupo de estudos formado no ano anterior, um grupo de estudantes com quem almoçavam e estudavam para as provas. Asia, agora com vinte anos e muito determinada em tudo o que fazia, costumava comandar os trabalhos do grupo decidindo até pelos colegas o que deveriam fazer. Normalmente, eles acatavam suas decisões, pois não gostavam de desafiá-la, já que ela lançava olhares fulminantes para quem não percebesse a lógica de seus argumentos.
A mudança gradativa em sua postura diante das pessoas e das situações diárias poderia ser explicada pelo fato dela não precisar mais ser tão contida, já que não era mais como no tempo em que não podia trazer problemas para Yeda. Agora, ela era independente, responsável por seus atos e tinha uma família em que poderia sempre buscar apoio. Asia tinha consciência do quanto seu estado de felicidade a libertava das amarras que sempre impôs à sua vida, fazendo-a acreditar que poderia fazer qualquer coisa. Ela, então, se expressava mais abertamente para expor suas opiniões e dominava o grupo estudantil com certo autoritarismo que antes reprimia. Mas eram características que a colocavam em posição de liderança, não trazendo problemas para sua vida entre pessoas normais.
Slauka, que na faculdade também acabou por fazer o que Asia queria, acompanhava-a em tudo sem problemas, estava adaptada. Slauka chamava muita atenção, mas por sua aparência de modelo fotográfico e não pelo comportamento impulsivo, como temia Lars no início.
Michel pôde acompanhar um pouco o processo de independência que Asia vinha desenvolvendo. Ao passar mais tempo no apartamento deles, pôde ver de perto as tentativas de Asia de comandar Andrey, o que era claramente difícil de conseguir, e acabou ele mesmo tendo que, como os colegas de faculdade dela, seguir as suas diretrizes. Em pouco tempo, Michel percebeu que era melhor obedecer a tudo o que Asia determinava para evitar problemas. Logo, Andrey passou a dizer que estava deixando Asia demais com Slauka, porque Asia estava ficando igual a ela. Slauka achava que Asia estava ficando parecida com Andrey, obstinada e teimosa como ele.
Slauka também vivia no apartamento deles. Como Lars viajava muito, Slauka, que não queria ficar sozinha, aparecia sempre. Ao contrário de Asia, que pouco sabia sobre a vida universitária de Michel, Slauka sabia até o nome dos amigos dele e verificava a hora em que ele chegava, cuidando dele como se ainda fosse uma criança.
Já era abril e, nesse dia, quando Michel chegou da aula, Slauka o avisou sobre uma garota que havia telefonado procurando por ele:
- Aquela mocinha telefonou de novo, Michel! - cantarolou ela. Estava deitada de comprido sobre o sofá da sala e mantinha suas pernas apoiadas com os joelhos flexionados sobre o encosto do braço de maneira a deixá-las penduradas. Seu tom de voz era agudo e transparecia insinuações.
- Tá, obrigado - respondeu Michel com pouco entusiasmo.
- Acho que você encontrou uma candidata a namorada! - insistiu ela em atormentá-lo.
- Não é nada disso, é só uma colega. - respondeu se irritando um pouco com as insinuações dela, - e ela é humana.
- Nada impede que seja sua namorada - Slauka, que vestia uma calça de malha de algodão larga e sapatilha, balançava suas pernas longas enquanto falava. - É o que ela quer, acredite.
- Pare com isso, é só uma colega, não tem nada a ver - insistiu.
Michel se irritava por Slauka sempre se meter em sua vida. Ela o atormentava e o levava a discutir assuntos que não costumava falar com ninguém e não diziam respeito a ela. Slauka o mortificava de maneira que, para se defender, Michel acabava por manifestar o que pensava:
- Temos que ter respeito pelas pessoas com quem convivemos - prosseguiu reforçando sua opinião - não vou iludir ninguém. Um dia, vou encontrar a mulher certa, uma Nemtsi ou até uma Selvagem. - Michel corou um pouco diante da afirmação que fez com tanta veemência, - se ainda existir mais alguma, quem sabe, mas não vou namorar nenhuma humana, não sou como Rainer.
- Você diz isso até aparecer uma bem bonitinha! - continuou ela com sarcasmo.
Michel deu as costas para Slauka e saiu da sala, desistindo de discutir com ela algo que, em sua mente, já estava bem definido.
