• Anotações em Papel Pólen IV
Parece que isso é um defeito muito comum nas Fadas das Flores, se apegar em mastros flutuantes e esquecer do resto do navio que está afundando.
Eu… Nunca penso muito sobre ele. Ayan Doria, quero dizer. Mesmo nas vezes em que falei o nome dele, soava quase banal. Minha mente não consegue fazer uma conexão real, na maior parte do tempo, é como se ele nunca tivesse existido.
Não há desculpas para isso é claro, essa é uma coisa horrível de se dizer, principalmente para mim. Não me agrada que eu seja desse jeito. Mas no fim, ainda não sou capaz de pensar, com essa mente simples, em uma explicação razoável para continuar mantendo a imagem de Ayan separada de todo o resto. Talvez, em alguma estrofe dessas páginas amareladas, eu reflita sobre isso. Vai acontecer em algum momento.
Independente disso, nada mais justo do que seja eu a deixar escrito aqui um enigma que intriga historiadores a tempos.
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Dinastias…não nascem do nada. Elas se moldam como linhas finas, tecendo uma tapeçaria minuciosa e complicada durante centenas de anos a fio, correndo o risco de serem cortadas e apagadas da história a qualquer momento.
Foi bem assim que a dinastia Aggy-Shadray dominou a maior parte do mundo, por mais de dois mil anos. Há quem diga que esse papel sempre foi deles, por direito absoluto de nascença, adorados como se fossem deuses, temidos como a morte inevitável. Seu poder aumentou ainda mais quando descobriram que o sangue das Fadas era capaz de produzir uma das técnicas mais poderosas e horríveis que o mundo já viu, aquela cujo nome as Fadas não ousam pronunciar.
Durante mais de cem anos, as Fadas dos Elementos não prestaram ajuda para as Fadas das Flores, que eram presas muito mais fáceis de serem pegas do que suas irmãs Elementais. Uma guerra por poder se desencadeou entre todas as raças, e até mesmo o povo do mar se envolveu, mas no fim, foi o povo da floresta, últimos a entrar na grande guerra, que terminaram com o conflito. Hoje em dia, todo mundo tem medo do povo da Floresta e do que eles são capazes de fazer.
Os sobreviventes da dinastia Aggy-Shadray foram banidos para seu território original, nas terras vermelhas, onde reinaram sendo odiados e temidos pelo resto do mundo, que se dividiam entre aqueles que desejavam que eles fossem completamente exterminados da terra, e os que queriam sua volta ao poder.
Essa ameaça pareceu se tornar real quando ele nasceu.
No momento em que Ayan Doria viu a existência deste mundo pela primeira vez, tudo foi perfeitamente esclarecido. Aquele vampiro, nascido sob a luz da grande estrela Ryu, que brilha gloriosa nas terras vermelhas, seria o legitimo herdeiro do trono banhado de sangue e glória. Não poderia existir benção maior, e tão pouco importava que Ayan tivesse dividido o ventre de sua mãe com uma criatura originalmente tão semelhante a ele em aparência quanto em espírito, só havia lugar para uma única estrela brilhar. Era Ayan, não Siatrich, quem traria de volta a glória absoluta da dinastia Aggy-Sadray.
Mas por curiosidade, ou quem sabe uma agourenta tragédia, essa mesma convicção de destino não pareceu se aplicar a Lizahi, a mãe de Ayan, e esposa favorita de Yander. Conhecida tanto pela beleza nefasta quanto pela falta de sanidade e premonições nada agradáveis, a própria vampira olhou para o primogênito, minutos depois de seu nascimento, e disse, tão serena quanto a lua da primavera:
— Oh, querido filho. Lamento que seja eu a lhe dizer isso, mas é preciso que eu te diga, afim de que não acredite nas falsas e hipócritas alegações que estão por vir para encher seu coração de falsas ilusões. A verdade, é que irás morrer jovem. Não existe nada que possa fazer quanto a isso,então, por amor a sua mãe prometa-me que serás infinitamente feliz, nesse tempo que lhe resta.
Morbido, não?
O jovem herdeiro nem mesmo teve a chance de crescer tempo o suficiente para perguntar a sua progenitora o real significado de suas palavras. Afinal, vampiros vivem por centenas de anos a fio. Ele não teve chance, porque Lazahi se suicidou três dias após o nascimento dos filhos.
. Seja como for, Ayan Doria seguiu fielmente o Conselho de Lizahi. Jovem demais, aprendeu o significado de “Até onde o céu toca”. Ínfimas foram as coisas que ele desejou e não conseguiu. Poder, bens, amantes e até mesmo uma coroa feita do pedaço de um meteoro caído do céu. Ayan Doria possuía uma habilidade de controlar mentes assustadoramente notável, era capaz de prender suas vítimas dentro de pesadelos, impedi-las de dormir ou mesmo comer, prever o próximos passos de seus adversários e destruir partes da mente até que se tornassem bonecos vazios. Até as sereias o respeitavam.
Depois da morte de Yander, Ayan subiu ao trono, e consequentemente, sua fama, que já não era pequena, terminou de ganhar o mundo, colocando sussurros em bocas que previam prenúncio do desespero.
Dá para imaginar? O quão maçante e infeliz deve ser viver absolutamente sem nenhum sonho que realmente valha a pena, porque todos já foram realizados antes mesmo de você completar duzentos anos? Se eu não soubesse, diria que foi o tédio quem primeiro venceu o grande Ayan Doria.
Mas não, não foi o tédio. Foi a inocência quem primeiro o devastou.
— Ryu.
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