Capítulo 47
G i e n n a h
Eu ria como nunca tinha rido antes. Minha barriga doía de tanto contraí-la. Meus olhos lacrimejaram tantas vezes nas últimas horas, que eu já não me importava em secar o meu rosto quando alguma gotinha rolava. O único culpado por esse ataque de histeria estava sentado bem na minha frente, do outro lado da longa mesa de jantar da cozinha. Uma garrafa de vinho jazia pela metade entre nós, enquanto outra já vazia, estava na bancada da cozinha. Thomáz ria do que ele mesmo tinha acabado de dizer, no mesmo instante em que pegava a garrafa de vinho e se servia de mais uma taça. Eu já tinha perdido as contas de quanto de vinho já tínhamos tomado, mas eu, e muito menos ele, nos importamos com isso. Fazia muito tempo desde a última vez em que eu rira desse jeito, conversava coisas banais, ou estava realmente interessada no que outro cara sem serem réus ou advogados, estava falando. Ouvir Thomáz sempre foi algo que eu gostava de fazer. Se me perguntassem qual voz eu gostava de ouvir, ou que me relaxasse e me fizesse querer ficar sentada por horas apenas como ouvinte, eu diria que era a de Thomáz, sem pensar duas vezes.
- E então, o cara entrou no bar como se tivesse saído de um filme country do Alabama e prendeu os dedões nos passadores da calça. Eu não estou brincando, Giennah, foi exatamente assim. - Ele se levantou do banco e parou ao meu lado, fazendo eu me virar totalmente para ele, assistindo sua performance de garoto do Alabama.
Ele prendeu os dedões, assim como ele tinha dito que o tal homem fizera, nos passadores da calça jeans que ele usava. Afastando um pouco as pernas uma da outra, ele inclinou a pélvis um pouco para a frente, como um verdadeiro grosseirão.
- Eu estava sentado em frente a bancada do bar, conversando com Caleb, quando esse cara entrou. Desse jeito, parando bem no meio da entrada. Ele usava um chapéu de cowboy também. Eu estava meio bêbado, então comecei a rir da sua postura. Pelo amor de Deus, quem chega em um bar eletrônico como se estivesse prestes a se preparar para uma troca de tiros do velho oeste?!
- E você não pensou que ele poderia estar mesmo armado? Você é louco! - Retruquei.
- É aí que você se engana. E não me controlei. Culpo parcialmente o álcool por isso, mas duvido que eu não riria mesmo se estivesse sóbrio. O cara olhou pra mim, já que eu estava bem na frente dele, meio de lado, o encarando. O homem chegou mais perto, e perguntou, com a voz bem grossa, do que eu estava rindo.
- Eu não sei se essa história vai terminar bem, Thomáz...
- Espera, você já vai ouvir. Eu estava muito corajoso naquele dia, sabe? Então, eu me empertiguei no lugar e o encarei, ainda rindo. Eu não pude controlar. Ele perguntou novamente qual era o meu problema, então eu disse ''Você só pode estar de brincadeira! Essa calça é um arraso! Eu tive uma dessas.'' O cara aparentemente viu que eu estava zoando com a cara dele, mas eu dei a cartada final dizendo '' Sabe, eu lembro da primeira vez que eu entrei nesse bar com uma calça dessas. O meu amigo aqui, Caleb, arrancou elas no mesmo momento. Ele meio que tem uma queda por cowboys com calças apertadas.'' Assim que eu olhei para o meu amigo, ele lambeu os lábios como quem devora um prato de doces na vitrine apenas com o olhar. O homem deve ter se sentido tão fragilizado, ou... sabe, com a postura falsa de machão tão abalada, que encarou meu amigo mais uma vez, e então deu meia volta e saiu do bar.
Eu não sabia muito bem o porquê, mas ri assim que Thomáz terminou de contar mais uma das suas histórias com o amigo barista Caleb. Eu estava adorando ouvir sobre ele, e disse que assim que eu fosse para a Califórnia, adoraria conhece-lo. Eu ria enquanto levava a taça de vinho até os lábios mias uma vez.
- Eu nunca vou esquecer esse dia. Foi hilário. - Disse ele em uma fala arrastada.
Meio cambaleante, Thomáz se aproximou e estendeu a mão para mim, me convidando a levantar. Dei mais um gole no vinho e coloquei a minha mão na sua, me levantando em seguida. Parei na sua frente, um pouco tonta por ter levantado rápido demais.
- Eu quero fazer uma coisa agora. Então, por favor, vá para o sofá que eu já volto.