Nesta mesma semana, Daina começou a se mostrar ansiosa e preocupada. Queria todos próximos e com ela. Volker entendia que seu estado de angústia era em decorrência da saída de todos da casa. Fazia um pouco mais de dois meses que Michel foi morar durante a semana com Andrey e Asia, e Daina e Reinis haviam ficado sozinhos naquela casa. Era natural que ela sentisse a mudança, insistia Volker. O pouco que Asia pôde avaliar do comportamento preocupado de Daina não lhe chamou muita atenção. Como Volker, ela pensava que Daina só estava sentindo as mudanças que ocorriam em sua vida e, com o tempo, ela ficaria bem. Andrey não pensava assim. Como já haviam passado por muitas situações difíceis em suas vidas, tanto Andrey quanto Reinis aprenderam a se posicionar diante de possíveis ameaças. Preocuparam-se, ambos, em dar atenção a Daina até identificar o problema. Reinis cancelou compromissos e procurou ficar mais em casa. Andrey, sem ter ideia do que poderia estar acontecendo, começou a ficar mais próximo de Asia, indo almoçar com ela na faculdade com mais frequência.
Neste dia ensolarado, após o fim da aula do período da manhã, Asia se dirigiu com Slauka para uma sala de estudos do centro acadêmico. Enquanto Slauka foi ao banheiro, Asia foi sozinha para a sala, sentou-se no chão sobre o carpete e de costas para a porta, e puxou um dos livros para estudar para a prova do dia seguinte. Uma colega de classe, Márcia Mendes, que, por vezes, participava de seus grupos de estudos, aproximou-se e sentou a sua frente.
Márcia Mendes tinha a idade de Asia, era uma moça magra, de estatura média, muito popular entre todos os alunos da turma. Asia costumava evitá-la porque Márcia estava sempre fazendo convites para festas ou encontros de fins de semana com os alunos da turma, tentava ser simpática, mas agregava-as demais. Asia normalmente preferia estudar com Mieko, outra colega com quem podia estudar objetivamente, sem se preocupar em ter que inventar desculpas para tudo.
A colega de Asia também abriu seu livro para estudar, mas desviou o olhar para o corredor fora da sala e, em frente à porta de entrada atrás de Asia, inclinou um pouco o corpo lateralmente e comentou:
- Você não se incomoda de sua prima viver pendurada em seu marido? - para Marcia, Slauka era prima de Asia.
Asia olhou para trás e viu, através da passagem da porta, Andrey no corredor, de costas para ela e lendo algo no quadro de avisos da parede, com Slauka agarrada ao braço dele, com a cabeça inclinada sobre seu ombro e olhando para o mesmo quadro.
- Não, na verdade, não. Ela é assim com todos da família - respondeu Asia virando o rosto novamente para a colega.
- Bem, se ela fosse um tipo comum. Mas essa sua prima ruiva parece uma top model de revistas americanas! Você não tem ciúme? Eu teria. - Márcia inclinou-se novamente para observar melhor os dois no corredor.
- Não, ela é muito querida por todos, eu gosto muito dela. E ela não é minha prima, nem dele. Ela é casada com o primo de Andrey, é minha madrinha de casamento. - Considerando o assunto encerrado, Asia voltou sua atenção ao livro que ela mantinha aberto diante de si.
Ainda cheia de curiosidade com relação a eles, observando a mão esquerda de Asia e sua aliança, Márcia continuou:
- Que casamento é esse o de vocês? Parece uma coisa diferente - Márcia pegou a mão de Asia e começou a examinar as inscrições gravadas na aliança. - As alianças de vocês têm uns escritos. Eu já tinha reparado na do seu pescoço, você disse que era de sua mãe. Que língua é? Vocês são todos estrangeiros, não são?
- Não, nasci e fui criada aqui - respondeu Asia com sua atenção novamente tomada por Márcia e se irritando um pouco com a insistência dela.
- Me disseram que você nasceu na França!
- Não, meus pais vieram de lá.
- Vocês são todos tão altos... Qual a altura dele? Um metro e noventa? - perguntou avaliando a altura de Andrey. - Já vi o marido da irmã dele. - disse se referindo a Volker e, depois, apontando para Slauka, continuou: - e o marido dela também. - Fez uma leve careta ao se referir a Lars. - Até você; menos que sua prima, claro, mas está acima da média! - Márcia, que tinha algo em torno de um metro e sessenta centímetros, elevou o olhar para o alto da cabeça de Asia sentada diante dela.
- É só coincidência. E eu não sou alta - respondeu Asia mais seriamente.
- Vocês são parecidos - Márcia observava Asia com atenção. - Todos têm o mesmo jeito, tão contidos, reservados. Já vi filmes de pessoas que vivem em comunidades fechadas e se casam entre si. Vocês são todos parentes?
- Não, claro que não! Não sou parente de nenhum deles. Conheci Andrey há quase dois anos.
- E logo casou com ele. Não é muito cedo?
