Capítulo 44
G i e n n a h
Eu me encaro através do espelho enquanto passo a palma das mãos pelo tecido preto do vestido. Inclino a cabeça, tentando me ver de outro ângulo, tentando achar algum defeito para tirar rapidamente esse vestido. Eu tinha aprendido a parar de odiar roupas que não fossem uma calça e uma camiseta acompanhadas de um tênis ou botas. Eu tinha aprendido muitas coisas durante esse tempo, e uma delas foi a sair de um padrão que eu me sentia confortável. Eu vinha olhando com outros olhos diversas coisas ao meu redor, e o que eu vestia foi uma delas. Notei que se eu quisesse ir para um restaurante acompanhada ou não, eu deveria fazer um esforço. Amadureci essa ideia, e agora eu vejo que nem sempre poderei usar calça só porque me agrada. Tive que parar de ser tão intolerante, e agora, me vendo com esse vestido, sinto como se o meu padrão estivesse se rebelando dentro de mim, pronto para rasgar o tecido fino. Algumas coisas nunca mudam, certo? Eu mudei essa visão principalmente por causa do trabalho. Pareceu, no início, algo banal. Roupas? Tenho coisas mais importantes com que me preocupar. Mas até isso eu vi que era algo que eu me via presa, sem tentar algo novo. Comecei a usar vestidos, saltos todos os dias. Meus pés começaram a ficar vermelhos, incômodos com a pressão em cada parte deles durante um dia inteiro andando de um lado para o outro. Mas então eu me acostumei e isso não era mais um incômodo.
Me mudei do apartamento. Comprei uma casa. Grande, arejada. Pulei de paraquedas. Fui ao cinema sozinha pela primeira vez. Viajei para outro país, Itália, sozinha. Passei três dias naquela cidade, Veneza, usufruindo da minha própria companhia. Eram dias solitários, mas eu pude conhecer gostos que eu nem sabia que tinha. Experimentei coisas que eu nunca me imaginei comendo ou vestindo, ou assistindo, e que passaram a se tornar as minhas favoritas. Normalmente, quando se sai com amigos, namorado ou qualquer pessoa, interesses e gostos se confrontam, perdendo na maioria das vezes para a insistência de um dos lados. Eu sempre perdia. Os gostos dos meus amigos sempre me pareceram melhores do que os meus próprios. Depois que refleti sobre isso, notei que eu me perdi no caminho, não saí de um padrão porque eu nunca escolhia outro modo de viver como o que eu me acostumei. Me olhando no espelho agora, vejo outro lado que eu nunca me arrisquei a ousar ser antes.
Depois que chamei Thomáz para sair, o informei que seria algo formal. Ele poderia ir da forma que ele achasse melhor, já que assim como eu, provavelmente ele também mudou o guarda-roupa. Analiso a minha imagem mais uma vez. Eu estava usando um vestido preto que ia até a panturrilha, com um tecido transparente, fino. Um outro tecido mais grosso forrava o corpo, deixando o tecido transparente aparente apenas nos ombros até o cotovelo, e na barra do vestido. A gola era sem decote. Apena isso, nada muito extravagante. Eu provavelmente acharia esse vestido digno de uma senhora de idade, mas agora, acho bonito em mim. Pelo menos até agora. Provável da minha pequena insegurança encontrar algum defeito. Desço os olhos para os sapatos, altos, preto, com o salto fino. Eu aprendi a andar neles, com um pouco de dor até me firmar, mas consegui, afinal. Subindo o olhar, deixei o cabelo solto, apenas puxado para frente, acima do peito. A bolsa era simples, pendendo do meu ombro direito. Com um suspiro, sorri, com o batom vermelho vivo se destacando nos meus lábios. Não fiz mais do que passar um rímel e um batom. Olhando para o relógio, noto ser 19:45h. Pego as chaves do carro e saio de casa.