Ele passou por mim sem dizer mais nada, enquanto eu arqueei os lábios, não entendo muito bem, mas indo até o sofá e me sentando em cima das pernas cruzadas. Eu estava com um short jeans e uma camiseta branca, nada demais. Até então, estávamos sozinhos nessa casa imensa, e depois do almoço, assistimos filmes. Thomáz me disse que o nosso final de semana não seria apenas isso, então eu estava curiosa pelo que mais poderia acontecer. Tínhamos aberto uma garrafa de vinho, e começamos a conversar sobre novos amigos, trabalho, e sobre outras coisas que aconteceram nesse tempo em que não tivemos contato. Foi bom falar da minha vida para ele, me abrir um pouco mais, e ouvir sobre a dele. Eu não podia negar que estava curiosa sobre o que ele andara fazendo, e me senti verdadeiramente bem em saber que ele estava feliz.
Thomáz entrou na sala com um violão de madeira escura brilhante nas mãos, enquanto caminhava até onde eu estava. Me mexi um pouco no sofá, vendo sua figura forte e alta andando até mim com um rebolar quase imperceptível dos quadris. Ele usava uma camisa de botões branca e leve, uma calça jeans de lavagem clara e estava descalço. Eu não podia ignorar o fato de que ele estava mais bonito do que nunca, mas podia fingir que não me importava tanto, mesmo que fosse quase impossível controlar as reações do meu corpo perto do dele. Ele se sentou do meu lado esquerdo, na beirada do sofá, encaixando o violão na coxa direita. Eu não pude evitar um suspiro de antecipação. Ele ia tocar algo. Eu não estava pronta para isso. Fazia tanto tempo que eu não o ouvia cantar... A última vez fora em um momento de tanta tensão entre nós, que era impossível esquecer.
Ele mexeu nas cordas antes de olhar para mim com um sorriso de lado quase imperceptível.
- Eu escrevi essa música há dois anos. - Sua voz estava claramente arrastada, sendo consequência do álcool, mas ele olhava com firmeza, sem aparentar estar levemente bêbado a não ser pela voz. - Eu estava meio perdido. Você tinha saído da minha vida, mas não da minha cabeça. Eu estava totalmente vulnerável nessa noite, tanto que foi nessa mesma noite que eu escrevi aquela carta para você. Essa música foi... Não sei dizer. Acho que atingiu a superfície do que eu estava sentindo, e não sabia se um dia teria oportunidade de canta-la para você. Então... - Ele respirou fundo e começou a dedilhar o violão em uma melodia suave, sem pressa, fazendo meu coração bater mais forte do que nunca.
Sua voz se juntou nas notas do violão, e eu prendi o ar.
Mais uma madrugada
Mais um sonho
Às vezes tento imaginar o que você está fazendo
Me pego tentando adivinhar qual o ritmo da sua respiração
Só para poder sentir o seu suspiro no meu rosto
Sua voz se esvaiu, e as notas do violão se tornaram mais firmes.
Às vezes tenho medo de que sua respiração esteja igual a minha
Na verdade, eu não respiro faz muito tempo
Desde que você foi embora envolta por uma bolha de oxigênio
Água sobre a cabeça, prendo a respiração
É silencioso aqui
E se eu gritar, ninguém vai me ouvir
Não consigo tirar você da cabeça nem há metros de profundidade
Eu o encarava enquanto seu semblante foi se tornando cada vez mais rígido, quase como se estivesse sentindo dor. Como se os risos e sorrisos de minutos atrás nunca tivessem acontecido. Eu me via da mesma forma, como se aquele momento fosse uma confissão, do coração de Thomáz, para mim.
Eu grito, berro
Apenas para não sair nenhum som
Engulo tudo de volta
Mas eu já tive essa sensação antes
Porque amar você é igual a gritar debaixo d'água
Silencioso, porém alto
Agitado e ao mesmo tempo calmo
Agoniante, mas libertador
Acompanhado mentalmente, mas sozinho fisicamente
Meu rosto continuava sério, mas duas lágrimas já rolavam dos meus olhos, sem que eu pudesse freia-las.
Eu queria que cada molécula de água grudada no meu corpo enquanto afundo, fossem partes de você
Porque só assim eu reuniria cada uma delas em um abraço
E só assim, eu conseguiria chegar à superfície
Com você tão cheia, com um peso nos ombros e ao mesmo tempo tão leve
Capaz de carregar nós dois para fora de um abismo
E então você me libertaria
Sorriria para mim
Me beijaria
E então faríamos amor
E em um estalar de dedos
Seria apenas mais uma madrugada
Apenas mais um sonho
E eu afundaria novamente
Só para ser salvo por você
Seus dedos dedilharam as cordas do violão mais uma vez, encerrando a música. Eu o encarava, com as últimas notas da sua voz e do violão pairando no ar. Eu sentia o coração pesado. Me sentia tão cheia de algo que eu não fazia ideia do que era. Ele olhou para mim, sério. Meu peito subia e descia rapidamente, o rosto ainda molhado pelas lágrimas. Em um segundo, ele colocou o violão no chão, e no outro, eu estava me aproximando dele e me encaixando no seu colo. Ele estava pensando o mesmo, como se estivéssemos em sintonia. Suas mãos agarraram a minha cintura enquanto nossas bocas se chocavam. Segurei o seu rosto com as duas mãos, grudando meu corpo no seu peito, sentindo cada parte que eu podia de Thomáz pela primeira vez depois de muito tempo. Minhas mãos pararam em cima do seu peito, caçando os botões da sua camisa com os dedos, começando a abri-los. Suas mãos estavam por baixo da minha camiseta, apertando minha pele, cravando os dedos nas minhas costas com força. Nossas línguas duelavam, nossos corações batiam com força. Eu conseguia sentir por debaixo dos meus dedos.