Ouvir Márcia tão curiosa sobre eles, e com tantas perguntas, fez Asia sentir como era difícil não chamar a atenção quando estavam todos juntos. Nesse momento, Andrey, que havia chegado cedo para o almoço, sentou-se atrás dela e envolveu-a com os braços, deixando as pernas flexionadas, uma de cada lado do corpo dela. Asia se sentiu envolvida pelos braços dele enquanto recebia um beijo no rosto, baixou os olhos e, em seguida, os ergueu novamente encontrando o olhar inquisitivo de Márcia.
Slauka, neste dia, encontrava-se alheia e dispersa. Distraidamente, sentou-se ao lado de Márcia, que logo estranhou a intimidade que Slauka não costumava permitir.
- Olá, Márcia! - exclamou Andrey abraçado a Asia, sorrindo e a beijando no rosto novamente.
Márcia aproveitou que Slauka sentou-se ao seu lado e puxou a mão dela para examinar melhor sua aliança. Depois, olhou para a mão de Andrey e perguntou:
- O que está escrito nas alianças de vocês?
- Amor, Vida e Alma. - respondeu Andrey com naturalidade para surpresa de Asia, que não sabia nada sobre isso.
- Que língua é essa? - perguntou Márcia um pouco desafiadora.
- É muito antiga. Sei que era uma escrita usada por oráculos. Originou-se influenciada pela escrita dos Fenícios. Espalhou-se pelo mundo depois. Coisa antiga. - Andrey respondeu fazendo pouco caso do assunto, como se fosse algo comum e sem tanta importância. Ele havia respondido verdadeiramente às perguntas dela, mas havia falado muito sem dizer nada.
- Ah! - apenas disse ela.
- Vamos almoçar? - perguntou Andrey sorrindo para Asia.
- Todos em sua família casam tão cedo? - perguntou Márcia persistindo no assunto com Andrey. - Um dia vi sua irmã, ela é tão novinha e já tem duas filhas.
- Não, nem todos, é só uma coincidência. Vamos, Asia? - concluiu Andrey sorrindo para ela, mas encerrando o assunto.
Andrey se ergueu ajudando Asia a levantar-se e, em seguida, inclinou-se para puxar Slauka também, murmurou um "até logo" sorridente para Márcia, fazendo um sinal simpático com a cabeça e saíram da sala e do centro acadêmico.
Dirigiram-se para fora da universidade e, no caminho, Andrey comentou:
- Eles são só curiosos, percebem alguma diferença e querem entender. Se você satisfizer suas perguntas com algo, eles acabam esquecendo o resto. Pelo menos a maioria. Alguns são mais insistentes e não desistem, dão mais trabalho, mas é possível lidar com isso... Alguns conseguem sentir alguma diferença em nós, sabia? São intuitivos, percebem alguma coisa, mas não são capazes de identificar o que é.
- Volker disse que existem humanos filhos dos nossos - introduziu Asia lembrando-se de uma antiga conversa.
- Ao longo da história houve relacionamentos entre nossos homens e as mulheres humanas. Mulheres humanas só podem gerar filhos humanos, Asia. Mas acredito que algumas de nossas características estejam espalhadas por aí.
- Temos que tomar cuidado com esses? - perguntou Asia olhando para Andrey que caminhava ao seu lado abraçando sua cintura e apoiando o outro braço nos ombros de uma silenciosa Slauka.
- Não, normalmente, não. - continuou ele. - São poucos também. E eles não sabem avaliar direito o que sentem, não controlam suas habilidades. Mas existem alguns que são mais capazes; já ouvi histórias de pessoas sensitivas que podem prever acontecimentos e possuem algumas de nossas habilidades, que poderiam até nos identificar em meio a humanos... Mas não creio ter visto nenhum, devem ser muito raros, também.
- Chamamos mais atenção juntos do que separados - afirmou Asia, concluindo o óbvio de forma fatalista. - Qualquer um que convive conosco por algum tempo pode ver que somos diferentes quando estamos assim, tão próximos.
- Eu sei, mas você acaba aprendendo a lidar com isso - respondeu ele seriamente.
- Sei, igual ao que você faz lá no prédio! - emendou Asia ironicamente.
Andrey riu e continuou:
- Você é uma boba não conversando com eles! Têm tantas histórias de vida, muitas vezes tão diversas umas das outras, é um universo muito rico. Eles não nos perseguem, aceitam melhor o que é diferente.
Chegaram ao restaurante e durante o almoço Andrey percebeu que Slauka estava muito quieta. Isso não era normal, já que ela sempre falava muito.
- O que você tem Slauka? Brigou com Lars? - perguntou Andrey.
- Não, não sei..., não sei ainda. Sinto algo estranho. Algo está vindo, alguma mudança..., não sei.