Mando uma mensagem para ele dizendo que já estou saindo. Ele havia mudado de número, e me deu o novo. Me segurei para não ver sua foto de perfil mais de perto, mas foi inevitável. Na foto, ele estava com um boné virado para trás, segurando um cachorro marrom e muito peludo. E sorria abertamente para a câmera. Eu me perguntei por um segundo quem poderia ter tirado a foto, mas excluí esse pensamento. Entrei no carro e saí da garagem, indo em direção à casa de Julia. Respirei fundo enquanto dirigia, sem ter ideia do que conversaríamos. Eu disse que queria conhece-lo melhor até porque eu queria mesmo. Quanto do Thomáz que eu conhecia ainda está ali? Quanto ainda me... Balancei a cabeça. Nós tínhamos começado rápido demais. Dessa vez seria diferente, pensei. Na verdade, eu sentia que estava pisando em ovos. Fazia tempo que eu não ia a um encontro. Mas dessa vez seria um encontro com uma pessoa que eu tinha mesmo interesse em conhecer. Mesmo que eu não queira admitir em voz alta, eu procurava nos caras com quem eu saía, a personalidade de Thomáz. Ele tinha se tornado o modelo do cara que fazia o meu tipo. E eu me odiei por não supera-lo. Por continuar pensando em alguém que estava com outra pessoa, enquanto eu fracassava com os encontros e ainda por cima usava todas as suas características para encontrar alguém que eu realmente me identificasse. Não foram muitos, na verdade em dois anos e alguns meses, saí com quatro caras. Eu não tinha muito tempo para eles, e muito menos tempo para pensar neles, já que no meu momento livre, algumas vezes, Thomáz preenchia os meus pensamentos. Aperto o volante com mais força. Eu ficava pensando nos momentos que tivemos, e notando que todos eles, de alguma forma, me ajudaram a ser a pessoa que eu me tornei hoje.
Eu gostava da pessoa que eu era com Thomáz. Então eu passei a me tornar essa mesma pessoa, só que sozinha.
Isso me ajudou, de certa forma. Estaciono o carro em frente a casa de Julia. Assim que eu olho na direção da casa, pelo vidro, aperto os olhos. Está um pouco escuro e as luzes dispersas no jardim o iluminam. Ele está um pouco longe do portão, mas vejo que ele anda de um lado para o outro enquanto balbucia algo para o chão. Ele ergue a mão até a cabeça e passa os dedos pelos fios loiros, desarrumando o cabelo. Rio sozinha pela sua postura. Ele continua indo e voltando, pousando a mão na nuca, ainda olhando para o chão. Quando reúno coragem suficiente para sair do carro e acabar com a sua angústia, travo a mão em cima da maçaneta da porta. Ele olha para o céu, erguendo os braços e segurando atrás da cabeça com as duas mãos. O blazer que ele está usando sobe, deixando o tecido nos braços justo enquanto os músculos flexionam. Merda. Sob a luz, ainda consigo ver que ele fecha os olhos e murmura algo para o nada. Em seguida, abaixa os braços e ajeita o blazer no corpo. Ele bufa e começa a andar de um lado para o outro novamente.
Essa é a minha deixa. Abro a porta e saio do carro. Escuto o som de uma cigarra ao fundo, deixando bem claro o silêncio da noite. Caminho até o portão, sem saber se entro ou fico aqui fora enquanto o segurança avisa da minha chegada. Mas nada disso é necessário, porque como se notasse a minha presença, ele olha para onde eu estou. Ele finalmente para de andar, ficando de frente para mim. Vejo que ele engole em seco, sem tirar os olhos de mim.
- A senhorita vai entrar? – Indaga o segurança para mim.
- Acho que não vai ser necessário.
Como se tivesse se dado conta, Thomáz começa a caminhar na minha direção, fazendo com que o meu nervosismo comece. Conforme ele se aproxima, noto que ele está usando uma calça jeans preta, uma camisa de botões branca com os dois primeiros botões abertos. O blazer preto cobre os seus braços que parecem um pouco apertados e enjaulados dentro do tecido. Ele está usando tênis pretos e que parecem novos sob a luz e a proximidade. Franzo o cenho levemente, mas sorrio de lado para ele. Como se a minha expressão fosse um suspiro em meio à sua falta de ar, ele respira e ergue o canto esquerdo da boca também. O segurança abre o portão e ele atravessa, ficando cara a cara comigo, próximo o bastante para eu sentir o cheiro do seu perfume. Forte, intenso, inebriante. Olho para o seu peito, pronta para falar algo, mas me arrependo no momento em que me deparo com uma parte do seu peito exposta pelos primeiros botões abertos. Merda. Volto a olhar para os seus olhos, que varrem o meu corpo.
