• Vazio.
Nellyare sentiu seu corpo ficar leve como uma pluma, flutuar no ar. Naquele momento, conseguiu ver com clareza as gotículas de chuva beijarem sua pele, calmas e gentis. Pelo canto dos olhos, viu a irmã correr em sua direção, o rosto perfeito quebrando a máscara de insensibilidade por alguns meros segundos, algo que se tornava cada vez mais raro de acontecer.
Siatrich cortou o ar diante de si.
A mão direita performou o mesmo trajeto de uma lamina experiente, afiada e impecável. O vento se dividiu ao meio, e um sopro de ar dilacerou as costas de Nellyare como se cortasse um mero farrapo de pano. O sangue rapidamente se espalhou ao redor deles. Quando o principe enfim caiu, sentiu os ossos se quebrarem, os braços ainda tentaram se contorcer de dor, mas ele não conseguia mais se mexer. Siatrich ergueu a cabeça do irmão com o pé, obrigando-o a olhar para ele.
— Na próxima vez que quiser me impor alguma coisa, pelo menos me entretenha direito antes.
Nellyare sentiu o corpo começar a apagar em meio ao mar de dor que se apoderava dele, demoraria um tempo até que seu corpo cicatrizasse por completo, quando se tratava de Siatrich, tudo era muito lento e doloroso. Deveria agradecer por não ter morrido. De algum jeito, se sentiu feliz por finalmente ter a paz que tanto queria, talvez quando acordasse, a dor de ter perdido o irmão diminuísse.
— Sabe. — Após um tempo muito confuso, ele ouviu a voz de Tassita, sentada ao lado dele. O vestido branco se esparramando pelo chão. Os olhos dela haviam voltado à sua cor original e a voz era mansa. — Eu não vou mudar de ideia. Eu também amava o Ayan, e também estou… triste. Mas imagine só, como diríamos para a filha dele que nossa família massacrou e humilhou o povo dela? Que usamos seu sangue para obter técnicas capazes de dizimar clãs inteiros? E como você acha que ela se sentiria olhando no espelho e vendo em si mesma, sua maior ruína? Presa eternamente entre dois mundos.
Com muita força, os lábios de Nellyare se abriram para responder a irmã.
— Você não tem como saber isso.
Tassita passou a mão nos cabelos ensanguentados dele.
— Eu sei sim. Porque me odiei por muito menos.
—--------------
Siatrich se mesclou as sombras disformes que vagavam pelos extensos e excelsos corredores do palácio, um verdadeiro monumento construído a milênios, resistindo com louvor às guerras e desastres ao redor de si. Suas paredes possuíam uma vivacidade e opulência muito específicas, geradas apenas pela areia negra de Beltier, ao qual haviam sido produzidas, ornadas e esculpidas. Pinturas e arabescos haviam sido gravados sobre aquelas paredes, suas silhuetas luminescentes acendiam em tons de dourado, azul e violeta no momento em que alguém passava por elas. Estátuas de marfim e ouro puro enfeitavam os corredores, seus detalhes e anatomia tão milimetricamente bem feitos que era muito fácil acreditar que outrora haviam sido de verdade, para alguns soava magnífico, para outros um tanto inquietante. Gemas e lustres grandiosos em formato de sóis e estrelas adornavam salas e recantos discretos, alguns ocultos pela densa névoa opala que banhava o teto, fruto das águas das cachoeiras que passavam por dentro do palácio.
Ele atravessou a ponte que levava para a ala oeste, o rosto gélido banhado pelas frestas de luzes das colunas, as mãos ainda sujas do sangue de Nellyare. O chiado da água corrente ocupava sua mente, que naquele momento se encontrava completamente vazia. A forma como Siatrich se misturava aos nuances daquele ambiente era tão espontâneo que até mesmo Ayan Doria às vezes fazia piadas com o irmão, Siatrich tinha a compleição de seus grandes ancestrais conquistadores do passado, a falta de empatia e a mente fria para lidar com situações imprevisíveis e elaborar planos perfeitos. Talvez Nellyare tivesse uma gota de razão quando expeculou que não seria uma surpresa tão grande assim se o próprio Siatrich houvesse ceifado a vida do irmão gêmeo. Fazia meses que os dois haviam entrado em uma célere disputa de ideais e brigas, e todos sabiam que os ocasionais momentos em que Siatrich elevava de forma assombrosa seu tom de voz, significava que estava realmente lívido de ódio. Era inteligente o suficiente para fazer algo desse tipo e jamais ser pego.