- Daina está assim há dias. Não é só porque está sentindo falta de Michel, ela andou piorando e não foi ao fórum, hoje - informou Andrey tornando seu semblante mais preocupado. - Reinis telefonou, está angustiado com ela. Estou preocupado também, mas não sei o que esperar. - Andrey pegou a mão de Asia em cima da mesa e a segurou com força. - Talvez vocês devessem ficar com Daina uns dias, por segurança.
- Temos provas - logo disse Asia, que não sentia absolutamente nada e pensava como Volker, que Daina estava sentindo falta de Michel.
Ela sabia da importância de se prevenir com os avisos de Daina, e Slauka parecia ter alguma sintonia com ela, mas Daina não estava avisando nada, só parecia estar triste e Asia não sentia nada, perigo nenhum. Então, não havia necessidade de alterar seu cronograma de provas. Às vezes, Asia pensava que tinha vindo com defeito, pois não tinha as habilidades de Daina ou Slauka. Até Laura parecia mais intuitiva do que ela, que de forma egoísta, só sentia o que dizia respeito a ela mesma e a Andrey, e, de qualquer forma, não estava sentindo nada, nem em relação a isso.
- Slauka, me avise se houver alguma mudança, levo vocês embora para casa, para Daina. É mais seguro - afirmou Andrey decidido.
Asia não pretendia deixar Slauka avisar nada. Era quinta feira, no dia seguinte tinham prova e no fim de semana poderiam ver Daina, fazer companhia e agradá-la. Asia não deixaria suas responsabilidades de lado sem que houvesse algum problema real. Telefonaria para Daina assim que chegasse a sua casa.
Andrey, então, as deixou na Universidade e foi para o hospital onde trabalhava e que não ficava longe.
No final da tarde, quando Asia e Slauka saíram da aula e se dirigiam para o caminho que levava ao metrô, encontraram Andrey em pé, parado antes do portão de saída esperando por elas. Asia sorriu e correu em sua direção, mas quando viu que ele estava muito sério, diminuiu o passo e caminhou mais pausadamente: as coisas não tinham melhorado.
- Vou levá-las para casa - afirmou Andrey assim que elas se aproximaram, estava autoritário e tentando se impor já prevendo a recusa de Asia.
- Hoje não, amanhã - respondeu Asia decidida.
- Vladímir telefonou para Reinis, está preocupado com ele e com Daina. Está vindo para cá, chega domingo. Não é comum para Vladímir ter esse tipo de pressentimento. Ele não costuma dar esse tipo de aviso, só posso pensar que é algo sério. Tenho que ver Daina e não posso deixar vocês duas sozinhas aqui. Lars chega no sábado, já foi avisado.
- Deixe-nos no apartamento e vá ver Daina. À noite, você volta e fica conosco - explicou Asia como quem narra um cronograma numa sequência lógica.
- Vamos todos juntos - afirmou Andrey.
- Não, não vou. Tenho prova amanhã - insistiu Asia, que não alteraria seus planos.
- Slauka...
- Não, tudo bem. - Slauka falava olhando para o nada, estendendo a mão para o ar.
- Mesmo assim, vou levar vocês para casa - reafirmou Andrey decidido a arrastá-las com ele.
- Não vou - continuou Asia.
- Vou falar com Lars - disse Andrey irritado já pegando o telefone.
Asia se aproximou mais dele, estendeu seus braços dando a entender que ele deveria segurar os livros que ela carregava, e, assim que ele os pegou, Asia ergueu as mãos para o pescoço dele, arrumando o colarinho de sua camisa e apoiando as mãos em seus ombros, enquanto falava em tom calmo:
- Se Vladímir só vem domingo, não é tão urgente, assim! Podemos ir amanhã à tarde e descobrimos no domingo do que se trata esse aviso dele. Vou telefonar para Daina assim que chegarmos ao apartamento para ver como ela está - seu tom de voz foi meigo até a última palavra sem, entretanto, deixar de expressar firmeza. Asia recolheu os braços e examinou os olhos dele com um suave sorriso.
Andrey a fitou com os olhos, ainda impaciente, mas mais tranquilo em deixá-las, pois havia certa coerência no que ela dizia.
- Está bem, não vou ficar discutindo com você. Vou levar vocês para o apartamento, então, mas se Daina não estiver melhor, volto para buscá-las.
Asia acenou com a cabeça e o acompanhou até o carro.
Andrey as deixou no prédio e partiu. Asia, logo que chegou, telefonou para Daina e Reinis atendeu: estava sério, mas sereno, no seu jeito calmo de sempre. Reinis disse a ela que não se preocupasse, porque Daina estava um pouco melhor. Como ela estava dormindo, ele solicitou que deixasse para falar com ela no dia seguinte. Reinis também pediu à Asia que dissesse a Michel para ele não se preocupar e que se houvesse qualquer novidade ele avisaria. Reinis estava calmo, mais calmo que Andrey, e isso a tranquilizou: não deveria ser algo tão grave e era Andrey quem estava estressado demais. Então, Asia se preparou para estudar na sala, juntamente com Slauka.