- Eu disse que seria algo formal, não disse? – Pergunto, atraindo o seu olhar para o meu novamente.
- Sim, disse. – Ele olha para as próprias roupas e puxa os dois lados do blazer, revelando mais da camisa branca. – Estou formal, não estou?
- Bom, se as pessoas olharem apenas para a parte de cima, vão notar que você está formalmente vestido.
Ele sorri, muito mais relaxado do que a minutos atrás.
- E se olharam para a parte de baixo, o que elas vão encontrar, Jones?
Pisco algumas vezes até notar a malícia por trás da sua voz. Não consigo controlar o sorriso que se fixa no meu rosto. Definitivamente, algumas coisas nunca mudam. Por um segundo, vejo nós dois há dois anos, dizendo coisas maliciosas sem verdadeiramente dizer, coisas que apenas nós dois entendíamos. Eu procurei essa característica em outros caras, mas isso era genuíno demais para ser forçado. Era algo dele, apenas dele.
- Nada além de uma pessoa que não conseguiu ser formal completamente. – Respondo.
- Eu não posso dizer o mesmo de você. – Ele ergue as mãos na minha direção, balançando a cabeça enquanto fala. – Você está... linda. Linda pra caralho. – Ele parece se dar conta da intimidade que começamos a ter e se corrige. – Quer dizer, desculpe pelo palavrão, mas eu não me arrependo de ter dito. – Ele sorri.
Pressiono os lábios um no outro, tentando não transparecer o quanto eu gostei do seu elogio. E em um segundo eu me sentia uma adolescente. Eu precisava manter o foco.
- Se você quiser ficar aqui, no escuro e em pé, não há problema. Só espero que você diga se é o que pretende fazer.
Ele pigarreia e concorda com a cabeça, dando um passo para o lado, dando a entender que podemos ir. Ele hesita na porta do motorista, provavelmente se perguntando se deve abrir ou não a porta para mim. A porta do meu carro. Puxo a maçaneta e abro eu mesma, sorrindo para ele antes de entrar e fechar a porta. Ele assente para si mesmo antes de dar a volta no carro e entrar pelo lado do passageiro. Assim que dou partida no carro, o silêncio se estabelece, sem dar lugar para nenhum começo de conversa. Com o canto do olho, vejo que suas mãos estão uma em cada coxa, relaxadas. Foco na rua à minha frente novamente. Quando o sinal fecha, ele finalmente quebra o silêncio.
- Você pretende me dizer aonde estamos indo?
Me viro para ele. Seu rosto está iluminado pela luz vermelha do carro a nossa frente, mas mesmo parecendo um pimentão, ele fica perigosamente bonito, como eu havia guardado na minha memória.
- Não, não pretendo.
Ele franze os lábios e olha para a frente.
- Uma surpresa, então.
- Sim, uma surpresa.
- Sabe, mesmo agora, nesse carro, com você, parece que eu estou em mais um dos meus sonhos malucos e surreais que eu tenho tido. Parece que a qualquer momento eu vou acordar e ver que ainda estou na minha casa, e vou ficar frustrado como quando acordo de todos eles.
Sua confissão me pega de surpresa. No mesmo momento, o sinal abre, sendo uma ótima desculpa para não olhar na sua direção. Forço o maxilar e aperto o volante. As palavras de Thomáz sempre me afetaram de alguma forma, e sentir isso novamente é como se eu também estivesse nos meus sonhos malucos. Saber que ele também os teve faz com que a mão que segura o meu coração se fechasse mais um pouco.
- Sonhos? – Pergunto porque preciso saber se eles também, por coincidência, se assemelham com os meus. E por algum motivo, eu quero desesperadamente ouvir ele dizendo que pensou em mim assim como eu pensei nele.
- Sim.
Mas ele diz apenas isso. Eu me controlo para não parecer desesperada, mas eu não quero mais mentiras, nem disfarces. Eu sempre fui eu mesma perto dele, e aprendi a ser assim mesmo longe da sua presença.
- E como eles eram? – Pergunto, virando na rua do restaurante.
- Você não acreditaria, e provavelmente fugiria de mim.
Olho para ele por um segundo.
- Eu nunca mais vou fugir de você.