O vampiro arrancou o botão dourado da gola da camisa rasgada e a abriu ainda mais quando sentiu a garganta arder, uma sensação intensa de amargor tomou seus lábios, um indício de que fazia muito tempo desde a última vez que realmente havia bebido sangue, era provável que houvesse se esquecido, ou talvez estivesse tão entretido matando e dilacerando clãs inteiros, que não se atentou aos detalhes de sua própria existência. Ainda assim, era algo com o qual não se importava, nada lhe era mais relevante do que o que estava prestes a fazer. Carregava em si um estado de torpor que ocupava seu corpo inteiro, e quem sabe até mesmo os buracos vazios sua alma inconstante. Só tinha um objetivo, um delírio ao qual ele não fazia o mínimo esforço para resistir.
Imponentes arcos surgiram quando ele terminou de atravessar a ponte, e logo as vidraçarias que adornavam o imenso jardim suspenso que havia dentro daquele lado pôde ser visto. A temperatura era mais alta ali, flores tropicais raras de vários cantos do mundo se aglomeravam em vastos cachos que caiam graciosamente, tal qual uma chuva congelada de verão. O chão era de uma rocha antiga e cheia de runas gravadas, milhares de samambaias e gramíneas brotavam dele como se fosse terra fertil, besouros de asas coloridas andavam felizes por raízes retorcidas e patires, insetos de asas brancas peludas e calda longa, faziam ninhos dentro das copas das orquídeas gigantes. As plantas, agora completamente adaptadas a escuridão lá fora, eram iluminadas por luzes azuladas nas paredes e velas bruxuleantes postas em castiçais de cristais subterrâneos. Os portões de grades pesadas e cheiro de magia enferrujada estavam abertos, se não fosse por eles, os desavisados acreditariam que Desejo era apenas mais um dos centenas de jardins que haviam por ali, talvez o mais bonito de todos eles e com os cheiros mais agradáveis e peculiares. Mas não, Desejo era uma prisão. E muito longe de ser apenas uma prisão comum, havia sido projetada unicamente para prender Fadas. A grande maioria das criaturas que trabalhava no palácio, evitava pisar em alguns lugares, e aquele jardim era um deles. Os relatos de gritos e risadas fantasmas se amontoaram com o passar do tempo, atormentando até os mais ceticistas e descrentes.
Uma melodia fraca e distante voou pelo vento, sendo levada pelas pétalas das flores, vibrando através das asas dos patires distraídos, como um sonho perdido dançando nas bordas do universo. Embora parecesse inofensivo, foi o suficiente para fazer Siatrich parar de se mexer abruptamente no exato momento em que o som adentrou seus ouvidos. Ele sentiu o impacto da grande barreira de sombras ao redor de si se quebrar instantaneamente, atravessando sua mente como uma flecha invisível, porém letal. Era uma cantiga meiga e suave. A voz que a entoava era antiga, despreocupada e harmoniosa, suas notas saiam cheias de profunda graça e sinceridade, não se importando com os erros que cometia ao longo do caminho, as vezes falhava um pouco ou parecia se esquecer momentaneamente para onde estava indo. Não havia letras, apenas a melodia que contava uma história, uma história de muitos séculos passados e memórias quase desfeitas pelo tempo, segredos não contados e sorrisos alegres apesar dos traços imperfeitos.
Uma voz humana.
Siatrich sentiu uma eletricidade atravessar seu peito, cravando uma fenda através dos cantos mais íntimos de sua mente e memória. Um familiar aroma de âmbar e frutas silvestres adentrou suas narinas, entorpecendo seus sentidos, deixando os batimentos de seu coração ainda mais lentos. O vampiro deu um passo ágil para trás, tentando se libertar daquilo e evitar sentir qualquer emoção que estivesse prestes a ter. Sentia seu corpo meio rígido, instável. As pupilas dos olhos se dilataram. Ele olhou para o caminho diante de si, tudo estava calmo e pacífico.