Slauka estava muito dispersa, não prestava muita atenção no que Asia lia para ela e dormiu no sofá antes que Michel chegasse.
Quando Michel chegou e viu que Asia estava estudando na sala, foi até a cozinha, fez um sanduíche e sentou-se em silêncio na sala de jantar para não atrapalhá-la. Asia, cochichando, deu a ele o recado que Reinis havia mandado e retornou aos seus estudos.
Antes mesmo que Michel terminasse sua refeição, Slauka começou a falar dormindo. No começo, Asia não entendeu o que ela dizia, então, lentamente, aproximou-se dela para tentar compreender alguma coisa. Slauka ficou em silêncio por instantes e depois gritou:
- Corra Asia, corra! - Slauka acordou assustada e sentou-se no sofá.
Asia, que estava com o rosto bem próximo ao de Slauka, assustou-se com seus gritos nervosos, e afastando-se para trás, caiu sentada sobre o tapete. Depois, refazendo-se um pouco do susto perguntou:
- Isso foi um sonho?
- Não sei, tem algo errado. - disse Slauka atordoada, - mas não sei o que é. Tenho de ver Daina, Asia! Eu posso sentir o que ela está sentindo. Essa angústia toda que está me incomodando, acho que vem dela! Está me consumindo, talvez algo vá realmente acontecer, mas não sei se sou eu que estou sentindo ou se é Daina. E está tudo muito conflitante, sinto que tenho de me resignar, tenho que fazer as escolhas certas, mas não sei o quê! - Slauka deixou-se cair novamente deitada no sofá e ficou com seus lindos olhos de gata fixos no espaço vazio à sua frente. - Preciso falar com Daina - continuou dirigindo-se à Asia sem olhá-la.
- Tá, amanhã nós vamos, está bem? - disse Asia com a voz entrecortada e acariciando de leve os cabelos de Slauka.
- Tudo bem - sussurrou Slauka.
- Não diga nada a Andrey quando ele chegar. Ele só vai ficar mais nervoso.
Ainda um pouco atordoada e sem lembrar bem o que tinha sonhado, Slauka concordou com a cabeça. Asia, lembrando-se de Michel sentado à mesa de jantar, virou o rosto para a direita e fixou os olhos nele. Michel olhava para elas quieto e em silêncio. Ele estava um pouco assustado ao ouvir essas histórias em torno de sua mãe, e também por ver Asia escondendo informações de Andrey. Asia sabia que Michel não diria nada e agora que ouvira o que Slauka disse, estava ficando assustada também. Passou a considerar que foi um erro não dar crédito aos pedidos de Andrey.
Andrey chegou bem tarde e viu Slauka dormindo no sofá. Asia havia colocado um cobertor fino sobre ela e Andrey achou bom que ela não estivesse sozinha em seu apartamento. Ele foi para o quarto e sentou-se na cama onde Asia dormia. Ela acordou com o movimento e perguntou:
- Está tudo bem? Como ela está? Está melhor? - Falava rapidamente e, diferente de como estava mais cedo, mostrou-se bastante interessada tentando amenizar a sensação ruim que tinha por não ter dado, logo no início, a devida importância ao problema.
- Não, Daina não está muito bem. Parece melhor, mas não está. - afirmou - Não faz muito sentido o que ela diz. Ora está tranquila, ora está agitada. Diz que está tudo bem, para eu ficar tranquilo porque você ficará bem e não corre perigo. Disse que eu ficarei bem. Mas ela não diz o que vê, ou não entende, não sei.
- Vamos lá amanhã, está bem? E ficamos com ela.
Andrey inclinou-se, beijou Asia e depois foi tomar um banho. Mesmo arrependida, Asia não disse a Andrey que mudaria seus planos de ir fazer a prova se ele pedisse novamente, pensou em dizer a ele, mas não disse; calou-se e se deitou pensativa e preocupada. Dormiu em seguida.
No dia seguinte, pela manhã, Andrey deixou Asia e Slauka, ambas mudas, na faculdade, e foi para o trabalho. Asia não havia mais insistido em ir fazer a prova, mas Andrey estava introspectivo e silencioso, não pedindo novamente para que ela cancelasse tudo e fosse para a casa de Daina. Então, Asia seguiu calada a decisão que havia imposto no dia anterior: foi com Slauka para a universidade.