Nosso olhar se prende por mais alguns segundos antes de eu desviar e olhar para a frente, indo na direção do manobrista.
Ele permanece em silêncio por um momento, e quando penso que ele não vai responder, ouço sua voz:
- Um deles se repete mais do que outros, e nele você estava vestindo um vestido branco e usava um véu. – Ele pausa. Suas mãos que antes estavam relaxadas, agora estão entrelaçadas no meio das pernas. – E estávamos no Farol. Você sorria pra mim. E você estava linda e eu... Bom, eu não conseguia focar a visão em mais nada a não ser em você.
Paro o carro no lugar em que o manobrista indica com as mãos. Respiro fundo antes de responder algo, mesmo que eu não saiba o que falar. Eu fui pega totalmente de surpresa.
- Parece um...
- Casamento. Sim, parece. – Ele me corta.
Sim, parece um casamento.
Saímos do carro e entrego as chaves para o manobrista. Thomáz me espera na calçada, e quando o alcanço, sua mão se dirige para o fim das minhas costas. Desde que nos abraçamos mais cedo, no desespero, eu sentia cada parte do seu aperto como se ele ainda estivesse circundando a minha cintura. Essas pequenas coisas aqueciam a minha pele como rastros de fogo em gasolina. Dispenso esses pensamentos e foco minha atenção na recepcionista. Eu havia reservado uma mesa para dois na área aberta do restaurante, então quando dei o meu nome, a mulher nos dirigiu até a mesa. No caminho, analisei a área fechada do lugar. Eu já tinha vindo aqui antes, mas mesmo assim não deixava de ser bonito e digno de deslumbramento. O espaço era arejado, e não totalmente fechado por paredes. Nas três extremidades, onde deveriam haver janelas ou parede, era totalmente aberto, dando acesso à área externa. O ambiente era iluminado por luzes quentes, amareladas. As mesas eram postas com um arranjo de flores no centro, e poltronas. No teto havia lustres pequenos. Quando chegamos na parte externa, corri os olhos pelos fios com pequenas luzes que transformava o céu em uma tenda com bolinhas brilhantes. Era uma verdadeira rede de luzes. Eu havia optado por uma mesa próxima ao pequeno palco, que ficava próximo ao muro de vidro que dava uma visão bem arejada da rua iluminada de Woodland. Se eu pudesse comparar a cidade com alguma outra, diria que ela era bem parecida com a Carolina do Norte.
Depois que nos sentamos, eu de frente para o palco e Thomáz à minha frente, o garçom já nos entrega os cardápios.
- Você gosta de restaurantes chiques? – Perguntou ele depois que o garçom vai embora.
Olhei para ele por cima do cardápio, mas seus olhos estavam focados no grande menu de comidas.
- Não são todos. Esse é o único que eu venho.
- E o que você costuma pedir?
- Macarrão ao molho branco. É o melhor que já comi.
Seus olhos se voltam para os meus.
- Então quero um igual.
Chamamos o garçom e depois de anotar os pedidos e dois drinks, ele desaparece novamente.
Ficamos nos encarando sem dizer nada. Apenas nos olhamos, talvez sem saber como realmente começar uma conversa depois de dois anos e alguns meses sem nos vermos. Ainda parece surreal vê-lo aqui, na minha frente. Parece que perdemos anos da vida um do outro, o que de fato aconteceu, e ele era um estranho, mas ao mesmo tempo eu via uma pessoa que eu conhecia há muito tempo. Eu não sabia definir o que eu sentia naquele momento.
Ele inspira e expira de forma exagerada.
- Eu não faço ideia de como começar isso, Giennah. Eu quero conversar com você, quero te conhecer, na verdade quero conhecer a pessoa que você se transformou. Quero saber tudo, mas a única coisa que eu quero agora, é contra as regras do primeiro encontro.
Deixo uma risada escapar, e ele sorri por isso. Isso foi bom para quebrar o silêncio que pesava sobre nós.
- Se isso te conforta, eu também não sei por onde começar.
- Podemos tentar de outra forma, como um jogo.
Franzo o cenho.
- Bom, temos 23 anos. Um jogo seria a melhor forma de começar uma conversa adulta?
Ele dá de ombros. Nesse momento, nossas bebidas chegam. Dou um gole no meu drink e ele também.