- Eu te fiz se sentir assim? Você... Não... Não deveria ser assim. - Falei, ofegante, tentando ver sentido naquilo tudo.
Ele segurou meu rosto com as duas mãos, fitando meus olhos de uma forma severa e desejosa.
- Esse é o ponto, Giennah. Você me fez sentir algo que não fosse dor depois de muito tempo. Há amores que não substituem outros. Eu convivi por muito tempo com o amor da minha mãe, do meu irmão... Mas faltava algo que me tirasse do chão. Faltava você.
Eu o encarava, com a visão turva pelas lágrimas que ameaçavam cair.
- Mas essa música... Você sofreu por mim. Você sofreu por nós. E eu também sofri. Eu não me arrependo de ter corrido atrás do que eu queria, mas eu não acho justo ter seguido as minhas intuições e ter deixado você desse jeito... Como se... Como se você não importasse para mim. Essa música mostra um lado que eu não imaginei, Thomáz.
- Giennah, me escuta. - Disse ele, enxugando minhas lágrimas com os polegares. - O amor dói. Ele se rebela. Mas ele nunca nos fere. Onde há dor, não há amor. Mas isso não significa que ele não arda dentro da gente. Essa música diz exatamente o que eu estava sentindo. Sua falta. Você nunca me machucou, Giennah. Nunca. Não se sinta culpada por ter feito algo por você, mesmo que uma parte sua não esteja sendo ouvida no momento. Eu sei que você sabe disso, você sabe disso mais do que eu. Mas não pense que essa música signifique algo diferente do que eu quis passar nela. Que você é a minha pessoa. A minha pessoa preferida. E que só você pode me fazer sentir dessa forma. Você me salvou, de alguma forma. Antes de você, eu não me importava em receber socos, de fraturar uma costela, de quebrar um maxilar. Depois de você, eu comecei a me importar, mais do que tudo, de acabar quebrando o seu coração. Eu não podia te enjaular.
Nesse momento, Thomáz estava com os olhos úmidos da mesma forma que eu.
- Thomáz...
- Eu só digo isso, porque foi você quem me ensinou cada uma dessas sensações. Você me ensinou a ser egoísta, mas não no sentido ruim da palavra. Você me mostrou que o amor é também algo que precisamos ter por nós mesmos. Giennah... Você mudou a minha vida.
Eu o encarava, incrédula. Eu pensava da mesma forma que ele. Pensava dessa mesma forma sobre o amor, e sobre fazermos algo por nós mesmos. Mas eu ignorei qualquer uma dessas coisas quando percebi que ele poderia ter sofrido mais do que eu imaginei, por minha causa. Ignorei tudo, pensando que pudesse ter quebrado o coração da pessoa que eu amo. E então eu confirmei o que eu pensava. Ninguém sai ileso. É quando a felicidade do outro importa na mesma medida que a sua. Ele poderia ter aparentado estar feliz há cinco minutos, mas questões do coração às vezes nos surpreendiam.
Eu não disse mais nada, até porque não tinha nada mais para ser dito naquele momento. Eu apenas movi minha mão para a sua nuca e aproximei minha boca da sua novamente. Ele retribuiu, com ferocidade, com paixão, acendendo tudo o que estava até então apagado em nós dois. Agarrando minhas coxas, Thomáz levantou do sofá, comigo ainda envolta do seu corpo com as pernas e braços. Sua boca não parava enquanto ele andava até o quarto, provavelmente. Eu não ligava se fosse na parede, no chão, na escada. Eu o queria, ali e agora. Na verdade, eu o queria para sempre. Ouvi o baque da porta se fechando, provavelmente com um chute dele. Estávamos levemente bêbados, mas tínhamos plena noção do que estava prestes a acontecer, e eu não me importaria com o amanhã.
Eu soube que nada, a partir daquele momento, seria delicado, no instante em que minhas costas sentiram o colchão macio. Sorri para Thomáz, mas não de uma forma maliciosa. Sorri como se quisesse dizer ''Finalmente estamos onde queríamos estar em todo esse tempo''.
*Música totalmente autoral!
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