Ela caminhou pelo campus, preocupada; tinha insistido em ir fazer a prova, mas agora tinha medo de ter tomado a decisão errada. Segurava no braço de Slauka e estava muito atenta a qualquer coisa ao seu redor. Como não sabia o que esperar, perguntou a Slauka:
- O que você está sentindo? Estaremos bem?
- Não sei, preciso ver Daina. Nós, mulheres, somos mais fortes juntas, Asia. Temos que ir para casa.
- Eu sei..., claro. Vamos hoje, prometo. - Asia continuou de braços dados a Slauka, caminhando em direção à sala onde fariam prova.
Mais tarde, foram almoçar com alguns colegas que perceberam a preocupação delas.
- Está tudo bem, Johanna? Parece preocupada. - perguntou um rapaz chamado Fernando.
- É a mãe de meu marido, ela está doente. Não sabemos o que ela tem, então estamos todos preocupados.
- Deve ser sério. A sua prima nem responde quando falamos com ela.
- Elas são muito ligadas, como mãe e filha - justificou Asia.
- Ah! Estimo melhoras.
- Obrigada - agradeceu.
Pouco tempo depois, Asia pegou Slauka pelo braço novamente e a encaminhou para a biblioteca, onde ficariam até o início da aula de farmacologia, à tarde. Asia agora sentia medo de que algo acontecesse enquanto estivessem lá sozinhas. Sentia-se culpada por não ter ouvido Andrey e ter insistido em ir à faculdade. Lembrava-se de seus antigos sonhos em que tinha de correr com Slauka e pensava no que ela havia gritado enquanto dormia. Queria Andrey perto dela e chegou a manter seu celular constantemente na palma da mão, mas não telefonou para ele, não o atormentaria só por estar nervosa, não iria preocupá-lo sem uma razão real. Slauka segurava sua mão, mas não parecia nervosa ou com medo, só estava alheia ao que as cercavam.
Asia fez o caminho entre a biblioteca e a sala de aula amedrontada, era como se algo fosse atacá-las no meio do caminho. Sentia que algum perigo as rondava, mas não era capaz de identificá-lo, não sabia se era real ou se estava imaginando, então, seguia atenta arrastando Slauka consigo. Nesse momento, Asia sentia-se responsável por Slauka e por ela mesma, se algo ruim fosse acontecer com elas, ela era a grande culpada.
No fim da tarde, Asia ficou feliz ao ver Andrey e Michel esperando por elas na saída. Puxou Slauka com ela e dirigiu-se rapidamente a Andrey, abraçando-o.
- Tudo bem? Fez a prova? - perguntou Andrey atencioso e surpreso pelo inesperado abraço que recebeu.
- Sim, vamos embora? - Asia o soltou e logo se pôs a caminhar.
- Vamos, está tudo bem? - perguntou Andrey novamente.
Eles percorreram uma pequena distância, Andrey havia conseguido parar o carro próximo à saída. Michel e Slauka entraram e se sentaram no banco de trás do veículo, enquanto Asia sentou-se rapidamente na frente, ao lado de Andrey.
- Você está bem? Aconteceu algo? - perguntou ele observando-a balançar a cabeça negativamente. - Está sentindo alguma coisa, Asia?
- Eu? Não! - Esta era uma pergunta nova para ela. O que Asia sentia, na verdade, era consciência pesada, a sensação de ter sido egoísta e o medo de que acontecesse algo por culpa dela. - Só quero ir, estou arrependida por ter ficado. Estou preocupada com Daina e Slauka.
- Aconteceu alguma coisa? - perguntou novamente Andrey que dera a partida e já manobrava o carro. - Slauka?
- Ontem, quando Slauka estava dormindo, disse algumas coisas. Não entendi quase nada, mas ela disse "Corra Asia, corra". Podia ser só um sonho, mas fiquei com medo hoje durante o dia.
- Devia ter me contado - disse ele seriamente.
- Eu sei, desculpe-me.
Havia muito trânsito no caminho, o que fez aumentar a angústia que Asia sentia. Andrey segurava sua mão de vez em quando enquanto dirigia, mas estava calado, pensando no que estava acontecendo. Slauka e Michel estavam igualmente mudos no banco de trás.
Em razão do trânsito na rodovia, levaram muito tempo para chegar, mas assim que Andrey começou a subir a serra que levava ao bairro onde moravam, Asia sentiu-se mais segura.
Quando entraram na casa, Daina estava sentada no sofá e sorriu para eles. Asia se assustou, porque, apesar do sorriso, Daina não tinha uma boa aparência. Todos a beijaram, e quando Asia se aproximou, Daina a puxou para seu lado e ficou abraçada a ela. Andrey se sentou ao lado de Asia e ficou observando as duas. Depois, Daina soltou Asia e se inclinou para Slauka, que estava agachada em sua frente. Colocou a mão em seu rosto segurando o queixo e disse:
- Está tudo bem querida, vai ficar tudo bem.