- É um jogo de perguntas e respostas. Mas é uma forma de conseguirmos pelo menos começar.
- E você já tentou isso antes?
- Sim, e envolvia pizza.
Sorrio e concordo com a cabeça. Eu me lembrava muito bem desse dia no corredor.
- Tudo bem. Espero que dê certo. Comece, então.
Ele toma mais um gole da bebida e se empertiga na mesa antes de se inclinar na minha direção.
- Qual o nome dos seus pais?
Assinto com a cabeça, gostando de como ele começou.
- Meu pai se chama Anthony Jones e minha mãe Maggie Anne Jones.
Ele assentiu.
- Sua vez.
Sem querer ir direto no assunto que ele uma vez comentou comigo sobre seu pai, decido pular esse tipo de pergunta.
- Qual a sua formação mesmo?
- Sou formado em administração. Foi mais por causa dos negócios dos meus pais. Como eu sempre tive o sonho de sair daqui e ter o meu próprio lugar e trabalhar com algo relacionado a motos, mesmo que eu não soubesse o quê, eles me pressionaram um pouco para pelo menos ter um currículo que me ajudasse a administrar o escritório antes de entregar ele para o meu irmão. No final foi até bom para mim, porque com o conhecimento em administração, eu poderia cuidar do meu próprio negócio.
- Isso é bom! Parabéns.
Ele sorri.
- Obrigado. Como foi o começo da sua carreira como juíza? – Ele perguntou.
- Difícil. Eu tive dias em que não dormia, via o dia amanhecer, só para estar devidamente preparada para o que me aguardava. Foram dias exaustivos, mas eu amava o que eu fazia. Acho que isso é a chave de tudo.
- Eu me orgulho muito disso. – Ele diz, como se estivesse pensado alto.
Eu sinto uma ardência nas bochechas e tomo um gole da minha bebida. Ouvir isso dele era o que eu mais queria na época em que os dias pareciam não terminar nunca e o cansaço tentava me vencer.
- Obrigada.
A comida chega, o que nos faz dispersar da conversa.
- Wow, parece estar com uma cara ótima – diz ele.
- Você vai ficar nas nuvens quando experimentar.
Comemos em silêncio, enquanto o cantor no palco começa a cantar uma música que eu não identifico.
Thomáz elogia a comida e se concentra no seu prato. Enquanto foco nas minhas garfadas, chego à conclusão que isso está desconfortável para nós dois. O clima ainda parece pesado, palpável, forçado, até. Eu penso por um momento, se essa tentativa não vai dar certo. Se aquela química que nos unia não existisse mais. É impossível não me culpar por isso. Como se o motivo do nosso desconforto se devesse ao dia em que o afastei. Mas naquele momento, foi a coisa certa a se fazer. Eu não pensei no futuro. Não pensei que um dia eu fosse encontra-lo no Tribunal, e que tudo o que eu reprimi durante esse tempo voltasse à tona. Eu tinha perdido o controle dos meus sentimentos no momento em que o vi depois de dois anos.
Terminamos de comer e uma garçonete se aproxima para pegar os pratos. Agradecemos e nos olhamos, nos perguntando em silêncio o que fazemos agora. Olho ao nosso redor, vendo alguns casais que em algum momento haviam se levantado e estavam dançando na pista de dança, o final de uma música que dessa vez era tocada por um DJ. Vi o corpo de Thomáz se levantar da cadeira e se aproximar de mim. Ouço a música acabar e outra começar. Thinking out Loud do Ed Sheeran, para ser específica. Ele estende a mão para mim como um perfeito cavalheiro que no fundo eu sabia que ele era.
- Uma dança? – Pede.
Olho mais uma vez ao redor e em seguida me volto para ele novamente. Sorrio e sem dizer nada, coloco a minha mão na dele. Caminhamos até a pista de dança. O lugar é realmente lindo, principalmente com a rede de luzes sobre nossas cabeças. Me posiciono na sua frente. Sua mão direita segura a minha esquerda e a sua outra mão me segura nas costas. Com um movimento sutil, ele me aproxima do seu corpo. Penso que ele vai deixar algum espaço entre nós, mas prendo a respiração quando nossos corpos se encostam. Peito com peito. Respiração com respiração. Calor com calor. Coração com coração. As minhas batidas se agitam de repente, como se enfim, tivesse se conectado com o responsável pela minha agitação interna. Estamos na mesma altura, olhando nos olhos um do outro. Seus olhos azuis se escurecem enquanto nos movemos no ritmo da música lenta. Não sei bem como consigo me mover, ainda mais com nossos corpos tão juntos. De alguma forma isso é bem melhor do que forçar uma conversa que estava fadada a ser forçada. Poderíamos tentar de outra forma, mas agora eu só conseguia pensar naquela cena. Ele aproximou o rosto do meu pescoço e eu deitei minha cabeça no seu ombro.