A melodia parou. E um leve som de tosse ecoou baixinho em seguida. Um silêncio absoluto cruzou alguns parcos segundos antes que os ouvidos atentos de Siatrich captassem outro som, diferente do de antes.
Uma risada.
Não uma risada qualquer… Era uma risada doce e inocente de bebê. Uma risada de Fada. Alta e reverberante, capaz de inundar o espaço inteiro em uma velocidade impressionante, como a luz do sol que banha o mundo no início de cada novo dia. Os patires e besouros começaram a voar, as folhas das plantas balançaram como se um vento repentino houvesse passado por elas, as luzes dos cristais falharam e as pétalas das flores se tornaram ainda mais coloridas, botões novos brotaram magicamente e frutos amadureceram nos pés das árvores suspensas. Siatrich deu um longo suspiro, e quando voltou a andar, os passos pesados esmagaram a grama nova.
— Ah, você está rindo?Sim, você está. Que maldade! Eu estou aqui, me esforçando para fazer lhe fazer dormir, e você está tirando sarro dessa pobre criatura que já não canta mais tão bem?
A mesma voz que antes estava cantando, agora brigava baixinho com alguém, parecendo se divertir com alguma coisa.
— Pois saiba, que se você continuar rindo de mim, vou fazer uma coisa terrível com você.
Outra risada vacilante saltitou pelo lugar. Dentes de leão saíram voando pelos ares.
— Eu vou comer seu pé! Isso mesmo, seu pé fofinho e magricelo. E depois, eu vou devorar um por um os seus dedinhos, e a sua orelha eu comerei por último. Essa sua orelha parece especialmente deliciosa.
Ela estava lá, Siatrich nem precisou procurar. Jazia sentada em uma poltrona de ébano, embaixo de uma frondosa árvore de folhas rosas. Seus longuíssimos cabelos prateados estavam presos por uma trança simples, meio desgrenhados. Possuía uma expressão distraída no semblante humano, seu rosto possuía algumas rugas do tempo, mas nem de longe contemplavam as centenas de anos de sua existência. Os olhos escuros estavam meio fechados, como se a própria estivesse quase pegando no sono. Suas roupas eram simples, a túnica escura destituída de adereços, o pano de linho já estava amassado. Em seus braços, um bebê sorria para ela alegremente, os pequenos dedos enfiados na boca sem dentes.
Uma menina.
Era menor que a maioria dos bebês, possuía a compleição de algo muito fácil de quebrar, como se houvesse sido fabricada apenas para ser uma porcelana decorativa. Seus ralos cabelos brancos e macios feito um novelo de lã já estavam despenteados, a pele alva cintilava em meio a escuridão. Possuía um rosto redondo, o nariz pequeno e grandes cílios adornando os olhos castanhos claros, despreocupados e inocentes. Como todo bebê, especialmente os de Fada, era. Não demorou muito, finalmente cedeu aos gracejos que a mais velha lhe fazia, bocejou e fechou os olhos, entrando por completo no mundo dos sonhos.
Então, era aqui que você estava se escondendo. Siatrich constatou.
A humana se levantou satisfeita, colocando a bebê com todo o cuidado em um berço diante de si. O vampiro observou os movimentos dela, o rosto aos poucos se contorcendo em uma expressão de absoluta incredulidade, sua imagem se tornou uma névoa obscura, seus lábios se moveram algumas vezes, antes que algum som saísse deles.
— Foi você. É claro que foi.
A atenção dela finalmente se desgrudou do bebê dormindo no berço, mas diferente dos irmãos dele, não se abalou ao ver a expressão assustadora da figura à sua frente.
— Eu refleti muito sobre isso, ao ponto de rasgar meus próprios pulsos. — Siatrich prosseguiu, a voz agora era capaz de congelar sangue. — Era tão fácil, tão ridiculamente fácil. E você apenas precisava ter dito isso a ele, Baba. E não venha me dizer que era inevitável, porque você sabe melhor que ninguém, eu não acredito em coisas como o destino.
Siatrich recebeu um olhar compreensivo, que pareceu inflamar ainda mais o ódio que agora tomava conta dele. Nenhuma única vez, em todos os anos em que se conheciam, ele a havia olhado daquela forma.