Era angustiante para Andrey ver Daina daquela maneira, sem poder fazer nada para ajudar e sem entender o que de fato estava acontecendo com ela. Aquilo o fazia lembrar-se da época em que Aiva foi levada e Daina sofreu pela morte da filha, mas, naquela época, Daina havia sido tomada pela dor, e agora, ela parecia distante dela, parecia estar conformada, resignada de uma maneira que ele não conseguia associar, e ele se incomodou com esse novo comportamento. Notou que Daina estava mais preocupada com todos da casa do que consigo, preocupava-se principalmente com Reinis, pois toda a atenção de Daina se voltava para o marido quando ele se aproximava: "Mas o que, nos dias de hoje, provocaria esta reação? Algum acidente? Daina não esconde nada de mim, ela irá falar", pensava Andrey observando Reinis se aproximar dela e sentar ao seu lado assim que Asia e Slauka saíram.
- Gostaria que você me dissesse algo que me permitisse ajudá-la. Gostaria de saber pelo menos do que se trata - perguntou Reinis.
- São só algumas sensações, Reinis, já está passando, vou ficar melhor. - assegurava Daina.
Andrey via que o que quer que fosse, relacionava-se mais a ela e ao marido. Mas Daina lançava olhares dolorosos a todos. Andrey percebia, mas não entendia o significado disso. "Talvez Daina não saiba realmente o que está por vir, não entende por completo, por isso, não conta."
Reinis havia se mantido ao lado dela durante todo o dia e se encontrava abatido, preocupado e cansado. Andrey passou parte da noite conversando com ele, tentando de algum modo ajudá-lo, depois, convenceu-o a ir descansar.
No dia seguinte, todos ficaram em casa, inclusive Laura com sua família e Rainer, que prometeu ficar com eles durante todo o fim de semana.
Almoçaram todos juntos. À tarde, Lars voltou de sua viagem e passou bastante tempo na companhia de sua tia e de Reinis, o que pareceu proporcionar alguma melhora em Daina.
Ela se animou ao falar sobre seu irmão, Indrek, contando a Lars histórias sobre seu passado. Fez bem a ela lembrar-se de sua infância e de seus pais, e alegrou-se ao contar sobre quando conheceu Reinis e o convenceu a casar-se com ela, acabando com suas "perigosas" viagens pelo mundo. Essa conversa também trouxe alguma melhora para Reinis, que riu das antigas confusões em que se envolveu juntamente com Torsten, avô de Volker, e também se animou em falar sobre as ideias de seu pai e da esperança de que um dia tudo pudesse melhorar para todos.
E, assim, passaram a tarde conversando; Slauka permaneceu sentada, próximo a eles, observando-os em silêncio. Chovia lá fora, fazia um pouco de frio, já que era início de outono, e ventava. O jantar foi simples, com muita conversa e com Rainer fazendo piadas sobre os assuntos teóricos que seu irmão expunha, tornando o ambiente mais descontraído. Essas distrações e a proximidade de todos pareceu melhorar o estado de espírito de Daina, que foi dormir mais tranquila.
No domingo, Daina estava bem. Sorria com seu jeito natural de ser e dizia a todos para saírem e aproveitar o dia de sol. Reinis ficou com ela durante toda a manhã e pôde observar a significativa melhora em sua condição. O tempo mudara e estava um pouco mais quente; Laura e Volker saíram com as crianças para distraí-las e, no final da tarde, Andrey foi caminhar com Asia. Caminharam entre os lagos da região, soprava uma brisa fresca e agradável, o céu estava azul com poucas nuvens e a luz incidia de forma a tornar a superfície da água um espelho, refletindo os pinheiros em sua margem. Andrey segurava a mão de Asia e se sentia melhor com aquela situação: Daina não havia dito mais nada e parecia que tudo havia passado. Eles tomaram café no centro comercial e voltaram para casa quando estava anoitecendo.
Quando chegaram à casa dos Zigajevs, viram que Daina estava no jardim, sentada em um banco ao lado de Laura, observando as crianças brincarem. Ela sorria e lançou a mão na direção de Asia: queria que se juntasse a elas. Andrey entrou na casa e Asia se dirigiu para perto delas.
Daina pegou a mão de Asia assim que ela se aproximou e a ficou segurando, enquanto Asia se sentava, depois chamou Laura, que havia se afastado indo em busca de Ana Clara que correu para longe, e ainda segurando a mão de Asia falou de maneira bastante tranquila:
- Laura. - Laura se aproximou com a filha no colo. - Amanhã fique sempre com Asia e deixe Ana Clara com ela.