Eu senti que enfim tinha encontrado a única coisa que me faltava, algo que preencheu o espaço que faltava no meu coração. Eu queria ser sincera comigo mesma, então não neguei que queria desesperadamente Thomáz de novo. Queria nossa intimidade, nossas conversas banais, nossos beijos. Tudo. A música favoreceu em tudo, e nossos corpos se moviam naturalmente, como se já se conhecessem, como se todo esse tempo fosse apenas algumas horas longe um do outro e que nada era diferente de como deixamos. Thomáz era a única coisa na minha vida que eu não queria mudar. Ergui minha cabeça do seu ombro e o encarei novamente.
- Se você disser a mesma coisa que me disse há dois anos, naquele elevador, se você ainda quiser a minha resposta, se ainda está disposto a ser o que disse que seria, eu vou responder com a maior certeza que eu já tive.
Ele franze o cenho por um momento, talvez tentando lembrar do momento no elevador. Ele abre os lábios e relaxa o cenho, como se tivesse entendido o que eu quis dizer.
Diga, Giennah. Diga e eu serei seu. Só seu.
Meu coração afunda no peito, me recordando da minha resposta sincera. Era algo que eu precisava dizer, mas não significava que eu não senti o meu coração se quebrar assim que eu disse aquelas palavras.
Ele demora para responder, ainda movendo nossos corpos pela próxima música que começa a tocar. Ele aproxima o rosto do meu, fazendo o meu nariz tocar na sua bochecha, roçando na sua barba curta. Sinto seus lábios se moverem na minha orelha quando ele sussurra:
- Por que eu diria isso novamente se eu nunca deixei de ser seu? Por que eu reivindicaria você, se você já pertence a alguém? Porque naquela noite, você partiu o meu coração, Giennah, mas naquela noite, você passou a ser de si mesma. Eu quero você pra mim, todos os dias, mas eu quero que você seja minha de outra forma. – Eu perco o ar por um momento. Quando eu pedi para ele repetir o que disse, eu não pensei no sentido de ser dele de forma possessiva. Queria ter o lugar no seu coração, da mesma forma que eu tive antes. – Quero e sempre quis, desde que eu comecei a te amar, você para dividir tudo comigo. Poder passar todo o meu tempo com você, sentir você, beijar você. Mas você é completa agora. Não precisa de mim. – Ele se afasta da minha orelha e volta a olhar nos meus olhos. – Você me ensinou isso, e eu sou grato por ter conhecido você e ter aprendido com você. Então a única coisa que eu poderia dizer é: diga que está pronta, e eu serei completo com você.
Nesse momento, meus olhos começam a ficar úmidos, turvando a minha visão. Eu queria gravar essas palavras de Thomáz, queria responder algo, mas a única coisa que eu consigo fazer é colar os meus lábios nos seus. Ele inspira, e me aperta mais no seu corpo, retribuindo com tudo de si.
No instante em que toco a sua bochecha com a mão e minha língua encosta na sua, eu sei que aquele gesto é a resposta. Palavra e nem resposta nenhuma poderiam chegar perto do que aquele beijo significou. Sempre o que importou foram gestos, e isso Thomáz fazia muito bem. Quando sinto o seu gosto novamente, chego à conclusão que sim, algumas coisas nunca mudam.
Último capítulo do ano e gostaria de agradecer a vocês que leram Neighbors até aqui, (não, esse não é o último cap ainda) e que deram uma chance para o meu livro. Sintam como se esse capítulo fosse o meu obrigada por tudo, e que em 2020 nós finalmente fecharemos Neighbors e veremos o desfecho de Giennah e Thomáz. Feliz 2020!!🍃✨
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