— Então, vossa alteza… — Ela lhe questionou. — Você quer que essa pobre idosa,frágil e indefesa, tenha a audácia de lhe dizer que está errado? Olhe só para esses belíssimos olhos azuis… Tão cheios de ódio. Me dizendo claramente que este é meu último dia de vida.
— Sim. — Siatrich sorriu para ela, um sorriso tão doce quanto os que Ayan Doria esboçava. — Eu vou quebrar os seus malditos ossos velhos. Bem devagar, e eu vou ouvir você gritar, gritar e gritar, perdida em completa dor e agonia, lamentando amargamente o dia que disse ao meu irmão que era uma boa ideia ele amar aquela criatura desprezível.
— Eu… Também não acreditava em coisas assim, destino ou propósito. — Baba olhou novamente para a criança adormecida no berço, completamente alheia ao que acontecia ao redor de si. — Sua mãe me deixava louca quando dizia exatamente o que iria acontecer. “Baba, vai chover a noite”. E chovia. “Baba, se arrume pois iremos receber uma visita daqui a duas horas”. E então, quando eu menos esperava, alguém batia na porta. E é claro, a pior de todas… “Baba, eu tive um sonho, onde eu me casava com Athan Aggy-Shadray e tinha dois filhos lindos.” Você sabe o que eu disse a ela, Siatrich? Eu disse: Você está louca Lizahi, Athan Aggy-Shadray é um monstro insaciável, se casar com ele será infeliz até seus últimos dias…E seus filhos? Serão tão monstruosos quanto o pai, até pior.
— Não me venha com sentimentalismos humanos. — Siatrich avisou. Era um fato que aquela mulher sentada à sua frente, era a única criatura viva que realmente o conhecia.
— Não é sentimentalismo. São fatos. Lizahi se casou com Athan, contra a minha completa vontade e aceitação. — Os olhos de Baba pareceram se encher de uma repentina emoção. — Teve os dois filhos lindos que tanto queria, e nem mesmo ficou neste mundo para vê-los crescer. Ela era tão egoísta, eu a amava como uma irmã, e ela quebrou meu coração em mil pedaços e depois pisou nos cacos dele.
Siatrich cruzou o caminho que o distanciava dela, as plantas iam murchando e apodrecendo por onde ele passava.
— Eu poderia ter ido embora. Morar em algum bosque ensolarado do outro lado do mundo. Mas olhe só, eu fiquei. Fiquei aqui e cuidei de vocês dois, sabe porque Siatrich? — O vampiro parou na frente de onde ela estava sentada. — Por que para mim, foi muito doloroso deixá-los para trás. Você e o Ayan são um pedaço dela. E eu acho que no fundo eu sabia que mesmo contra a minha vontade, eu acabaria amando vocês. Siatrich, você pode fazer isso também.
— O Ayan morreu porque você ficou colocando essas besteiras na cabeça dele. — Siatrich olhou bem no fundo dos olhos dela, procurando alguma coisa. — Eu fiz tudo por ele. Eu suportei todo tipo de dor e humilhação para que nós nunca precisássemos nos separar. E isso nos fez melhor, nos fez perfeitos. Carne da minha carne, sangue do meu sangue e um pedaço da minha alma. Eu pedi apenas uma coisa para aquele desgracado. Fique ao meu lado. E nem mesmo isso ele fez por mim.
— Querido, ele morreu. — Baba tentou colocar a mão no ombro dele, mas Siatrich se desviou. — Nada que pudéssemos fazer mudou isso. Você não deveria se consolar porque pelo menos ele foi feliz, amou e foi amado até o último momento? E ela o amava tanto que não suportou um mundo sem ele. Ao contrário da sua mãe, não foi um amor feio e destruidor, valeu a pena até o último segundo e por isso eu não tenho arrependimentos.
— Quem se importa com o que você sente? Eu não sinto nada. Vou honrar as escolhas do meu irmão, vou matar essa coisa que ele deixou vir a ao mundo, e então, tudo terá desaparecido, eu nunca mais irei pensar nele.