- Mamãe..., o quê? - perguntou Laura afastando a mãozinha da filha de seu rosto.
- Está tudo bem, querida! Não é nada, só faça o que eu peço, está bem? - a expressão de Daina era tranquila, mas firme em sua declaração.
- Por que está me dizendo isso? Você está sabendo de alguma coisa, mamãe? - perguntou Laura desconfiada.
- Não, é só uma intuição. É bom para você.
- Mamãe, você está escondendo algo?
- Não, só sinto que você e as crianças devem ficar com Asia. Só isso.
Daina mantinha as mãos prendendo a de Asia com força. Deixou de olhar para Laura, virou-se para Asia e, em um sussurro em que Laura mal podia ouvir, continuou se dirigindo somente a Asia:
- Você pode ficar com Laura para mim, não é Asia?
Asia apenas acenou com a cabeça mantendo o olhar surpreso e interrogativo em Daina.
- Prometa Asia, prometa que não deixará Laura. - apertava a mão dela com firmeza.
- Sim, prometo! - prometeu com sinceridade, mas questionando-se sobre o motivo daquele pedido.
Daina aproximou a boca do ouvido de Asia e, de maneira que Laura não poderia ouvir, sussurrou mais uma vez:
- Não se preocupe comigo, cuide de Laura e das crianças. - afastou-se um pouco e observou os olhos dela enquanto sussurrava mais uma vez: - Não volte, prometa!
- Sim. - Asia respondeu sussurrando no mesmo tom de Daina, mas não compreendia a razão daquilo. Muito atenta, acompanhou Daina soltar sua mão, que ficou muito quente presa à dela, e desviar seu rosto sorridente dando atenção para as crianças.
Depois de acompanhar, visualmente, Daina afastar-se, Asia ergueu os olhos encontrando os de Laura, que havia colocado a filha no chão, e ambas trocaram olhares preocupados, mas elas não sabiam qual era o problema e não tinham certeza se Daina sabia de algo que não queria dizer ou era só uma sensação ruim em relação a elas. Asia refletiu que se Daina soubesse que algo realmente grave fosse acontecer, pediria ajuda a Volker, Andrey e Lars ou mesmo a Reinis.
Daina seguiu, brincando com as crianças, para a parte de trás da propriedade, e Asia e Laura ficaram, então, sozinhas com suas indagações:
- O que foi tudo isso, Asia?
- Não sei! Talvez seja só uma sensação, como ela mesma disse. E que se ficarmos juntas estaria tudo bem! - Asia lembrava-se de como sua mãe era clara e precisa em tudo o que previa; acreditava que, como ela, algo mais sério e importante poderia ser visto com mais nitidez por Daina, também.
- Não gosto disso, Asia. Nunca vi mamãe ficar assim - prosseguiu Laura.
- Talvez não seja nada. Ou ela pediria ajuda para Andrey e Volker, não é mesmo? E Daina parece melhor, hoje, ficou muito com Lars e Reinis. Acredito que esteja melhorando. - Asia também ficou desconfiada, mas concluiu que era melhor não preocupar Laura ainda mais. Ficaria atenta a qualquer coisa.
Em seguida, quando entraram na casa, foram até a varanda conversar com seus maridos.
- Andrey, eu não irei à aula amanhã. Vou ficar com Daina, está bem? - Asia logo informou que agora não pensava em se distanciar de Daina por nada.
- Está ótimo, queria isso mesmo - disse Andrey passando o braço em torno dela satisfeito por não ter que discutir a esse respeito, já que ela estava fazendo o que ele queria.
Volker, que também abraçava Laura, sugeriu:
- Acho que vocês deveriam sair com Daina um pouco. Deveriam fazer algo divertido que ajudasse a distraí-la. Poderiam ir ao shopping ou ao parque ecológico. As crianças adoram e Daina pode se divertir, vai ajudá-la a se recuperar.
- Não creio que devemos sair. Seria melhor ficarmos em casa. - sugeriu Asia, olhando para Laura que também a observava; mas nem Andrey nem Volker pareceram lhe dar algum crédito.
- Talvez ajude a distraí-la. Acho que ela está assim porque ainda não conseguiu saber o que a incomoda - disse Andrey. - Vladímir já está vindo para São Paulo e quer ver Reinis amanhã pela manhã, isso vai ajudar a esclarecer as coisas.
Asia pensou em contar a Andrey o que Daina havia lhe dito, mas depois imaginou que ele ficaria nervoso, já que tudo aquilo, não fazia nenhum sentido, e então desistiu. Pôde perceber que Laura, mesmo desconfiada, também não fez nenhum comentário, portanto, aguardaria por novas informações que lhe dessem algum indicativo do que as esperava.
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