— Eu sei. — Uma única lágrima brotou em um dos olhos de Baba. — E é isso o que verdadeiramente me causa dor. Não me importo de morrer, sabe que não. Mas Siatrich, quem vai preencher todo o vazio que você vai sentir depois disso? O que irá sobrar neste mundo para você amar? Seus irmãos, que você apenas tolera? Sua esposa, que você detesta? Seu filho, que vai passar o resto da vida procurando uma aprovação que jamais terá? Você nem sequer estava lá quando ele nasceu. Eu tenho pena de todos eles.
— Você vai me impedir? — Os olhos de Siatrich agora estavam escuros como o mar em uma tempestade violenta. — Vai me impedir de matar essa mestiça? Se não for fazer isso, VÁ EMBORA! Depois eu decido o que eu faço com você.
— Não vou te impedir. Pode matá-la se é isso que deseja. É uma pena porque eu realmente gostei dela, é um bebê adorável. Gostaria de saber que tipo de criatura ela vai virar quando crescer. — Baba se levantou, inabalável. Havia uma certa realeza nela, e uma energia que dizia que já havia visto muita coisa através dos séculos. — Acho que você iria amá-la. Sempre gostou de coisas defeituosas.
Com profundo pesar, ela deu uma última olhada na garotinha. Não se parecia com Ayan Doria, parecia mais Fada que Vampira. Uma verdadeira incógnita.
— O nome dela é… — Baba começou, mas Siatrich rispidamente lhe interrompeu.
— Eu sei o nome dela.
Como um respiro, a mulher que havia acompanhado os gêmeos Doria durante toda a sua vida, desapareceu jardim adentro. Enfim, Siatrich fitou a criança adormecida, nem um pouco abalado com sua aparência frágil, ou mesmo com a pulseira de rubis que ela tinha presa no braço, presente de seu irmão. Para ele, Nellyare e Baba estavam loucos de achar que aquela criatura sobreviveria ali, Ayan Doria teria passado toda a sua vida escondendo a vergonha de ter uma filha mestiça.
— Olá, Ryu.
Foi necessário apenas um dedo. Uma unha, na verdade. O pescoço dela já estava descoberto, alvo e imaculado. Calmamente, Siatrich fez uma fina linha ali, um pouco acima da clavícula, parou no meio do trajeto e observou fascinado, o momento em que o sangue vermelho começou a brotar.
Dor.
Siatrich gostaria de sentir isso. Almejava sentir tanta dor a ponto de desmaiar e acordar repetidas vezes, em um ciclo que pareceria eterno. Queria sentir novamente aquela pontada, a que sentiu enquanto balançava o corpo do irmão, quase morto em seus braços, uma flecha céu enfiada em seu peito, a sensação de que deveria fazer alguma coisa, agonizando com a certeza de que não havia nada que poderia ser feito. Siatrich havia se preparado para aquele momento, mais de duzentos anos, a certeza de que conseguiria lidar com tudo aquilo caso Ayan realmente morresse. Nada foi suficiente, o vínculo que havia entre eles superava a própria vida, e se Ayan Doria tinha que morrer, porque Siatrich ainda estava vivo? Deveria ter morrido junto, do mesmo jeito que vieram ao mundo.
— Sinto muito… por deixá-los.
Essas foram as últimas palavras de Ayan, Siatrich agora se lembrava com muita clareza, ele não lembrava antes, porque em sua mente, tudo que se lembrava era o som oco dos próprios gritos. A unha ainda estava lá, cravada no pescoço ensanguentado de Ryu, esperando que ela acordasse e também começasse a gritar.
Não houve choro. As folhas rosadas da árvore acima deles começaram a cair, aos montes
Os olhos finalmente se abriram. Siatrich observou eles notarem pela primeira vez a existência dele. Mas em vez de enxergar o pesadelo horrendo que estava diante de si, aqueles pequenos olhos,muito abertos e vibrantes, enxergavam outra coisa, além do mundo visível diante de si.
O vazio que havia entre eles.
Siatrich soltou o dedo que prendia o pescoço dela, mas estava tão perto que não percebeu quando uma das mãos de Ryu se enrolou em seus cabelos, tão forte e determinada, que o vampiro mais poderoso do mundo sentiu como se ela nunca mais fosse soltar.
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